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Joana de Trastâmara: mudanças entre as edições

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m (Joana, a Beltraneja movido para Joana, rainha de Portugal e Castela, a "Excelente Senhora": Não ficou nunca provada a sua ilegitimidade - chegou a reinar antes de ser destronada, e Beltraneja era alcunha injuriosa que lhe foi posta por inimig)
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{{Infobox Monarca
{{Infobox Monarca
| nome            = Joana de Castela, Rainha de Portugal
| nome            = D. Joana de Trastâmara
| título          = Rainha de Portugal; Rainha de Castela, Leão, Toledo, Galiza, Sevilha, Córdova, Múrcia, Jaén, Algarve, Algeciras e Gibraltar, [[Senhorio de Biscaia|Senhora da Biscaia]] e de Molina
| título          = Rainha (consorte) de Portugal; Rainha [reinante} de Leão e Castela, Galiza, Toledo, Sevilha, Córdova, Múrcia, Jaén, Algarve, Algeciras e Gibraltar, [[Senhorio de Biscaia|senhora da Biscaia]] e de Molina
| imagem          = [[Imagem:Juana la Beltraneja.jpg|200 px]]
| imagem          = [[Imagem:Juana la Beltraneja.jpg|200 px]]
| legenda        = D. Joana de Castela, Rainha de Portugal,<br />esposa de El-Rei [[Afonso V de Portugal|D. Afonso V]],<br />Rainha ''de jure'' de Castela
| legenda        = D. Joana, Rainha de Portugal e Castela,<br />esposa de El-Rei [[Afonso V de Portugal|D. Afonso V]],<br />Rainha ''de facto'', depois ''de jure'' de Castela
| casa real      = [[Trastâmara]]
| casa real      = [[Trastâmara]]
| pai            = [[Henrique IV de Castela]] ?
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| mãe            = [[Joana, princesa de Portugal|D. Joana, Infanta de Portugal]]
| nascimento      = [[1462]]
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| cidadenatal    =  
| cidadenatal    =  
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| cidademorte    = [[Lisboa]]
| cidademorte    = [[Lisboa]]
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'''D. Joana de Trastâmara''', rainha reinante (primeiro) e ''de jure'' (depois) de Castela, e rainha consorte de Portugal ([[Castela]], [[1462]] - [[Lisboa]], [[1530]]).


A infanta '''Joana de Castela''' ([[1462]] - [[Lisboa]], [[1530]]) foi rainha de [[Portugal]].
Nasceu infanta de Castela, sendo jurada princesa das Astúrias, sendo depois aclamada rainha de Castela à morte do rei Henrique IV, seu pai, e rainha de Portugal pelo seu casamento com seu tio D. Afonso V. Depois da guerra civil castelhana em que foi destronada por seus tios os Reis Católicos, foi exilada do seu país pelo tratado assinado entre [[Portugal]] e [[Castela]], depois da batalha de [[Toro|Touro]], ficando oficialmente tratada em Portugal, aonde encontrou refúgio até ao fim dos seus dias, por '''Excelente Senhora'''. Os seus inimigos, e de sua mãe, injuriosamente a alcunharam, ou apelidaram insultuosamente de '''Beltraneja''' desde o seu nascimento, querendo assim afirmar não ser a princesa filha do rei Henrique IV de Castela, mas de um amante da rainha sua mulher, D. Joana de Portugal, de seu nome Beltrão de la Cueva.


Uma rainha sem reino, depreciativamente cognominada pelos seus detractores de ''A Beltraneja'', mereceu o reconhecimento em Portugal, onde ficou conhecida para a posteridade como ''A Excelente Senhora''.
==Nascimento==
Sua mãe era a rainha [[Joana, princesa de Portugal|D. Joana de Portugal]], filha do rei [[Duarte de Portugal|D. Duarte]], casada com o rei [[Henrique IV de Castela]]. Contudo, Henrique, sem filhos do seu segundo casamento, o casamento anterior (o seu primeiro casamento, não o consumara sendo anulado por falta de idade, nada provando nesta matéria), teria a fama de ser [[impotência|impotente]]. Por isso se urdiu na corte que D. Joana estivesse envolvida num caso amoroso com o nobre [[Beltrán de La Cueva]], o qual no entanto, segundo a exegese histórica pôde apurar nos nossos dias, estaria em missão fora da corte castelhana no momento aproximado da concepção da jovem infanta.  


==Nascimento==
Nem por isso deixou a princesa D. Joana de ser considerada ilegítima pelos principais senhores de [[Reino de Castela|Castela]], que se recusarão depois a reconhecê-la como infanta, seguindo-se lutas civis e várias pressões visando a passagem da coroa castelhana a Afonso, irmão de Isabel a Católica, tios da recém-nascida, meios-irmãos do rei seu pai.
A sua mãe era a princesa [[Joana, princesa de Portugal|Joana de Portugal]], filha do rei [[Duarte de Portugal|D. Duarte]], casada com o rei [[Henrique IV de Castela]]. Contudo, Henrique, sem filhos dos casamentos anteriores, tinha a fama de ser [[impotência|impotente]], condição, de resto, expressa pelo seu cognome - Henrique, ''o Impotente''. Por isso se urdiu na corte que Joana estava envolvida num caso amoroso com o nobre [[Beltrán de La Cueva|D. Beltrán de La Cueva]], o qual, segundo a exegese histórica pôde apurar, estaria em missão fora da Corte no momento aproximado da concepção da jovem infanta.  


Joana foi considerada ilegítima pelos grandes de [[Reino de Castela|Castela]], que se recusaram a reconhecê-la, e desde o berço ficou conhecida pelo aviltante título de a ''Beltraneja'', como referência a seu putativo pai. O seu nascimento provocou portanto um escândalo na corte de [[Reino de Castela|Castela]] e o pedido de divórcio de Henrique de Castela, tendo a rainha D. Joana de Avis sido repudiada em [[1468]], e regressado a Portugal, embora a filha permanecesse em Castela.
==Rainha de Castela==
D. Joana era pois a única filha conhecida do monarca castelhano, que defendeu a causa da sua legitimidade, sendo no entanto obrigado a alterar a sua posição várias vezes, antes de morrer, diante das guerras civis intestinas que a isso o obrigava, por ter deixado enfraquecer extremamente o seu poder real. Mesmo assim, conseguiu  obrigar a nobreza castelhana a jurar fidelidade à princesa, tendo sido designada [[Príncipe das Astúrias|princesa das Astúrias]] em [[1462]]. Porém, dois anos volvidos e face à pressão da nobreza, viu-se obrigado a delegar a sucessão no seu irmão Afonso, o qual viria, no entanto, a falecer a breve trecho, logo em [[1468]]. Ainda nesse momento o rei se viu obrigado pela sua nobreza a reconhecer como sucessora, muito a contragosto, a sua meia-irmã [[Isabel I de Castela|Isabel]], com a condição de que esta aceitasse o casamento que o rei seu irmão lhe propusesse.


==Herdeira de Castela==
Como em [[1469]] D. Isabel se casasse em segredo com [[Fernando II de Aragão|Fernando o Católico]], herdeiro da Coroa de [[Aragão]], contra a vontade do rei seu irmão, Henrique IV poude considerar violado o tratado que estabelecera com Isabel. E é então que declara novamente a D. Joana por sua única e legítima herdeira, procurando nos últimos anos de vida um marido para a sua filha, que lhe pudesse defender os direitos ameaçados.
À parte a questão da legitimidade, Joana continuava a ser a única criança que podia ser (ainda que remotamente) atribuída a [[Henrique IV de Castela]], o qual assumiu a sua causa. Por isso obrigou os nobres castelhanos a jurarem fidelidade à princesa e a reconhecerem-na como herdeira, tendo sido designada [[Príncipe das Astúrias|Princesa das Astúrias]] em [[1462]]. Porém, dois anos volvidos e face à pressão da nobreza, delegou a sucessão no seu irmão Afonso, o qual viria, no entanto, a falecer em [[1468]]. Deste modo o rei viu-se forçado a escolher como sucessora, muito a contragosto, a sua meia-irmã [[Isabel I de Castela|Isabel]], com a condição de que esta aceitasse o casamento que o rei lhe propusesse.


Como em [[1469]] D. Isabel se casasse em segredo com [[Fernando II de Aragão|Fernando]], herdeiro da Coroa de [[Aragão]], contra a vontade de Henrique, o rei castelhano considera violado o acordo que estabelecera com Isabel. É então que declara Joana a sua única legítima herdeira, procurando nos últimos anos de vida um marido para a sua filha.
Depois de várias hesitações diplomáticas, D. Joana acabou prometida em casamento ao seu tio, o Rei Cavaleiro, D. [[Afonso V de Portugal]], que tomou como sua empresa de cavalaria defender os direitos da sua inocente e jovem sobrinha. Para este casamento foi necessária uma dispensa papal, dada a próxima consanguinidade entre os noivos. D. Afonso jurou defender os direitos da esposa, e por conseguinte os seus próprios, ao trono de [[Castela]].  


Depois de alguns contratos falhados, Joana acabou prometida em casamento ao tio, o rei [[Afonso V de Portugal]]. Para tal era necessária uma dispensa papal, dada a grande consanguinidade entre os dois. D. Afonso jurou defender os direitos da esposa, e por conseguinte os seus próprios, ao trono de Castela. A partir deste momento estão delineadas duas facções: uma que apoia Isabel e, por conseguinte, a união dinástica de Castela com Aragão; outra, com pouquíssimos apoios, que suporta Joana e, subsequentemente, a união de Castela com Portugal.
Henrique IV morre [[1474]], deixando a filha aos cuidados do cunhado português: a partir deste momento ficam delineadas duas facções em guerra civil em [[Castela]], ocupada em boa parte pela intervenção militar estrangeira portuguesa: uma que apoia Isabel e, por conseguinte, a união dinástica de Castela com Aragão e o seu império mediterrânico; outra, com especial ênfase na nobreza do [[reino da Galiza]], já então sujeito ao de [[Castela]], que defende os direitos de D. Joana e [[Afonso V de Portugal|D. Afonso V]] e, subsequentemente, a união pessoal da coroa de Castela com a de Portugal por este casamento.


==Conflito com os Reis Católicos==
==Guerra de Sucessão de Castela==
{{AP|[[Guerra de Sucessão de Castela]]}}
{{AP|[[Guerra de Sucessão de Castela]]}}
[[Imagem:Gallegocatholicmonarchs.jpg|thumb|250px|left|''Madonna dos Reis Católicos'', pintura de cerca de 1490–95; [[Fernando II de Aragão|Fernando]] e o [[João de Aragão|infante João]] à direita da Madre (com o [[Inquisição|Inquisidor]]), [[Isabel I de Castela|Isabel]] à esquerda}}]]
[[Imagem:Gallegocatholicmonarchs.jpg|thumb|250px|left|''Madonna dos Reis Católicos'', pintura de cerca de 1490–95; [[Fernando II de Aragão|Fernando o Católico]], com seu filho herdeiro [[João de Aragão|o infante João de Aragão e Castela]] à esquerda, [[Isabel I de Castela|Isabel I de Castela]] à direita]]
Quando Henrique IV morreu em [[1474]], praticamente ninguém em Castela leva a causa de Joana a sério; somente a [[Galiza]] tomou voz por Joana e Afonso de Portugal. A maior parte dos nobres castelhanos prefere aclamar a tia de Joana, D. Isabel. Em [[1475]], dando sequência ao projecto de Henrique IV, [[Afonso V de Portugal]] casou com sua sobrinha Joana e, no ano seguinte, invade Castela para defender os seus interesses.
 
Grande parte dos nobres castelhanos, chefiados pelo poderoso Fonseca, arcebispo de Toledo, preferira prestar vassalagem a Isabel a Católica: Pelo que logo em [[1475]], dando sequência ao projecto do cunhado Henrique IV, D. [[Afonso V de Portugal]] casou com sua sobrinha Joana, manda armar o seu exército e, em [[1476]] invade Castela para defender os seus direitos.
 
A guerra veio a culminar na [[batalha de Toro|batalha de Touro]], nas proximidades de [[Zamora]]. Esta batalha teve um desfecho militar inconclusivo - embora D. [[Afonso V de Portugal|Afonso V]] tenha saído vencido, graças sobretudo aos esforços do [[Cardeal Mendoza]], a ala do exército comandada pelo [[João II de Portugal|Príncipe D. João]] ficou invicta, permanecendo os três dias da praxe ocupando o terreno de batalha, sinal da sua vitória.
 
Assim, ambas as partes reclamaram oficialmente vitória durante muitos anos. Não obstante, o desfecho político não foi favorável ao monarcas portugueses, pois D. Afonso V viu serem-lhes retirados nessa altura os apoios de que precisaria para continuar a guerra, quando grande parte dos seus vassalos castelhanos o abandonaram, bandeando-se para ir prestar vassalagem aos seus primos, os futuros Católicos.
 
D. Afonso V, que desde [[1476]] pusera D. Joana a salvo em [[Abrantes]], volta então a [[Portugal]] aonde se lhe reune.
[[Imagem:PortugueseFlag1475.png|thumb|150px|Armas dos reis [[Afonso V de Portugal|D. Afonso V e D. Joana]] depois de aclamados reis de Castela, em pendão militar usado na invasão daquele reino]]
 
==Aliança francesa contra Castela: viagem a França e à Borgonha de seu marido==
O rei português, no entanto, não desistira da sua empresa, nem abandonara os direitos de sua mulher, pelo que resolve então ir pessoalmente a França procurar a aliança de Luís XI a fim de voltar a invadir os reinos vizinhos.
 
O rei embarcou no [[Porto]], deixando a regência a seu filho, que mandou aclamar rei em sua vida, a fim de se dedicar em exclusivo à empresa da reconquista do trono castelhano, viajando por França, e pelo ducado da Borgonha, a chamar também por aliado ao seu primo [[Carlos, o Temerário]].
 
Para obter a aliança da [[França]] e da [[Borgonha]], no entanto, era necessário que estas assinassem a paz da guerra que há muito travavam, a fim de dispor de forças para enviar contra Aragão e contra Castela pelo Leste. Pelo que D. Afonso iniciou uma mediação na luta entre o monarca francês e [[Carlos, Duque da Borgonha|Carlos, o Temerário]], [[duque da Borgonha]], primo direito do rei de Portugal. Porém, o rei francês ([[Luís XI de França]], a ''aranha universal'', como foi chamado, conhecido pela forma como habilmente criava e geria intrigas políticas) foi protelando as diligências do seu hóspede, o rei português. Após a morte do Temerário na [[batalha de Nancy]] e a retorno do ducado da [[Borgonha]] à coroa de França, de aonde havia saído antes, com excepçãos dos Países Baixos, e do Franco Condado, ficaram inutilizados os esforços de D. Afonso V.


O recontro de ambas as forças foi travado em [[batalha de Toro|Toro]], nas proximidades de [[Zamora]], não longe da fronteira. A batalha teve um desfecho militar inconclusivo - embora Afonso V tenha saído vencido, a ala do exército comandada pelo herdeiro português D. João ficou invicta. Não obstante, o desfecho político não foi favorável ao monarca português e à sua sobrinha-esposa.  
Sentindo-se traído, regressa a Portugal, aonde o filho, rei D. João II, retira a coroa da cabeça e a devolve ao pai. A sua mulher, Dona Joana (com a qual alguém dizem que não chegara sequer a consumar o matrimónio), vivia agora em Aveiro, junto de sua prima e enteada, [[Santa Joana Princesa]].  


Vencidos pela futura [[Isabel I de Castela]] e por [[Fernando II de Aragão]] na batalha de Toro, graças ao [[Cardeal Mendoza]], desde [[1476]] Joana foi levada pelo rei português para [[Abrantes]].
==Paz e primeira renúncia de D. Joana==


[[Imagem:PortugueseFlag1475.png|thumb|150px|Bandeira de [[Afonso V de Portugal|D. Afonso V]] e Joana, ''a Beltraneja'' durante a sua pretensão ao [[reino de Castela]]]]
O [[Tratado das Alcáçovas]], assinado em [[1479]] com os [[Reis Católicos]] terminará a [[Guerra de Sucessão de Castela]]. Nele são também definidos limites para a expansão marítima e terrestre das coroas portuguesa, castelhana e aragonesa, respectivamente no [[Atlântico]] e no [[Magrebe]].  
O rei embarcou no [[Porto]] para se entrevistar com seu aliado [[Luís XI de França]] (a ''aranha universal'', como foi chamado, conhecido pela forma como habilmente criava intrigas políticas), prometendo Afonso mediar a luta entre o monarca francês e [[Carlos, Duque da Borgonha|Carlos, o Temerário]], [[duque da Borgonha]], primo do rei de Portugal, a troco do auxílio militar daquele contra o bloco Castela-Aragão. O rei francês foi protelando o auxílio ao seu congénere português. Após a morte do Temerário em [[batalha de Nancy|Nancy]] e a incorporação da [[Borgonha]] no reino de França, ficou demonstrado o fracasso da tentativa de mediação de Afonso V.


D. Afonso, sentindo-se traído, acaba por abdicar das suas ambições, em seu nome e no da sua esposa (com a qual não chegara sequer a consumar o matrimónio), num tratado assinado em [[1479]] com os [[Reis Católicos]] - o [[Tratado das Alcáçovas-Toledo]]. Termina assim a guerra de sucessão em Castela e são ainda definidos limites para a expansão de ambas as Nações no [[Atlântico]] e no [[Magrebe]].
A invasão portuguesa, e a subsequente [[Guerra de Sucessão de Castela]] haviam durado cinco anos, terminando na paz de [[1479]], que como era usual foi celebrada com casamentos entre as coroas, sinal de aliança entre elas. Para poderem eles realizar-se, foi necessária a renúncia aos seus direitos por parte da rainha D. Joana, inserida no corpo do [[Tratado das Alcáçovas-Toledo|Tratado das Alcáçovas]]: comprometia-se a não voltar a casar senão com o príncipe [[João de Aragão]], filho herdeiro dos [[Reis Católicos]] e, no caso de não o aceitar, rompendo o noivado com ele, entraria monja professa. Ficou refém de [[Beatriz de Portugal (1430)|D. Beatriz]], viúva do infante [[Fernando de Portugal, Duque de Viseu|D. Fernando]], irmão de Afonso V. Sua tia Isabel a Católica indemnizou-a ainda com 100 mil dobras de Castela.  


==Renúncia==
O [[Papa Sisto IV]] dissolveu o casamento de D. Joana a pretexto da consaguinidade, mas D. Joana recusou-se casar com o primo João de Aragão conforme estipulado - talvez por considerar vexatório, para a sua posição de herdeira natural, ter que casar com o herdeiro de quem lhe roubara o trono para o poder vir a recuperar no futuro - e preferiu retirar-se para o mosteiro de Santa Clara em [[Santarém (Portugal)|Santarém]]. Ali passou a residir, recusando-se sempre no entanto até ao fim da sua vida a fazer votos, o que teria passado os seus inquestionáveis direitos ao reino de que fora espoliada ''de facto'' para sua tia, Isabel. Posteriormente, do convento das Clarissas de Santarém, Joana passou ao [[Mosteiro de Santa Clara-a-Velha]] em Coimbra, em [[16 de Outubro]] de [[1480]].  
A guerra entre Espanha e Portugal durou cinco anos, terminando na paz de [[1479]], quando se conseguiu uma aliança dupla. Em Setembro, Joana renunciou à coroa castelhana pelo [[Tratado das Alcáçovas-Toledo|Tratado das Alcáçovas]], prometeu que só poderia casar-se com o filho dos reis católicos e, no caso de não aceitar, entraria monja professa. Ficou refém de [[Beatriz de Portugal (1430)|D. Beatriz]], viúva do infante [[Fernando de Portugal, Duque de Viseu|D. Fernando]], irmão de Afonso V. Receberia ainda 100 mil dobras de Castela.


O [[Papa Sisto IV]] dissolveu o casamento devido à consaguinidade, e os reis católicos procuraram consorciar Joana com o seu filho e herdeiro, [[João de Aragão]]. Joana recusou-se casar com o primo - por considerar vexatório, para a sua posição de herdeira natural, ter que casar com o herdeiro de quem lhe roubara o trono para o poder vir a recuperar no futuro - e retirou-se para o convento. Abandonou suas reclamações, tomou o véu no mosteiro de Santa Clara em [[Santarém (Portugal)|Santarém]], e o direito de Isabel ao trono se tornou inquestionável. Do convento da Ordem de S. Clara em Santarém, Joana passou ao de [[Mosteiro de Santa Clara-a-Velha|Coimbra]] em [[16 de Outubro]] de [[1480]].  
Embora residindo com a sua corte nos mosteiros de Santa Clara, sob o único nome oficial que lhe era dado, o de '''Excelente Senhora''', a rainha destronada era completamente livre dos seus bens, e de se movimentar dentro do Reino, deslocando-se frequentemente e por longos periodos à [[corte]] em [[Lisboa]].


==Ameaça à coroa espanhola==
==Ameaça à coroa castelhana==
[[Imagem:Juan de Flandes 003.jpg|thumb|150px|right|Joana I de Castela, ''a Louca'']]
[[Imagem:Juan de Flandes 003.jpg|thumb|150px|right|Joana I de Castela, ''a Louca'']]
Em [[1482]] vivia em Lisboa e continuava intitulando-se Rainha. Aquando da Paz de [[Trujillo (Espanha)|Trujillo]], por pressões dos Reis Católicos, voltou ao convento, onde em Março de [[1483]] recebeu um breve do [[Papa Sisto IV]] para permanecer constantemente no convento, de acordo com a Ordem. Os reis de Portugal e França pretendiam o seu casamento com o herdeiro da [[Navarra]], [[Francisco Febo]], cuja morte em [[1483]] frustrou.
Em [[1482]] vivia um dos seus periodos em Lisboa, e continuava intitulando-se Rainha. Isto incomodava e assustava os seus primos ''Católicos'', que moveram as suas influências junto de [[Roma]]. Pelo que em Março de [[1483]] a [[Excelente Senhora]] recebeu um breve do [[Papa Sisto IV]] tentando fazê-la permanecer constantemente no convento, de acordo com a regra da Ordem.  
 
Os reis de Portugal e França entretanto negociavam o casamento de D. Joana com o herdeiro da [[Navarra]], [[Francisco Febo]], por aonde de novo cercariam militarmente o reino de Castela, mas a morte do príncipe navarro frustrou este projecto, em [[1483]].
 
Ainda em [[1493]], mais firmes no trono os [[Reis Católicos]] embora sempre ameaçados pela sua existência, D. Joana viverá de novo livre na corte em [[Lisboa]].
 
Logo depois da morte de Isabel (Novembro de [[1504]]) o seu viúvo Fernando o Católico, rei de Aragão, ao perder a regência do de Castela, propôs casamento a D. Joana - estava determinado a impedir que a [[Habsburgos|Casa de Áustria]] passasse a governar Castela. [[Joana I de Castela|Com efeito, a futura Joana a Louca]], filha e herdeira do rei aragonês e da rainha castelhana, estava casada com o [[arquiduque de Áustria]] [[Filipe I de Castela|Filipe, o Belo]],  [[duque da Borgonha]], herdeiro do imperador [[Maximiliano I]].
 
O monarca propunha-se restaurar os títulos e as honras reais de que a [[Excelente Senhora]] fora destituida pela guerra, de forma a afastar da [[regência]] de Castela o seu genro [[Filipe I de Castela|Filipe de Habsburgo]], quando se tornou claro que [[Joana I de Castela|Joana a Louca]], acabada de suceder no trono da mãe Católica, tinha começado a ensandecer.  A [[Excelente Senhora]], porém, recusou-se a aceitar como esposo àquele que, em outros tempos, ousara tratá-la como suposta filha adulterina da rainha  D. Joana de Portugal e Beltrán de la Cueva...


Em [[1493]], firmes os [[Reis Católicos]] no trono, Joana pode viver livre em Lisboa, sem juras e excomunhões do Papa.
Curiosamente ou não, a primeira filha havida do casamento de Isabel e Fernando após o início do conflito sucessório fôra baptizada, precisamente, de Joana. Foi esta Joana que sucedeu aos Reis Católicos, como se viu, sob o nome de [[Joana I de Castela|Joana I ]], não deixando o seu numeral espaço para dúvidas: em Castela, os senhores do trono tomado não queriam dúvidas: o reinado efectivo da pobre ''"Beltraneja"'' jamais seria reconhecido, a não ser de forma inteiramente subordinada aos interesses pessoais sucessórios do filho herdeiro, ou do próprio Rei Católico...


Por morte de Isabel (Novembro de [[1504]]) o viúvo D. Fernando propôs casamento a Joana - estava determinado a impedir que a [[Habsburgos|Casa de Áustria]] passasse a governar Castela. [[Joana I de Castela]], filha e herdeira de D. Fernando, estava casada com [[Filipe I de Castela|Filipe, o Belo]], [[Arquiduque de Áustria]] e [[Duque da Borgonha]], herdeiro do Imperador [[Maximiliano I]]. O monarca propunha-se restaurar os títulos e as honras inerentes à Beltraneja, por forma a afastar Filipe da condução do governo de Castela, onde actuava como regente em nome da mulher, que começava a demostrar sinais de loucura. A Excelente Senhora, porém, recusou-se a aceitar como esposo àquele que, em outros tempos, a declarara filha adulterina de Joana de Portugal e D. Beltrán de la Cueva...
Ainda em [[1523]] o rei da França conspirou debalde para retirar D. Joana de Portugal, o que prova como a sua existência livre e protegida era terrível arma de pressão sobre o reino castelhano e os chamados direitos dos Reis Católicos para os seus vizinhos.  


Curiosamente ou não, a primeira filha havida do casamento de Isabel e Fernando após o início do conflito sucessório fôra baptizada, precisamente, de Joana. Foi esta Joana que sucedeu aos Reis Católicos, sob o nome de [[Joana I de Castela|Joana I de Castela, ''a Louca'']], não deixando o seu numeral espaço para dúvidas: em Castela, o reinado da ''Beltraneja'' jamais fora reconhecido.
==Renúncia última e definitiva dos seus direitos a favor de D. João III de Portugal==


Em [[1523]] o rei da França conspirou para retirá-la de Portugal, mas fracassou. Em [[20 de Julho]] de [[1530]], por escritura pública, Joana renunciou a seus direitos a Castela, cedidos a D. [[João III de Portugal]].
A rainha sentindo-se envelhecer, e não querendo que depois da sua morte os seus direitos passassem aos seus primos sempre  ilegalmente no trono em Castela, determinou a [[20 de Julho]] de [[1530]], por escritura pública na corte, renunciar os seus direitos e abdicar em sua vida ainda da coroa de Castela a favor do seu primo D. [[João III de Portugal]].


==''A Excelente Senhora''==
==''A Excelente Senhora''==
[[Imagem:JoaoII-P.jpg|thumb|150px|left|D. João II, ''O Príncipe Perfeito'']]
[[Imagem:JoaoII-P.jpg|thumb|150px|left|D. João II, ''O Príncipe Perfeito'']]
Joana viveu em Portugal até à sua morte em [[1530]]; mas enquanto foi viva constituiu um empecilho permanente para a coroa de Castela, e um argumento de peso, habilmente esgrimido por [[João II de Portugal|D. João II]] em sua política com Espanha. Aí radica o título que o ''Príncipe Perfeito'' lhe concedeu: ''A Excelente Senhora''. De facto, foi a primeira vez que se usou o título de ''Sua Excelência'' em Portugal - já que o uso de [[infante|infanta]] seria indecoroso para com a sua pessoa, e o título de rainha não podia ser usado, por passível de ser considerado insultuoso no quadro das relações bilaterais com Castela.
D. Joana viveu em Portugal até à sua morte em [[1530]]; mas enquanto foi viva constituiu um empecilho permanente para a coroa de Castela, e um argumento diplomático de peso, habilmente esgrimido pelos vizinhos de Isabel a Católica e de Fernando, os reis de França, de Navarra, e sobretudo pelos reis de Portugal [[João II de Portugal|D. João II]], [[Manuel I de Portugal|D. Manuel I]], e [[João III de Portugal|D. João III]], na sua política europeia.  
 
Aí radica o título que o ''Príncipe Perfeito'' lhe concedeu: ''A Excelente Senhora''. Tratamento esse que no século seguinte será concedido apenas, e muito parcimonisamente, aos Duques portugueses, de sangue real, antes de se generalizar a todos os títulos grandes de Portugal no século XVIII (Duque, Marquês, e Conde), e ainda às pessoas, como os ministros, que tinham honras equiparadas a estes.
 
D. Joana, estando inicialmente impedida por tratado do tratamento devido à sua realeza, receberá nesse momento, por ordem de D. João II, o tratamento oficial de '''A Excelente Senhora'''.  Foi esta a primeira vez que se usou o tratamento de ''Excelência'' em Portugal - já que o uso de [[infante|infanta]] seria indecoroso para com a sua pessoa, e o título de rainha não podia ser usado, por passível de ser considerado perigo para a paz com Castela.
 
Tal tratamento, de resto, viria a justificar-se plenamente, dado a rainha se ter recusado ver-se envolvida em mais manobras políticas e tendo dedicado o resto da vida à devoção a Deus, à prática de obras de caridade e de apoio aos desfavorecidos. De resto, estiveram presentes embaixadores castelhanos na cerimónia dos seus votos (decerto primeiros votos, não os votos solenes, definitivos) não só porque tal acto constituísse uma desistência de quaisquer eventuais pretensões que D. Joana ainda tivesse de recuperar o trono que, ''[[de jure]]'', lhe pertenceria sempre (impossibilitando também o seu casamento e com ele o nascimento de herdeiros da coroa usurpada de Castela, seus lídimos descendentes), mas igualmente para testemunhar as formas de tratamento usadas para com a sua pessoa, assegurando-se que se cumpria o estabelecido nos acordos das [[Tratado das Alcáçovas-Toledo|Alcáçovas-Toledo]].


Tal epíteto, de resto, viria a justificar-se plenamente, dado a Beltraneja se ter recusado ver-se envolvida em mais manobras políticas e tendo dedicado o resto da vida à devoção a Deus, à prática de obras de caridade e de apoio aos desfavorecidos. De resto, estiveram presentes embaixadores castelhanos na cerimónia dos seus votos solenes, não só porque tal acto constituía uma desistência de quaisquer eventuais pretensões que Joana ainda mantivesse ao trono que, ''[[de jure]]'', lhe pertencia (impossibilitando também o aparecimento de qualquer presumível herdeiro que fosse seu lídimo descendente), mas igualmente para testemunhar as formas de tratamento usadas para com a sua pessoa, assegurando-se assim que se cumpria o estabelecido nos acordos das [[Tratado das Alcáçovas-Toledo|Alcáçovas-Toledo]].
Contudo, a Rainha D. Joana, dentro do convento e fora dele, na vida religiosa como na vida da corte em Lisboa, assinou-se sempre, até à sua morte em [[1530]], ''Yo la reina''(Eu, a Rainha).  


Contudo, a rainha, ingressada num convento, assinou sempre, até à sua morte, em [[1530]], ''Yo la reina''. Não se conhece o paradeiro dos seus restos mortais, pelo que se torna impossível determinar, através do [[ADN]], se realmente era filha de [[Henrique IV de Castela]] ou de [[Beltrán de La Cueva|D. Beltrán de La Cueva]]...
Talvez devido ao terremoto de Lisboa, não se conhece o paradeiro dos seus restos mortais, pelo que se nos torna impossível determinar, através do [[ADN]], se realmente era filha de [[Henrique IV de Castela]] ou de [[Beltrán de La Cueva|Beltrán de La Cueva]]... Deste porém a historiografia actual não aceita que fosse possível ser o pai biológico, sendo portanto possível que o Rei Impotente o não tivesse sido sempre, como prova a sua acirrada defesa dos direitos da filha contra os seus irmãos.


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Edição das 04h56min de 3 de fevereiro de 2009

Predefinição:Infobox Monarca

D. Joana de Trastâmara, rainha reinante (primeiro) e de jure (depois) de Castela, e rainha consorte de Portugal (Castela, 1462 - Lisboa, 1530).

Nasceu infanta de Castela, sendo jurada princesa das Astúrias, sendo depois aclamada rainha de Castela à morte do rei Henrique IV, seu pai, e rainha de Portugal pelo seu casamento com seu tio D. Afonso V. Depois da guerra civil castelhana em que foi destronada por seus tios os Reis Católicos, foi exilada do seu país pelo tratado assinado entre Portugal e Castela, depois da batalha de Touro, ficando oficialmente tratada em Portugal, aonde encontrou refúgio até ao fim dos seus dias, por Excelente Senhora. Os seus inimigos, e de sua mãe, injuriosamente a alcunharam, ou apelidaram insultuosamente de Beltraneja desde o seu nascimento, querendo assim afirmar não ser a princesa filha do rei Henrique IV de Castela, mas de um amante da rainha sua mulher, D. Joana de Portugal, de seu nome Beltrão de la Cueva.

Nascimento

Sua mãe era a rainha D. Joana de Portugal, filha do rei D. Duarte, casada com o rei Henrique IV de Castela. Contudo, Henrique, sem filhos do seu segundo casamento, o casamento anterior (o seu primeiro casamento, não o consumara sendo anulado por falta de idade, nada provando nesta matéria), teria a fama de ser impotente. Por isso se urdiu na corte que D. Joana estivesse envolvida num caso amoroso com o nobre Beltrán de La Cueva, o qual no entanto, segundo a exegese histórica pôde apurar nos nossos dias, estaria em missão fora da corte castelhana no momento aproximado da concepção da jovem infanta.

Nem por isso deixou a princesa D. Joana de ser considerada ilegítima pelos principais senhores de Castela, que se recusarão depois a reconhecê-la como infanta, seguindo-se lutas civis e várias pressões visando a passagem da coroa castelhana a Afonso, irmão de Isabel a Católica, tios da recém-nascida, meios-irmãos do rei seu pai.

Rainha de Castela

D. Joana era pois a única filha conhecida do monarca castelhano, que defendeu a causa da sua legitimidade, sendo no entanto obrigado a alterar a sua posição várias vezes, antes de morrer, diante das guerras civis intestinas que a isso o obrigava, por ter deixado enfraquecer extremamente o seu poder real. Mesmo assim, conseguiu obrigar a nobreza castelhana a jurar fidelidade à princesa, tendo sido designada princesa das Astúrias em 1462. Porém, dois anos volvidos e face à pressão da nobreza, viu-se obrigado a delegar a sucessão no seu irmão Afonso, o qual viria, no entanto, a falecer a breve trecho, logo em 1468. Ainda nesse momento o rei se viu obrigado pela sua nobreza a reconhecer como sucessora, muito a contragosto, a sua meia-irmã Isabel, com a condição de que esta aceitasse o casamento que o rei seu irmão lhe propusesse.

Como em 1469 D. Isabel se casasse em segredo com Fernando o Católico, herdeiro da Coroa de Aragão, contra a vontade do rei seu irmão, Henrique IV poude considerar violado o tratado que estabelecera com Isabel. E é então que declara novamente a D. Joana por sua única e legítima herdeira, procurando nos últimos anos de vida um marido para a sua filha, que lhe pudesse defender os direitos ameaçados.

Depois de várias hesitações diplomáticas, D. Joana acabou prometida em casamento ao seu tio, o Rei Cavaleiro, D. Afonso V de Portugal, que tomou como sua empresa de cavalaria defender os direitos da sua inocente e jovem sobrinha. Para este casamento foi necessária uma dispensa papal, dada a próxima consanguinidade entre os noivos. D. Afonso jurou defender os direitos da esposa, e por conseguinte os seus próprios, ao trono de Castela.

Henrique IV morre 1474, deixando a filha aos cuidados do cunhado português: a partir deste momento ficam delineadas duas facções em guerra civil em Castela, ocupada em boa parte pela intervenção militar estrangeira portuguesa: uma que apoia Isabel e, por conseguinte, a união dinástica de Castela com Aragão e o seu império mediterrânico; outra, com especial ênfase na nobreza do reino da Galiza, já então sujeito ao de Castela, que defende os direitos de D. Joana e D. Afonso V e, subsequentemente, a união pessoal da coroa de Castela com a de Portugal por este casamento.

Guerra de Sucessão de Castela

Ver artigo principal: Guerra de Sucessão de Castela
Madonna dos Reis Católicos, pintura de cerca de 1490–95; Fernando o Católico, com seu filho herdeiro o infante João de Aragão e Castela à esquerda, Isabel I de Castela à direita

Grande parte dos nobres castelhanos, chefiados pelo poderoso Fonseca, arcebispo de Toledo, preferira prestar vassalagem a Isabel a Católica: Pelo que logo em 1475, dando sequência ao projecto do cunhado Henrique IV, D. Afonso V de Portugal casou com sua sobrinha Joana, manda armar o seu exército e, em 1476 invade Castela para defender os seus direitos.

A guerra veio a culminar na batalha de Touro, nas proximidades de Zamora. Esta batalha teve um desfecho militar inconclusivo - embora D. Afonso V tenha saído vencido, graças sobretudo aos esforços do Cardeal Mendoza, a ala do exército comandada pelo Príncipe D. João ficou invicta, permanecendo os três dias da praxe ocupando o terreno de batalha, sinal da sua vitória.

Assim, ambas as partes reclamaram oficialmente vitória durante muitos anos. Não obstante, o desfecho político não foi favorável ao monarcas portugueses, pois D. Afonso V viu serem-lhes retirados nessa altura os apoios de que precisaria para continuar a guerra, quando grande parte dos seus vassalos castelhanos o abandonaram, bandeando-se para ir prestar vassalagem aos seus primos, os futuros Católicos.

D. Afonso V, que desde 1476 pusera D. Joana a salvo em Abrantes, volta então a Portugal aonde se lhe reune.

Armas dos reis D. Afonso V e D. Joana depois de aclamados reis de Castela, em pendão militar usado na invasão daquele reino

Aliança francesa contra Castela: viagem a França e à Borgonha de seu marido

O rei português, no entanto, não desistira da sua empresa, nem abandonara os direitos de sua mulher, pelo que resolve então ir pessoalmente a França procurar a aliança de Luís XI a fim de voltar a invadir os reinos vizinhos.

O rei embarcou no Porto, deixando a regência a seu filho, que mandou aclamar rei em sua vida, a fim de se dedicar em exclusivo à empresa da reconquista do trono castelhano, viajando por França, e pelo ducado da Borgonha, a chamar também por aliado ao seu primo Carlos, o Temerário.

Para obter a aliança da França e da Borgonha, no entanto, era necessário que estas assinassem a paz da guerra que há muito travavam, a fim de dispor de forças para enviar contra Aragão e contra Castela pelo Leste. Pelo que D. Afonso iniciou uma mediação na luta entre o monarca francês e Carlos, o Temerário, duque da Borgonha, primo direito do rei de Portugal. Porém, o rei francês (Luís XI de França, a aranha universal, como foi chamado, conhecido pela forma como habilmente criava e geria intrigas políticas) foi protelando as diligências do seu hóspede, o rei português. Após a morte do Temerário na batalha de Nancy e a retorno do ducado da Borgonha à coroa de França, de aonde havia saído antes, com excepçãos dos Países Baixos, e do Franco Condado, ficaram inutilizados os esforços de D. Afonso V.

Sentindo-se traído, regressa a Portugal, aonde o filho, rei D. João II, retira a coroa da cabeça e a devolve ao pai. A sua mulher, Dona Joana (com a qual alguém dizem que não chegara sequer a consumar o matrimónio), vivia agora em Aveiro, junto de sua prima e enteada, Santa Joana Princesa.

Paz e primeira renúncia de D. Joana

O Tratado das Alcáçovas, assinado em 1479 com os Reis Católicos terminará a Guerra de Sucessão de Castela. Nele são também definidos limites para a expansão marítima e terrestre das coroas portuguesa, castelhana e aragonesa, respectivamente no Atlântico e no Magrebe.

A invasão portuguesa, e a subsequente Guerra de Sucessão de Castela haviam durado cinco anos, terminando na paz de 1479, que como era usual foi celebrada com casamentos entre as coroas, sinal de aliança entre elas. Para poderem eles realizar-se, foi necessária a renúncia aos seus direitos por parte da rainha D. Joana, inserida no corpo do Tratado das Alcáçovas: comprometia-se a não voltar a casar senão com o príncipe João de Aragão, filho herdeiro dos Reis Católicos e, no caso de não o aceitar, rompendo o noivado com ele, entraria monja professa. Ficou refém de D. Beatriz, viúva do infante D. Fernando, irmão de Afonso V. Sua tia Isabel a Católica indemnizou-a ainda com 100 mil dobras de Castela.

O Papa Sisto IV dissolveu o casamento de D. Joana a pretexto da consaguinidade, mas D. Joana recusou-se casar com o primo João de Aragão conforme estipulado - talvez por considerar vexatório, para a sua posição de herdeira natural, ter que casar com o herdeiro de quem lhe roubara o trono para o poder vir a recuperar no futuro - e preferiu retirar-se para o mosteiro de Santa Clara em Santarém. Ali passou a residir, recusando-se sempre no entanto até ao fim da sua vida a fazer votos, o que teria passado os seus inquestionáveis direitos ao reino de que fora espoliada de facto para sua tia, Isabel. Posteriormente, do convento das Clarissas de Santarém, Joana passou ao Mosteiro de Santa Clara-a-Velha em Coimbra, em 16 de Outubro de 1480.

Embora residindo com a sua corte nos mosteiros de Santa Clara, sob o único nome oficial que lhe era dado, o de Excelente Senhora, a rainha destronada era completamente livre dos seus bens, e de se movimentar dentro do Reino, deslocando-se frequentemente e por longos periodos à corte em Lisboa.

Ameaça à coroa castelhana

Joana I de Castela, a Louca

Em 1482 vivia um dos seus periodos em Lisboa, e continuava intitulando-se Rainha. Isto incomodava e assustava os seus primos Católicos, que moveram as suas influências junto de Roma. Pelo que em Março de 1483 a Excelente Senhora recebeu um breve do Papa Sisto IV tentando fazê-la permanecer constantemente no convento, de acordo com a regra da Ordem.

Os reis de Portugal e França entretanto negociavam o casamento de D. Joana com o herdeiro da Navarra, Francisco Febo, por aonde de novo cercariam militarmente o reino de Castela, mas a morte do príncipe navarro frustrou este projecto, em 1483.

Ainda em 1493, mais firmes no trono os Reis Católicos embora sempre ameaçados pela sua existência, D. Joana viverá de novo livre na corte em Lisboa.

Logo depois da morte de Isabel (Novembro de 1504) o seu viúvo Fernando o Católico, rei de Aragão, ao perder a regência do de Castela, propôs casamento a D. Joana - estava determinado a impedir que a Casa de Áustria passasse a governar Castela. Com efeito, a futura Joana a Louca, filha e herdeira do rei aragonês e da rainha castelhana, estava casada com o arquiduque de Áustria Filipe, o Belo, duque da Borgonha, herdeiro do imperador Maximiliano I.

O monarca propunha-se restaurar os títulos e as honras reais de que a Excelente Senhora fora destituida pela guerra, de forma a afastar da regência de Castela o seu genro Filipe de Habsburgo, quando se tornou claro que Joana a Louca, acabada de suceder no trono da mãe Católica, tinha começado a ensandecer. A Excelente Senhora, porém, recusou-se a aceitar como esposo àquele que, em outros tempos, ousara tratá-la como suposta filha adulterina da rainha D. Joana de Portugal e Beltrán de la Cueva...

Curiosamente ou não, a primeira filha havida do casamento de Isabel e Fernando após o início do conflito sucessório fôra baptizada, precisamente, de Joana. Foi esta Joana que sucedeu aos Reis Católicos, como se viu, sob o nome de Joana I , não deixando o seu numeral espaço para dúvidas: em Castela, os senhores do trono tomado não queriam dúvidas: o reinado efectivo da pobre "Beltraneja" jamais seria reconhecido, a não ser de forma inteiramente subordinada aos interesses pessoais sucessórios do filho herdeiro, ou do próprio Rei Católico...

Ainda em 1523 o rei da França conspirou debalde para retirar D. Joana de Portugal, o que prova como a sua existência livre e protegida era terrível arma de pressão sobre o reino castelhano e os chamados direitos dos Reis Católicos para os seus vizinhos.

Renúncia última e definitiva dos seus direitos a favor de D. João III de Portugal

A rainha sentindo-se envelhecer, e não querendo que depois da sua morte os seus direitos passassem aos seus primos sempre ilegalmente no trono em Castela, determinou a 20 de Julho de 1530, por escritura pública na corte, renunciar os seus direitos e abdicar em sua vida ainda da coroa de Castela a favor do seu primo D. João III de Portugal.

A Excelente Senhora

D. João II, O Príncipe Perfeito

D. Joana viveu em Portugal até à sua morte em 1530; mas enquanto foi viva constituiu um empecilho permanente para a coroa de Castela, e um argumento diplomático de peso, habilmente esgrimido pelos vizinhos de Isabel a Católica e de Fernando, os reis de França, de Navarra, e sobretudo pelos reis de Portugal D. João II, D. Manuel I, e D. João III, na sua política europeia.

Aí radica o título que o Príncipe Perfeito lhe concedeu: A Excelente Senhora. Tratamento esse que no século seguinte será concedido apenas, e muito parcimonisamente, aos Duques portugueses, de sangue real, antes de se generalizar a todos os títulos grandes de Portugal no século XVIII (Duque, Marquês, e Conde), e ainda às pessoas, como os ministros, que tinham honras equiparadas a estes.

D. Joana, estando inicialmente impedida por tratado do tratamento devido à sua realeza, receberá nesse momento, por ordem de D. João II, o tratamento oficial de A Excelente Senhora. Foi esta a primeira vez que se usou o tratamento de Excelência em Portugal - já que o uso de infanta seria indecoroso para com a sua pessoa, e o título de rainha não podia ser usado, por passível de ser considerado perigo para a paz com Castela.

Tal tratamento, de resto, viria a justificar-se plenamente, dado a rainha se ter recusado ver-se envolvida em mais manobras políticas e tendo dedicado o resto da vida à devoção a Deus, à prática de obras de caridade e de apoio aos desfavorecidos. De resto, estiveram presentes embaixadores castelhanos na cerimónia dos seus votos (decerto primeiros votos, não os votos solenes, definitivos) não só porque tal acto constituísse uma desistência de quaisquer eventuais pretensões que D. Joana ainda tivesse de recuperar o trono que, de jure, lhe pertenceria sempre (impossibilitando também o seu casamento e com ele o nascimento de herdeiros da coroa usurpada de Castela, seus lídimos descendentes), mas igualmente para testemunhar as formas de tratamento usadas para com a sua pessoa, assegurando-se que se cumpria o estabelecido nos acordos das Alcáçovas-Toledo.

Contudo, a Rainha D. Joana, dentro do convento e fora dele, na vida religiosa como na vida da corte em Lisboa, assinou-se sempre, até à sua morte em 1530, Yo la reina(Eu, a Rainha).

Talvez devido ao terremoto de Lisboa, não se conhece o paradeiro dos seus restos mortais, pelo que se nos torna impossível determinar, através do ADN, se realmente era filha de Henrique IV de Castela ou de Beltrán de La Cueva... Deste porém a historiografia actual não aceita que fosse possível ser o pai biológico, sendo portanto possível que o Rei Impotente o não tivesse sido sempre, como prova a sua acirrada defesa dos direitos da filha contra os seus irmãos.

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Precedido por
D. Isabel, Infanta e Rainha de Portugal
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Rainha consorte de Portugal e dos
Algarves daquém e dalém-mar em África, senhora da Guiné

14751481
Sucedido por
D. Leonor, Infanta e Rainha de Portugal
Precedido por
Henrique IV de Castela
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Soberana de Leão, Castela, Galiza, Toledo, Sevilha,
Córdova, Múrcia, Jaén, Algarve, Algeciras e Gibraltar,
Senhora da Biscaia e de Molina

de facto 14741475 de jure 14741479
Sucedido por
Isabel, a Católica
Precedido por
D. Joana, Infanta de Portugal
PortugueseFlag1475.png
Soberana de Leão, Castela, Galiza, Toledo, Sevilha,
Córdova, Múrcia, Jaén, Algarve, Algeciras e Gibraltar,
Senhora da Biscaia e de Molina

de facto 14741475 de jure 14741479
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Isabel, a Católica

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