Na matemática, a teoria das categorias provê uma linguagem interdisciplinar capaz de delinear resultados e construções gerais, separando-os dos específicos a cada área, possibilitando a simplificação e clarificação de demonstrações. A teoria centra-se nos conceitos de categoria, que é uma abstração do conceito de composição de funções, de functor, transformações entre categorias, e de transformação natural, a qual provê um significado preciso para expressões como "natural" e "canônico".[1]
O conceito de categorias, functores e transformações naturais, em maior generalidade, foi introduzido por Samuel Eilenberg e Saunders Mac Lane, em 1945, em seu artigo "General Theory of Natural Equivalences". Nos anos seguintes, a teoria das categorias foi empregada na topologia algébrica e álgebra homológica, por Norman Steenrod, Alexander Grothendieck e outros. Em 1958, Daniel Kan descobre o conceito de functores adjuntos, que, segundo Mac Lane, são "onipresentes na matemática".[2][3][4][5] Desde então, houve diversos desenvolvimentos.[6]
Sendo de alto nível de abstração, é recomendada, antes do estudo de teoria das categorias, familiaridade de conceitos básicos de álgebra linear, álgebra abstrata e topologia, por exemplo.[1]
Categoria
Uma categoria Predefinição:Math consiste nos seguintes elementos:
- Uma coleção de objetos de Predefinição:Math.
- Para cada dupla Predefinição:Math de objetos, uma coleção de setas (ou morfismos) do domínio (ou origem) Predefinição:Math até o contradomínio (ou destino) Predefinição:Math, para as quais são usadas a notações Predefinição:Math e Predefinição:Math.
- Para cada objeto Predefinição:Math, uma seta de Predefinição:Math até Predefinição:Math, chamada identidade Predefinição:Math.
- Para cada tripla de objetos Predefinição:Math, uma operação de composição, levando
- cada seta Predefinição:Math e cada seta Predefinição:Math a uma seta Predefinição:Math.
- Devem ser satisfeitas as igualdades:
- (Lei da identidade) Para todos objetos Predefinição:Math e todas as setas Predefinição:Math, vale Predefinição:Math.
- (Associatividade) Para todos objetos Predefinição:Math e todas as setas Predefinição:Math, Predefinição:Math e Predefinição:Math, vale Predefinição:Math.[7][8][9]
Há, por exemplo, categorias:
- cujos objetos são conjuntos, e cujos morfismos são funções entre conjuntos;
- cujos objetos são grupos, e cujos morfismos são homomorfismos de grupos;
- cujos objetos são espaços topológicos, e cujos morfismos são funções contínuas;
- cujos objetos são os elementos de um conjunto pré-ordenado fixo Predefinição:Math, e tal que, para quaisquer objetos Predefinição:Math, o número de morfismos Predefinição:Math é exatamente um se Predefinição:Math, e zero se Predefinição:Math.[10]
- cujos objetos são vértices de um grafo, e cujos morfismos são caminhos nesse grafo.[11]
Nestes dois últimos exemplos, percebe-se que os objetos podem não ter "elementos", e os morfismos podem não ter relação com funções.
Para a representação de relações entre os morfismos, usam-se diagramas consistindo de alguns dos objetos e setas de uma categoria; uma sequência de setas, cada uma tendo destino coincidindo com a origem da seguinte, representa a composição de morfismos correspondentes. Um desses diagramas é chamado diagrama comutativo quando quaisquer duas sequências de setas que iniciam num mesmo objeto, e que terminam também num mesmo objeto, têm composições iguais.[12][13]
Dualizar consiste em inverter o sentido de cada uma das setas em um diagrama; cada categoria tem uma categoria oposta. Desse modo, os teoremas e definições em teoria das categorias se organizam em duplas, um enunciado sendo obtido do outro trocando cada categoria pela oposta; por exemplo, um epimorfismo é um monomorfismo na categoria oposta, um coproduto é um produto na categoria oposta etc.[14]
Tipos de morfismos
Como os objetos de uma categoria podem não ter "elementos", generalizações de conceitos como função injetiva e função sobrejetiva devem envolver somente setas, e pode haver mais de uma generalização possível.
Como uma categoria consiste de setas, nossa disciplina também poderia ser descrita como aprender como viver sem elementos, usando setas em vez deles. | ||
Como exemplo, generalizando o conceito de função injetiva, um morfismo Predefinição:Math é chamado monomorfismo se e só se
- para todo objeto Predefinição:Math e morfismos Predefinição:Math satisfazendo Predefinição:Math, vale Predefinição:Math.
Na categoria dos conjuntos, na categoria dos grupos e na categoria dos espaços topológicos, os monomorfismos são exatamente as funções injetivas.[16] Já um morfismo Predefinição:Math é chamado seção se e só se existe Predefinição:Math tal que Predefinição:Math. Toda seção é um monomorfismo, mas a recíproca pode falhar; com efeito, na categoria dos grupos abelianos, as seções são exatamente os homomorfismos de grupos abelianos Predefinição:Math que são injetivos e tais que Predefinição:Math é a soma direta da imagem de Predefinição:Math com algum subgrupo de Predefinição:Math.[17]
Dualizando, um morfismo Predefinição:Math é um epimorfismo se e só se
- para todo objeto Predefinição:Math e morfismos Predefinição:Math satisfazendo Predefinição:Math, vale Predefinição:Math.
Na categoria dos conjuntos, os epimorfismos são precisamente as funções sobrejetivas. Na categoria dos anéis, no entanto, a inclusão Predefinição:Math é um epimorfismo não sobrejetivo.[18]
Como outro exemplo, um isomorfismo é um morfismo Predefinição:Math tal que há Predefinição:Math satisfazendo Predefinição:Math e Predefinição:Math. Na categoria dos espaços topológicos, os isomorfismos são precisamente os homeomorfismos.[19]
Propriedade universal
Construções como produto cartesiano, soma direta, e espaço funcional podem ser generalizadas para todas as categorias. Com exemplo, dados objetos Predefinição:Math numa categoria Predefinição:Math, um objeto Predefinição:Math, junto a morfismos Predefinição:Math e Predefinição:Math, forma um sistema de produto categorial (binário) se e só se, para qualquer outro objeto Predefinição:Math e quaisquer morfismos Predefinição:Math e Predefinição:Math, existe único morfismo Predefinição:Math tal que Predefinição:Math e Predefinição:Math.
Dualmente, há o conceito de coproduto (binário). Na categoria dos conjuntos, os produtos correspondem aos produtos cartesianos, e os coprodutos correspondem às uniões disjuntas. Na categoria dos grupos abelianos, os produtos e coprodutos binários coincidem, e são chamados de soma direta.[20][21]
Uma propriedade universal é uma propriedade que envolve a existência de único morfismo que faz certo diagrama comutar. Maneiras de definir rigorosamente o conceito incluem functores representáveis e limites e colimites.[22][23]
Functor
Um functor é uma correspondência entre objetos de duas categorias que pode ser estendida a uma correspondência entre morfismos, de modo que sejam preservadas as identidades e as composições. Mais precisamente, dadas categorias Predefinição:Math e Predefinição:Math, um functor (covariante) de Predefinição:Math até Predefinição:Math, escrito Predefinição:Math, consiste
- de uma atribuição, a cada objeto Predefinição:Math, de um objeto Predefinição:Math,
- de uma atribuição, a cada morfismo Predefinição:Math, de um morfismo Predefinição:Math,
satisfazendo
- Predefinição:Math para cada objeto Predefinição:Math,
- Predefinição:Math para cada dupla de morfismos Predefinição:Math e Predefinição:Math.
Exemplos de correspondências que podem ser estendidas a functores são: a correspondência entre cada conjunto Predefinição:Math e seu conjunto de partes Predefinição:Math (levando cada Predefinição:Math à função Predefinição:Math, de imagens de subconjuntos de Predefinição:Math); a correspondência entre cada anel comutativo Predefinição:Math e seu grupo de matrizes invertíveis Predefinição:Math de ordem Predefinição:Math.[25]
Noutros casos, há um functor contravariante, atribuindo um morfismo Predefinição:Math a cada morfismo Predefinição:Math, e invertendo a ordem das composições. Exemplos de correspondências que podem ser estendidas a functores contravariantes são: a correspondência entre cada conjunto e seu conjunto de partes (levando cada Predefinição:Math à função Predefinição:Math, de pré-imagens de subconjuntos de Predefinição:Math); a correspondência entre cada espaço vetorial e seu espaço dual; a correspondência entre cada anel comutativo e seu espaço de ideais primos.[26]
Transformação natural
Intuitivamente, uma transformação natural é uma família de morfismos numa categoria dados simultaneamente por uma mesma definição, sem depender de escolhas "arbitrárias". Por exemplo, para cada Predefinição:Math espaço vetorial, há mapeamento linear natural Predefinição:Math de Predefinição:Math ao dual de seu dual, dado por Predefinição:Math. Mais precisamente, uma transformação natural entre functores Predefinição:Math é uma família de morfismos Predefinição:Math, para cada Predefinição:Math objeto de Predefinição:Math, satisfazendo
- para qualquer morfismo Predefinição:Math, Predefinição:Math.[28]
Eis exemplos:
- A projeção Predefinição:Math de cada grupo em sua abelianização (quociente pelo subgrupo comutador) pode ser representada como uma transformação natural.[29]
- A dualidade de Pontryagin pode ser descrita como a existência de isomorfismo natural Predefinição:Math, para cada Predefinição:Math grupo abeliano localmente compacto, onde Predefinição:Math denota o grupo topológico dos homomorfismos contínuos de Predefinição:Math a Predefinição:Math, grupo multiplicativo dos complexos de valor absoluto um.[30]
Functores e transformações naturais permitem definir o conceito de equivalência de categorias.
Adjunção
Uma adjunção entre functores Predefinição:Math e Predefinição:Math é uma família natural de isomorfismos, para quaisquer objetos Predefinição:Math de Predefinição:Math e Predefinição:Math de Predefinição:Math,
- Sendo Predefinição:Math a categoria de conjuntos e Predefinição:Math a categoria de espaços vetoriais sobre um corpo fixo Predefinição:Math, a adjunçãoonde Predefinição:Math é um espaço vetorial de base indexada pelo conjunto Predefinição:Math, e Predefinição:Math é o conjunto de elementos do espaço vetorial Predefinição:Math.[31]
- Sendo Predefinição:Math a categoria de conjuntos e Predefinição:Math a categoria de grupos, a adjunçãoonde Predefinição:Math é o grupo livre no conjunto Predefinição:Math, e Predefinição:Math é o conjunto de elementos do grupo Predefinição:Math.
- Sendo Predefinição:Math a categoria dos espaços métricos completos (cujos morfismos são os mapeamentos uniformemente contínuos) e Predefinição:Math a categoria dos espaços métricos, a adjunçãoonde Predefinição:Math é a completação do espaço métrico Predefinição:Math, e Predefinição:Math.[32]
- Sendo Predefinição:Math a categoria dos grupos abelianos, e sendo Predefinição:Math grupo abeliano fixo, a adjunçãoonde Predefinição:Math denota o produto tensorial entre grupos abelianos, e Predefinição:Math denota o grupo abeliano de homomorfismos de grupo Predefinição:Math.[33]
- Sendo Predefinição:Math a categoria dos espaços topológicos e Predefinição:Math a categoria dos espaços compactos de Hausdorff, a adjunçãoonde Predefinição:Math é a compactificação de Stone–Čech de Predefinição:Math, e Predefinição:Math.[34]
Se um functor Predefinição:Math é adjunto esquerdo a Predefinição:Math, a composição Predefinição:Math faz parte de uma mônade em Predefinição:Math.[35]
Aplicações
Abaixo, seguem algumas aplicações elementares da teoria das categorias.
- Functores são usados para expressar conceitos de topologia algébrica; com efeito, foi nessa área que o conceito começou a ser reconhecido.[36]
- Os teoremas do functor adjunto podem ser usados para demonstrar a existência (e propriedades) de grupos livres, monoides livres, anéis livres etc. (mas não "corpos livres", que não existem), da compactificação de Stone–Čech e de "maiores quocientes de Hausdorff".[37][38]
- Como adjuntos esquerdos são functores cocontínuos, Predefinição:Math, onde Predefinição:Math denota o grupo livre, Predefinição:Math denota a união disjunta, e Predefinição:Math denota o produto livre (coproduto de grupos).
- Se Predefinição:Math é um Predefinição:Mathbimódulo, o functor Predefinição:Math é adjunto esquerdo, logo cocontínuo, e em particular é functor exato direito (não "exato esquerdo"); isto tem aplicações à álgebra homológica.[39]
- O grupo Predefinição:Math dos [[inteiro p-ádico|inteiros Predefinição:Math-ádicos]] pode ser descrito como o limite do functor representado diagramaticamente pore o grupo Predefinição:Math de Prüfer pode ser descrito como o colimite do functor representado diagramaticamente por[1]
- Mônades são usadas na linguagem de programação Haskell para modelar, por exemplo, a manipulação de estado global e o não determinismo.[40]
- Tom Leinster emprega teoria das categorias para construir um objeto inicial numa categoria envolvendo espaços de Banach, dando, assim, uma caracterização alternativa do espaço Predefinição:Math das funções Lebesgue-integráveis no intervalo Predefinição:Math.[41]
Referências
- ↑ 1,0 1,1 1,2 Predefinição:Harv
- ↑ Predefinição:Harv
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- ↑ «Category Theory». Stanford Encyclopedia of Philosophy. Consultado em 20 de abril de 2020
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- ↑ Predefinição:Harv. Texto original: "Since a category consists of arrows, our subject could also be described as learning how to live without elements, using arrows instead."
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- ↑ Predefinição:Harv. Texto original: […] whenever new abstract objects are constructed in a specified way out of given ones, it is advisable to regard the construction of the corresponding induced mappings on these new objects as an integral part of their definition.
- ↑ Predefinição:Harv
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- ↑ Predefinição:Harv. Texto original: It is not too misleading, at least historically, to say that categories are that one must define in order to define functors, and that functors are what one must define in order to define natural transformations.
- ↑ Predefinição:Harv
- ↑ Predefinição:Harv
- ↑ «Pontrjagin dual – nLab». Consultado em 20 de abril de 2020
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- ↑ Wadler, Philip (agosto de 2001). «Monads for functional programming» (PDF). Departamento de ciência da computação, Universidade de Glásgua. Consultado em 28 de fevereiro de 2020
- ↑ Leinster, Tom (maio de 2006). «A universal Banach space». Consultado em 22 de abril de 2020
Bibliografia
- ADÁMEK, Jiří; HERRLICH, Horst; STRECKER, George E. (2004). Abstract and Concrete Categories: The Joy of Cats. [S.l.: s.n.]
- MAC LANE, Saunders (1998). Categories for the Working Mathematician. Col: Graduate Texts in Mathematics 2 ed. [S.l.]: Springer. ISBN 0-387-98403-8
- RIEHL, Emily (2014). Category Theory in Context. [S.l.: s.n.]
- DUREN, Peter (1988). AMS History of Mathematics, Volume 1: A Century of Mathematics in America, Part I. [S.l.]: American Mathematical Society. ISBN 0-8218-0124-4
- EILENBERG, Samuel; MAC LANE, Saunders (1945). «General Theory of Natural Equivalences» (PDF). Transactions of the American Mathematical Society. Consultado em 20 de abril de 2020
- FREYD, Peter (1964). Abelian Categories: An Introduction to the Theory of Functors. Col: Harper's Series in Modern Mathematics. [S.l.]: Harper & Row