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Farra do Boi

A Farra do Boi é um ritual típico do litoral do estado brasileiro de Santa Catarina, desde 1997 considerada ilegal.[1] O ritual consiste em soltar um boi em um local ermo, e assim, agredir ou "farrear" o animal, fazendo-o correr atrás das pessoas que participam da prática. Apesar de criminalizada em todo território nacional desde 1998, ela ainda acontece às escondidas.

A prática possuía herança cultural dos pescadores portugueses, que na época a justificavam como sendo o boi uma personificação de Judas, do diabo ou do sofrimento de Jesus Cristo, durante a quaresma.

Diversos grupos defensores dos direitos dos animais a consideram cruel e degradante.[2] As autoridades catarinenses estão empenhadas para aplicar sanções legais aos farristas.[3][4] Além da pena de prisão, há uma pena de multa de até R$ 10.000,00.[5][6]

História

Na Farra do Boi, o animal é levado à exaustão.

A Farra do Boi teria sido trazida ao Brasil por imigrantes açorianos entre 1748 e 1756. Originalmente, o boi era engordado, fazia-se a farra, e em seguida o animal era sacrificado para servir de alimento. Com o passar do tempo, a prática se modificou. Em sua versão moderna, o boi é levado ao local escolhido pelos farristas e solto, momento a partir do qual inicia-se a perseguição e as agressões – com mãos e pés, ou pedaços de madeira – até que o animal fique exausto e não consiga mais se levantar. Aí a farra acaba e o boi é abandonado. Geralmente, devido à gravidade dos ferimentos, o boi tem que ser sacrificado após ser encontrado pelas autoridades.[7]

O significado do ritual é ainda desconhecido, sendo atribuído a ele por alguns uma conotação simbólica-religiosa referente à Paixão de Cristo, onde o boi faria o papel de Judas; outros entendem que o animal simboliza Satanás e através da tortura do Satanás as pessoas se livrariam de seus pecados.

Desde as últimas décadas, a Farra do Boi ocorre com frequência no litoral de Santa Catarina, em cerca de trinta comunidades, geralmente de pescadores, notavelmente no município de Governador Celso Ramos.[8]

Combate à prática

A partir da década de 1980, a Farra do Boi começou a ser muito combatida por grupos que defendem os animais e que passaram a fazer intensa campanha contra o ritual por considerá-lo cruel com o animal. Em 1987, o então governador de Santa Catarina, Pedro Ivo Campos, montou um grupo de trabalho para analisar o problema e propor soluções. O grupo contou com 22 representantes de vários segmentos da administração pública. Em 1988 foi concluído o relatório, que trazia uma série de medidas de combate à Farra do Boi, que incluíam até inserção de conteúdo na grade curricular nas escolas de ensino público. As sugestões do relatório, entretanto, nunca foram implementadas.[9]

Proibição pelo STF

Após muito debate e pressão por parte da sociedade organizada através de entidades de proteção e defesa dos animais, o Supremo Tribunal Federal, em 3 de junho de 1997, através do Recurso Extraordinário número 153.531-8/SC; RT 753/101,[10] proibiu a prática em território catarinense por força de acórdão, no julgamento da Ação Civil Pública de nº 023.89.030082-0. Segundo interpretação do STF, a Farra do Boi é intrinsecamente cruel e por isso poderia ser qualificada como crime.[11]

No ano seguinte, foi aprovada a Lei de Crimes Ambientais, que passou a punir com até um ano de prisão quem pratica, colabora, ou no caso das autoridades, omite-se em impedir atos de crueldade contra animais.[11] Com a proibição começaram muitas campanhas de conscientização por parte de diversas entidades de proteção aos animais, de cunho local, regional, nacional ou mesmo internacional. As campanhas geraram entrevistas e debates na mídia, encontros com as autoridades e encenações teatrais, com mensagens que disseminavam a ideia de que a crueldade contra os animais é inaceitável, em qualquer outra época do ano. Houve grande apoio da mídia local, inclusive com o registro da prática.

A partir do ano seguinte, notou-se uma diminuição gradual na quantidade de eventos, o que significaria o início do fim da Farra do Boi. Entretanto, os farristas, contrariando a decisão do STF, organizaram-se e tentaram reverter a situação em seu favor. No ano de 2000, um projeto de lei tentou legalizar, na Assembleia Legislativa, a Farra do Boi em mangueirões, com a alegação de que, agora, o fariam sem maus-tratos aos bois. Apesar de ter sido aprovado, o projeto foi vetado pelo então governador Esperidião Amin, que reconheceu a sua inconstitucionalidade. Ainda no mesmo ano o Tribunal de Justiça de Santa Catarina expediu despacho mantendo em R$ 500 por dia a multa fixada ao Estado por descumprir a decisão do STF.

Ainda assim, a fiscalização e repressão ao ato e seus participantes é considerada insuficiente por todas as entidades envolvidas nos esforços de erradicação da farra.[12] Essas entidades acreditam que interesses político-eleitoreiros sejam a causa da perpetuação da infração da Lei Federal 9605/98, que prevê pena de multa e detenção para quem maltrata animais.

Em 2007, o município de Governador Celso Ramos aprovou a Lei Municipal Nº 542/2007,[8] que regularizava a prática e a enquadrava como patrimônio cultural, tendo seu nome alterado para Brincadeira do Boi. A lei previa também responsabilidades civil do organizador em caso de excessos ao animal e ferimentos a terceiros além de outras regulamentações. No mesmo ano, no dia 22 de outubro, porém, o Pleno do Tribunal de Justiça deferiu o pedido de liminar requerido pelo Ministério Público de Santa Catarina para suspender a aplicação da lei.

Em fevereiro de 2019, a Associação Catarinense de Proteção aos Animais fez uma campanha nas redes sociais pedindo o aumento na fiscalização dos casos de Farra do Boi em Santa Catarina. A campanha foi impulsionada por mais um flagrante de Farra do Boi feito na madrugada de 4 de fevereiro na Costa da Lagoa.[13]

Ver também

Referências

  1. «Farra do Boi: proibição e criminalização - Jus.com.br Jus Navigandi». jus.com.br (em português). Consultado em 27 de junho de 2022 
  2. Wilson Steinmetz (10 de dezembro de 2009). «"Farra do Boi" Fauna e Manifestação Cultural: Uma colisão de princípios constitucionais» (PDF). Consultado em 25 de agosto de 2015 
  3. «Governo do Estado intensifica combate à farra do boi em Santa Catarina - Governo do Estado de Santa Catarina». www.sc.gov.br. Consultado em 10 de novembro de 2020 
  4. «Operações de combate à Farra do Boi envolvem mais de 350 agentes do governo em SC - Governo do Estado de Santa Catarina». www.sc.gov.br. Consultado em 10 de novembro de 2020 
  5. «Multa pela participação na farra do boi pode chegar a R$ 10 mil». agenciaal.alesc.sc.gov.br (em português). Consultado em 10 de novembro de 2020 
  6. Carlos, Francisco. «Farra do Boi: nova Lei impõem R$ 10 mil de multa». Rádio Cidade (em português). Consultado em 10 de novembro de 2020 
  7. «Polícia recebe quase 200 denúncias de farra do boi em SC». Uol. 2 de maio de 2013. Consultado em 28 de março de 2016 
  8. 8,0 8,1 Paulo da Costa e Silva (9 de setembro de 2007). «A luta pela farra». Consultado em 11 de outubro de 2013 
  9. «Tradição ou barbárie? Proibida, farra do boi continua presente». Diário Catarinense. 5 de março de 2018. Consultado em 27 de março de 2018. Cópia arquivada em 5 de março de 2018 
  10. Rodrigo Janot Monteiro - Procurador-Geral da República (3 de outubro de 2013). «Ação direta de inconstitucionalidade 4.983» (PDF). Consultado em 25 de agosto de 2015 
  11. 11,0 11,1 Júlia Teresa Sousa Leite e Mariana Januário Guedes Fernandes (setembro de 2011). «Farra do Boi: análise jurídica e sociológica acerca de sua proibição e criminalização». Consultado em 27 de junho de 2022 
  12. «Combate a farra do boi em Santa Catarina ainda não começou». O Sol Diário. 9 de março de 2015. Consultado em 28 de março de 2016 
  13. «Ativistas pedem pressão da polícia contra farra do boi em SC». NSC Total. 7 de fevereiro de 2019. Consultado em 7 de fevereiro de 2019 


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