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Retórica (do latim rhetorica, originado no grego ῥητορικὴ τέχνη [rhêtorikê], literalmente a «arte/técnica de bem falar», do substantivo rhêtôr, «orador») é a arte de usar a linguagem para comunicar de forma eficaz e persuasiva.
A retórica terá nascido no século V AC, na Sicília, e foi introduzida em Atenas pelo sofista Górgias, desenvolvendo-se nos círculos políticos e judiciais da grécia antiga. Originalmente visava persuadir uma audiência dos mais diversos assuntos, mas acabou por tornar-se sinónimo da arte de bem falar, o que opôs os sofistas ao filósofo Sócrates e seus discípulos. Aristóteles, na obra "Retórica", lançou as bases para sistematizar o seu estudo, identificando-a como um dos elementos chave da filosofia, junto com a lógica e a dialética. A retórica foi uma das três artes liberais ensinadas nas universidades da Idade Média, constituindo o "trivium", junto com a lógica e a gramática. Até ao século XIX foi uma parte central da educação ocidental, preenchendo a necessidade de treinar oradores e escritores para convencer audiências mediante argumentos.
A retórica apela à audiência em três frentes: logos, pathos e ethos. A elaboração do discurso e sua exposição exigem atenção a cinco dimensões que se complementam (os cinco cânones da retórica): inventio, a escolha dos conteúdos do discurso; dispositio, organização dos conteúdos num todo estruturado; elocutio, a expressão adequada dos conteúdos; memoria, a memorização do discurso e pronuntiatio, sobre a declamação do discurso, onde a modulação da voz e gestos devem estar em consonância com o conteúdo.
A retórica é uma ciência (no sentido de um estudo estruturado) e uma arte (no sentido de uma prática assente numa experiência, com uma técnica). No início, a retórica ocupava-se do discurso político falado, a oratória, antes de se alargar a textos escritos e, em especial, aos literários, disciplina hoje chamada "estilística". A oratória é um dos meios pelos quais se manifesta a retórica, mas não o único. Pois, certamente, pode-se afirmar que há retórica na música ("Para não dizer que não falei da Flores", de Geraldo Vandré: retórica musical contra a ditadura), na pintura (O quadro "Guernica", de Picasso: retórica contra o fascismo e a guerra) e, obviamente, na publicidade. Logo, a retórica, enquanto método de persuasão, pode se manifestar por todo e qualquer meio de comunicação.
“ | Quem deseja ter razão de certo a terá com o mero fato de possuir língua | ” |
Os Sofistas
O primeiro estudo sistematizado acerca do poder da linguagem em termos de persuasão é atribuído ao filósofo Empédocles (444 AC), do qual as teorias sobre o conhecimento humano iriam servir de base para vários teorizadores da retórica. O primeiro livro de retórica escrito é comumente atribuído a Corax e seu pupilo Tísias. A sua obra, bem como as de diversos retóricos da antiguidade, surgiu das tribunas jurídicas; Tísias, por exemplo, é tido como autor de diversas defesas jurídicas defendidas por outras personalidades gregas (uma das funções primárias de um sofista). A Retórica foi popularizada a partir do século V A.C. por mestres peripatéticos (itinerantes) conhecidos como "sofistas". Os mais conhecidos destes foram Protágoras (481-420 A.C.), Górgias (483-376 A.C.), e Isócrates (436-338 A.C.).
Os sofistas se compunham de grupos de mestres que viajavam de cidade em cidade realizando aparições públicas (discursos, etc) para atrair estudantes, de quem cobravam taxas para oferecer-lhes educação. O foco central de seus ensinamentos concentrava-se no logos ou discurso, com foco em estratégias de argumentação. Os mestres sofistas alegavam que podiam “melhorar” seus discípulos, ou, em outras palavras, que a “virtude” seria passível de ser ensinada.
Diversos sofistas questionaram a propalada sabedoria recebida pelos deuses e a supremacia da cultura grega (uma ideia absoluta à época). Argumentavam, por exemplo, que as práticas culturais existiam em função de convenções ou “nomos”, e que a moralidade ou imoralidade de um ato não poderia ser julgada fora do contexto cultural em que aquele ocorreu.
A conhecida frase “o homem é a medida de todas as coisas” surgiu dos ensinamentos sofistas. Uma das mais famosas doutrinas sofistas é a teoria do contra-argumento. Eles ensinavam que todo e qualquer argumento poderia ser contraposto por outro argumento, e que a efetividade de um dado argumento residiria na verossimilhança (aparência de verdadeiro, mas não necessariamente verdadeiro) perante uma dada plateia
O termo “sofista” tem uma conotação pejorativa nos dias de hoje mas, na Grécia antiga, os sofistas eram profissionais muito bem remunerados e respeitados por suas habilidades.
Retórica clássica, Aristóteles
Aristóteles (384-322 a.C.) desenvolveu um tratado alargado sobre a retórica, que ainda é alvo de estudo cuidadoso. Na frase de abertura de A Arte da Retórica, afirma que "a retórica é a contraparte [literalmente, antistrofe] da dialética". Assim, enquanto os métodos dialéticos são necessários para encontrar a verdade em questões teóricas, métodos retóricos são necessários em assuntos práticos, tais como a defesa da culpa ou inocência de alguêm, quando acusado perante a lei ou para decidir um curso de ação prudente a ser tomado por uma assembléia deliberativa.
Meios de persuasão
Segundo Aristóteles a persuasão "é uma espécie de demonstração, pois certamente ficamos completamente persuadidos quando consideramos que algo nos foi demonstrado". Aristóteles identificou três classes de meios de persuasão (apelos à audiência) que nomeou ethos, pathos e logos: primeiro, a persuasão é conseguida através do próprio orador que, pelo seu carácter e forma como discursa, nos consegue fazer pensar que é credível; segundo, a persuasão pode vir de dentro dos próprios ouvintes, quando o discurso desperta as suas emoções; terceiro, a persuasão é feita através do próprio discurso, quando prova uma verdade por meio dos argumentos adequados. Cada discurso combina os três apelos, equilibrando ou enfatizando o ethos, o pathos ou o logos.
- Ethos: é a forma como o orador convence o público de que está qualificado para falar sobre o assunto, como o seu caráter ou autoridade podem influenciar a audiência. Pode ser feito de várias maneiras: por ser uma figura notável no domínio em causa ou por ser relacionado com o tema em questão. (Por exemplo, quando uma revista afirma que um professor do MIT prevê que era robótica chegará em 2050, o uso do nome "MIT" (uma universidade americana de renome mundial para a investigação avançada em matemática, ciência e tecnologia) estabelece uma credibilidade "forte".
- Pathos: o uso de apelos emocionais para alterar o julgamento do público. Pode ser feito através de metáforas e outras figuras de retórica, da amplificação, ao contar uma história ou apresentar o tema de uma forma que evoca fortes emoções na platéia.
- Logos: o uso da razão e do raciocínio, quer indutivo ou dedutivo, para a construção de um argumento. Os apelos ao logos incluem recorrer à objetividade, estatística, matemática, lógica (por exemplo, quando um anúncio afirma que o seu produto é 37% mais eficaz do que a concorrência, está fazendo um apelo lógico); o raciocínio indutivo utiliza exemplos (históricos, míticos ou hipotéticos) para tirar conclusões; o raciocínio dedutivo usa geralmente proposições aceites para extrair conclusões específicas. Argumentos logicamente inconsistentes ou enganadores chamam-se falácias.
A composição do discurso
A elaboração do discurso e sua exposição perante um público requerem a atenção a vários aspectos que se complementam. Quintiliano (35 - 95) compilou os aspectos técnicos da arte na obra Institutio Oratoria, definindo desde então os cinco cânones da retórica: a estrutura linguística do discurso é definida nas inventio, dispositio e elocutio; a expressão oral do discurso é trabalhada na memoria e actio.
- Inventio ou Invenio (invenção)
O objetivo desta fase é estabelecer o conteúdo do discurso. O termo vem do latim invenire, que por sua vez vem do grego εὒρεσις, que significa "encontrar". Trata-se do momento em que o orador deve recolher e seleccionar os argumentos adequados para a exposição e defesa da sua causa.
- Dispositio (disposição dos argumentos)
Visa organizar os elementos da inventio num todo estruturado. São relevantes nesta fase o número e a ordem das partes do discurso. Os discursos podem ter uma estrutura bipartida (na qual duas partes estão em tensão recíproca) ou tripartida (que pressupõe uma evolução linear, com princípio, meio e fim). A estrutura tripartida, mais comum, consiste num exórdio, parte inicial que tem como objectivo captar a atenção e interesse do ouvinte; uma parte média com narratio (exposição do tema e da posição do orador) e argumentatio (razões que sustentam a tese) e, finalmente, uma peroratio, recapitulação e apelo ao auditório.
- Elocutio (Elocução, correspondente grego da lexis)
- Memória - memoria (escrita do discurso)
- Ação - actio ou pronuntiatio (apresentação do discurso)
- Prolepse - prolepsis (refutação prévia)
Retórica versus oratória
Após a ascensão romana, a oratória tornou-se a tradução latina de retórica, enquanto técnica de comunicação. Com uma distinção todavia: enquanto o núcleo da retórica compunha-se de técnicas de contestação (persuasão), a oratória visava a eloquência.
A mudança de rumos se deve exatamente ao ambiente em que as duas técnicas se encontraram. Enquanto a retórica grega existiu em ambiente democrático, a oratória (que originou-se da retórica) desenvolveu-se em ambientes totalitários.
Atualmente, em que pese existir uma tendência mundial de retorno da oratória para o sentido original do termo (comunicação persuasiva), antes da ascensão latina, grande parte dos cursos de oratória no Brasil são de tradição latinista.
Logo, no Brasil (bem como em grande parte do mundo latino), Oratória ainda se refere a busca da beleza na fala (estilo), enquanto retórica é definida como a "arte da persuasão".
Recentemente, na França, os estudos retóricos foram renovados e modernizados, sob a influência decisiva de es:Marc Fumaroli (Collège de France)("Trente Ans de Recherches Rhétoriques", Ed. Philippe-Joseph Salazar.
Na publicidade
A retórica é elemento importantíssimo na linguagem publicitária. Quem produz publicidade deve saber aplicá-la com cautela, tanto para atingir o público (o receptor da mensagem) como para não exceder seus limites de manipulação de ideias. E, na análise dessa linguagem, não podemos de forma alguma ignorar ou negligenciar a retórica, e sim identificar seus principais artifícios e usos, para decodificar o signo sem interferências e melhor empregá-la nos nossos próprios discursos, com ética e moderação.
A imagem pode possuir uma retórica tão ou mais poderosa quanto o texto. Como parte de uma estratégia de comunicação (publicitária ou ideológica), a imagem é um instrumento tão poderoso quanto um discurso no rádio ou um livro panfletário. No entanto, por ser inúmeras vezes mais sutil que o som estridente dos megafones ou que as palavras de ordem dos panfletos, a imagem faz sua mensagem fluir muito mais facilmente através das massas. A propaganda publicitária descobriu isso há muito tempo e usa essa mensagem para vender produtos. Dessa forma, torna-se ainda mais convincente e útil.
No planejamento de um anúncio publicitário, a figura de retórica que será apresentada é previamente discutida e analisada, para condizer com a ideia e o produto anunciados (respectivamente a mensagem e o signo). Também deve adequar-se ao canal (dependendo se é um anúncio de TV, ou de mídia impressa, ou outdoor, diferentes figuras podem ser aplicadas, ou não) e é justamente manipulando a relação entre canal e mensagem que a retórica trabalha.
Ver também
Ligações externas
- Elementos de Retórica
- American Rhetoric - (site em Inglês)
- Aristotle Rhetoric (site em Inglês)
- Sofisma segundo Platão (em Inglês)
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