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Reforma agrária

Reivindicação de Reforma Agrária em Jacarta, na Indonésia.

Reforma agrária é a reorganização da estrutura fundiária com o objetivo de promover e proporcionar a redistribuição das propriedades rurais, ou seja, efetuar a distribuição da terra para realização de sua função social.

Antecedentes

Alguns estudiosos da Bíblia afirmam que os versículos 8 a 17, do Capítulo 25 do Levítico, preveem uma reforma agrária que deveria ocorrer a cada 50 anos (ano do jubileu).[1]

Métodos e estratégias

Há divergências teóricas sobre o método a se seguir para a redistribuição da terra. Na história do Brasil, houve a proposta da Reforma Agrária, que sugere a distribuição feita institucionalmente, além de vertentes que propõem uma Revolução Agrária, consistindo numa reforma feita pela força.

Existem diversos exemplos de países que realizaram reforma agrária dentro do jogo político institucional. A Itália é um exemplo: no país, o imposto sobre os grandes latifúndios foi aumentado. Isso estimulou grandes proprietários a venderem suas terras a pequenos produtores, que recebiam empréstimos a baixos juros do governo italiano.

Em outras experiências políticas, como a da República Popular da China, a revolução teve seu ensejo através da revolução agrária, e posteriormente com uma guerra civil de 20 anos. Nesse cenário, a distribuição da terra se deu pela expropriação dos latifúndios feita pelo governo comunista na política conhecida como o Grande Salto Adiante. Outro cenário semelhante ocorreu na Revolução Soviética, no Processo Revolucionário em Curso português e na Revolução Cubana, onde os latifundiários foram expropriados sem indenizações.

Nos Estados Unidos, com o fim da Guerra de Secessão em 1865, o Partido Republicano fez uma tentativa de reforma agrária no país que daria, aos negros libertados, terras com quarenta acres e uma mula. O Homestead Act, de 1862, teve um efeito maior onde todo cidadão podia receber 160 acres e, após produzir por 5 anos, conseguir a plena propriedade da chácara. 600 mil agricultores receberam, através deste sistema, um total 80 milhões de acres.

No Brasil

Ver artigo principal: Reforma agrária no Brasil

Após o descobrimento do Brasil pelos portugueses, estabeleceu-se a estratégia de ocupação das terras abundantes utilizando pouca mão de obra local. As plantações eram voltadas para a exportação, utilizando mão de obra composta, majoritariamente, por escravos africanos. Apesar da abundância de terras, o acesso à terra sempre foi dificultado pela presença perene do "proprietário". Conforme Celso Furtado, a mesma foi explorada pela chamada "empresa agrícola-comercial", consequência da expansão comercial europeia. A pecuária foi introduzida por demanda de carne, de animais de tração e de carga, demanda esta tanto da empresa agromercantil quanto da posterior exploração mineira.

As primeiras concessões de terras brasileiras foram feitas a homens de recursos, ou seja, economicamente poderosos, capazes de assumirem custos com grandes instalações e aquisição de escravos. A nova população de homens livres que chegava não tinha acesso às terras, que já possuíam donos, e tornavam-se, assim, dependentes dos grandes proprietários ao trabalhar para eles como artesãos, soldados (entre outros ofícios pré-industriais) ou eram aventureiros, o que permitia/facilitava que o controle da terra fosse mantido. O pequeno plantador se transforma em morador e os sitiantes se tornavam empreiteiros para derrubadas ou agregados para tarefas auxiliares das empresas. Celso Furtado cita a doação de terras para cafezais no Espírito Santo a famílias (quase todas alemãs) que ficaram sob o controle dos comerciantes, que acabaram por monopolizar a terra.[2] Esse autor afirma que "a propriedade da terra foi utilizada pra formar e moldar um certo tipo de comunidade, que já nasce tutelada e a serviço dos objetivos da empresa agro-mercantil".[3] O que explica por que a massa escrava liberta também se transformou em comunidades tuteladas, sem afetar muito os negócios da empresa agromercantil no país. Nesse sentido, se insere a afirmação de autores que qualificaram o latifúndio como um sistema de poder, pela manutenção do controle da terra.

No Brasil, em dois momentos históricos do século XX, os movimentos campesinos defenderam a tese da revolução agrária. O primeiro se deu entre os anos de 1920 e 1930, com a Coluna Prestes e a criação do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Outro momento se deu na década de 1960, com a criação das Ligas Camponesas (com o lema "Reforma Agrária na lei ou na marra") e no episódio da Guerrilha do Araguaia.[4]

No dia 13 de março de 1964, no Comício da Central do Brasil, o presidente João Goulart assinou o decreto n.º 53 700, que determinava a desapropriação de terras nas margens das rodovias e estradas de ferro. João Pinheiro Neto, presidente da Superintendência da Política Agrária (Supra), entidade responsável pela implantação da reforma agrária, foi quem elaborou o decreto, mas, com a deposição do governo em 31 de março de 1964, o novo regime anulou o referido decreto de 13 de março. Pinheiro Neto foi afastado da direção da Supra, teve os direitos políticos suspensos pelo Ato Institucional Número Um, foi preso e respondeu a três inquéritos policiais militares.[5]

No Brasil, a Constituição de 1988 garante a desapropriação do latifúndio improdutivo para finalidade pública e interesse social, como a desapropriação da terra com finalidade de reforma agrária ou para a criação de reservas ecológicas, não sendo permitida, no entanto, a desapropriação de propriedades que tenham sido invadidas.[6] É feita indenização aos ex-proprietários.[6] Um aspecto frequentemente criticado nesse sistema é a falta de ajuda financeira para os camponeses assentados, o que, muitas vezes, acaba por gerar um novo êxodo rural. "Êxodo rural" é a expressão pela qual se designa o abandono do campo por seus habitantes, que, em busca de melhores condições de vida, se transferem de regiões consideradas de menos condições de sustentabilidade a outras, podendo ocorrer de áreas rurais para centros urbanos.

No Brasil, segundo dados de 2017, sendo que o Índice de Gini no setor vai em 0,867 (quanto mais próximo de 1, mais desigual), com 50% dos estabelecimentos menores a ocuparem 2.3% do território agrícola, enquanto 1% ocupa 47,6%.[7] O INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), que é o órgão governamental responsável pela gestão desses problemas.

Em Portugal

Com a queda do Estado Novo em 25 de abril de 1974, alteram-se as relações sociais e fundiárias no sul. Entre março e novembro de 1975 mais de 1 milhão de hectares são ocupados e compõem-se cerca de 500 propriedades coletivas dirigidas por trabalhadores rurais.

Aumentam as áreas de cultivo, aumentando-se também a produção, de acordo com a lógica das UCP's de maximização do emprego com salários justos, para além do trabalho assegurado e da igualdade entre os trabalhadores: um acesso igual à terra e aos seus rendimentos para todos os que dela dependem.[8]

O movimento de ocupação de propriedades agrícolas nos campos do sul de Portugal proporcionou uma rotura em torno da propriedade da terra. Os trabalhadores rurais organizados em cooperativas ou Unidades Colectivas de Produção (UCP) tomaram a seu cargo o poder de largos hectares que utilizaram para produção agrícola. Esta foi uma das profundas mudanças que Portugal viveu a partir de 1974 e que se prolongaria por alguns anos.

As diferenças sociais e de acesso ao trabalho ou à posse da terra agudizaram-se em Portugal a partir da década de 1950, em particular através dos trabalhadores rurais do sul do país. Os latifúndios com mais de 100 hectares representavam apenas 6% do total das propriedades, mas, em contrapartida, cerca de 73% da área desse conjunto. Os grandes proprietários tinham, por seu lado, proteção e apoio legal do Estado Novo. Todavia, o número de pessoas com trabalho permanente e assegurado era reduzido, tal como os que conseguiam aí ter alguma terra própria ou relativa independência económica e laboral (os “seareiros”). Os trabalhadores por conta de outrem representavam a esmagadora maioria. Os salários eram baixos e as condições de vida más, principalmente durante as épocas mortas da agricultura (inverno). A crise do latifúndio nos anos 60 diminuiu a área de cultivo e os apoios à cultura do trigo, decrescendo ainda mais a oferta de trabalho, o que piorou a situação dos trabalhadores rurais e das suas famílias. O 25 de abril de 1974 alterou as relações sociais e fundiárias no sul, criando condições para uma mais justa distribuição da riqueza e da posse da terra.

A primeira legislação sobre alterações na posse e no uso da terra é de 2 de novembro de 1974, com uma lei que estabelecia o arrendamento compulsivo de terras subaproveitadas e definia as condições em que o Instituto da Reforma Agrária (IRA) pode atuar.

A primeira intervenção ao abrigo desta legislação ocorreu a 9 de dezembro de 1974 na herdade do Outeiro, no distrito de Beja.

O processo ganha novo fôlego depois do 11 de março, com a publicação de nova legislação. Antes de mais, com a aprovação, pelo Conselho da Revolução, do decreto-lei nº203-C/75, de 15 de Abril (Medidas Económicas de Emergência), no qual se previa o controlo da produção pelos trabalhadores e um programa progressivo de reforma agrária, determinando-se ainda a nacionalização e expropriação dos latifúndios e grandes explorações agrícolas (propriedades de área superior a 50 ha, tratando-se de terras de regadio, ou de 500 ha, no caso das de sequeiro). Deixando patente uma concepção de Reforma Agrária dirigista, este documento representava também uma tentativa de regulamentar o processo e travar as “ocupações selvagens”, num momento em que, só no distrito de Évora, estavam já ocupadas 132 herdades. Entre março e novembro de 1975, nasciam as UCP’s, Unidades Coletivas de Produção. Com apoios estatais, de sindicatos e partidos políticos, principalmente do Partido Comunista Português, este movimento de Reforma Agrária avança apoiando-se basicamente nos trabalhadores rurais eventuais, anteriormente mais desfavorecidos, o que conduz, no contexto de mudança em que se encontrava Portugal, a novas condições político-económicas das populações do sul.[9]

Ver também

Referências

  1. DIRETO À TERRA, DIREITO À VIDA: PERSPECTIVAS ECOLÓGICAS A PARTIR DE LEVÍTICO 25. VALMOR DA SILVA. Doutor em Ciências da Religião. Mestre em Teologia e em Exegese Bíblica. Professor de Teologia e Ciências da Religião da PUC Goiás.
  2. FURTADO,CELSO - Análise do "modelo" brasileiro, Editora Civilização Brasileira S/A, 1982,7.ª Edição, Rio de Janeiro, p. 101
  3. FURTADO,CELSO - Análise do "modelo" brasileiro, Editora Civilização Brasileira S/A, 1982,7.ª Edição, Rio de Janeiro, p. 102
  4. HÉBETTE, Jean. (2004). Cruzando a fronteira: 30 anos de estudo do campesinato na Amazônia. 1. Belém: Editora Universitária da UFPA. ISBN 8524702672 
  5. João Pinheiro Neto. Fundação Getúlio Vargas. 3 de janeiro de 2017
  6. 6,0 6,1 Fábio, André Cabette (10 de janeiro de 2019). «Como a reforma agrária vem se dando até agora no Brasil». Nexo Jornal (em português). Consultado em 11 de março de 2019 
  7. Capetti, Pedro (25 de outubro de 2019). «Concentração no campo bate recorde e 1% das propriedades rurais tem quase metade da área no Brasil». Globo. Consultado em 2 de dezembro de 2020. Cópia arquivada em 12 de novembro de 2020 
  8. Infopédia. «Reforma Agrária - Infopédia». Infopédia - Dicionários Porto Editora (em português). Consultado em 25 de setembro de 2021 
  9. media.rtp.pt Arquivado

Bibliografia

  • FERNANDO, José. Propuesta curricular para la educación de jóvenes y adultos campesinos en asentamientos de la reforma agraria. São Luis/MA: EDUFMA, 2009 [1], Elisângela Santos de. Trajetória educacional de mulheres em assentamentos de reforma agrária na região Tocantina-MA. São Luis/MA: EDUFMA, 2009

Ligações externas

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