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Aristides de Sousa Mendes: mudanças entre as edições

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}}
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'''Aristides de Sousa Mendes''' do Amaral Abranches <small>[[Ordem Militar de Nosso Senhor Jesus Cristo|GCC]] • [[Grã-Cruz da Ordem da Liberdade|OL]] • [[Grã-Cruz da Ordem da Liberdade|GCL]]</small><ref>{{Citar web|titulo = Aristides Sousa Mendes na historia|url = http://www.aristidesdesousamendes.com/zasm_nahistoria.htm|website = www.aristidesdesousamendes.com|acessodata = 2016-02-03}}</ref> ([[Cabanas de Viriato]], {{dtlink|lang=pt|19|7|1885}} - [[Lisboa]], {{dtlink|lang=pt|3|4|1954}}) foi um [[Cônsul (diplomacia)|cônsul]] [[Portugal|português]].
'''Aristides de Sousa Mendes''' <small>[[Ordem Militar de Cristo|GCC]] • [[Ordem da Liberdade|OL]] • [[Ordem da Liberdade|GCL]]</small>, também conhecido por '''Aristides de Sousa Mendes do Amaral e Abranches''', nome para o qual alterou o seu,<ref>{{Citar web|titulo = Aristides Sousa Mendes na historia|url = http://www.aristidesdesousamendes.com/zasm_nahistoria.htm|website = www.aristidesdesousamendes.com|acessodata = 2016-02-03}}</ref> ([[Cabanas de Viriato]], {{dtlink|lang=pt|19|7|1885}} [[Lisboa]], {{dtlink|lang=pt|3|4|1954}}) foi um cônsul Português.


Enquanto Cônsul de [[Portugal]] em [[Bordéus]] no ano da [[invasão da França|invasão de França]] pela [[Alemanha]] [[Nazi]] na [[Segunda Guerra Mundial]], desafiou ordens expressas do [[Presidente do Conselho de Ministros de Portugal|presidente do conselho de ministros]] [[António de Oliveira Salazar]], que acumulava a função de ministro dos Negócios Estrangeiros, e durante três dias e três noites concedeu vistos de entrada em Portugal a milhares de refugiados, incluindo muitos judeus,  que fugiam da Alemanha, Áustria, da própria França e dos países já ocupados pelos exércitos alemães, mas também outros indivíduos de cidadania portuguesa, britânica, americana, etc. que tentavam regressar às suas pátrias.{{sfn|Milgram|1999|pp=123-156}}{{sfn|Meneses|2010|p=277}}
Enquanto [[Cônsul (diplomacia)|Cônsul]] de [[Portugal]] em [[Bordéus]] no ano da [[invasão da França]] pela [[Alemanha]] [[Nazi]] na [[Segunda Guerra Mundial]], desafiou ordens expressas do ditador [[António de Oliveira Salazar]] que acumulava a função de ministro dos Negócios Estrangeiros, e durante três dias e três noites concedeu milhares de vistos de entrada em Portugal a refugiados de várias nacionalidades que desejavam fugir da [[França]] em 1940.


O número total de vistos passados por Sousa Mendes é desconhecido, devido a muitos deles terem sido passados sem que deles se fizesse registo.{{sfn|Milgram|1999|pp=123-156}} Algumas fontes apontam o número de judeus salvos do [[holocausto]] por Sousa Mendes na ordem dos dez mil,<ref>[[História Viva]], nº 20, pp. 87-93. Editora Duetto. São Paulo (2005).</ref> num total de trinta mil refugiados a quem terá passado vistos durante a segunda guerra mundial. De acordo com o historiador Avraham Milgram, da ''[[Yad Vashem]]'', a origem dos números é atribuída ao autor Harry Ezratty, em 1964, e aponta para um número bastante inferior.{{sfn|Milgram|1999|pp=123-156}} Segundo o mesmo, que reconhece o heroísmo do feito de Sousa Mendes, este equívoco terá contribuído para que vários jornalistas e autores tenham vindo a exagerar a figura e os feitos de Sousa Mendes, comparando-o com outras personalidades como a de [[Raoul Wallenberg]].{{nota de rodapé|Tal é o caso, por exemplo, da biografia escrita por ''Rui Afonso: Um homem bom: Aristides de Sousa Mendes, o "Wallenberg portugues"''. Contudo Milgram afirma que exceptuando o facto de que ambos eram diplomatas e salvaram judeus, Sousa Mendes e Wallenberg têm muito pouco em comum.{{sfn|Milgram|1999|p=25}} Douglas Wheeler aponta o facto de que Wallenberg teve o apoio e reconhecimento da Suécia, país também ele neutral, ao passo que Mendes foi desapoiado e votado ao esquecimento pelo governo do país.{{sfn|Wheeler|1989|pp=120}} Curioso é também o facto de que ultimamente o próprio Wallenberg tenha sido objecto duma "revisão de números"; por exemplo Yehuda Bauer fala de cerca de 4500 judeus salvos; e usando uma metáfora musical, comenta que tocar o "segundo violino" em relação a outros não significa falta de importância, ou que a sua música não fosse maravilhosa.<ref>{{citar livro|título=Jews for Sale? Nazi-Jewish Negotiations, 1933-1945|ultimo=Bauer|primeiro=Yehuda|editora=Yale University Press|ano=1994|página=237}}</ref>  }}{{sfn|Milgram|1999|pp=123-156}}
O número total de vistos passados por Sousa Mendes é desconhecido, devido a muitos deles terem sido passados sem que deles se fizesse registo.{{sfn|Milgram|1999|pp=123-156}} Algumas fontes apontam o número de judeus salvos do [[holocausto]] por Sousa Mendes na ordem dos dez mil,<ref>[[História Viva]], nº 20, pp. 87-93. Editora Duetto. São Paulo (2005).</ref> num total de trinta mil refugiados a quem terá passado vistos durante a Segunda Guerra Mundial. De acordo com o historiador Avraham Milgram, da ''[[Yad Vashem]]'', que atribui a origem dos números ao autor Harry Ezratty (1964), é apontado um número bastante inferior.{{sfn|Milgram|1999|pp=123-156}}{{Quanto|data=}} Segundo o mesmo, que reconhece o heroísmo do feito de Sousa Mendes, este equívoco{{Opinião em linha|date=}} terá contribuído para que vários jornalistas e autores tenham vindo a exagerar a figura e os feitos de Sousa Mendes, comparando-o com outras personalidades como a de [[Raoul Wallenberg]].{{nota de rodapé|Tal é o caso, por exemplo, da biografia escrita por ''Rui Afonso: Um homem bom: Aristides de Sousa Mendes, o "Wallenberg portugues"''. Contudo Milgram afirma que exceptuando o facto de que ambos eram diplomatas e salvaram judeus, Sousa Mendes e Wallenberg têm muito pouco em comum.{{sfn|Milgram|1999|p=25}} Douglas Wheeler aponta o facto de que Wallenberg teve o apoio e reconhecimento da Suécia, país também ele neutral, ao passo que Mendes foi desapoiado e votado ao esquecimento pelo governo do país.{{sfn|Wheeler|1989|pp=120}} Curioso é também o facto de que ultimamente o próprio Wallenberg tenha sido objecto duma "revisão de números"; por exemplo Yehuda Bauer fala de cerca de 4500 judeus salvos; e usando uma metáfora musical, comenta que tocar o "segundo violino" em relação a outros não significa falta de importância, ou que a sua música não fosse maravilhosa.<ref>{{citar livro|título=Jews for Sale? Nazi-Jewish Negotiations, 1933-1945|ultimo=Bauer|primeiro=Yehuda|editora=Yale University Press|ano=1994|página=237}}</ref>  }}{{sfn|Milgram|1999|pp=123-156}}
 
Em 3 de julho de 2020, a [[Assembleia da República]] concedeu-lhe Honras de [[Panteão Nacional]], tendo em vista «homenagear e perpetuar a memória de Aristides de Sousa Mendes, enquanto homem que desafiou a ideologia fascista, evocando o seu exemplo na defesa dos valores da liberdade e dignidade da pessoa humana.»<ref>Cf. [https://data.dre.pt/eli/resolassrep/47/2020/07/24/p/dre Resolução da Assembleia da República n.º 47/2020,] de 24 de julho de 2020.</ref> A cerimónia teve lugar em 19 de outubro de 2021,<ref>[https://www.parlamento.pt/Paginas/2021/outubro/Cerimonia-de-Concessao-de-Honras-de-Panteao-Nacional-a-Aristides-de-Sousa-Mendes.aspx?n=15 Cerimónia de concessão de honras de Panteão Nacional a Aristides de Sousa Mendes]</ref> tendo nela participado as mais altas entidades portuguesas, designadamente o [[Presidente da República Portuguesa|Presidente da República]], o [[Presidente da Assembleia da República Portuguesa|Presidente da Assembleia da República]] e o [[Primeiro-Ministro de Portugal|Primeiro-Ministro]].<ref>[https://www.portugal.gov.pt/pt/gc22/comunicacao/noticia?i=aristides-de-sousa-mendes-no-panteao-nacional Aristides de Sousa Mendes no Panteão Nacional]</ref>


== Biografia ==
== Biografia ==
=== Primeiros anos ===
Aristides nasceu na pequena aldeia de [[Cabanas de Viriato]], concelho do [[Carregal do Sal]], no sul do [[Distrito de Viseu]] a 19 de Julho de 1885 um pouco depois da meia-noite{{sfn|Fralon|2000|p=1}}. O seu irmão gémeo César nasceu algumas dezenas de minutos antes, comemorando o seu aniversário no dia anterior. Pertencia a uma família aristocrática rural, católica e monárquica, qualidades que partilhava, apoiando inclusivamente a contra-revolução conhecida como "[[Monarquia do Norte]]".<ref>«O Almofariz», António Moniz Palme, Papiro Editora, 2009, ISBN 9789896362850</ref> O seu pai, José de Sousa Mendes, era [[juiz]] no [[Tribunal da Relação de Coimbra]].{{sfn|Fralon|2007|p=17}}


=== Primeiros anos===
Aristides instala-se em Lisboa em 1907, após concluir, juntamente com o seu irmão gémeo, a licenciatura em [[Direito]] pela [[Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra]].{{sfn|Fralon|2000|p=7}} César envereda pela carreira diplomática, mais política, ao passo que Aristides envereda pela carreira consular. Nesse mesmo ano casa-se com Maria Angelina Coelho de Sousa, sua namorada de infância{{Nota de rodapé|Nascida a 20 de agosto de 1888}}, com quem teve catorze filhos, nascidos nos diversos países em que Sousa Mendes esteve colocado. Pouco depois do seu casamento, Sousa Mendes começou a carreira consular que o levaria e à sua família ao redor do mundo. No início de sua carreira atuou em Zanzibar, Brasil, Espanha, Estados Unidos e Bélgica. Aristides teve sempre uma carreira algo atribulada e com vários incidentes, sobretudo por abandono de posto sem autorização e por utilização abusiva de dinheiros públicos.<ref name="Spared Lives">Spared Lives, The Action of Three Portuguese Diplomats in World War II – Documentary e-book edited by the Raoul Wallenberg Foundation</ref>{{sfn|Fralon|2000|pp=17-39}} Ao longo de 30 anos Aristides teve conflitos e incidentes com os mais diversos regimes políticos. O primeiro incidente deu-se em 1917 quando Aristides foi admoestado por ter abandonado o seu posto em Zanzibar sem para tal ter solicitado a devida autorização. Em 1919, quando colocado no Brasil, Aristides sofre uma suspensão, por dois anos, por comportamento anti-republicano.{{sfn|Fralon|2000|p=17}}
Aristides nasceu no lugar do Aido, na pequena aldeia de [[Cabanas de Viriato]], concelho do [[Carregal do Sal]], no sul do [[Distrito de Viseu]] a [[19 de julho|19 de Julho]] de [[1885]] pelas quatro horas da manhã.{{sfn|Fralon|2000|p=1}} O seu irmão gémeo, César de Sousa Mendes do Amaral e Abranches (1885-1955), nasceu minutos antes da meia-noite, comemorando o seu aniversário no dia anterior. Pertencia a uma família aristocrática rural, católica e monárquica, qualidades que partilhava, apoiando inclusivamente a contra-revolução conhecida como "[[Monarquia do Norte]]".<ref>«O Almofariz», António Moniz Palme, Papiro Editora, 2009, ISBN 9789896362850</ref> O seu pai, José de Sousa Mendes (1857-1921), era [[juiz]] no [[Tribunal da Relação de Coimbra]], natural de [[Beijós]], a mãe, Maria Angelina Ribeiro de Abranches (1861-1931), doméstica, era natural de [[Midões (Tábua)|Midões]], concelho de [[Tábua]].{{sfn|Fralon|2007|p=17}} Eram seus avós paternos Manuel Alves de Sousa e Raquel Augusta Mendes da Gama Sousa, maternos Silvério Coelho Paes do Amaral (1834-1906), e a avó materna, Maria dos Prazeres Ribeiro de Abranches (1837-1910), era filha bastarda do 2.º [[Visconde de Midões]]. Teve também outro irmão, João Paulo de Sousa Mendes do Amaral e Abranches (1895-?), que foi Oficial da [[Marinha de guerra|Marinha de Guerra]].
 
[[File:2019.03.02 Cabanas de Viriato (1).png|thumb|[[Casa do Passal|Casa de Aristides de Sousa Mendes em Cabanas de Viriato]] (2019).|269x269px]]
 
Aristides instala-se em Lisboa em 1907, após concluir, juntamente com o seu irmão gémeo, a licenciatura em [[Direito]] pela [[Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra]].{{sfn|Fralon|2000|p=7}} César envereda pela carreira diplomática, mais política, ao passo que Aristides envereda pela carreira consular.
 
Em 18 de fevereiro de 1909, na igreja paroquial de [[Beijós]], terra-natal de seu pai, casa-se com Maria Angelina Coelho de Sousa Mendes ([[Beijós|Beijós, Carregal do Sal]], 20 de agosto de 1888 - [[São Sebastião da Pedreira]], [[Lisboa]], 24 de agosto de 1948), sua namorada de infância, e sua prima, sendo filha de seu tio e padrinho, António de Sousa Mendes (1864-1937).{{Nota de rodapé|Nascida a 20 de agosto de 1888}}


Deste casamento teve catorze filhos, nascidos nos diversos países em que Sousa Mendes esteve colocado, nomeadamente: Aristides César (1909); Manuel Silvério (1911); José António (1912); Clotilde Augusta (1913); Isabel Maria (1915); Feliciano Artur Geraldo (1917); Elisa Joana (1918); Pedro Nuno (1920); Carlos Francisco (1922); Sebastião Miguel (1923); Teresa do Menino Jesus (1925); Luís Filipe (1929); João Paulo (1931) e Raquel Hermínia (1933).
Em 1923 quando colocado em São Francisco, nos EUA, Aristides entra em choque com a comunidade local portuguesa por estar a exigir, indevidamente, aos emigrantes portugueses, uma contribuição para um fundo de caridade da Colónia Portuguesa do Brasil para os órfãos de guerra.{{sfn|Madeira|2007|p=194}} Perante a recusa, como represália, Aristides proíbe os notários portugueses de trabalharem para o consulado e os notários acusam-no de os estar a afastar para poder assim receber ele "ou algum afilhado… a mais gorda fatia da receita", e apelidam-no de "Lord de Ópera-bufa". Aristides decidiu então dar réplica pública aos queixosos e, pouco diplomaticamente, recorre aos jornais Americanos para esgrimir os seus argumentos, atacando em particular os directores da [[Irmandades do Divino Espírito Santo|Irmandade do Divino Espírito Santo]]. O MNE ordenou-lhe que suspendesse todas as publicações nos jornais, ordem que Aristides ignorou, continuando a sua contenda pública.{{sfn|Madeira|2007|p=199}} O conflito atingiu tais proporções que o governo americano desagradado lhe cancelou a ''[[exequatur]]'', impedindo-o assim de continuar a exercer as funções de cônsul em território Norte-Americano.{{sfn|Afonso|1995|p=193}} Aristides foi então enviado para o Consulado do Maranhão no Brasil.{{sfn|Madeira|2007|p=201}} Em 1926 Aristides regressa a Lisboa para prestar serviço na Direcção-Geral dos Negócios Comerciais e Consulares.


Pouco depois do seu casamento, Sousa Mendes começou a carreira consular que o levaria e à sua família ao redor do mundo. No início de sua carreira actuou em [[Zanzibar]], [[Brasil]], [[Espanha]], [[Estados Unidos]] e [[Bélgica]]. Aristides teve sempre uma carreira algo atribulada e com vários incidentes, sobretudo por abandono de posto sem autorização e por utilização abusiva de dinheiros públicos.<ref name="Spared Lives">''[https://www.raoulwallenberg.net/wp-content/files_mf/1349882040ebooksparedlifes.pdf Spared Lives, The Action of Three Portuguese Diplomats in World War II : Documentary Exhibition : Catalogue]'', setembro de 2000.</ref>{{sfn|Fralon|2000|pp=17-39}} Ao longo de 30 anos Aristides teve conflitos e incidentes com os mais diversos regimes políticos. O primeiro incidente deu-se em 1917 quando Aristides foi admoestado por ter abandonado o seu posto em Zanzibar sem para tal ter solicitado a devida autorização. Em 1919, quando colocado no Brasil, Aristides sofre uma suspensão, por dois anos, por comportamento anti-republicano.{{sfn|Fralon|2000|p=17}}
Após a [[Revolução de 28 de Maio de 1926|revolução militar do 28 de Maio de 1926]], Aristides, que era monárquico e nacionalista<ref>Em Junho de 1937, por ocasião do Festival da Raça Portuguesa, num discurso inflamado, proclamou-se um legionário das santas cruzadas nacionalistas - Fralon, p. 39</ref> apoia abertamente o regime ditatorial desde o seu início e a sua carreira começa então a melhorar significativamente.{{sfn|Afonso|1995|p=195}} Em 1927 é nomeado cônsul em Vigo onde colabora com o Estado Novo na aniquilação das manobras dos refugiados políticos. É o próprio Aristides quem o escreve, em carta enviada ao MNE, datada de 1929 considerando-se a pessoa apropriada "para vigiar e inutilizar os manejos conspiratórios dos emigrados políticos contra a ditadura" e vangloria-se de que "no manejo dessa melindrosa missão", fez "inúmeras diligências junto das autoridades espanholas fornecendo ao nosso governo informações que permitiram liquidar os ditos manejos revolucionários".<ref>O original desta carta poderá ser encontrada no Arquivo Histórico Diplomático, ou cópias no Museu Virtual Aristides de Sousa Mendes e no livro O Cônsul Aristides Sousa Mendes - a Verdade e a Mentira - Carlos Fernandes. ISBN 9789892038803</ref>


Em 1923, quando colocado em [[São Francisco (Califórnia)|São Francisco]], nos EUA, Aristides entra em choque com a comunidade local portuguesa por estar a exigir, indevidamente, aos emigrantes portugueses, uma contribuição para um fundo de caridade para apoio aos órfãos de guerra da Colónia Portuguesa do Brasil.{{sfn|Madeira|2007|p=194}} Perante a recusa da comunidade portuguesa em contribuir para o dito fundo, Aristides proíbe os notários portugueses de trabalharem para o consulado. Os notários respondem acusando Aristides de os estar a afastar para poder assim receber ele "ou algum afilhado… a mais gorda fatia da receita", e apelidam-no de "Lord de Opera-bufa". Aristides decide então dar réplica pública aos queixosos e pouco diplomaticamente, recorre aos jornais americanos para esgrimir os seus argumentos, atacando em particular os diretores da [[Irmandades do Divino Espírito Santo|Irmandade do Divino Espírito Santo]]. O MNE, preocupado com o escândalo, ordenou a Aristides que suspendesse todas as publicações nos jornais, ordem que Aristides ignorou, continuando a sua contenda pública.{{sfn|Madeira|2007|p=199}} O conflito atingiu tais proporções que o governo americano desagradado lhe cancelou a ''[[exequatur]]'', impedindo-o assim de exercer as funções de cônsul em território Norte Americano.{{sfn|Afonso|1995|p=193}} Aristides foi então enviado para o Consulado do [[Maranhão]] no Brasil.{{sfn|Madeira|2007|p=201}}{{sfn|Gallagher|2020|p=121}} Em 1926 Aristides regressa a Lisboa para prestar serviço na Direcção-Geral dos Negócios Comerciais e Consulares.
Em 1929 foi nomeado [[cônsul (serviço exterior)|Cônsul-geral]] em [[Antuérpia]], cargo que ocupou até 1938. Seu empenho na promoção da imagem de [[Estado Novo (Portugal)|Portugal]] não passou despercebido. Foi condecorado por duas vezes por [[Leopoldo III]], [[Lista de reis da Bélgica|rei]] da Bélgica, tendo-o feito oficial da [[Ordem de Leopoldo II]] em 6 de Janeiro de 1931<ref>{{citar web |url=http://www.ordens.presidencia.pt/?idc=155 |titulo=Cidadãos Nacionais Agraciados com Ordens Estrangeiras |publicado=Presidência da República Portuguesa (Ordens Honoríficas Portuguesas) |acessodata= 16 de Abril de 2014 |notas=Resultado da busca de "Aristides de Sousa Mendes".}}</ref> e comendador da Ordem da Coroa, a mais alta condecoração belga. Durante o período em que viveu na Bélgica, conviveu com personalidades ilustres, como o escritor [[Maurice Maeterlinck]], Prémio Nobel da Literatura, e o cientista [[Albert Einstein]], Prémio Nobel da Física.
 
Após a [[Revolução de 28 de Maio de 1926|revolução militar do 28 de Maio de 1926]], Aristides, que era monárquico e nacionalista<ref>Em Junho de 1937, por ocasião do Festival da Raça Portuguesa, num discurso inflamado, proclamou-se um legionário das santas cruzadas nacionalistas - Fralon,  p. 39</ref> apoia abertamente o regime ditatorial desde o seu início e a sua carreira começa então a melhorar significativamente.{{sfn|Afonso|1995|p=195}} Em 1927 é nomeado cônsul em [[Vigo]] onde colabora com o Estado Novo na aniquilação das manobras dos refugiados políticos. É o próprio Aristides quem o escreve, em carta enviada ao MNE, datada de 1929, Aristides diz-se a pessoa apropriada "para vigiar e inutilizar os manejos conspiratórios dos emigrados políticos contra a ditadura" e vangloria-se de que "no manejo dessa melindrosa missão", fez "inúmeras diligências junto das autoridades espanholas fornecendo ao nosso governo informações que permitiram liquidar os ditos manejos revolucionários".<ref>O original desta carta poderá ser encontrada no Arquivo Histórico Diplomático, ou cópias no Museu Virtual Aristides de Sousa Mendes e no livro O Cônsul Aristides Sousa Mendes - a Verdade e a Mentira - Carlos Fernandes. ISBN 9789892038803</ref>
[[Ficheiro:Aristides and Angelina de Sousa Mendes with their first six children, 1917.jpg|esquerda|miniaturadaimagem|325x325px|Aristides com a esposa e alguns de seus filhos, em 1917]]
Em 1929 foi nomeado [[cônsul (serviço exterior)|Cônsul-geral]] em [[Antuérpia]], cargo que ocupou até 1938. Seu empenho na promoção da imagem de [[Estado Novo (Portugal)|Portugal]] não passou despercebido. Foi condecorado por duas vezes por [[Leopoldo III]], [[Lista de reis da Bélgica|rei]] da Bélgica, tendo-o feito oficial da [[Ordem de Leopoldo II]] em 6 de Janeiro de 1931<ref>{{citar web |url=http://www.ordens.presidencia.pt/?idc=155 |titulo=Cidadãos Nacionais Agraciados com Ordens Estrangeiras |publicado=Presidência da República Portuguesa (Ordens Honoríficas Portuguesas) |acessodata= 16 de Abril de 2014 |notas=Resultado da busca de "Aristides de Sousa Mendes".}}</ref> e comendador da Ordem da Coroa, a mais alta condecoração belga. Durante o período em que viveu na Bélgica, conviveu com personalidades ilustres, como o escritor [[Maurice Maeterlinck]], [[Prémio Nobel da Literatura]], e o cientista [[Albert Einstein]], Prémio Nobel da Física.


Aristides sempre viveu com dificuldades financeiras{{sfn|Fralon|2000|p=136}} e em 1932 e 1938{{sfn|Fralon|2000|p=39}} volta a ser repreendido por irregularidades nas contas do consulado. Também em 1938, Aristides é, mais uma vez, repreendido por ter abandonado o seu posto em Antuérpia sem que previamente tenha informado a legação de Londres. Outro incidente é a repreensão por declarações públicas, em nome do Estado Português, aquando da inauguração do Pavilhão Português na feira de Bruxelas em 1935.{{sfn|Fralon|2000|p=37}}
Aristides sempre viveu com dificuldades financeiras{{sfn|Fralon|2000|p=136}} e em 1932 e 1938{{sfn|Fralon|2000|p=39}} volta a ser repreendido por irregularidades nas contas do consulado. Também em 1938, Aristides é, mais uma vez, repreendido por ter abandonado o seu posto em Antuérpia sem que previamente tenha informado a legação de Londres. Outro incidente é a repreensão por declarações públicas, em nome do Estado Português, aquando da inauguração do Pavilhão Português na feira de Bruxelas em 1935.{{sfn|Fralon|2000|p=37}}
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Depois de quase dez anos de serviço na Bélgica, [[António de Oliveira Salazar|Salazar]], presidente do Conselho de Ministros e ministro dos negócios estrangeiros, nomeia Sousa Mendes cônsul em [[Bordéus]], França.
Depois de quase dez anos de serviço na Bélgica, [[António de Oliveira Salazar|Salazar]], presidente do Conselho de Ministros e ministro dos negócios estrangeiros, nomeia Sousa Mendes cônsul em [[Bordéus]], França.


Em 1938, em Bordéus, Andrée Cibial-Rey, uma jovem francesa de 32 anos, natural de [[Limoges]], entra na vida de Aristides, contava então ele com 53 anos; era católico devoto, pai de uma prole, numerosa, 14 filhos, dos quais 12 vivos. {{sfn|Afonso|1995|p=39}}{{sfn|Fralon|2000|p=43}}Jose-Alain Fralon, jornalista do ''Le Monde'' conta-nos na sua biografia de Aristides que Andrée Cibial era uma mulher com um gosto especial por transgredir regras, com uma maneira de ser jovial completamente oposta à de Angelina, a esposa leal e devota de Aristides.{{sfn|Fralon|2000|p=43}} Não tardou muito a que Andrée aparecesse grávida de Aristides e ela não procurou ocultar o facto, pelo contrário, deu-o a conhecer a toda a gente e à sua maneira peculiar, a meio da missa dominical na Catedral de [[Ribérac]]. A tia que a acompanhava ficou horrorizada.{{sfn|Afonso|1995|p=39}} A [[19 de outubro]] de [[1940]], Andrée Cibial deu à luz uma menina, a que chamou Marie-Rose, na [[Maternidade Alfredo da Costa]], em Lisboa, e disse que o pai da filha era o cônsul Aristides de Sousa Mendes. Para evitar que a mulher soubesse do caso com a francesa e do nascimento da bebé, os familiares de Aristides tiraram Andrée Cibial e a filha da maternidade, pagaram a conta, e ao fim de algumas semanas a polícia política do regime, à época designada PVDE, pôs a francesa na fronteira, interditando-lhe a entrada no país.<ref>{{citar web|URL=http://visao.sapo.pt/actualidade/portugal/2017-11-12-Tudo-o-que-faltava-saber-sobre-Aristides-de-Sousa-Mendes|título=Tudo o que faltava saber sobre Aristides de Sousa Mendes |autor=|data=|publicado=|acessodata=}}</ref>
Em 1938, em Bordéus, Andrée Cibial, uma jovem francesa de 32 anos, entra na vida de Aristides, contava então ele com 53 anos; era católico devoto, pai de uma prole, numerosa, 14 filhos, dos quais 12 vivos.{{sfn|Afonso|1995|p=39}}{{sfn|Fralon|2000|p=43}} Jose-Alain Fralon, jornalista do ''Le Monde'' conta-nos na sua biografia de Aristides que Andrée Cibial era uma mulher com um gosto especial por transgredir regras, com uma maneira de ser jovial completamente oposta à de Angelina, a esposa leal e devota de Aristides.{{sfn|Fralon|2000|p=43}} Não tardou muito a que Andrée aparecesse grávida de Aristides e ela não procurou ocultar o facto, pelo contrário, deu-o a conhecer a toda a gente e à sua maneira peculiar, a meio da missa dominical na Catedral de Ribérac. A tia que a acompanhava ficou horrorizada.{{sfn|Afonso|1995|p=39}}


=== A Segunda Guerra e a "Circular 14" ===
=== A Segunda Guerra e a "Circular 14" ===
[[Ficheiro:Aristides de Sousa Mendes, 1940.jpg|miniaturadaimagem|Aristides como Cônsul português em Bordéus (1940)]]
Ao longo dos anos 30 e com o aproximar da guerra, Portugal começa a ser um destino de refugiados e a PVDE detecta e desmantela várias redes de falsificação de passaportes portugueses que são vendidos sobretudo a judeus e apátridas.<ref name="Pimentel" /> O pano de fundo político‐ideológico do Estado Novo fazia do comunismo a grande ameaça à salvaguarda da ordem e equilíbrio pretendidos pelo regime, daí que, logo em 1933, a PVDE tenha alertado o MNE para a necessidade de uma estratégia mais rigorosa para a concessão de vistos a estrangeiros, com especial atenção à possibilidade de entrada em território nacional de indivíduos considerados subversivos.{{Nota de rodapé|Ilustrativo desta fobia anticomunista é o caso de [[Moisés Bensabat Amzalak]], reitor da Universidade Técnica, que foi líder da comunidade judaica de Lisboa por mais de cinquenta anos que no inicio dos anos trinta foi simpatizante da Alemanha Nazi, porque considerava que a Alemanha funcionava como tampão contra a ameaça comunista da Rússia, tendo chegado a ser condecorado pelo governo de Hitler em 1935.}} Com ou sem fundamento, quem encarnava quase sempre essa "fobia anti-comunista", eram os polacos, os russos, os apátridas e os judeus.{{Nota de rodapé|Associados invariavelmente à “ameaça vermelha”, os primeiros judeus que em 1933 saíam da Alemanha e territórios adjacentes (grande parte dos quais pertencentes a uma elite literária inconformada com as medidas de Hitler, também é nesta altura considerada como subversiva).}}
Em 1937 Salazar publicou vários textos onde criticou os fundamentos das leis de Nuremberga e considerou lamentável que o nacionalismo alemão estivesse vincado por características raciais <ref>Salazar, António de Oliveira – ''Como se Levanta um Estado'', ISBN 9789899537705</ref>{{sfn|Gallagher|2020|p=122}} e em 1938, o Cardeal-Patriarca de Lisboa, Manuel Gonçalves Cerejeira criticou o regime Hitleriano por se basear na ideia de raça para edificar um Estado.<ref>Revista ''Ilustraçao'' - 15/06/1938</ref> Também em 1938, Salazar sai em defesa dos judeus portugueses, dando instruções à embaixada na Alemanha, para que os interesses dos judeus portugueses sejam defendidos com diplomacia mas com muita firmeza.{{sfn|Gallagher|2020|p=122}}<ref>''Dez anos de Politica Externa'', Vol 1, pag. 137. Edição Imprensa Nacional 1961</ref>{{Nota de rodapé|Ilustrativo da inexistência de motivações anti-semitas por parte de Salazar é a resposta ao telegrama enviado por Armindo monteiro ao MNE em 27 de Junho de 1940, poucos dias passados sobre o episódio Sousa Mendes. Armindo Monteiro transmite ao MNE um pedido do embaixador da Polónia em Londres para que sejam concedidos cerca de 1000 vistos a polacos de "raça pura" (não judeus) que se encontram na fronteira de Irun.  Salazar não deixa margem para dúvida, responde: Esses (os não judeus) são justamente os que não podemos deixar entrar, devido às actividades politicas que irão querer levar a cabo no nosso país.}}


O historiador da [[Yad Vashem]] Avraham Milgram afirma peremptoriamente que o anti-semitismo moderno não teve qualquer acolhimento em Portugal{{Nota de rodapé|Em 1937, Adolfo Benarus, professor da Faculdade de Letras de Lisboa, escritor e pedagogo, também fundador em 1929 da Escola Israelita, que chegou a ter perto de uma centena de alunos, publicou um livro (''O Anti-semitismo'') onde se regozija por não existir "modernamente" anti-semitismo em Portugal e num agradecimento a Salazar esclareceu que o anti-semitismo de importação tinha sido prontamente sufocado à nascença por quem o podia sufocar.<ref>Benarus, Adolfo – ''O Antisemitismo'' - 1937 ( Lisboa : Sociedade Nacional de Tipografia)</ref>}} e faz notar que Salazar autorizou que, durante a guerra, se estabelecessem em Lisboa as várias organizações judaicas de apoio aos refugiados judeus. Milgram também escreve que quando comparando a atitude dos funcionários consulares de países como Brasil, Argentina e Estados Unidos, com a atitude dos funcionários consulares portugueses se nota nos portugueses uma quase ausência de preconceitos anti-semitas, o que se pode considerar quase ''sui generis'' entre os serviços consulares de então.{{sfn|Milgram|2011|p=}}<ref>{{Citar web|titulo=Portugal, Salazar, and the Jews, by Avraham Milgram (review)|url=http://archive.wikiwix.com/cache/index2.php?url=http://www.case.edu/artsci/jdst/reviews/Portugal.htm|data=|acessodata=6 de Abril de 2020|publicado=Midwest Jewish Studies Association|ultimo=Kaplan|primeiro=Marion}}</ref>
Ao longo dos anos 30 e com o aproximar da guerra, Portugal começa a ser um destino de refugiados e a PVDE detecta e desmantela várias redes de falsificação de passaportes portugueses que são vendidos sobretudo a judeus e apátridas.<ref name="Pimentel"/> O pano de fundo político‐ideológico do Estado Novo fazia do comunismo a grande ameaça à salvaguarda da ordem e equilíbrio pretendidos pelo regime, daí que, logo em 1933, a PVDE tenha alertado o MNE para a necessidade de uma estratégia mais rigorosa para a concessão de vistos a estrangeiros, com especial atenção à possibilidade de entrada em território nacional de indivíduos considerados subversivos.{{Nota de rodapé|Ilustrativo desta fobia anticomunista é o caso de [[Moisés Bensabat Amzalak]], reitor da Universidade Técnica, que foi líder da comunidade judaica de Lisboa por mais de cinquenta anos que no início dos anos trinta foi simpatizante da Alemanha Nazi, porque considerava que a Alemanha funcionava como tampão contra a ameaça comunista da Rússia, tendo chegado a ser condecorado pelo governo de Hitler em 1935.}} Com ou sem fundamento, quem encarnava quase sempre essa "fobia anticomunista", eram os polacos, os russos, os apátridas e os judeus.{{Nota de rodapé|Associados invariavelmente à “ameaça vermelha”, os primeiros judeus que em 1933 saíam da Alemanha e territórios adjacentes (grande parte dos quais pertencentes a uma elite literária inconformada com as medidas de Hitler, também é nesta altura considerada como subversiva).}}


Com a [[Anschluss|anexação da Áustria em 1938]] a situação de milhares de Judeus sofre uma mudança significativa. Os países vizinhos não tardaram a tomar medidas restritivas contra a emigração.{{Nota de rodapé|No caso da Polónia essas medidas foram tomadas contra os seus próprios cidadãos. O Parlamento polaco aprovou uma lei que retirava a cidadania polaca a todos os polacos a viverem fora de território polaco há mais de cinco anos. De um dia para outro {{fmtn|30000}} judeus polacos a viver na Alemanha e {{fmtn|20000}} judeus polacos a viver na Áustria viram-se privados da sua cidadania.}} O Presidente Roosevelt convocou a conferência de Evian com o intuito de discutir o problema dos judeus na Europa. A conferência saldou-se num logro com a maioria dos países a recusarem-se a receber os judeus alemães{{Nota de rodapé|Ficou tristemente celebre a declaração do delegado da Austrália: "''Nós não temos problemas raciais no nosso país e como tal não queremos importar um''".}}. Portugal, não podendo, pela sua pequena dimensão, ser parte da solução, não foi sequer convidado a participar nesta conferência. César Sousa Mendes, irmão gémeo de Aristides, é Embaixador em [[Varsóvia]] quando a Polónia aprova várias leis anti-semitas e preocupado com a perspectiva de uma vaga de emigração de polacos indesejados para Portugal escreve para o MNE a solicitar que sejam tomadas medidas restritivas.<ref name="Pimentel">Pimentel, Irene Flunser, ''Judeus em Portugal Durante a II Guerra Mundial'', Lisbon: A Esfera do Livros, 2006, ISBN 9789896261054</ref>
Em 1937 Salazar publicou vários textos onde criticou os fundamentos das leis de Nuremberga e considerou lamentável que o nacionalismo alemão estivesse vincado por características raciais.<ref>Salazar, António de Oliveira – ''Como se Levanta um Estado'', ISBN 9789899537705</ref> E em 1938, o Cardeal-Patriarca de Lisboa, Manuel Gonçalves Cerejeira criticou o regime Hitleriano por se basear na ideia de raça para edificar um Estado.<ref>Revista ''Ilustraçao'' - 15/06/1938</ref> Também em 1938, Salazar sai em defesa dos judeus portugueses, dando instruções à embaixada na Alemanha, para que os interesses dos judeus portugueses sejam defendidos com diplomacia mas com muita firmeza<ref>''Dez anos de Politica Externa'', Vol 1, pag. 137. Edição Imprensa Nacional 1961</ref>{{Nota de rodapé|Ilustrativo da inexistência de motivações anti-semitas por parte de Salazar é a resposta ao telegrama enviado por Armindo Monteiro ao MNE em 27 de Junho de 1940, poucos dias passados sobre o episódio Sousa Mendes. Armindo Monteiro transmite ao MNE um pedido do embaixador da Polónia em Londres para que sejam concedidos cerca de 1000 vistos a polacos de "raça pura" (não judeus) que se encontram na fronteira de Irun. Salazar não deixa margem para dúvida, responde: Esses (os não judeus) são justamente os que não podemos deixar entrar, devido às actividades políticas que irão querer levar a cabo no nosso país.}}.


No dia 1 de Setembro de 1939 a [[Alemanha]], a [[Eslováquia]] e a [[Rússia]] invadem a Polónia. Passados dois dias, a 3 de Setembro a [[França]] e a [[Grã-Bretanha]], seguidos pela [[Austrália]], [[Canadá]], [[Nova Zelândia]] e [[África do Sul]], declaram guerra à Alemanha. O período que se segue ficou conhecido como a [[Guerra de Mentira|falsa guerra]] ("''phoney war''" ou "''drole de guerre''"). A guerra estava declarada mas nenhum dos lados tomou a iniciativa de fazer qualquer ofensiva significativa. É nesta altura que Aristides decide levar parte da família para Portugal, mais uma vez desrespeitando o procedimento de pedir autorização superior, reincidindo na desobediência de abandono de posto.{{sfn|Fralon|2000|p=38}}
O historiador da [[Yad Vashem]] Avraham Milgram afirma peremptoriamente que o anti-semitismo moderno não teve qualquer acolhimento em Portugal{{Nota de rodapé|Em 1937, Adolfo Benarus, professor da Faculdade de Letras de Lisboa, escritor e pedagogo, também fundador em 1929 da Escola Israelita, que chegou a ter perto de uma centena de alunos, publicou um livro (''O Anti-semitismo'') onde se regozija por não existir "modernamente" anti-semitismo em Portugal e num agradecimento a Salazar esclareceu que o anti-semitismo de importação tinha sido prontamente sufocado à nascença por quem o podia sufocar.<ref>Benarus, Adolfo – ''O Antisemitismo'' - 1937 ( Lisboa : Sociedade Nacional de Tipografia)</ref>}} e faz notar que Salazar autorizou que, durante a guerra, se estabelecessem em Lisboa as várias organizações judaicas de apoio aos refugiados judeus. Milgram também escreve que quando comparando a atitude dos funcionários consulares de países como Brasil, Argentina e Estados Unidos, com a atitude dos funcionários consulares portugueses se nota nos portugueses uma quase ausência de preconceitos anti-semitas, o que se pode considerar quase ''sui generis'' entre os serviços consulares de então.{{sfn|Milgram|2011|p=}}


Com o início da guerra, e não obstante a fiscalização e o rigor nas fronteiras ser cada vez mais apertado, o descontrolo subsiste. Às entradas clandestinas, juntar‐se‐iam a falsificação de documentos e as falsas declarações. Segundo estatísticas da [[Polícia de Vigilância e Defesa do Estado|PVDE]], só entre Setembro e Dezembro entram em Portugal, via Lisboa e [[Porto de Leixões|Leixões]], cerca de 8889 estrangeiros.<ref name="Pimentel" />
Com a [[Anschluss|anexação da Áustria em 1938]] a situação de milhares de Judeus sofre uma mudança significativa. Os países vizinhos não tardaram a tomar medidas restritivas contra a emigração.{{Nota de rodapé|No caso da Polónia essas medidas foram tomadas contra os seus próprios cidadãos. O Parlamento polaco aprovou uma lei que retirava a cidadania polaca a todos os polacos a viverem fora de território polaco há mais de cinco anos. De um dia para outro {{fmtn|30000}} judeus polacos a viver na Alemanha e {{fmtn|20000}} judeus polacos a viver na Áustria viram-se privados da sua cidadania.}} O Presidente Roosevelt convocou a conferência de Evian com o intuito de discutir o problema dos judeus na Europa. A conferência saldou-se num logro com a maioria dos países a recusarem-se a receber os judeus alemães{{Nota de rodapé|Ficou tristemente célebre a declaração do delegado da Austrália: "''Nós não temos problemas raciais no nosso país e como tal não queremos importar um''".}}. Portugal, não podendo, pela sua pequena dimensão, ser parte da solução, não foi sequer convidado a participar nesta conferência. César Sousa Mendes, irmão gémeo de Aristides, é Embaixador em Varsóvia quando a Polónia aprova várias leis anti-semitas e preocupado com a perspectiva de uma vaga de emigração de polacos indesejados para Portugal escreve para o MNE a solicitar que sejam tomadas medidas restritivas.<ref name="Pimentel">Pimentel, Irene Flunser, ''Judeus em Portugal Durante a II Guerra Mundial'', Lisbon: A Esfera do Livros, 2006, ISBN 9789896261054</ref>
Assim sendo, havia que por cobro aos procedimentos irregulares que, na época, se verificavam em muitas das embaixadas portuguesas; para tal serviu a Circular n.º 14 do MNE, distribuída a 11 de Novembro de 1939, que obrigava os serviços consulares a consultar a PVDE, e o Ministério antes de concederem vistos a ''"estrangeiros de nacionalidade indefinida, contestada ou em litígio, aos apátridas, aos portadores de [[Passaporte Nansen|passaportes Nansen]] e aos russos; e ainda aos estrangeiros que não aleguem de maneira que o Cônsul julgue satisfatória, os motivos da vinda para Portugal e ainda àqueles que apresentam nos seus passaportes a declaração ou qualquer sinal de não poderem regressar livremente ao país de onde provêm; e aos judeus expulsos dos países da sua nacionalidade ou de aqueles de onde provêm. "''


A Circular 14 afirmava explicitamente que não tinha qualquer intenção de obstruir ou atrasar a concessão de vistos a passageiros em trânsito para outros países, utilizando Lisboa, como ponto de embarque. Ou seja, os consulados ficavam autorizados a conceder com autonomia vistos para Portugal em todos aqueles casos em que o passageiro demonstrasse ter um bilhete de saída do território português bem como um visto de entrada no país de destino. O destino dos que fugiam era geralmente as Américas, mas muitos vistos eram também concedidos, como hoje o são, a turistas e pessoas em negócios.<ref name="Spared Lives" />{{sfn|Gallagher|2020|pp=121-122}}
No dia 1 de Setembro de 1939 a Alemanha invade a Polónia. Passados dois dias, a 3 de Setembro, a França e a Grã-Bretanha, seguidos pela Austrália, Canadá, Nova Zelândia e África do Sul, declaram guerra à Alemanha. O período que se segue ficou conhecido como a [[Guerra de Mentira|falsa guerra]] ("''phoney war''" ou "''drole de guerre''"). A guerra estava declarada mas nenhum dos lados tomou a iniciativa de fazer qualquer ofensiva significativa. É nesta altura que Aristides decide levar parte da família para Portugal, mais uma vez desrespeitando o procedimento de pedir autorização superior, reincidindo na desobediência de abandono de posto.{{sfn|Fralon|2000|p=38}}


Esta Circular 14 tem sido muito criticada, sobretudo por aqueles que querem atacar o Estado Novo, contudo as regras estabelecidas por esta circular eram bem menos restritivas que a de outros países, como é o caso dos Estados Unidos<ref>{{citar web|url=http://www.ushmm.org/wlc/en/article.php?ModuleId=10007094|título=United States Policy Toward Jewish Refugees, 1941–1952|acessodata=15 de Abril de 2014|autor=Holocaust Encyclopedia}}</ref> e Canadá, e o caso mais extremo da Grã-Bretanha que logo a seguir à declaração de guerra, cancelou por completo a concessão de vistos, com receio da entrada de inimigos infiltrados.{{Nota de rodapé| A pouca vontade de auxiliar judeus em fuga é terrivelmente ilustrada pelo tristemente célebre [[MS St. Louis]]<ref>{{citar web|url=http://www.ushmm.org/wlc/en/article.php?ModuleId=10005267|título=Voyage of the St. Louis|acessodata=15 de Abril de 2014|autor=Holocaust Encyclopedia}}</ref> que em Maio de 1939, tentou encontrar um abrigo para 937 refugiados judeus alemães que foram impedidos de entrar em Cuba, Estados Unidos e Canadá, até que finalmente acabaram por regressar à Europa.}} Portugal tal como os outros países tentava proteger-se de entradas indiscriminadas de eventuais agitadores políticos, criminosos, apátridas, etc. e não tinha por base motivações anti-semitas. Por outro lado, como escreve Avraham Milgram, Portugal, país pobre, não tinha condições de receber hordas de refugiados.{{sfn|Milgram|1999|pp=123-156}}
Com o início da guerra, e não obstante a fiscalização e o rigor nas fronteiras ser cada vez mais apertado, o descontrolo subsiste. Às entradas clandestinas, juntar‐se‐iam a falsificação de documentos e as falsas declarações. Segundo estatísticas da [[Polícia de Vigilância e Defesa do Estado|PVDE]], só entre Setembro e Dezembro entram em Portugal, via Lisboa e Leixões, cerca de 8889 estrangeiros.<ref name="Pimentel" />
Assim sendo, havia que por cobro aos procedimentos irregulares que, na época, se verificavam em muitas das embaixadas portuguesas; para tal serviu a Circular n.º 14 do MNE, distribuída a 11 de Novembro de 1939, que obrigava os serviços consulares a consultar a PVDE, e o Ministério antes de concederem vistos a apátridas, russos e judeus expulsos dos seus países. A Circular 14 afirmava explicitamente que não tinha qualquer intenção de obstruir ou atrasar a concessão de vistos a passageiros em trânsito para outros países, utilizando Lisboa, como ponto de embarque. Ou seja, os consulados ficavam autorizados a conceder com autonomia vistos para Portugal em todos aqueles casos em que o passageiro demonstrasse ter um bilhete de saída do território português bem como um visto de entrada no país de destino. O destino dos que fugiam era geralmente as Américas, mas muitos vistos eram também concedidos, como hoje o são, a turistas e pessoas em negócios.<ref name="Spared Lives" />


Poucos dias após a distribuição da Circular 14, e ainda muitos meses antes de se terem iniciado as hostilidades na fronteira francesa, em Novembro de 1939, Aristides concede um visto a Arnold Wizniter, um judeu, austríaco  e antigo professor universitário, sem previamente pedir autorização ao MNE. A Áustria já fora anexada pelos nazis e a perseguição aos judeus começara em força mesmo antes da anexação.<ref>{{Citar livro|url=https://books.google.fr/books?id=kZAMt2x9Aa8C&lpg=PP1&hl=fr&pg=PP1#v=onepage&q=jews&f=false|título=Hitler's Austria: Popular Sentiment in the Nazi Era, 1938-1945|ultimo=Bukey|primeiro=Evan Burr|data=2002-02-01|editora=UNC Press Books|ano=|local=|página=|páginas=131-145|lingua=en}}</ref> Mais tarde, Aristides justifica o acto como sendo um acto  ''"da mais elementar humanidade"''  já que caso não o fizesse Arnold Wizniter seria internado num campo de concentração.<ref>{{citar web|url=https://www.yadvashem.org/yv/en/holocaust/france/camps.asp|titulo=The Holocaust -The Holocaust in France -Concentration Camps in France|data=|acessodata=22 de Novembro de 2018|publicado=Yad Vashem. The World Holocaust Remembrance Center|ultimo=|primeiro=}}</ref><ref>{{citar web|url=http://www.raoulwallenberg.net/wp-content/files_mf/1349882040ebooksparedlifes.pdf|titulo=Spared Lives -The actions of three portuguesese diplomats in World war II|data=Setembro de 2000|acessodata=|publicado=The International Raoul Wallenberg Foundation|ultimo=|primeiro=}}</ref>
Esta Circular 14 tem sido muito criticada, sobretudo por aqueles que querem atacar o Estado Novo, contudo as regras estabelecidas por esta circular eram bem menos restritivas que a de outros países, como é o caso dos Estados Unidos<ref>{{citar web|url=http://www.ushmm.org/wlc/en/article.php?ModuleId=10007094|título=United States Policy Toward Jewish Refugees, 1941–1952|acessodata=15 de Abril de 2014|autor=Holocaust Encyclopedia|publicado=}}</ref> e Canadá, e o caso mais extremo da Grã-Bretanha que logo a seguir à declaração de guerra, cancelou por completo a concessão de vistos, com receio da entrada de inimigos infiltrados.{{Nota de rodapé| A pouca vontade de auxiliar judeus em fuga é terrivelmente ilustrada pelo tristemente célebre [[MS St. Louis]]<ref>{{citar web|url=http://www.ushmm.org/wlc/en/article.php?ModuleId=10005267|título=Voyage of the St. Louis|acessodata=15 de Abril de 2014|autor=Holocaust Encyclopedia|publicado=}}</ref> que em Maio de 1939, tentou encontrar um abrigo para 937 refugiados judeus alemães que foram impedidos de entrar em Cuba, Estados Unidos e Canadá, até que finalmente acabaram por regressar à Europa.}} Portugal tal como os outros países tentava proteger-se de entradas indiscriminadas de eventuais agitadores políticos, criminosos, apátridas, etc. e não tinha por base motivações anti-semitas. Por outro lado, como escreve Avraham Milgram, Portugal, país pobre, não tinha condições de receber hordas de refugiados.{{sfn|Milgram|1999|pp=123-156}}


Pouco tempo depois, em 1 de Março de 1940, mais uma vez muito antes do início das hostilidades na fronteira francesa, Sousa Mendes concede mais um visto sem prévia autorização do MNE, o que lhe causará uma advertência pela infracção. Desta vez, tratou‐se de um refugiado político espanhol, o comunista Eduardo Neira Laporte,<ref name="Spared Lives" /> médico que exercera o cargo de professor na [[Universidade de Barcelona]] e que, à época era o dirigente da comunidade basca espanhola em Rivière (uma aldeia perto de [[Dax]], em França). O Ministério informou Sousa Mendes da recusa para a concessão do visto para este caso, mas Sousa Mendes ou não esperou pela resposta do MNE, ou quis ignorá-la, e concedeu o visto.
Poucos dias após a distribuição da Circular 14, e ainda muitos meses antes de se terem iniciado as hostilidades na fronteira Francesa, em Novembro de 1939, Aristides concede um visto a Arnold Wizniter,<ref name="Spared Lives" /> um judeu, austríaco e antigo professor universitário, sem previamente pedir autorização ao MNE. Mais tarde, Aristides, reconhecendo o seu erro, justifica o acto como sendo um acto humanitário, já que caso não o fizesse Arnold Wizniter seria internado num campo de concentração. (Tratava-se de campos de internamento franceses onde as autoridades francesas internavam alemães e cidadãos do III Reich).


=== Maio de 1940:  Aristides falsifica documentos ===
Pouco tempo depois, em 1 de Março de 1940, mais uma vez muito antes do início das hostilidades na fronteira francesa, Sousa Mendes concede mais um visto sem prévia autorização do MNE, o que lhe causará uma advertência pela infracção. Desta vez, tratou‐se de um refugiado político espanhol, o comunista Eduardo Neira Laporte,<ref name="Spared Lives" /> médico que exercera o cargo de professor na Universidade de Barcelona e que, à época era o dirigente da comunidade basca espanhola em Rivière (uma aldeia perto de Dax, em França). O Ministério informou Sousa Mendes da recusa para a concessão do visto para este caso, mas Sousa Mendes ou não esperou pela resposta do MNE, ou quis ignorá-la, e concedeu o visto.
A 10 de Maio de 1940 a Alemanha lança uma ofensiva contra a França, Bélgica, Holanda e Luxemburgo. É nesta altura que milhões de pessoas começam a abandonar os seus lares e terras fugindo da frente de batalha.


A 30 de Maio, Aristides, volta a prevaricar. Desta vez vai para além da desobediência à Circular 14. Uma mulher luxemburguesa de origem portuguesa, antiga conhecida de Aristides, pede-lhe ajuda para fugir para Portugal juntamente com o seu marido luxemburguês, Paul Miny. Paul está em idade militar e quer fugir da mobilização para o exercito luxemburguês que estava a ser organizado no norte de França — nesta altura, já tanto o norte francês quanto o Luxemburgo se encontravam sob ocupação nazi. Aristides conhece a mulher e quer ajudá-la, decide então falsificar os documentos e fazer Paul passar por cidadão português, o que lhe permitirá, iludindo as autoridades fronteiriças francesas, escapar à mobilização.<ref name="Spared Lives" />{{sfn|Afonso|1995|p=52}}
=== Maio de 1940 - apoia refugiados fornecendo documentos ===
A 10 de maio de 1940 a Alemanha lança uma ofensiva contra a França, Bélgica, Holanda e Luxemburgo. É nesta altura que milhões de pessoas começam a abandonar os seus lares e terras fugindo à invazão nazi.


Nesta altura Aristides arriscou-se bastante, a falsificação de documentos é um crime grave, punível com a pena de prisão.{{sfn|Afonso|1995|p=53}}{{sfn|Gallagher|2020|p=123}} O facto de Aristides ser funcionário público constituía uma agravante.<ref>Codigo Penal Português - 1886 - Artigo Nº 225"</ref> e implicava a expulsão da função pública. Mais tarde no processo disciplinar que lhe é movido, as autoridades são bastante complacentes no tratamento deste crime,{{sfn|Gallagher|2020|p=123}} a acusação decide desviar o olhar deste incidente, poupando Sousa Mendes a uma condenação certa, considerando-o um caso fora do âmbito das competências do MNE, ou seja, um caso de polícia e justiça.<ref name="Spared Lives" />{{sfn|Gallagher|2020|p=123}}
A 30 de maio, um casal luxemburguês, não Judeu, Paul Miny de 21 anos e Maria Miny de 35 anos pedem ajuda a Aristides para conseguirem fugir para Portugal. Paul e Maria, sabendo que lhes seria difícil abandonar a França, pois Paul, por ser maior de 21 anos, seria mobilizado para o exército luxemburguês que estava a ser organizado no norte de França, pedem a Aristides que lhes falsifique passaportes atribuindo-lhes a nacionalidade portuguesa. Maria, era conhecida de Aristides, era portuguesa por nascimento mas tinha perdido a nacionalidade pelo casamento. Maria conseguiu que Aristides emitisse um passaporte português, falso, no qual Paul foi incluído, mas na qualidade de irmão e com a idade de 19 anos de modo a conseguir ludibriar as autoriades francesas e desertar.<ref name="Spared Lives" />{{sfn|Afonso|1995|p=52}} Esta falsificação de passaporte era passível de pena de prisão até 2 anos e expulsão da função pública, mas no processo disciplinar que é movido a Aristides, a acusação de forma benevolente{{sfn|Gallagher|2021|p=176}} decide ignorar este facto, considerando-o um caso fora do âmbito das competências do Ministério dos Negócios Estrangeiros, mas sim um caso de polícia.<ref name="Spared Lives" />{{sfn|Gallagher|2021|p=176}}


=== Junho de 1940: Aristides concede vistos indiscriminadamente ===
=== Junho de 1940 - concede vistos indiscriminadamente ===
Com o exército alemão a aproximar-se de Paris, gera-se o pânico na população francesa que se põe em fuga e dá-se então início ao maior movimento de deslocação de pessoas da história da Europa.<ref>{{Citar periódico |ultimo=Kedward |primeiro=Professor Rod (University of Sussex ) |titulo=Life In Occupied France, 1940-1944:An Overview of Attitudes, Experiences and Choices |jornal=Post War Europe: Refugees, Exile and Resettlement, 1945-1950, a Gale Digital Collectio |url=http://www.gale.cengage.com/pdf/whitepapers/gdc/LifeInOccupiedFrance.pdf |acessadoem=16 de abril de 2014}}</ref> Estima-se que entre oito a dez milhões de pessoas, sobretudo mulheres, velhos e crianças, em pânico, se tenham posto em fuga, em direcção ao sul, muitos sem um destino concreto, num movimento desordenado, chegando inclusivamente a limitar a manobra do exército francês, e chegando ao ponto de na parte final, a multidão, já ultrapassada pelo exercito alemão, estar já a fugir em direcção ao inimigo.{{Nota de rodapé|Uma descrição deste caos gigantesco é descrita em grande detalhe por dois voluntários britânicos, do Corpo de Ambulâncias Francês, que sendo apanhados no meio da confusão, imortalizaram de modo sublime, no seu livro ''The Road to Bordeaux'', o drama e a angustia desses dias.<ref>''The Road to Bordeaux'', C. Denis Freeman, Douglas Cooper Harper, 1941</ref>}}
Com o exército alemão a aproximar-se de Paris, gera-se o pânico na população francesa que se põe em fuga e dá-se então início ao maior movimento de deslocação de pessoas da história da Europa.<ref>{{Citar periódico |ultimo=Kedward |primeiro=Professor Rod (University of Sussex ) |autorlink= |ano= |mes= |titulo=Life In Occupied France, 1940-1944:An Overview of Attitudes, Experiences and Choices |jornal=Post War Europe: Refugees, Exile and Resettlement, 1945-1950, a Gale Digital Collectio |volume= |numero= |paginas= |id= |url=http://www.gale.cengage.com/pdf/whitepapers/gdc/LifeInOccupiedFrance.pdf |acessadoem=16 de abril de 2014}}</ref> Estima-se que entre oito a dez milhões de pessoas, sobretudo mulheres, velhos e crianças, em pânico, se tenham posto em fuga, em direcção ao sul, mas sem um destino concreto, num movimento desordenado, chegando inclusivamente a limitar a manobra do exército francês, e chegando ao ponto de na parte final, a multidão, já ultrapassada pelo exército alemão, estar já a fugir em direcção ao inimigo.{{Nota de rodapé|Uma descrição deste caos gigantesco é descrita em grande detalhe por dois voluntários britânicos, do Corpo de Ambulâncias Francês, que sendo apanhados no meio da confusão, imortalizaram de modo sublime, no seu livro ''The Road to Bordeaux'', o drama e a angústia desses dias.<ref>''The Road to Bordeaux'', C. Denis Freeman, Douglas Cooper Harper, 1941</ref>}}
[[Imagem:Rabbi Chaim Kruger with Aristides de Sousa Mendes, 1940.jpg |miniatura|250px|esquerda| Sousa Mendes com o rabi Kruger, em 1940]]


Até esta altura, e desde o início da guerra, o consulado português tinha emitido cerca de 1 200 vistos, quase todos autorizados pelo MNE, com excepção dos vistos passados ao comunista Neira Laporte, ao judeu austríaco Arnold Wizniter e mais alguns vistos, poucos, que Aristides na altura negou<ref name="Spared Lives" /> mas que hoje podem ser identificados. Note-se que Bordéus não era o único consulado que emitia vistos. Durante este período todos os restantes consulados portugueses espalhados pela Europa distribuíram vistos. Tal era o caso de Antuérpia, Paris, Toulouse, Berlim, Hendaia, etc.{{sfn|Milgram|1999|pp=123-156}}
Até esta altura, e desde o início da guerra, o consulado português tinha emitido cerca de 1200 vistos, quase todos autorizados pelo MNE, com excepção dos vistos passados ao comunista Neira Laporte, ao judeu austríaco Arnold Wizniter e mais alguns vistos, poucos, que Aristides na altura negou<ref name="Spared Lives" /> mas que hoje podem ser identificados. Note-se que Bordéus não era o único consulado que emitia vistos. Durante este período todos os restantes consulados portugueses espalhados pela Europa distribuíram vistos. Tal era o caso de Antuérpia, Paris, Toulouse, Berlim, Hendaia, etc.{{sfn|Milgram|1999|pp=123-156}}


É em princípios de Junho de 1940 que a avalanche de população em fuga se abate sobre Bordéus.{{Nota de rodapé|Nessa altura, em Biarritz vivia uma "comunidade" de refugiados políticos portugueses, que aí se tinha exilado, ainda no tempo da república, e entre os quais se encontrava o antigo Presidente da República, [[Bernardino Machado]]. A 1 de Junho de 1940 é promulgado, por Salazar, um Decreto amnistiando todos os exilados políticos portugueses, permitindo-lhes o regresso a Portugal. Os vistos dados a estes portugueses também estão registado no livro de vistos de Bordéus.}} Os números falam por si. Nos primeiros 10 dias de Junho o consulado Português de Bordéus emitiu 59 vistos regulares. No dia 10 de Junho a Itália declarou guerra à França e à Grã-Bretanha. No dia 11 de Junho o consulado emitiu 67 vistos, a 12 emitiu 47. No dia 12 de Junho a Espanha altera a sua posição de país neutral para não-beligerante colocando a neutralidade de Portugal em risco. No dia 13 de Junho o consulado emitiu apenas 6 vistos.<ref name="Spared Lives" /> Foi provavelmente no dia 13 que Aristides, sucumbindo à pressão psicológica de ter de auxiliar a uma população em pânico e também pressionado pelos escândalos provocados no consulado pela sua amante grávida,{{Nota de rodapé|Rui Afonso diz que Andrée Cibial provocou distúrbios de tal ordem que chegou a ser expulsa do consulado pelo genro de Aristides e que acabou sendo presa pela polícia.{{sfn|Afonso|1995|p=65}}}} se retirou para o seu quarto onde esteve três dias deitado com um esgotamento nervoso.{{sfn|Afonso|1995|p=73}}[[Imagem:Life saving visa issued by Dr. Aristides de Sousa Mendes in June 19, 1940..jpg|miniatura|250px|direita| Visto do consulado de Bordéus em 19 de Junho de 1940]]
É em princípios de Junho de 1940 que a avalanche de população em fuga se abate sobre Bordéus.{{Nota de rodapé|Nessa altura, em Biarritz vivia uma "comunidade" de refugiados políticos portugueses, que aí se tinha exilado, ainda no tempo da república, e entre os quais se encontrava o antigo Presidente da República, [[Bernardino Machado]]. A 1 de Junho de 1940 é promulgado, por Salazar, um Decreto amnistiando todos os exilados políticos portugueses, permitindo-lhes o regresso a Portugal. Os vistos dados a estes portugueses também estão registados no livro de vistos de Bordéus.}} Os números falam por si. Nos primeiros 10 dias de Junho o consulado Português de Bordéus emitiu 59 vistos regulares. No dia 10 de Junho a Itália declarou guerra à França e à Grã-Bretanha. No dia 11 de Junho o consulado emitiu 67 vistos, a 12 emitiu 47. No dia 12 de Junho a Espanha altera a sua posição de país neutral para não-beligerante colocando a neutralidade de Portugal em risco. No dia 13 de Junho o consulado emitiu apenas 6 vistos.<ref name="Spared Lives" /> Foi provavelmente no dia 13 que Aristides, sucumbindo à pressão psicológica de ter de auxiliar uma população em pânico e também pressionado pelos escândalos provocados no consulado pela sua amante grávida,{{Nota de rodapé|Rui Afonso diz que Andrée Cibial provocou distúrbios de tal ordem que chegou a ser expulsa do consulado pelo genro de Aristides e que acabou sendo presa pela polícia.{{sfn|Afonso|1995|p=65}}}} se retirou para o seu quarto onde esteve três dias deitado com um esgotamento nervoso.{{sfn|Afonso|1995|p=73}}


Com Aristides acamado o consulado continua a emitir vistos; no dia 14 de Junho emitiu 173 vistos, e a 15 emitiu 112. A 16 de Junho o diplomata Francisco Calheiros e Menezes chega a Bordéus e é recebido pelo Cônsul, num quarto escuro onde o cônsul se encontra acamado, exausto.<ref name="Spared Lives" /> Nesse mesmo dia,16 de Junho, um domingo, Aristides emitiu 40 vistos e inclusivamente diz que cobrou pessoalmente os emolumentos suplementares a que tinha direito por estar a trabalhar a um domingo. Aristides recorda em particular os vistos que concedeu ao banqueiro Rothschild, que não quis esperar por segunda-feira e se prestou a pagar os emolumentos suplementares.<ref name="Spared Lives" />
Com Sousa Mendes acamado o consulado continua a emitir vistos; no dia 14 de Junho emitiu 173 vistos, e a 15 emitiu 112. A 16 de Junho o diplomata Francisco Calheiros e Menezes chega a Bordéus e é recebido pelo Cônsul, num quarto escuro onde o cônsul se encontra acamado, exausto.<ref name="Spared Lives" /> Nesse mesmo dia, 16 de Junho, um domingo, Sousa Mendes emitiu 40 vistos e inclusivamente diz que cobrou pessoalmente os emolumentos suplementares a que tinha direito por estar a trabalhar a um domingo. Aristides recorda em particular os vistos que concedeu ao banqueiro Rothschild, que não quis esperar por segunda-feira e se prestou a pagar os emolumentos suplementares.<ref name="Spared Lives" />


É no dia 17 de Junho que Aristides, dizendo-se inspirado por um poder divino,<ref>Testemunho escrito de Cesar Mendes. Dossier Aristides Sousa Mendes, Arquivos Yad Vashem Archives (YVA), M 31/264</ref>{{sfn|Milgram|1999|p=21}} decide conceder visto a todos os que lho pedissem: "''A partir de agora, darei vistos a toda a gente, já não há nacionalidades, raça ou religião''". Com a ajuda dos seus filhos e sobrinhos e do rabino Kruger, ele carimba [[passaporte]]s, assina vistos, usando todas as folhas de papel disponíveis. No dia 17 emitiu 247 vistos, dos quais muitos a cidadãos portugueses.{{Nota de rodapé|Muitos deste vistos a cidadãos com apelidos portugueses. 1815-Julio Rosa, 1850-António de Carvalho, 1848-Joana Duarte, 1849, Paulo Duarte, 1868-Gloria Bruno, 1882-Benjamin Lobo, etc. provavelmente portugueses a regressarem à pátria.}} No dia 18 emitiu 221 vistos e no dia 19 emitiu 156 vistos.
É no dia 17 de Junho que Aristides, dizendo-se inspirado por um poder divino,<ref>Testemunho escrito de Cesar Mendes. Dossier Aristides Sousa Mendes, Arquivos Yad Vashem Archives (YVA), M 31/264</ref>{{sfn|Milgram|1999|p=21}} decide conceder visto a todos os que lho pedissem: "''A partir de agora, darei vistos a toda a gente, já não há nacionalidades, raça ou religião''". Com a ajuda dos seus filhos e sobrinhos e do rabino Kruger, ele carimba [[passaporte]]s, assina vistos, usando todas as folhas de papel disponíveis. No dia 17 emitiu 247 vistos, dos quais muitos a cidadãos portugueses.{{Nota de rodapé|Muitos deste visos a cidadãos com apelidos portugueses. N.º 1815-Julio Rosa, N.º 1850-António de Carvalho, N.º 1848-Joana Duarte, 1849, Paulo Duarte, 1868-Gloria Bruno, 1882-Benjamin Lobo, etc. provavelmente portugueses a regressarem à pátria.}} No dia 18 emitiu 221 vistos e no dia 19 emitiu 156 vistos.


Entre as pessoas que o estão a ajudar encontra-se o [[Rabino]] de [[Antuérpia]], Jacob Kruger, que lhe faz compreender que há que salvar os refugiados [[judeu]]s.
Entre as pessoas que o estão a ajudar encontra-se o [[Rabino]] de [[Antuérpia]], [[Jacob Kruger]], que lhe faz compreender que há que salvar os refugiados [[judeu]]s.


Confrontado com os primeiros avisos de Lisboa, ele terá dito:
Confrontado com os primeiros avisos de Lisboa, ele terá dito:
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{{cquote|''Se há que desobedecer, prefiro que seja a uma ordem dos homens do que a uma ordem de ''[[Deus]]''.}}
{{cquote|''Se há que desobedecer, prefiro que seja a uma ordem dos homens do que a uma ordem de ''[[Deus]]''.}}


Segundo alguns testemunhos, Aristides, com a ajuda da família e do Rabino Kruger, terá montado uma "linha de montagem" para conceder milhares de vistos.<ref>{{Citar web|titulo=Aristides de Sousa Mendes {{!}} Le courage de désobéir {{!}} Thèmes {{!}} Un hommage aux Justes parmi les Nations|url=https://www.yadvashem.org/yv/fr/expositions/justes/mendes.asp}}</ref> Contudo, o escritor americano [[Eugene Szekeres Bagger]], descendente de judeus húngaros e defensor de Salazar,  deixou um testemunho algo diferente. Eugene Bagger conta que esteve, em vão, todo o dia 18 esperando numa longa fila para conseguir o seu visto e que já eram 7 horas da tarde quando desistiu. Dormiu no carro e no dia seguinte voltou ao consulado onde passou a manha esperando, novamente em vão, tendo desistido por volta das 11 da manhã dirigiu-se então ao hotel Splendid onde encontrou Sousa Mendes tomando um aperitivo com um amigo. Sousa Mendes queixou-se-lhe do excesso de trabalho e calor da véspera. Assinou-lhe os dois passaportes — seu e de sua esposa — e disse-lhe que voltasse ao consulado para que lho carimbassem. Nessa altura chegou, com meia dúzia de passaportes na mão — que Sousa Mendes assinou também — um polaco, Skalski, que tinha sido cônsul honorário português e que levou Bagger ao consulado e lhe carimbou os passaportes.<ref>{{citar livro|título=For the heathen are wrong: An impersonal autobiography|último=Bagger|primeiro=Eugene|data=1941|editora=|ano=|local=|página=|páginas=|publicado=Little, Brown and Co; 1st edition page=153}}</ref>{{Nota de rodapé|No original:'' …Tuesday, June 18th…the line at the Portuguese Consulate formed up a narrow staircase…the thing was obviously hopeless… the window opened. Behind it stood the Portuguese consul..  “But my dear Mr. Bagger, what a delicious surprise!…the window closed. The pushing and elbowing on the staircase grew more and more desperate. At 7 o’clock I gave it up…Wednesday, June 19th. At 9 a.m. there was a mob of four hundred in front of the Portuguese Consulate...  I waited in line till 11 o’clock… no use…went back to the terrace of the [Hotel] Splendide, to have a drink...there at the table sat the Portuguese consul, having an aperitif with a friend… He hailed me. “But my dear Mr. Bagger, I am desolate about yesterday—the heat—the crowds—overwork—” “Why not give me a visa here and now?” “But certainly, my dear friend, but certainly.” He whipped out a fountain pen, scribbled something in our passports. “Here you are. All you have to do now is to go back to the Consulate and have them stamped.” I said nothing. There was nothing to say…It was then that the miracle happened. A distinguished-looking man approached, in his hand half a dozen passports… “My dear Monsieur Skalski, with the greatest pleasure,” said the consul. “Monsieur Skalski—Mr. Bagger.” He signed the passports. M. Skalsi said, “You want your passports stamped? Come along.” I went. M. Skalski explained… He had been honorary Portuguese consul in Poland. He had his credentials with him. At the Consulate … five minutes later M. Skalski handed me our two passports, duly stamped''.}}<ref>{{citar web|url=http://sousamendesfoundation.org/family/bagger|titulo=Bagger|publicado=Sousa Mendes Foundation|ultimo=|primeiro=}}</ref>
Segundo alguma literatura Aristides, com a ajuda da família e do Rabino Kruger, terá montado uma "linha de montagem" para conceder milhares de vistos. Contudo, o escritor americano Eugene Bagger, deixou um testemunho algo diferente. Eugene Bagger conta que esteve, em vão, todo o dia 18 esperando numa longa fila para conseguir o seu visto e que já eram 7 horas da tarde quando desistiu. Dormiu no carro e no dia seguinte voltou ao consulado onde passou a manhã esperando, novamente em vão, tendo desistido por volta das 11 horas. Dirigiu-se então ao hotel Splendid onde encontrou Sousa Mendes tomando um aperitivo com um amigo. Sousa Mendes queixou-se-lhe do excesso de trabalho e calor da véspera. Assinou-lhe o passaporte e disse-lhe que voltasse ao consulado para que lho carimbassem. Quem ajudou Eugene Bagger foi um Polaco, que tinha sido cônsul honorário e que levou Bagger ao consulado e lhe carimbou o passaporte.<ref>{{citar livro|último =Bagger|primeiro =Eugene|título=For the heathen are wrong: An impersonal autobiography|data=1941|publicado=Little, Brown and Co; 1st editionpage=153}}</ref>{{Nota de rodapé|No original: ''…Tuesday, June 18th…the line at the Portuguese Consulate formed up a narrow staircase…the thing was obviously hopeless… the window opened. Behind it stood the Portuguese consul… “But my dear Mr. Bagger, what a delicious surprise!…the window closed. The pushing and elbowing on the staircase grew more and more desperate. At 7 o’clock I gave it up…Wednesday, June 19th. At 9 a.m. there was a mob of four hundred in front of the Portuguese Consulate… I waited in line till 11 o’clock… no use…went back to the terrace of the [Hotel] Splendide, to have a drink…there at the table sat the Portuguese consul, having an aperitif with a friend… He hailed me. “But my dear Mr. Bagger, I am desolate about yesterday—the heat—the crowds—overwork—” “Why not give me a visa here and now?” “But certainly, my dear friend, but certainly.” He whipped out a fountain pen, scribbled something in our passports. “Here you are. All you have to do now is to go back to the Consulate and have them stamped.” I said nothing. There was nothing to say…It was then that the miracle happened. A distinguished-looking man approached, in his hand half a dozen passports… “My dear Monsieur Skalski, with the greatest pleasure,” said the consul. “Monsieur Skalski—Mr. Bagger.” He signed the passports. M. Skalsi said, “You want your passports stamped? Come along.” I went. M. Skalski explained… He had been honorary Portuguese consul in Poland. He had his credentials with him. At the Consulate … five minutes later M. Skalski handed me our two passports, duly stamped''.}}
[[Imagem:Plaque à la mémoire de Aristides de Sousa Mendes à Bayonne.jpg|miniatura|250px|esquerda| Placa em memória de Sousa Mendes em Bayonne]]
 
O MNE  no dia 20 de Junho é surpreendido por uma nota enviada pela Embaixada Britânica que se queixa de que o cônsul português está a protelar a passagem de vistos para fora do horário de expediente, para poder receber mais emolumentos e que, adicionalmente, em pelo menos um caso tinha exigido uma contribuição indevida para um fundo de caridade.{{sfn|Gallagher|2020|p=123}}<ref name="Spared Lives" /> {{Nota de rodapé|O texto original da Aide Memoire enviada pela Embaixada Britânica diz: "''The Portuguese Consul at Bordeaux has been deferring until after office hours all applications for visas and has then been charging them at a special rate; in at least one case the applicant has also been requested to contribute to a Portuguese charitable fund before the visa was granted''". }} (Não era a primeira vez que Aristides era acusado de estar a exigir, indevidamente, contribuições para fundos de caridade a troco de serviços consulares, tal já havia ocorrido em 1923 quando o cônsul se encontrava em São Francisco).


O MNE ordena então à embaixada em Paris que resolva o problema em Bordéus. Nesse mesmo dia Aristides parte para o consulado de [[Baiona (França)|Baiona]] onde continua a sua actividade de 20 a 23 de junho, no escritório de um vice-cônsul estupefacto; não existem registos dos vistos passados por A. Mendes em Baiona.<ref name="Spared Lives" />
O MNE só se dá conta deste problema, no dia 20 de Junho, quando é surpreendido por uma nota enviada pela
Embaixada Britânica que se queixa de que o cônsul português está a protelar a passagem de vistos para fora do horário de expediente, para poder receber mais emolumentos e que, adicionalmente, em pelo menos um caso tinha exigido uma contribuição indevida para um fundo de caridade.<ref name="Spared Lives" />{{Nota de rodapé|O texto original da Aide Memoire enviada pela Embaixada Britânica diz: "''The Portuguese Consul at Bordeaux has been deferring until after office hours all applications for visas and has then been charging them at a special rate; in at least one case the applicant has also been requested to contribute to a Portuguese charitable fund before the visa was granted''". }} (Não era a primeira vez que Aristides era acusado de estar a exigir, indevidamente, contribuições para fundos de caridade a troco de serviços consulares, tal já havia ocorrido em 1923 quando o cônsul se encontrava em São Francisco).


Em 22 de junho de 1940 a França e a Alemanha assinaram um [[armistício]]. Terminam as hostilidades e o Reino Unido é a única potência em guerra com a Alemanha. A maior parte dos refugiados franceses — excepto os judeus — começam então a poder regressar a suas casas. Contagens oficiais apontam para mais de 6 milhões de refugiados, dos quais 2 milhões são parisienses e 1 milhão e 800 mil são belgas.
O MNE ordena então à embaixada em Paris que resolva o problema em Bordéus. Nesse mesmo dia Aristides parte para o consulado de Baiona onde continua a sua actividade de 20 a 23 de junho, no escritório de um vice-cônsul estupefacto.


Ironicamente a maioria esmagadora destes refugiados - cujas colunas tinham sido regularmente bombardeadas pelos [[Junkers Ju 87|Stukas]] <ref>{{citar livro|título=Fleeing Hitler: France 1940|ultimo=Diamond|primeiro=Hanna|editora=Oxford University Press,|ano=2007|páginas=53}}</ref>{{sfn|Alary|2010|p=77,87,96,159,299}}<ref>{{citar livro|título=33 Days|ultimo=Werth|primeiro=Léon|editora=Melville House Publishing|ano=1992|capitulo=Capítulo: From Chapelon to the Loire - Battle Scenes}}</ref> com o resultado de milhares de mortos - teria corrido menos perigo imediato se se tivesse mantido nas suas casas.<ref>Diamond Hanna, "Fleeing Hitler: France 1940", p. 145</ref> Desde logo os parisienses, já que a cidade não foi bombardeada nem palco de conflitos e o exército alemão tinha instruções para auxiliar a regressar os refugiados de forma amistosa, não por motivos altruístas, como é óbvio - os alemães desejavam minimizar a resistência civil, assim como pôr rapidamente a economia francesa a contribuir  para o seu próprio esforço de guerra.<ref>Diamond Hanna, "Fleeing Hitler: France 1940", p,145 a 152</ref> Essa simpatia superficial depressa desapareceu à medida que a ocupação se consolidava.<ref>{{citar livro|título=Dear and Foot 2005, p. 321.Dear; Foot (2005). The Oxford Companion to World War II. p. 321.|ultimo=Dear|primeiro=I. C. B. (e outro - editores)|editora=Oxford University Press|ano=2005|página=321|páginas=|citacao=No final da guerra, cerca de 580.000 franceses haviam morrido (40.000 deles pelos bombardeios aliados das primeiras 48 horas de operação Overlord). As mortes militares foram 92 000 em 1939-40. Cerca de 58 000 foram mortos em ação entre 1940 e 1945, lutando nas forças francesas livres. Cerca de 40 000 "malgré-nous" ("contra a nossa vontade"), cidadãos da Alsácia-Lorena recolocados na Wehrmacht, tornaram-se vítimas. As vítimas civis totalizaram cerca de 150 000 (60 000 por bombardeio aéreo, 60.000 na resistência e 30 000 assassinados pelas forças de ocupação alemãs). O total de prisioneiros de guerra e deportados foi de cerca de 1,9 milhões. Desse total, cerca de 240 000 morreram em cativeiro. Estima-se que 40 000 eram prisioneiros de guerra, 100.000 deportados raciais, 60.000 presos políticos e 40.000 morreram como trabalhadores escravos.}}</ref>  A França era saqueada dos seus recursos materiais e humanos, com a colaboração activa de [[Philippe Pétain|Pétain]], e aumentava a resistência interna.<ref>{{citar livro|título=The Taste of War: World War II and the Battle for Food|ultimo=Collingham|primeiro=Lizzie|editora=The Penguin Press|ano=2012|capitulo=Capítulo: Greek Famine and Belgian Resistance}}</ref> 
Em 22 de junho de 1940 a França e a Alemanha assinaram um [[armistício]]. Terminam as hostilidades e o Reino Unido é a única potência em guerra com a Alemanha. Os refugiados começam então a poder regressar a suas casas. Contagens oficiais apontam para mais de 6 milhões de refugiados, dos quais 2 milhões são parisienses e 1 milhão e 800 mil são belgas.{{Nota de rodapé|Ironicamente a maioria esmagadora destes refugiados teria corrido menos perigo se se tivesse mantido nas suas casas. Desde logo os parisienses, já que a cidade não foi bombardeada nem palco de conflitos. Dupla ironia é o facto de aqueles que realmente corriam perigo, os judeus a viver na Alemanha e na Holanda, não terem percepcionado a situação como suficientemente perigosa e terem-se deixado ficar nas suas casas. Avrahm Milgram diz que em 1942 na Holanda ainda existiam mais de 4200 judeus de origem portuguesa que não tinham considerado a situação como suficientemente perigosa para sentirem que tinham que abandonar as suas casas. Pela mesma razão o pintor judeu March Chagall deixou-se ficar em França até 1941 e Picasso e Matisse recusaram-se a fugir de França}}


Dupla ironia é o facto de aqueles que mais corriam perigo, os judeus a viver na Alemanha e na Holanda, não terem percepcionado a situação como suficientemente perigosa e terem-se deixado ficar nas suas casas.{{sfn|Milgram|p=245}} Avraham Milgram diz que em 1942 na Holanda ainda existiam 4303 judeus, de origem portuguesa, que não tinham considerado pedir a protecção do consulado português.{{sfn|Milgram|p=245}} A deportação destes judeus para leste começou no verão de 1942 , tendo a maioria morrido em [[Auschwitz]]; restaram menos de 500.<ref>{{citar livro|título=Portugal, Salazar e os Judeus|ultimo=Milgram|primeiro=Avraham|editora=Gradiva|ano=2010|local=|páginas=308-318|acessodata=}}</ref>{{sfn|Milgram|p=252}} Avraham Milgram comenta que esses judeus holandeses poderiam ter sido salvos caso tivesse havido um pouco mais de interesse do regime.<ref>{{citar livro|título=Portugal, Salazar e os Judeus (em língua portuguesa)|ultimo=Milgram|primeiro=Avraham|editora=Gradiva|ano=2010|páginas=374}}</ref> No entanto O historiador Tom Gallagher relata que  foi com profunda consternação que Salazar informou Moisés Amzalak de que não tinha sido bem sucedido nos seus esforços junto das autoridades alemãs no sentido de salvar os Judeus de Amsterdão,{{sfn|Gallager|2020|p=126}} e considera que seria injusto não reconhecer todo bem feito pelo Portugal de Salazar no sentido de ajudar refugiados, já que Portugal se destaca pela positiva quando comparado com outros países neutros.{{Sfn|Gallagher|2020|p=1126}}
O escritor Eugene Bagger relata nas suas memórias que no dia 21 de Junho viu Sousa Mendes a sair apressadamente do Consulado de Portugal em Bayone gritando, com a cabeça entre as mãos, “Vão-se embora! Não há mais vistos!” e que saltou para dentro de um carro tendo sido perseguido por uma multidão que o amaldiçoava.<ref>{{citar livro|último =Bagger|primeiro =Eugene|título=For the heathen are wrong: An impersonal autobiography|data=1941|publicado=Little, Brown and Co; 1st edition|página=160}}</ref> Apesar do armistício, Aristides continua a emitir vistos, em desespero começa a emitir vistos em papéis improvisados, mas estes vistos improvisados não serão aceites na fronteira Espanhola. O Embaixador de Portugal em Madrid, [[Pedro Teotónio Pereira]] recebe protestos das autoridades Espanholas e desloca-se à fronteira de Irun onde, segundo as suas palavras, encontra Aristides com um aspecto de grande desalinho, um homem perturbado e fora do seu estado normal". E acrescenta não ter o cônsul "a mais ligeira noção dos actos cometidos”.<ref>Processo disciplinar de Aristides, folhas 87-88</ref> Os actos de Sousa Mendes não podiam ter vindo em altura menos apropriada para a política de neutralidade seguida por Salazar e Teotónio Pereira. Os tanques alemães estavam a chegar aos Pirenéus e existia um risco real que a Espanha ou a Alemanha invadissem Portugal.<ref>{{citar livro|último =Tusell|primeiro =  Javier|data=1995|título= Franco, España y la II Guerra Mundial: Entre el Eje y la Neutralidad|url=http://books.google.es/books/about/Franco_España_y_la_II_Guerra_Mundial.html?id=7u1mAAAAMAAJ&redir_esc=y |língua=|local= |publicado= Ediciones Temas de Hoy|páginas= |isbn=9788478805013|página=127 |acessodata= | ref=harv}}</ref><ref>{{citar livro|último =Payne|primeiro =Stanley |data=2008 |título=Franco and Hitler: Spain, Germany, and World War II |url= |local= UK|publicado= Yale University Press; 1St Edition edition |página=75 |isbn= 9780300122824|acessodata= | ref=harv}}</ref>


O escritor Eugene Bagger relata nas suas memórias que no dia 21 de Junho viu Sousa Mendes a sair apressadamente do Consulado de Portugal em Bayone gritando, com a cabeça entre as mãos, “Vão-se embora! Não há mais vistos!” e que saltou para dentro de um carro tendo sido perseguido por uma multidão que o amaldiçoava.<ref>{{citar livro|último =Bagger|primeiro =Eugene|título=For the heathen are wrong: An impersonal autobiography|data=1941|publicado=Little, Brown and Co; 1st edition|página=160}}</ref> Apesar do armistício, Aristides continua a emitir vistos, em desespero começa a emitir vistos em papéis improvisados, mas estes vistos improvisados não serão aceites na fronteira Espanhola. Também aqui, é claro, não existem registos dos vistos passados pelo cônsul, a situação vivida  já não o permitia. <ref name="Spared Lives" /> O Embaixador de Portugal em Madrid, [[Pedro Teotónio Pereira]] recebe protestos das autoridades Espanholas e desloca-se à fronteira de Irun onde, segundo as suas palavras, encontra Aristides com um " ''aspecto de grande desalinho, um homem perturbado e fora do seu estado normal".'' E acrescenta não ter o cônsul "''a mais ligeira noção dos actos cometidos”''.<ref>Processo disciplinar de Aristides, folhas 87-88</ref> Os actos de Sousa Mendes não podiam ter vindo em altura menos apropriada para a política de neutralidade seguida por Salazar e Teotónio Pereira. Os tanques alemães estavam a chegar aos Pirinéus e existia um risco real que a Espanha e ou a Alemanha invadissem Portugal.<ref>{{citar livro|último =Tusell|primeiro =  Javier|data=1995|título= Franco, España y la II Guerra Mundial: Entre el Eje y la Neutralidad|url=http://books.google.es/books/about/Franco_España_y_la_II_Guerra_Mundial.html?id=7u1mAAAAMAAJ&redir_esc=y |publicado=  Ediciones Temas de Hoy|isbn=9788478805013|página=127 |acessodata= | ref=harv}}</ref><ref>{{citar livro|último =Payne|primeiro =Stanley |data=2008 |título=Franco and Hitler: Spain, Germany, and World War II |local= UK|publicado= Yale University Press; 1St Edition edition |página=75 |isbn= 9780300122824|acessodata= | ref=harv}}</ref>
Apesar de terem sido enviados funcionários para impedir Sousa Mendes de continuar a atribuição indiscriminada de vistos, este lidera, com a sua viatura, uma coluna de veículos de refugiados e guia-os em direcção à fronteira, onde, do lado espanhol, não existem telefones. Por isso mesmo, os guardas fronteiriços não tinham sido ainda avisados da decisão de [[Madrid]] de fechar as fronteiras com a França. Sousa Mendes impressiona os guardas aduaneiros, que acabariam por deixar passar todos os refugiados, que, com os seus vistos, puderam continuar viagem até Portugal.
 
Apesar de terem sido enviados funcionários para impedir Aristides de continuar a atribuição indiscriminada de vistos, este lidera, com a sua viatura, uma coluna de veículos de refugiados e guia-os em direcção à fronteira, onde, do lado espanhol, não existem telefones. Por isso mesmo, os guardas fronteiriços não tinham sido ainda avisados da decisão de [[Madrid]] de fechar as fronteiras com a França. Sousa Mendes impressiona os guardas aduaneiros, que acabariam por deixar passar todos os refugiados, que, com os seus vistos, puderam continuar viagem até Portugal.


Antes, durante e depois do episódio de Aristides em Bordéus, os consulados portugueses continuaram sempre a conceder vistos a todos aqueles que queriam utilizar Portugal como ponto de passagem, sobretudo para as Américas.
Antes, durante e depois do episódio de Aristides em Bordéus, os consulados portugueses continuaram sempre a conceder vistos a todos aqueles que queriam utilizar Portugal como ponto de passagem, sobretudo para as Américas.


Passados dois dias de Aristides ter sido exonerado os escritórios da HICEM {{Nota de rodapé|HICEM (acrónimo das três organizações que a compunham: Hebrew Immigrant Aid Society, [[Jewish Colonization Association]] e European Emigdirect}} foram transferidos para Lisboa.{{sfn|Gallagher|2020|p=124}} Passados mais alguns dias a Madeira aceitou acolher cerca de 2 500 refugiados [[Gibraltar|gibraltinos]], na sua maioria mulheres e crianças que chegaram ao Funchal entre 21 de Julho e 13 de Agosto de 1940. Foram acomodados em hotéis, pensões e casas particulares e aí permaneceram até ao fim da Guerra.{{sfn|Gallagher|2020|p=124}}<ref>{{citar web|url=http://www.cm-funchal.pt/index.php?option=com_content&view=article&id=210%3Agibraltar&catid=79&Itemid=247|título=Gibraltar|acessodata=16 de Abril de 2014|publicado=Câmara Municipal do Funchal|arquivourl=https://web.archive.org/web/20131211103759/http://www.cm-funchal.pt/index.php?option=com_content&view=article&id=210%3Agibraltar&catid=79&Itemid=247|arquivodata=2013-12-11|urlmorta=yes}}</ref> {{Nota de rodapé|Portugal continuou sempre a acolher refugiados. No Outono de 1940, dois fluxos maciços de judeus luxemburgueses entram na fronteira portuguesa, acompanhados por Albert Nussbaum, presidente da comunidade judaica do Luxemburgo. De acordo com Yehuda Bauer, na segunda metade de 1941 embarcaram em Portugal, com destino "às Américas", 3682 judeus e na primeira metade de 1942 este número subiu para 4058.<ref>Bauer, Yehuda - American Jewry and the Holocaust</ref> Portugal continuou sempre a acolher refugiados da Guerra e, a partir de certa altura, estes refugiados começaram a ser instalados em estâncias de veraneio (Ericeira, Figueira da Foz, Curia, etc.). Esses dias foram capturados para a posteridade em filme. Imagens de 1943 podem ser hoje consultadas no Steven Spielberg Film and Video Archive no United States Holocaust Memorial Museum.<ref>{{citar web|url=http://www.ushmm.org/online/film/search/result.php?titles=Portugal+Europe's+Crossroads |título=Portugal Europe's Crossroads|acessodata=16 de Abril de 2014|autor=Steven Spielberg Film and Video Archive|publicado=United States Holocaust Memorial Museum}}</ref>}}
Passados dois dias de Sousa Mendes ter sido exonerado os escritórios da HICEM{{Nota de rodapé|HICEM (acrónimo das três organizações que a compunham: Hebrew Immigrant Aid Society, [[Jewish Colonization Association]] e European Emigdirect}} foram transferidos para Lisboa. Passados mais alguns dias a Madeira aceitou acolher cerca de 2500 refugiados [[Gibraltar|gibraltinos]], na sua maioria mulheres e crianças que chegaram ao Funchal entre 21 de Julho e 13 de Agosto de 1940. Foram acomodados em hotéis, pensões e casas particulares e aí permaneceram até ao fim da Guerra.<ref>{{citar web|url=http://www.cm-funchal.pt/index.php?option=com_content&view=article&id=210%3Agibraltar&catid=79&Itemid=247|título=Gibraltar|acessodata=16 de Abril de 2014|autor=|publicado=Câmara Municipal do Funchal}}</ref>{{Nota de rodapé|Portugal continuou sempre a acolher refugiados. No Outono de 1940, dois fluxos maciços de judeus luxemburgueses entram na fronteira portuguesa, acompanhados por Albert Nussbaum, presidente da comunidade judaica do Luxemburgo. De acordo com Yehuda Bauer, na segunda metade de 1941 embarcaram em Portugal, com destino "às Américas", 3682 judeus e na primeira metade de 1942 este número subiu para 4058.<ref>Bauer, Yehuda - American Jewry and the Holocaust</ref> Portugal continuou sempre a acolher refugiados da Guerra e, a partir de certa altura, estes refugiados começaram a ser instalados em estâncias de veraneio (Ericeira, Figueira da Foz, Curia, etc.). Esses dias foram capturados para a posteridade em filme. Imagens de 1943 podem ser hoje consultadas no Steven Spielberg Film and Video Archive no United States Holocaust Memorial Museum.<ref>{{citar web|url=http://www.ushmm.org/online/film/search/result.php?titles=Portugal+Europe's+Crossroads |título=Portugal Europe's Crossroads|acessodata=16 de Abril de 2014|autor=Steven Spielberg Film and Video Archive|publicado=United States Holocaust Memorial Museum}}</ref>}}


As pessoas com vistos emitidos por Sousa Mendes foram autorizadas a entrar em Portugal, foram acolhidas, alimentadas e apoiadas. Um simples carimbo no passaporte não teria bastado para salvar um refugiado.
As pessoas com vistos emitidos por Sousa Mendes foram autorizadas a entrar em Portugal, foram acolhidas, alimentadas e apoiadas. Um simples carimbo no passaporte não teria bastado para salvar um refugiado.


Numa entrevista recente, Rui Afonso, biógrafo e admirador de Aristides, conta-nos que depois de muitos anos de investigação tem <blockquote>"''chegado à conclusão que a maioria dos refugiados ajudados (''por Aristides'') eram pessoas com meios''. ''Claro que pessoas como o rabino polaco Chaim Kruger, homem relativamente pobre, eram pessoas de meios muito mais modestos do que os milionários e aristocratas que também receberam vistos.'' ''Havia homens de negócio, industriais, muita gente que trabalhava na indústria dos diamantes na Antuérpia, atores de cinema, pianistas, pintores, intelectuais, banqueiros etc. Para ter passaporte e para viajar era preciso, na altura, ter meios financeiros''. ''É talvez sempre o caso…"''<ref>{{citar web|url=https://www.cafehistoria.com.br/conversa-sobre-um-homem-bom/|titulo=Conversa sobre um homem bom|data=12 de Julho de 2012|acessodata=|publicado=Café História|ultimo=Leal|primeiro=Bruno}}</ref></blockquote>
Numa entrevista recente, Rui Afonso, biógrafo e admirador de Aristides, conta-nos que depois de muitos anos de investigação tem chegado à conclusão que a maioria dos refugiados ajudados por Aristides eram pessoas com meios. Claro que pessoas como o rabino polaco Chaim Kruger, homem relativamente pobre, eram pessoas de meios muito mais modestos do que os milionários e aristocratas que também receberam vistos. Havia homens de negócio, industriais, muita gente que trabalhava na indústria dos diamantes na Antuérpia, atores de cinema, pianistas, pintores, intelectuais, banqueiros etc. Para ter passaporte e para viajar era preciso, na altura, ter meios financeiros.<ref>Entrevista de Rui Afonso a "Café História" em 2008</ref>


===Processo disciplinar===
===Processo disciplinar===
A 4 de Julho de [[1940]], após retornar à casa da família em Cabanas do Viriato, [[Salazar]] ordenou uma investigação sobre as acções de Aristides de Sousa Mendes em Bordéus, dando início a um processo disciplinar formal contra o cônsul. Dois funcionários foram encarregados dessa investigação, [[Francisco de Paula Brito Júnior]] e o [[Pedro Tovar de Lemos|Conde de Tovar]], ambos diplomatas de reputação pró-[[Potências do Eixo|Eixo]].{{sfn|Wheeler|1998|p=125}}
A 4 de Julho de [[1940]], após retornar à casa da família em Cabanas do Viriato, [[Salazar]] ordenou uma investigação sobre as acções de Aristides de Sousa Mendes em Bordéus, dando início a um processo disciplinar formal contra o cônsul. Dois funcionários foram encarregados dessa investigação, [[Francisco de Paula Brito Júnior]] e o [[Pedro Tovar de Lemos|Conde de Tovar]], ambos diplomatas de reputação pró-[[Potências do Eixo|Eixo]].{{sfn|Wheeler|1998|p=125}}


A 1 de Agosto do mesmo ano, o [[Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal|Ministério dos Negócios Estrangeiros]] emitiu uma "nota de culpa" sobre Sousa Mendes, enumerando um total de quinze acusações. Agrupadas em quatro rubricas: 1- desobediência, 2-falsificação de documentos, 3-Abandono do lugar e 4 Concussão. Um relato jornalístico da época indicia que outros motivos para além das infracções ministeriais poderão ter estado na origem do processo contra Sousa Mendes, referindo a situação "humilhante" que criou para Portugal face à ocupação germânica e ao governo espanhol, implicando que a neutralidade portuguesa poderá ter sido comprometida pelas acções de Sousa Mendes em Junho desse ano. O mesmo relato refere os receios de uma invasão alemã ou espanhola a Portugal nesse Verão, receando-se que as acções do cônsul tivessem originado um desastre.{{sfn|Wheeler|1998|p=126}} As acusações realçavam a atribuição de vistos a judeus de nacionalidade russa, proibida pelas regras do ministério, entre outras infracções gerais das regras, listando ainda algumas acusações pontuais sobre visas e passaportes reportadas a Novembro de 1939.{{sfn|Wheeler|1998|p=126}}
A 1 de Agosto do mesmo ano, o [[Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal|Ministério dos Negócios Estrangeiros]] emitiu uma "nota de culpa" sobre Sousa Mendes, enumerando um total de quinze acusações. Agrupadas em quatro rubricas: 1 - desobediência, 2 - falsificação de documentos, 3 - Abandono do lugar e 4 - Concussão. Um relato jornalístico da época indicia que outros motivos para além das infracções ministeriais poderão ter estado na origem do processo contra Sousa Mendes, referindo a situação "humilhante" que criou para Portugal face à ocupação germânica e ao governo espanhol, implicando que a neutralidade portuguesa poderá ter sido comprometida pelas acções de Sousa Mendes em Junho desse ano. O mesmo relato refere os receios de uma invasão alemã ou espanhola a Portugal nesse Verão, receando-se que as acções do cônsul tivessem originado um desastre.{{sfn|Wheeler|1998|p=126}} As acusações realçavam a atribuição de vistos a judeus de nacionalidade russa, proibida pelas regras do ministério, entre outras infracções gerais das regras, listando ainda algumas acusações pontuais sobre visas e passaportes reportadas a Novembro de 1939.{{sfn|Wheeler|1998|p=126}}


A 11 de Agosto, Aristides de Sousa Mendes enviou uma carta de defesa, admitindo ter assinado os visas e passaportes em questão, mas defendendo as suas acções com base numa combinação de circunstâncias extenuantes, e necessidade humanitária. Significativamente, esta carta de defesa não incluía o argumento alegadamente usado por Sousa Mendes em Bordéus, que a Constituição Portuguesa proibia a religião ou opções políticas de um indivíduo de serem usadas para lhe negar refúgio em Portugal.{{sfn|Wheeler|1998|p=126}}
A 11 de Agosto, Aristides de Sousa Mendes enviou uma carta de defesa, admitindo ter assinado os visas e passaportes em questão, mas defendendo as suas acções com base numa combinação de circunstâncias extenuantes, e necessidade humanitária. Significativamente, esta carta de defesa não incluía o argumento alegadamente usado por Sousa Mendes em Bordéus, que a Constituição Portuguesa proibia a religião ou opções políticas de um indivíduo de serem usadas para lhe negar refúgio em Portugal.{{sfn|Wheeler|1998|p=126}}


O caso continuou sob a forma de conselho disciplinar até o final de Outubro, liderado por Paula Brito e o Conde de Tovar, sendo julgada a validade das quinze acusações e ponderada a sentença. O Conde Tovar, no seu parecer, reconhece a atenuante devida à "atmosfera de pânico e os actos praticados pelo arguido no final do mês de Junho e porventura para os praticados no final do mês de Maio, mas infelizmente os actos praticados neste período não são mais do que a repetição ou um prolongamento de um procedimento que já vinha de longe e para o qual não se pode invocar a mesma atenuante. Muito antes de 15 de Maio já tinha havido infração e reincidência". A acusação chama ainda a atenção que este é o quarto processo disciplinar movido contra o arguido ao longo da sua carreira bem como refer ainda uma lista bastante longa de repreensões e censuras, sendo que o primeiro processo data de 1917.<ref>Parecer do relator do processo disciplinar de Aristides de Sousa Mendes, Conde de Tovar. (AHD – Processo Disciplinar de Aristides de Sousa Mendes) disponível online em Instituto Diplomático Português,. «Vidas Poupadas - A acção de três diplomatas portugueses na II Guerra Mundia</ref> Cada avaliador usou diferentes critérios na apreciação do caso, consoante a sua própria interpretação da Lei de Serviço Civil de 1913, cada um recomendando um castigo diferente. Paula Brito defendeu a sua suspensão do serviço activo com perda de salário durante um período de 30 a 180 dias somente, enquanto o Conde de Tovar defendeu uma punição com "retorno ao escalão imediatamente inferior" no serviço consular. Paula Brito submeteu-se ao julgamento final do Salazar sobre o caso, admitindo uma punição mais severa caso o Ministro a julgasse melhor servir os interesses da Justiça.{{sfn|Wheeler|1998|p=126-127}}
O caso continuou sob a forma de conselho disciplinar até o final de Outubro, liderado por Paula Brito e o Conde de Tovar, sendo julgada a validade das quinze acusações e ponderada a sentença. O Conde Tovar, no seu parecer, reconhece a atenuante devida à "atmosfera de pânico e os actos praticados pelo arguido no final do mês de Junho e porventura para os praticados no final do mês de Maio, mas infelizmente os actos praticados neste período não são mais do que a repetição ou um prolongamento de um procedimento que já vinha de longe e para o qual não se pode invocar a mesma atenuante. Muito antes de 15 de Maio já tinha havido infração e reincidência.". A acusação chama ainda a atenção que este é o quarto processo disciplinar movido contra o arguido ao longo da sua carreira bem como refere ainda uma lista bastante longa de repreensões e censuras, sendo que o primeiro processo data de 1917.<ref> Parecer do relator do processo disciplinar de Aristides de Sousa Mendes, Conde de Tovar. (AHD – Processo Disciplinar de Aristides de Sousa Mendes) disponível online em Instituto Diplomático Português,. «Vidas Poupadas - A acção de três diplomatas portugueses na II Guerra Mundia</ref> Cada avaliador usou diferentes critérios na apreciação do caso, consoante a sua própria interpretação da Lei de Serviço Civil de 1913, cada um recomendando um castigo diferente. Paula Brito defendeu a sua suspensão do serviço activo com perda de salário durante um período de 30 a 180 dias somente, enquanto o Conde de Tovar defendeu uma punição com "retorno ao escalão imediatamente inferior" no serviço consular. Paula Brito submeteu-se ao julgamento final do Salazar sobre o caso, admitindo uma punição mais severa caso o Ministro a julgasse melhor servir os interesses da Justiça.{{sfn|Wheeler|1998|p=126-127}}


Salazar não considerou a lei de 1913, preferindo guiar-se por outra de 1928, criada já durante a Ditadura. A sentença sobre o caso foi proferida a 30 de Outubro de 1940, prefaciando-a Salazar com a consideração de estar a condenar várias infracções cometidas pelo cônsul, no seguimento de um aviso, afirmando que tanto o relatório ministerial como o conselho disciplinar reconheciam a incapacidade profissional de Sousa Mendes para estar à frente de consulados, em particular num escalão tão alto. O Cônsul foi sentenciado a um ano de inactividade, com direito a metade do salário do seu escalão, Cônsul de Primeira Classe, obrigando-se este à aposentação findo este prazo. À parte um decreto datado de Março de 1942, mencionando o seu estado de inactivo no serviço, "aguardando a aposentação", esta foi a última menção oficial da parte do governo sobre este caso. Aparentemente, a lei que promulgaria a sua aposentação nunca foi publicada.{{sfn|Wheeler|1998|p=127}}
Salazar não considerou a lei de 1913, preferindo guiar-se por outra de 1928, criada já durante a Ditadura. A sentença sobre o caso foi proferida a 30 de Outubro de 1940, prefaciando-a Salazar com a consideração de estar a condenar várias infracções cometidas pelo cônsul, no seguimento de um aviso, afirmando que tanto o relatório ministerial como o conselho disciplinar reconheciam a incapacidade profissional de Sousa Mendes para estar à frente de consulados, em particular num escalão tão alto. O Cônsul foi sentenciado a um ano de inactividade, com direito a metade do salário do seu escalão, Cônsul de Primeira Classe, obrigando-se este à aposentação findo este prazo. À parte um decreto datado de Março de 1942, mencionando o seu estado de inactivo no serviço, "aguardando a aposentação", esta foi a última menção oficial da parte do governo sobre este caso. Aparentemente, a lei que promulgaria a sua aposentação nunca foi publicada.{{sfn|Wheeler|1998|p=127}}
Conforme o processo individual de Aristides de Sousa Mendes,  enquanto funcionário do Ministério dos Negócios Estrangeiros foi colocado na situação de inactividade, com metade do vencimento de categoria, durante um ano, findo o qual voltou novamente a receber o seu salário com o valor de 1593$30. O Processo inclui, ainda, requerimento da viúva, Andrée Cibial, solicitando o pagamento de pensão relativa ao mês de Abril de 1954, mês em que faleceu Aristides de Sousa Mendes, o qual foi indeferido.<ref>{{citar web|url=http://purl.sgmf.pt/326970/1/326970_item1/index.html|título=Abranches, Aristides de Sousa Mendes do Amaral e - Processo Individual - Cadastro do pessoal do Ministério dos Negócios Estrangeiros|acessodata=4 de Outubro de 2019|autor= Arquivo Digital do Ministério das Finanças}}</ref>


=== Desenvolvimentos posteriores===
=== Desenvolvimentos posteriores===
Após a sentença de Outubro de 1940, Sousa Mendes fez repetidos apelos ao ministério para voltar ao serviço activo, tendo [[Salazar]] recusado sequer recebe-lo pessoalmente. O cônsul contratou então um jovem e brilhante advogado, [[Adelino da Palma Carlos|Adelino Palma Carlos]], líder militante da Juventude Republicana e notável académico, conhecido por aceitar defender casos impopulares. Num memorando judicial, intitulado "Alegações do Apelante" e datado de 4 de Abril de 1941, Palma Carlos indicou existirem falhas e inconsistências notórias no caso do Ministério. Apontou as duas sentenças diferentes recomendadas pelos dois membros do conselho disciplinar, assim como o facto de Salazar ter usado uma lei diferente da destes como base para a sua sentença. Palma Carlos concedeu ter havido responsabilidade por parte do seu cliente na assinatura dos controversos visas e passaportes, mas argumentou igualmente as circunstâncias atenuantes e razões humanitárias. O seu principal argumento, no entanto, foi as testemunhas que depuseram tanto a favor como contra Aristides de Sousa Mendes terem concordado que o réu não poderia ser legalmente responsabilizado pela sua conduta, devido ao estado de choque em que se encontrava o seu raciocínio, sujeito a circunstâncias excepcionais. Na sua defesa, Palma Carlos citou o manual de lei de serviço civil dum membro da classe governante, o professor [[Marcello Caetano]], Professor de Direito na [[Universidade de Lisboa]]. Esta obra de referência apontava que, para que o réu fosse indiciado pelos seus actos, os elementos de responsabilidade legal, material e moral teriam de ser provados. No caso de Sousa Mendes, a responsabilidade moral pelos seus actos em França nunca ficou provada, devido ao seu estado mental alterado durante esses acontecimentos. Avaliada conjuntamente com a declaração de Salazar, a defesa do advogado pode ser interpretada como uma espécie de alegação de insanidade, com um enquadramento lógico e consequente face à sentença proferida por Salazar.{{sfn|Wheeler|1998|p=127}}
Após a sentença de Outubro de 1940, Sousa Mendes fez repetidos apelos ao ministério para voltar ao serviço activo, tendo [[Salazar]] recusado sequer recebê-lo pessoalmente. O cônsul contratou então um jovem e brilhante advogado, Adelino Palma Carlos, líder militante da Juventude Republicana e notável académico, conhecido por aceitar defender casos impopulares. Num memorando judicial, intitulado "Alegações do Apelante" e datado de 4 de Abril de 1941, Palma Carlos indicou existirem falhas e inconsistências notórias no caso do Ministério. Apontou as duas sentenças diferentes recomendadas pelos dois membros do conselho disciplinar, assim como o facto de Salazar ter usado uma lei diferente da destes como base para a sua sentença. Palma Carlos concedeu ter havido responsabilidade por parte do seu cliente na assinatura dos controversos visas e passaportes,mas argumentou igualmente as circunstâncias extenuantes e razões humanitárias. O seu principal argumento, no entanto, foi as testemunhas que depuseram tanto a favor como contra Aristides de Sousa Mendes terem concordado que o réu não poderia ser legalmente responsabilizado pela sua conduta, devido ao estado de choque em que se encontrava o seu raciocínio, sujeito a circunstâncias excepcionais. Na sua defesa, Palma Carlos citou o manual de lei de serviço civil dum membro da classe governante, o professor [[Marcello Caetano]], Professor de Direito na [[Universidade de Lisboa]]. Esta obra de referência apontava que, para que o réu fosse indiciado pelos seus actos, os elementos de responsabilidade legal, material e moral teriam de ser provados. No caso de Sousa Mendes, a responsabilidade moral pelos seus actos em França nunca ficou provada, devido ao seu estado mental alterado durante esses acontecimentos. Avaliada conjuntamente com a declaração de Salazar, a defesa do advogado pode ser interpretada como uma espécie de alegação de insanidade, com um enquadramento lógico e consequente face à sentença proferida por Salazar.{{sfn|Wheeler|1998|p=127}}


Esta inteligente apelação judicial foi submetida ao juiz conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, sendo requerido não a atribuição de uma penalização diferente, mas a anulação do decreto do Ministério dos Negócios Estrangeiros. O documento nunca obteve qualquer resposta ou reacção por parte do tribunal.{{sfn|Wheeler|1998|p=128}}
Esta inteligente apelação judicial foi submetida ao juiz conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, sendo requerido não a atribuição de uma penalização diferente, mas a anulação do decreto do Ministério dos Negócios Estrangeiros. O documento nunca obteve qualquer resposta ou reacção por parte do tribunal.{{sfn|Wheeler|1998|p=128}}
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Como último recurso, a 2 de Abril de 1941 Aristides de Sousa Mendes enviou uma carta a Salazar, alegando estar na penúria, com o seu salário de cônsul de primeira classe reduzido a seiscentos [[Escudo português|escudos]], com os quais tinha de sustentar a mulher e catorze filhos, referindo o impacto positivo que a presença dos refugiados em Portugal e a cordialidade e afeição com que foram tratados, haviam sido objecto de muitos elogios ao país, tanto interna como externamente. Apelou ainda ao espírito cristão de Salazar e aos seus trinta anos de serviço, e por fim pediu ao ditador que não lhe arruinasse a família. Nada disto foi capaz de demover Salazar, que só voltou a contactar formalmente a família dois dias após a morte de Aristides, a 3 de Abril de 1954, quando enviou um lacónico cartão de visita à família com uma única palavra: "Condolências".{{sfn|Lochery|2012|p=64}}
Como último recurso, a 2 de Abril de 1941 Aristides de Sousa Mendes enviou uma carta a Salazar, alegando estar na penúria, com o seu salário de cônsul de primeira classe reduzido a seiscentos [[Escudo português|escudos]], com os quais tinha de sustentar a mulher e catorze filhos, referindo o impacto positivo que a presença dos refugiados em Portugal e a cordialidade e afeição com que foram tratados, haviam sido objecto de muitos elogios ao país, tanto interna como externamente. Apelou ainda ao espírito cristão de Salazar e aos seus trinta anos de serviço, e por fim pediu ao ditador que não lhe arruinasse a família. Nada disto foi capaz de demover Salazar, que só voltou a contactar formalmente a família dois dias após a morte de Aristides, a 3 de Abril de 1954, quando enviou um lacónico cartão de visita à família com uma única palavra: "Condolências".{{sfn|Lochery|2012|p=64}}


Embora alguns biógrafos de Sousa Mendes afirmem que o vencimento auferido por este após o seu afastamento da carreira consular seria o correspondente a um meio salário da sua categoria,{{sfn|Wheeler|1998|p=128}}{{sfn|Afonso|1995|p=257}} a sentença final do seu processo disciplinar, apenas refere essa redução de vencimento no ano de inactividade imediato,{{sfn|Wheeler|1998|p=127}} no decurso do qual Aristides afirma em carta a Salazar estar com o seu salário reduzido a 600 escudos.{{sfn|Lochery|2012|p=64}} Na verdade, após o término desse ano de inactividade, Sousa Mendes passou a receber até à sua morte o vencimento completo correspondente à sua categoria de Cônsul de Primeira Classe{{sfn|Gallagher|2020|p=123}} e nunca chegou a ser expulso da carreira diplomática,{{sfn|Gallagher|2020|p=123}} conforme aliás consta Cadastro do pessoal do Ministério dos Negócios Estrangeiros.<ref>{{citar web|url=http://purl.sgmf.pt/326970/1/326970_item1/index.html|título=Abranches, Aristides de Sousa Mendes do Amaral e - Processo Individual - Cadastro do pessoal do Ministério dos Negócios Estrangeiros|acessodata=14 de Abril de 2014|autor= Arquivo Digital do Ministério das Finanças, }}</ref> Este facto também é confirmado por carta enviada por Sousa Mendes à Ordem dos Advogados a 25 de Abril de 1946 onde o próprio afirma que nesse ano o seu salário era de 1593$30 escudos mensais, quantia que, nas palavras de Rui Afonso, um dos seus biógrafos, não sendo uma soma principesca, ainda assim correspondia ao triplo do salário de um escriturário ou professor.{{sfn|Afonso|1995|p=257}}{{sfn|Gallagher|2020|p=123}} Isto mesmo é igualmente confirmado pelo Embaixador Carlos Fernandes, que analisou o processo de Sousa Mendes ao tempo em que exerceu o cargo de director dos Serviços Jurídicos e de Tratados do Ministério dos Negócios Estrangeiros, em carta dirigida a [[Maria Barroso Soares]], então presidente da Fundação Aristides de Sousa Mendes, datada de 5 de Abril de 2004 e publicada n'"[[O Diabo (jornal)|O Diabo]]" de 3 de Abril de 2007. Carlos Fernandes afirma ainda que a situação de Sousa Mendes, aguardando aposentação sem que esta jamais tenha chegado, foi-lhe mais favorável financeiramente que se tivesse sido aposentado, acrescentando ainda que "se morreu na miséria, ou pelo menos com grandes dificuldades financeiras, isso deve-se a outros factores que não à não recepção do seu vencimento mensal em Lisboa", apontando como exemplo desses factores a sua extensa prole, legítima e ilegítima.{{nota de rodapé|Citação: "''Demais, A. Sousa Mendes viveu sempre com grandes dificuldades financeiras. É óbvio que, quem tenha 14 filhos da mulher, uma amante e uma filha da amante não sairá nunca de grandes dificuldades financeiras, salvo se tiver outros rendimentos significativos, além do vencimento de cônsul.''"}}<ref>[[O Diabo (jornal)|O Diabo]]" de 3 de Abril de 2007, ps. 6-7</ref>
Embora alguns biógrafos de Sousa Mendes afirmem que o vencimento auferido por este após o seu afastamento da carreira consular seria o correspondente a um meio salário da sua categoria,{{sfn|Wheeler|1998|p=128}}{{sfn|Afonso|1995|p=257}} a sentença final do seu processo disciplinar, apenas refere essa redução de vencimento no ano de inactividade imediato,{{sfn|Wheeler|1998|p=127}} no decurso do qual Aristides afirma em carta a Salazar estar com o seu salário reduzido a 600 escudos.{{sfn|Lochery|2012|p=64}} Tudo indica que, após o término desse ano de inactividade, tenha continuado a receber o vencimento completo correspondente à sua categoria de Cônsul de Primeira Classe, já que por carta enviada por Sousa Mendes à Ordem dos Advogados a 25 de Abril de 1946 se verifica que nesse ano o seu salário seria de 1593$30 escudos mensais, quantia que, nas palavras de Rui Afonso, um dos seus biógrafos, não sendo uma soma principesca, ainda assim correspondia ao triplo do salário de um escriturário ou professor.{{sfn|Afonso|1995|p=257}} Isto mesmo é igualmente confirmado pelo Embaixador Carlos Fernandes, que analisou o processo de Sousa Mendes ao tempo em que exerceu o cargo de director dos Serviços Jurídicos e de Tratados do Ministério dos Negócios Estrangeiros, em carta dirigida a [[Maria Barroso Soares]], então presidente da Fundação Aristides de Sousa Mendes, datada de 5 de Abril de 2004 e publicada n'"[[O Diabo (jornal, 1977)|O Diabo]]" de 3 de Abril de 2007. Carlos Fernandes afirma ainda que a situação de Sousa Mendes, aguardando aposentação sem que esta jamais tenha chegado, foi-lhe mais favorável financeiramente que se tivesse sido aposentado, acrescentando ainda que "se morreu na miséria, ou pelo menos com grandes dificuldades financeiras, isso deve-se a outros factores que não à não recepção do seu vencimento mensal em Lisboa", apontando como exemplo desses factores a sua extensa prole, legítima e ilegítima.{{nota de rodapé|Citação: "''Demais, A. Sousa Mendes viveu sempre com grandes dificuldades financeiras. É óbvio que, quem tenha 14 filhos da mulher, uma amante e uma filha da amante não sairá nunca de grandes dificuldades financeiras, salvo se tiver outros rendimentos significativos, além do vencimento de cônsul.''"}}<ref>[[O Diabo (jornal, 1977)|O Diabo]]" de 3 de Abril de 2007, ps. 6-7</ref>


=== Últimos anos ===
=== Últimos anos ===
Mais tarde, passados alguns anos, já em 1945, {{nota de rodapé|Os extermínios em massa pelos nazis eram conhecidos desde pelo menos 1942, graças ao famoso Relatório Pilecki, enviado pela resistência polaca aos governos ocidentais.<ref>{{Citar livro |nome=Witold |sobrenome=Pilecki |título=The Auschwitz Volunteer: Beyond Bravery|editora=Aquila Polonica |ano=2012 }}</ref>}} Aristides decide escrever à [[Assembleia Nacional]] invocando que nos termos da constituição não poderia ter sido obrigado a discriminar judeus, alegando ter actuado numa acção de salvamento de judeus. No mesmo requerimento Aristides explica que "''Não alegou na resposta que deu no mesmo processo disciplinar estas circunstâncias, pelo motivo de, lavrando a guerra na Europa, não querer dar publicidade e relevo a uma atitude, por parte de funcionários do Estado, que sobre ser inconstitucional poderia ser interpretada como colaboração na obra de perseguição do governo de Hitler contra os judeus, o que representaria uma quebra da neutralidade adoptada pelo governo''".
Mais tarde, passados alguns anos, já em 1945, só quando era conhecido o horror do Holocausto Nazi (os contornos só vieram a ser conhecidos em 1944), Aristides decide escrever à Assembleia Nacional invocando que nos termos da constituição não poderia ter sido obrigado a discriminar judeus, transformando a sua actuação numa acção de salvamento de judeus. No mesmo requerimento Aristides explica que "''Não alegou na resposta que deu no mesmo processo disciplinar estas circunstâncias, pelo motivo de, lavrando a guerra na Europa, não querer dar publicidade e relevo a uma atitude, por parte de funcionários do Estado, que sobre ser inconstitucional poderia ser interpretada como colaboração na obra de perseguição do governo de Hitler contra os judeus, o que representaria uma quebra da neutralidade adoptada pelo governo''".


Em 24 de agosto de 1948, morre a sua mulher Angelina (a quem chamava de ''Gigi''), na sequência de uma trombose que lhe provocou [[hemiplegia]], aos 60 anos. Aristides teria já sofrido um AVC, que lhe paralisaria a mão direita. O óbito ocorreu na Avenida de Berna, número 119, cave esquerda, em [[São Sebastião da Pedreira]]. O funeral ocorreu em [[Cabanas de Viriato]], onde Angelina foi sepultada.
Em 1948 morre a sua mulher Angelina e Aristides casa-se com a sua amante de longa data, Andrée Cibial. A sua filha Marie-Rose continua a viver em França, onde é criada e educada por uns tios.


Aristides casa-se em 16 de outubro 1949 com a sua amante de longa data, Andrée Cibial. A sua filha Marie-Rose continua a viver em França, onde é criada e educada por uns tios.
Não tardou muito a que Andrée entrasse em confronto com os filhos de Aristides e o casal decide então mudar-se a Casa do Passal, a mansão de Aristides em Cabanas do Viriato. Já instalada no Passal, Andrée cedo começa a violar a privacidade da família, a forçar fechaduras e a destruir correspondência. Para suportar uma vida de gastos Andrée também começa a vender os móveis de Aristides.{{sfn|Afonso|1995|pp=301-303}}


Não tardou muito a que Andrée entrasse em confronto com os filhos de Aristides e o casal decide então mudar-se para a [[Casa do Passal]], a mansão de Aristides em Cabanas do Viriato. Já instalada no Passal, Andrée cedo começa a violar a privacidade da família, a forçar fechaduras e a destruir correspondência. Para suportar uma vida de gastos Andrée também começa a vender os móveis de Aristides.{{sfn|Afonso|1995|pp=301-303}} O confronto com a família adensa-se e os filhos de Aristides deixam de o ir visitar. Separados do pai, os filhos, que tinham sido educados no estrangeiro e tinham poucas raízes em Portugal, acabam por emigrar. João Paulo emigra para a [[Califórnia]], juntando-se a outros irmãos que já lá estavam. Pedro Nuno emigra para o [[Congo Belga]], Feliciano para [[Angola]] e Clotilde para [[Moçambique]].{{sfn|Afonso|1995|p=303}}
O confronto com a família adensa-se e os filhos de Aristides deixam de o ir visitar. Separados do pai, os filhos, que tinham sido educados no estrangeiro e tinham poucas raízes em Portugal, acabam por emigrar. João Paulo emigra para a Califórnia juntando-se a outros irmãos que já lá estavam. Pedro Nuno emigra para o Congo Belga. Geraldo para Angola e Clotilde para Moçambique.{{sfn|Afonso|1995|p=303}}


Também os seus irmãos César e João Paulo reagem com violência à vida de gastos de Andrée e à lapidação do património familiar. Mas Aristides mantém-se intransigente na defesa de Andrée.{{sfn|Afonso|1995|p=307}}
Também os seus irmãos César e João Paulo reagem com violência à vida de gastos de Andrée e à lapidação do património familiar. Mas Aristides mantém-se intransigente na defesa de Andrée.{{sfn|Afonso|1995|p=307}}


A presença de Andrée em Cabanas de Viriato, e na região causa escândalo. Vestia-se de forma nunca antes vista por aqueles lados, achavam-na estranha, bizarra. Por vezes, provocava desacatos e discussões, era extravagante, fazia rir as pessoas por usar chapéus exuberantes, com plumas, ganhando a alcunha "a penucha".<ref>{{citar web|URL=http://visao.sapo.pt/actualidade/portugal/2017-11-12-Tudo-o-que-faltava-saber-sobre-Aristides-de-Sousa-Mendes|título=Tudo o que faltava saber sobre Aristides de Sousa Mendes |autor=|data=|publicado=|acessodata=}}</ref>
Aristides morre só. Em 1954. Com um terço de um salário penhorado, em virtude de uma ordem do tribunal, consequência de um processo por dívidas que lhe é movido pelos seus credores. O jornalista do ''Le Monde'', biógrafo e admirador de Aristides, explica que Aristides nunca foi bom a gerir orçamentos e que, a sua personalidade aristocrática, considerava repugnante o mero acto de ter que controlar contas.{{sfn|Fralon|2000|p=18}} Ao longo da sua vida foi o seu irmão César que lhe emprestou dinheiro para suprir os descontrolos financeiros de Aristides. Também explica Fralon, que a amante de Aristides era muito perdulária e que terá sido esta a causa de Aristides ter morrido com dificuldades financeiras.{{sfn|Fralon|2000|p=136}} O povo de Cabanas de Viriato nunca gostou de Andrée e considerou-a sempre a culpada das desgraças de Aristides.{{sfn|Fralon|2000|p=138}}{{sfn|Afonso|1995|p=302}}
 
Com um terço de um salário penhorado, em virtude de uma ordem do tribunal, consequência de um processo por dívidas que lhe é movido pelos seus credores, Aristides fica na miséria. O jornalista do ''Le Monde'', biógrafo e admirador de Aristides, explica que Aristides nunca foi bom a gerir orçamentos e que, a sua personalidade aristocrática, considerava repugnante o mero acto de ter que controlar contas.{{sfn|Fralon|2000|p=18}} Ao longo da sua vida foi o seu irmão César que lhe emprestou dinheiro para suprir os descontroles financeiros de Aristides. Também explica Fralon, que a amante de Aristides era muito perdulária e que terá sido esta a causa de Aristides ter morrido com dificuldades financeiras.{{sfn|Fralon|2000|p=136}} O povo de Cabanas de Viriato nunca gostou de Andrée e considerou-a sempre a culpada das desgraças de Aristides.{{sfn|Fralon|2000|p=138}}{{sfn|Afonso|1995|p=302}}


Em sequência de uma [[broncopneumonia]], Aristides veio a morrer aos 68 anos, endividado e só, acompanhado apenas por uma sobrinha, no hospital particular da [[Ordem Terceira de São Francisco da Cidade]], na época um dos melhores hospitais de Lisboa e que ainda hoje existe no Chiado em Lisboa, freguesia dos [[Mártires]].{{sfn|Fralon|2000|p=142}} Foi enterrado com uma túnica daquela ordem monástica no cemitério de [[Cabanas de Viriato]].
Aristides veio a morrer endividado e só, acompanhado apenas por uma sobrinha, no hospital particular da Ordem Terceira de São Francisco da Cidade, na época um dos melhores hospitais de Lisboa e que ainda hoje existe no Chiado em Lisboa.{{sfn|Fralon|2000|p=142}}


== Legado ==
== Homenagens ==
 
=== Reconhecimento ===
[[Ficheiro:Aristides de Sousa Mendes ' Homage (5943355648).jpg|alt=Este foi o Aristides.|thumb|Homenagem a Aristides]]
[[Ficheiro:Aristides de Sousa Mendes ' Homage (5943355648).jpg|alt=Este foi o Aristides.|thumb|Homenagem a Aristides]]
Em agosto de 1940, a escritora Gisèle Quittner Allatini escreveu para Aristides de Sousa Mendes agradecendo a ajuda recebida em Bordéus: “Faço questão de lhe escrever para lhe dizer da profunda admiração que têm por si em todos os países onde exerceu as funções de cônsul. O Senhor é para Portugal a melhor das propagandas, e uma honra para a sua Pátria. Todos aqueles que o conheceram elogiam a sua coragem, o seu grande coração. O seu espírito cavalheiresco, e acrescentam: se os Portugueses são como o Cônsul Geral Mendes, são um povo de cavalheiros e de heróis”. Os ecos deste agradecimento de Gisèle Quittner Allatini foram publicados na imprensa da época.<ref>Arquivo Histórico Diplomático – Processo Disciplinar de Aristides de Sousa Mendes</ref>
Em Agosto de 1940 a escritora Gisèle Quittner Allatini escreveu para Aristides de Sousa Mendes agradecendo a ajuda recebida em Bordéus:
:«Faço questão de lhe escrever para lhe dizer da profunda admiração que têm por si em todos os países onde exerceu as funções de cônsul. O Senhor é para Portugal a melhor das propagandas, e uma honra para a sua Pátria. Todos aqueles que o conheceram elogiam a sua coragem, o seu grande coração. O seu espírito cavalheiresco, e acrescentam: se os Portugueses são como o Cônsul Geral Mendes, são um povo de cavalheiros e de heróis”. Os ecos deste agradecimento de Gisèle Quittner Allatini foram publicados na imprensa da época.<ref>Arquivo Histórico Diplomático – Processo Disciplinar de Aristides de Sousa Mendes</ref>


Em 1966 o [[Yad Vashem]] (Memorial do [[Holocausto]] situado em [[Jerusalém]]) em Israel, presta-lhe homenagem atribuindo-lhe o título de "[[Justo entre as nações]]". Já em 1961, haviam sido plantadas vinte árvores em sua memória nos terrenos do Museu Yad Vashem.
Em 1966 o [[Memorial de Yad Vashem]] (Memorial do [[Holocausto]] situado em [[Jerusalém]]) em Israel, presta-lhe homenagem atribuindo-lhe o título de "[[Justo entre as nações]]". Já em 1961, haviam sido plantadas vinte árvores em sua memória nos terrenos do Museu Yad Vashem.


[[Imagem:2017.05.05-5 Yad Vashem.jpg|thumb|Homenagem a Aristides de Sousa Mendes no memorial Yad Vashem (Jerusalém)]]
Em 1986, a 15 de Novembro, foi condecorado, a título póstumo, com o grau de Oficial da [[Ordem da Liberdade]].<ref name="OHP">{{citar web |url=http://www.ordens.presidencia.pt/?idc=153 |título=Cidadãos Nacionais Agraciados com Ordens Portuguesas|autor=|data=|publicado=Presidência da República Portuguesa  (Ordens Honoríficas Portuguesas)|acessodata=2014-05-18 |notas=Resultado da busca de "Aristides de Sousa Mendes".}}</ref>


[[Imagem:2017.05.05-8 Yad Vashem.jpg|thumb|Árvore de Aristides de Sousa Mendes no memorial Yad Vashem (Jerusalém)]]
O presidente da República Portuguesa [[Mário Soares]] reabilita assim Aristides de Sousa Mendes e a sua família recebe as desculpas públicas.<ref>https://vimeo.com/2836447</ref>


Em 1986, a 15 de novembro, foi condecorado, a título póstumo com o grau de Oficial da [[Ordem da Liberdade]].<ref name="OHP">{{citar web |url=http://www.ordens.presidencia.pt/?idc=153 |título=Cidadãos Nacionais Agraciados com Ordens Portuguesas|data=|publicado=Presidência da República Portuguesa  (Ordens Honoríficas Portuguesas)|acessodata=2018-02-09 |notas=Resultado da busca de "Aristides de Sousa Mendes".}}</ref> O Presidente [[Mário Soares]] reabilita assim Aristides de Sousa Mendes e a sua família recebe as desculpas públicas, dezasseis anos após a morte de Salazar.<ref name="vimeo.com">{{Citar web|titulo=Grandes Portugueses - Aristides Sousa Mendes|url=https://vimeo.com/2836447|obra=Vimeo|acessodata=2019-08-21|lingua=pt}}</ref>
Em 1987, o Governo Português decidiu indemnizar a família de Sousa Mendes pela perda de metade do vencimento durante um ano.{{sfn|Fralon|2000|p=158}}


em 1987, depois de muita pressão internacional, houve uma homenagem pública portuguesa, entregando à família a medalha da Ordem da Liberdade. De seguida, a pressão aumentou sobre o governo, para também reabilitá-lo completamente. Só 48 anos depois a Assembleia da República recomendou que fosse reintegrado no Ministério dos Negócios Estrangeiros assim como também entregue uma indemnização à família pelos anos perdidos de vencimento, pois o Estado Novo condenou-o a 1 ano de inactividade com metade do vencimento de categoria.<ref name="vimeo.com"/>
Em 1994 o presidente português [[Mário Soares]] inaugura um [[busto]] em homenagem a Aristides de Sousa Mendes, bem como uma placa comemorativa na Rua 14 quai Louis-XVIII, o endereço do consulado de Portugal em [[Bordéus]] em 1940.


Em 1987, o Governo Português decidiu indemnizar a família de Sousa Mendes pela perca de metade do vencimento durante um ano. A indemnização depois de actualizados os valores de acordo com a inflação cifrou-se em 750&nbsp;mil Escudos.{{sfn|Fralon|2000|p=158}}
Em 1995, a 23 de Março, é agraciado, a título póstumo, com a Grã-Cruz da [[Ordem Militar de Cristo]]<ref name="OHP"/> pelo presidente da República Portuguesa Mário Soares.
 
Em 1994, o presidente português [[Mário Soares]] desvela um [[busto]] em homenagem a Aristides de Sousa Mendes, bem como uma placa comemorativa na Rua 14 quai Louis-XVIII, o endereço do consulado de Portugal em [[Bordéus]] em 1940.
 
Em 23 de março de 1995, é agraciado, a título póstumo, com a Grã-Cruz da [[Ordem Militar de Nosso Senhor Jesus Cristo]]<ref name="OHP"/> pelo Presidente Mário Soares.


Em 1995, a Associação Sindical dos Diplomatas Portugueses (ASDP) cria um [[Prémio Aristides de Sousa Mendes|prémio anual com o seu nome]].
Em 1995, a Associação Sindical dos Diplomatas Portugueses (ASDP) cria um [[Prémio Aristides de Sousa Mendes|prémio anual com o seu nome]].


Em 1996, o grupo de [[escuteiros]] de [[Esgueira]] ([[Aveiro]]) homenageou-o criando o ''CLÃ 25 ASM'' (Aristides de Sousa Mendes)
Em 1996 o grupo de [[escuteiros]] de [[Esgueira]] ([[Aveiro]]) homenageou-o criando o ''CLÃ 25 ASM'' (Aristides de Sousa Mendes)
 
Em 1998, a República Portuguesa, na prossecução do processo de reabilitação oficial da memória de Aristides de Sousa Mendes, condecora-o com a Cruz de Mérito a título póstumo pelas suas acções em Bordéus.
 
Em 2005, na Grande Sala da Unesco em Paris, o [[barítono]] [[Jorge Chaminé]] organiza uma Homenagem a Aristides de Sousa Mendes, realizando dois Concertos para a Paz, integrados nas comemorações dos 60 anos da [[UNESCO]].
 
Em 2006, foi realizada uma acção de sensibilização: "Reconstruir a Casa do Cônsul Aristides de Sousa Mendes", na sua antiga [[Casa do Passal|casa em Cabanas de Viriato]], Carregal do Sal e na Quinta de Crestelo, Seia - São Romão.


Em 2007, um programa televisivo da [[RTP1]], [[Os Grandes Portugueses]], promoveu a escolha dos dez maiores e importantes portugueses de todos os tempos. Sousa Mendes foi o terceiro mais votado. Ironicamente, o primeiro lugar foi atribuído a Salazar, e o segundo lugar a Álvaro Cunhal.
Em 1998 a República Portuguesa, na prossecução do processo de reabilitação oficial da memória de Aristides de Sousa Mendes, condecora-o com a Cruz de Mérito a título póstumo pelas suas acções em Bordéus.


Em 2007, o [[barítono]] [[Jorge Chaminé]] realizou dois [[concerto]]s homenagem a Aristides de Sousa Mendes, em Baiona e em Bordéus.
Em 2005, na Grande Sala da UNESCO em Paris, o [[barítono]] [[Jorge Chaminé]] organiza uma Homenagem a Aristides de Sousa Mendes, realizando dois Concertos para a Paz, integrados nas comemorações dos 60 anos da [[UNESCO]].


Em 2013, a cidade de Toronto, no Canadá, homenageou Sousa Mendes atribuindo o seu nome a um parque infantil recém-renovado.<ref>{{Citar periódico |url=http://portuguese-american-journal.com/community-city-of-toronto-to-honor-aristides-de-sousa-mendes-canada/ |título=City of Toronto to honor Aristides de Sousa Mendes |jornal=Portuguese American Journal |autor=paj.staff |data= 18-10-2013 |língua=en |acessodata=2014-05-18 }}</ref>
Em 2006 foi realizada uma acção de sensibilização: "Reconstruir a Casa do Cônsul Aristides de Sousa Mendes", na sua antiga casa em Cabanas de Viriato, Carregal do Sal e na Quinta de Crestelo, Seia - São Romão.


Em 2013 um grupo de «socialistas católicos» reuniu em Carregal do Sal «para lembrar o homem Bom que foi Aristides Sousa Mendes» Recordaram que Aristides foi:
Em 2007 um programa televisivo da [[RTP1]], [[Os Grandes Portugueses]], promoveu a escolha dos dez maiores e importantes portugueses de todos os tempos. Sousa Mendes foi o terceiro mais votado. Ironicamente, o primeiro lugar foi atribuído a Salazar, e o segundo lugar a Álvaro Cunhal.
:«o Homem que em 1940 desafiou ordens expressas do ditador Salazar e concedeu 30 mil vistos de entrada em Portugal a refugiados de todas as nacionalidades que desejavam fugir do horror Nazi e assim salvar esses milhares de pessoas do Holocausto»
Nesse sentido lançaram um apelo ao Governo, no sentido de «dar apoios para recuperar rapidamente a casa de Aristides Sousa Mendes (classificada Monumento Nacional em 2005), pois está em péssimas condições e parece ruir a qualquer momento».<ref>Cf. [https://www.rostos.pt/inicio2.asp?mostra=2&cronica=25825 Rostos], de 17 de março de 2013.</ref>


Em 2014, a [[TAP Air Portugal]] baptizou um novo Airbus A319 em homenagem a Aristides de Sousa Mendes.<ref>{{Citar periódico |data=setembro de 2014|titulo=O novo avião da TAP chama-se Aristides de Sousa Mendes e já voa pela Europa |jornal= Publico |url=http://fugas.publico.pt/Noticias/338854_o-novo-aviao-da-tap-chama-se-aristides-de-sousa-mendes-e-ja-voa-pela-europa |acessadoem=}}</ref>
Em 2007 o [[barítono]] [[Jorge Chaminé]] realizou dois [[concerto]]s homenagem a Aristides de Sousa Mendes, em Baiona e em Bordéus.


[[Imagem:AristidesPromenade.JPG|thumb|250px|left|Placa em passeio de Viena]]
Em 2013 a cidade de Toronto, no Canadá, homenageou Sousa Mendes atribuindo o seu nome a um parque infantil recém-renovado.<ref>{{Citar periódico |url=http://portuguese-american-journal.com/community-city-of-toronto-to-honor-aristides-de-sousa-mendes-canada/ |título=City of Toronto to honor Aristides de Sousa Mendes |jornal=Portuguese American Journal |autor=paj.staff |data= 18-10-2013 |língua=en |acessodata=2014-05-18 }}</ref>
Em [[Viena]], [[Áustria]], no Vienna International Center, onde estão sediados diversos organismos da ONU, como a [[Agência Internacional de Energia Atómica]], há um grande passeio pedonal com o nome do ex-diplomata português, denominado "Aristides-de-Sousa-Mendes-Promenade".


[[Imagem:2019.03.02 Cabanas de Viriato (2).png|thumb|Homenagem a Aristides de Sousa Mendes na sua aldeia-natal de Cabanas de Viriato]]
Em 2014 a [[TAP Portugal]] baptizou um novo Airbus A319 em homenagem a Aristides de Sousa Mendes.<ref>{{Citar jornal |ultimo= |primeiro= |autorlink= |data=setembro de 2014 |titulo=O novo avião da TAP chama-se Aristides de Sousa Mendes e já voa pela Europa |jornal= Publico |volume= |numero= |paginas= |id= |url=http://fugas.publico.pt/Noticias/338854_o-novo-aviao-da-tap-chama-se-aristides-de-sousa-mendes-e-ja-voa-pela-europa |acessadoem=}}</ref>


Aristides de Sousa Mendes não foi o único funcionário a quem o seu país não perdoou a desobediência apesar dos seus actos de justiça e humanidade na [[Segunda Guerra Mundial]]. Entre outros casos conhecidos de figuras que se destacaram pela coragem e humanismo incluem-se o cônsul japonês em Kaunas (Lituânia) [[Chiune Sugihara]] e [[Paul Grüninger]], chefe da polícia do cantão suíço de [[São Galo (cantão)|São Galo]].
[[Imagem:AristidesPromenade.JPG|thumb|150px|left]]
Em [[Viena]], [[Áustria]], no [[Vienna International Center]], onde estão sedeados diversos organismos da [[ONU]], como a [[Agência Internacional de Energia Atómica]], existe um grande passeio pedonal com o nome do ex-diplomata português, denominado "Aristides-de-Sousa-Mendes-Promenade".


Em 22 de setembro de 2016, foi elevado, a título póstumo, a Grã-Cruz da [[Ordem da Liberdade]] pelo Presidente da República, [[Marcelo Rebelo de Sousa]].<ref name="OHP"/>
Aristides de Sousa Mendes não foi o único funcionário a quem o seu país não perdoou a desobediência apesar dos seus actos de justiça e humanidade na [[Segunda Guerra Mundial]]. Entre outros casos conhecidos de figuras que se destacaram pela coragem e humanismo incluem-se o cônsul japonês em Kaunas (Lituânia) [[Chiune Sugihara]] e [[Paul Grüninger]], chefe da polícia do cantão suíço de [[Cantão de São Galo|São Galo]].{{clr}}


Em 2020 em Jerusalém uma vai ser nomeada Praça Aristides Sousa Mendes e que ficará nas imediações do Yad Vashem — Centro de Memória do Holocausto.<ref>{{citar web|URL=https://expresso.pt/sociedade/2020-01-18-Jerusalem-vai-ter-uma-praca-com-o-nome-de-Aristides-Sousa-Mendes|título=Jerusalém vai ter uma praça com o nome de Aristides Sousa Mendes |autor=|data=|publicado=|acessodata=}}</ref>
Em 3 de abril de 2017, foi elevado, a título póstumo, a Grã-Cruz da [[Ordem da Liberdade]] pelo Presidente da República, [[Marcelo Rebelo de Sousa]].<ref>[http://www.dn.pt/portugal/interior/marcelo-condecora-aristides-sousa-mendes-com-gra-cruz-da-ordem-da-liberdade-5765927.html Marcelo condecora Aristides Sousa Mendes com Grã-Cruz da Ordem da Liberdade, DN, 2 de abril de 2017]</ref>


Em 9 de junho de 2020, a [[Assembleia da República]] aprovou por unanimidade uma homenagem a Aristides de Sousa Mendes no [[Panteão Nacional]], através de um [[Cenotáfio]].<ref>{{citar web|URL=https://24.sapo.pt/atualidade/artigos/parlamento-de-acordo-na-decisao-de-honrar-aristides-de-sousa-mendes-no-panteao-nacional|título=Parlamento aprova homenagem a Aristides de Sousa Mendes no Panteão Nacional|autor=|data=|publicado=|acessodata=}}</ref> Acabou por ser afixada uma lápide alusiva à sua vida e obra, a 19 de outubro de 2021, no [[Panteão Nacional]], não tendo sido colocado um túmulo sem corpo, ao contrário do previsto no projeto de resolução aprovado pela Assembleia da República. Os seus restos mortais mantêm-se no cemitério de Cabanas de Viriato.<ref>[https://observador.pt/2021/10/19/sao-raras-as-pessoas-que-na-hora-decisiva-arriscam-assim-aristides-de-sousa-mendes-e-homenageado-no-panteao-nacional/ "Mudou a História de Portugal e projetou Portugal no mundo". Aristides de Sousa Mendes entra no Panteão Nacional, Observador 19.10.2021]</ref>
Em 2021, o cônsul vai ter o seu nome num passeio no [[17.º arrondissement de Paris|17.º bairro de Paris]], junto ao atual Consulado-Geral de Portugal na capital francesa.<ref>{{citar web|url=https://www.publico.pt/2021/11/20/politica/noticia/aristides-sousa-mendes-vai-passeio-nome-paris-1985747|título=Aristides de Sousa Mendes vai ter passeio com o seu nome em Paris |autor=|data=|publicado=|acessodata=|arquivourl=|arquivodata=|urlmorta=}}</ref>


Em 17 de junho de 2020, o Papa Francisco evocou Aristides Sousa Mendes por ocasião do "Dia da Consciência", num apelo em prol da efeméride, feito durante a Audiência Geral, Francisco pediu para que a "liberdade de consciência seja respeitada", dando como exemplo o caso de Sousa Mendes.<ref>{{citar web|URL=https://www.jn.pt/mundo/papa-francisco-lembra-aristides-de-sousa-mendes-em-dia-da-consciencia-12322506.html|título=Papa Francisco lembra Aristides de Sousa Mendes em "Dia da Consciência"|autor=|data=|publicado=|acessodata=}}</ref>
== Controvérsia em torno do número de vistos ==
Não se sabe exactamente quantos vistos não autorizados terá emitido Aristides nestes dias. Segundo alguns estudos o número veio depois a ser grandemente exagerado, tendo-se publicado com muita insistência um número de {{fmtn|30000}} dos quais uns {{fmtn|10000}} seriam judeus. Quem classifica de mito o número de {{fmtn|30000}} é Avraham Milgram, historiador da Yad Vashem {{sfn|Milgram|1999|pp=123-156}} que defende que basta uma análise aos registos do consulado de Bordéus para ver que entre 1 de Janeiro de 1940 e 22 de Junho de 1940 foram emitidos 2862 vistos, a maioria dos quais autorizados pelo MNE, e que estes números podem ser cruzados com os registos da HICEM que apoiou os judeus durante a guerra a saírem de Portugal, que registam uma entrada em Portugal de apenas 1,538 Judeus na segunda metade de 1940.{{sfn|Milgram|1999|pp=123-156}}


"A Lista de Aristides de Sousa Mendes" foi publicada em livro, em junho de 2020, e conta a história dos fugitivos que receberam um visto do cônsul para viajarem até Portugal.
Várias figuras ligadas ao regime de Salazar, têm procurado desacreditar Aristides de Sousa Mendes. [[José Hermano Saraiva]], antigo ministro e grande admirador de [[António de Oliveira Salazar]], numa entrevista em 2009 ao [[semanário Sol]], disse o seguinte: "''De facto, qual era a possibilidade de um cônsul, um simples cônsul, mobilizar meios para transportar 40 mil pessoas através de um país hostil? Como é que isso seria possível? Só seria possível para uma organização estatal, como é evidente. Mais: não há nenhum documento do Aristides que diga isso, não há nenhum''".<ref>{{Citar periódico |primeiro=|ultimo=|titulo=Entrevista de José Hermano Saraiva ao SOL (2ª parte)|jornal=[[Sol (jornal)]]|edição=|data=20 de junho de 2012|url=http://sol.sapo.pt/inicio/Sociedade/Interior.aspx?content_id=54865|acessadoem=16 de abril de 2014}}</ref> Também o Embaixador [[João Hall Themido]], no seu livro de memórias, dedica um dos capítulos, porventura o mais polémico, ao que chama "''A mitificação de Aristides de Sousa Mendes''". O embaixador acusa o cônsul de "''actuação irregular''". Diz que "de forma totalmente irrealista, fala-se em 30 mil" o número de vistos "''concedidos em apenas alguns poucos dias pelo cônsul e seus familiares, de forma cega, no consulado e até nos cafés da vizinhança''". Themido sublinha "''a necessidade de manter disciplina nos serviços que de forma directa ou indirecta pudessem, com a sua actuação, afectar o estatuto de neutralidade''" do país.<ref>{{Citar periódico|primeiro=|ultimo=|titulo=Aristides de Sousa Mendes é um "mito criado por judeus"|jornal=[[Expresso (Portugal)]]|edição=|data=1 de novembro de 2008|url=http://expresso.sapo.pt/aristides-de-sousa-mendes-e-um-mito-criado-por-judeus=f440770|acessadoem=16 de abril de 2014}}</ref>{{Nota de rodapé|Para o embaixador, Aristides foi um "''mito criado por judeus e pelas forças democráticas saídas do 25 de Abril''". E mais à frente: "''quando a família''" do cônsul, "''grupos judaicos e forças da esquerda ressuscitaram o assunto, procurei saber mais sobre o ocorrido''". Observa que Aristides apenas "''pertencia à carreira consular, considerada carreira menor em relação à carreira diplomática''". Por outro lado, o processo disciplinar ao cônsul em Bordéus "''foi o último de vários de que foi alvo ao longo da carreira, quase sempre por abandono do posto ou concussão''". Nota que a maioria dos processos "''desapareceu misteriosamente''" do MNE e que o de Bordéus está "''incompleto''". Assim, considera "''incompreensível criticar''" o Ministério, "''incluindo o ministro, por ter aplicado a lei nas circunstâncias da época''".}}
 
=== Controvérsia em torno do número de vistos ===
Não se sabe exactamente quantos vistos não autorizados terá emitido Aristides nestes dias. Segundo alguns estudos o número veio depois a ser grandemente exagerado, tendo-se publicado com muita insistência um número de {{fmtn|30000}} dos quais uns {{fmtn|10000}} seriam judeus. Quem classifica de mito o número de {{fmtn|30000}} é Avraham Milgram, historiador da Yad Vashem{{sfn|Milgram|1999|pp=123-156}} que defende que basta uma análise aos registos do consulado de Bordéus para ver que entre 1 de Janeiro de 1940 e 22 de Junho de 1940 foram emitidos 2862 vistos, a maioria dos quais autorizados pelo MNE, e que estes números podem ser cruzados com os registos da HICEM que apoiou os judeus durante a guerra a saírem de Portugal, que registam uma entrada em Portugal de apenas 1538 Judeus na segunda metade de 1940. Milgram afirma que o número de 30 000 é publicado por aqueles que pretendem louvar Sousa Mendes mas que a estimativa não é sustentada por pesquisas com rigor histórico,{{sfn|Milgram|1999|pp=123-156}} ''"o que de modo algum diminui a grandeza do seu feito".''<ref>{{citar livro|título=Portugal, Salazar e os Judeus (em língua portuguesa)|ultimo=Milgram|primeiro=Avraham|editora=Gradiva|ano=2010|local=|páginas=101|acessodata=}}</ref>
 
Várias figuras ligadas ao regime de Salazar, têm procurado desacreditar Aristides de Sousa Mendes.
 
[[José Hermano Saraiva]], antigo ministro e grande admirador de [[António de Oliveira Salazar]], (''"um santo",''<ref name=":0">{{citar web|url=https://sol.sapo.pt/artigo/54865/recorde-a-grande-entrevista-de-jose-hermano-saraiva-ao-sol-2-parte-|titulo=Recorde a grande entrevista de José Hermano Saraiva ao SOL (2ª parte)|data=20 de Julho de 2012|acessodata=|publicado=Sol|ultimo=Saraiva|primeiro=José António}}</ref> nas suas palavras) numa entrevista em 2009 ao [[semanário Sol]], disse o seguinte:<blockquote>"''De facto, qual era a possibilidade de um cônsul, um simples cônsul, mobilizar meios para transportar 40 mil pessoas através de um país hostil? Como é que isso seria possível? Só seria possível para uma organização estatal, como é evidente. Mais: não há nenhum documento do Aristides que diga isso, não há nenhum''".<ref name=":0">{{citar web|url=https://sol.sapo.pt/artigo/54865/recorde-a-grande-entrevista-de-jose-hermano-saraiva-ao-sol-2-parte-|titulo=Recorde a grande entrevista de José Hermano Saraiva ao SOL (2ª parte)|data=20 de Julho de 2012|acessodata=|publicado=Sol|ultimo=Saraiva|primeiro=José António}}</ref></blockquote>Também o Embaixador [[João Hall Themido]], no seu livro de memórias, dedica um dos capítulos, porventura o mais polémico, ao que chama "''A mitificação de Aristides de Sousa Mendes''". O embaixador acusa o cônsul de "''actuação irregular''". Diz que "de forma totalmente irrealista, fala-se em 30 mil" o número de vistos "''concedidos em apenas alguns poucos dias pelo cônsul e seus familiares, de forma cega, no consulado e até nos cafés da vizinhança''". Themido sublinha "''a necessidade de manter disciplina nos serviços que de forma directa ou indirecta pudessem, com a sua actuação, afectar o estatuto de neutralidade''" do país.<ref>{{Citar periódico|titulo=Aristides de Sousa Mendes é um "mito criado por judeus"|jornal=[[Expresso (Portugal)]]|data=1 de novembro de 2008|url=http://expresso.sapo.pt/aristides-de-sousa-mendes-e-um-mito-criado-por-judeus=f440770|acessadoem=16 de Abril de 2014}}</ref>{{Nota de rodapé|Para o embaixador, Aristides foi um "''mito criado por judeus e pelas forças democráticas saídas do 25 de Abril''". E mais à frente: "''quando a família''" do cônsul, "''grupos judaicos e forças da esquerda ressuscitaram o assunto, procurei saber mais sobre o ocorrido''". Observa que Aristides apenas "''pertencia à carreira consular, considerada carreira menor em relação à carreira diplomática''". Por outro lado, o processo disciplinar ao cônsul em Bordéus "''foi o último de vários de que foi alvo ao longo da carreira, quase sempre por abandono do posto ou concussão''". Nota que a maioria dos processos "''desapareceu misteriosamente''" do MNE e que o de Bordéus está "''incompleto''". Assim, considera "''incompreensível criticar''" o Ministério, "''incluindo o ministro, por ter aplicado a lei nas circunstâncias da época''".}}


Também José Seabra, que foi secretário de Sousa Mendes e participou na emissão dos vistos, disse por várias vezes que o número de vistos emitidos se cifrou na ordem das centenas. A última vez que fez esta declaração, foi ao MNE, contava já com 80 anos.{{sfn|Afonso|1995|p=105}} Seabra também acrescentou que em sua opinião Aristides apenas se moveu por motivos humanitários e por vontade de ajudar os refugiados.
Também José Seabra, que foi secretário de Sousa Mendes e participou na emissão dos vistos, disse por várias vezes que o número de vistos emitidos se cifrou na ordem das centenas. A última vez que fez esta declaração, foi ao MNE, contava já com 80 anos.{{sfn|Afonso|1995|p=105}} Seabra também acrescentou que em sua opinião Aristides apenas se moveu por motivos humanitários e por vontade de ajudar os refugiados.


No entanto continua a haver muitos defensores da estimativa de {{fmtn|30000}} refugiados. Entre os que defendem este número merece destaque a Sousa Mendes Foundation, nos EUA, que tem um ambicioso projecto de identificação de todos aqueles que receberam vistos passados por Sousa Mendes.{{Nota de rodapé| O ''site'' da fundação publica um lista de todos aqueles que viajaram para Portugal com vistos passados pelo cônsul em Bordéus.<ref>A lista poderá ser consultada {{citar web|url=http://sousamendesfoundation.org/visa-recipients/|título=List of Sousa Mendes visa recipients |acessodata=16 de Abril de 2014|autor=Sousa Mendes Foundation|publicado=Aristides de Sousa Mendes Foundation - US}}</ref> No entanto, a lista publicada tem menos de dois mil nomes e mistura vistos passados por Aristides no cumprimento estrito dos seus deveres de cônsul (muitos passados a portugueses, outros a viajantes, outros a ingleses, norte-americanos, etc. de regresso aos seus países), com os vistos passados em desobediência, tornado a consulta demasiado morosa. A fundação chama a atenção para um ponto relevante, não poucas vezes um visto era passado a mais do que uma pessoa, como é o caso de adultos que viajavam com crianças, pelo que o número real de pessoas é superior ao de vistos.}} Em 2015 a ''Sousa Mendes Foundation'' publicou um trabalho que investiga registos dos consulados, manifestos de embarque, e outros documentos oficiais, além de recolherem testemunhos pessoais de sobreviventes e seus descendentes, contudo o trabalho não é conclusivo quanto ao número estimado de vistos.<ref>{{citar web|url=https://www.yu.edu/sites/default/files/legacy//uploadedFiles/Academics/Graduate/Azrieli_Graduate_School_New/About/Prism_Journal/Accordions/2015_spring_PRISM%20Journal%20(2).pdf|titulo=Sousa Mendes’s List:From Names to Families|data=Primavera de 2015|acessodata=|publicado=PRISM|ultimo=Mattis|primeiro=Olivia|paginas=72-78}}</ref>
No entanto continua a haver muitos defensores da estimativa de {{fmtn|30000}} refugiados. Entre os que defendem este número merece destaque a Sousa Mendes Foundation, nos EUA, que tem um ambicioso projecto de identificação de todos aqueles que receberam vistos passados por Sousa Mendes.{{Nota de rodapé| O ''site'' da fundação publica uma lista de todos aqueles que viajaram para Portugal com vistos passados pelo cônsul em Bordéus.<ref>A lista poderá ser consultada {{citar web|url=http://sousamendesfoundation.org/visa-recipients/|título=List of Sousa Mendes visa recipients |acessodata=16 de abril de 2014|autor=Sousa Mendes Foundation|publicado=Aristides de Sousa Mendes Foundation - US}}</ref> No entanto, a lista mistura vistos passados por Aristides no cumprimento estrito dos seus deveres de cônsul (muitos passados a portugueses, outros a viajantes, outros a ingleses, norte-americanos, etc. de regresso aos seus países), com os vistos passados em desobediência, tornando a consulta demasiado morosa. A fundação chama a atenção para um ponto relevante, não poucas vezes um visto era passado a mais do que uma pessoa, como é o caso de adultos que viajavam com crianças, pelo que o número real de pessoas é superior ao de vistos.}}


No entanto, dizer que todos aqueles que receberam vistos foram "salvos" parece uma dedução demasiado simplista, embora, como é óbvio, seja essa a opinião dos principais interessados. Muitos eram banqueiros, milionários, políticos que teriam tido oportunidade de escapar de uma maneira ou de outra e, a maioria, dos oito a dez milhões que naqueles dias de pânico se pôs em fuga, acabou por regressar às suas casas e sobreviver aos horrores da guerra. Algumas vozes sustentam que o episódio de Bordéus ocorreu muito antes do terrível holocausto nazi.{{sfn|Gallagher|2020|p=127}}{{nota de rodapé|De acordo com a  Associated  Press, Bordeaux foi bombardeada pela aviação nazi quatro vezes durante o dia 20 de Junho de 1940, conforme o jornal " Baltimore Sun " de  20/6/1940 (Citado no livro "France under Fire: German Invasion, Civilian Flight and Family Survival during World War II, de Nicole Dombrowski Risser, pág. 143)}}{{sfn|Milgram|2011|p=245}} Os investigadores que se têm debruçado sobre o holocausto nazi parecem na sua maioria confirmar que em 1940 a "solução" encarada pelos nazis não era o assassínio em massa em campos de concentração, existiam outros planos em cima da mesa, {{sfn|Pimentel|2013|p=513}} tais como o chamado "holocausto a tiro" desenvolvido na Polónia desde a invasão em  1939,<ref>{{citar livro|título=Poland's Holocaust: Ethnic Strife, Collaboration With Occupying Forces and Genocide in the Second Republic, 1918–1947|ultimo=Piotrowski|primeiro=Tadeusz|editora=McFarland & Company, Inc.|ano=1998|página=115|citacao=Em 22 de Agosto de 1939, discurso de Hitler aos seus comandantes militares em Obersalzberg: "O objetivo da guerra é (...) fisicamente destruir o inimigo. É por isso que preparei, para já apenas no Leste, as minhas formações SS-Totenkopfverbände ("os regimentos da caveira") com ordens para matar sem piedade nem misericórdia todos os homens, mulheres e crianças de ascendência ou língua polaca. Só assim poderemos obter o espaço vital de que necessitamos."}}</ref><ref>{{Citar web|titulo=The Holocaust by Bullets in Poland {{!}} Yahad-In Unum|url=https://www.yahadinunum.org/the-holocaust-by-bullets-in-poland/|acessodata=2019-09-18|lingua=en-US}}</ref> o estrangulamento económico<ref>{{Citar web|titulo=The Nuremberg Laws|url=https://www.archives.gov/publications/prologue/2010/winter/nuremberg.html|obra=National Archives|data=2016-08-15|acessodata=2019-09-19|lingua=en}}</ref> e a morte lenta à fome em guetos,  a deportação para [[Madagáscar]], e já em 1941  as primeiras experiências de gazeamento, com o uso de camiões em que o tubo de escape era dirigido para o interior do compartimento selado de carga, cheio de prisioneiros.<ref>{{citar livro|título=A History of the Holocaust|ultimo=Bauer|primeiro=Yehuda|editora=Franklin Watts|ano=1982|local=|páginas=193, 208-209|acessodata=}}</ref> Note-se que, por exemplo, no verão de 1942 ainda viviam na Holanda 4303 judeus de origem portuguesa que até aí, não obstante a brutal repressão nazi, não tinham sentido a necessidade de pedir a protecção do consulado português (de facto não eram cidadãos portugueses) e porque pensavam, erradamente,  que a política nazi não punha em causa a sua permanência no país.
No entanto, dizer que todos aqueles que receberam vistos foram "salvos" parece uma dedução demasiado simplista. Muitos eram banqueiros, milionários, políticos que teriam tido oportunidade de escapar de uma maneira ou de outra e, a maioria, dos oito a dez milhões que naqueles dias de pânico se pôs em fuga, acabou por regressar às suas casas e sobreviver aos horrores da guerra. Também é de salientar que o episódio de Bordéus ocorreu muito antes do terrível holocausto Nazi. Note-se que, por exemplo, no verão de 1942 ainda viviam na Holanda 4300 judeus de origem portuguesa que até aí, não obstante a brutal repressão Nazi, não tinham sentido a necessidade de abandonar as suas casas e os seus haveres.{{sfn|Milgram|2011|p=245}}
 
Os alemães tinham invadido a  Holanda em maio de 1940, e aí instalaram [[Arthur Seyss-Inquart]] como Comissário do Reich, que rapidamente começou a perseguir os cerca de 140 mil judeus holandeses. Os judeus foram forçados a sair de seus empregos e tiveram que ser registrados. Cidadãos holandeses não judeus protestaram contra essas medidas e, em fevereiro de 1941, organizaram uma greve que foi rapidamente esmagada. O destino final  de muitos desses opositores holandeses foi o campo da morte de [[Mauthausen]]. Em Julho de 1942, começou a deportação em massa dos judeus da Holanda, incluindo os de origem portuguesa; primeiro internados em campos de trânsito, no caso, [[Westerbork]] — a maioria deles acabou no campo de [[Auschwitz]] em janeiro de 1944.<ref>{{citar livro|título=Portugal, Salazar e os Judeus|ultimo=Milgram|primeiro=Avraham|editora=Gradiva|ano=2010|local=|páginas=317-318|acessodata=}}</ref><ref>{{citar livro|título=Hitler´s Shadow War — Chap.7ːExpanding the racial war, 1940 - The Nederlands|ultimo=Mckale|primeiro=Donald|editora=Taylor Trade Publishing|ano=2002|local=|páginas=|acessodata=}}</ref><ref>{{citar web|url=http://www2.humboldt.edu/rescuers/book/Strobos/Conditions.Holland.html|titulo=Jewish Situation under the German Occupation of The Netherlands|data=|acessodata=16 de Novembro de 2018|publicado=Humboldt State University|ultimo=|primeiro=}}</ref><ref>{{citar web|url=https://www.kampwesterbork.nl/en/jodenvervolging/tijdlijn-jodenvervolging/index.html#/index|titulo=Timeline of the Persecution of Jews|data=|acessodata=16 de Novembro de 2018|publicado=Herinnringscentrum Kamp Westerbork|ultimo=|primeiro=}}</ref><ref>{{citar web|url=https://web.archive.org/web/20041207064440/http://www.kampwesterbork.nl/site1.2/English/KAMP/k08.html|titulo=93 trains|data=|acessodata=16 de Novembro de 2018|publicado=Herinnringscentrum kamp Westerbork (Arquivado em WayBack Machine)|ultimo=|primeiro=}}</ref>{{sfn|Milgram|2011|p=252}}


== Outros portugueses que ajudaram refugiados  ==
== Outros portugueses que ajudaram refugiados  ==
O caso de Aristides de Sousa Mendes não foi único entre diplomatas e funcionários consulares portugueses. A passagem de vistos em desobediência à Circular 14 foi generalizada e foi praticada por diplomatas e cônsules portugueses de todos os quadrantes políticos. Tais foram, por exemplo, os casos de [[Alberto da Veiga Simões|Veiga Simões]], Embaixador em Berlim, o do Cônsul honorário em Milão, [[Giuseppe Agenore Magno]] e o do cônsul em Génova, [[Alfredo Casanova]].{{sfn|Milgram|2011|p=89}} Outros casos dignos de menção no salvamento de refugiados são os de [[Carlos Sampaio Garrido]],{{Nota de rodapé|Sampaio Garrido recebeu, a título póstumo, a medalha de "Justo entre as Nações" pela sua acção de protecção e salvamento de judeus húngaros. A distinção foi decidida em 2 de Fevereiro de 2010, pelo Yad Vashem - Autoridade Nacional para a Memória dos Mártires e Heróis do Holocausto criada em 1953 pelo Estado de Israel.
O caso de Aristides de Sousa Mendes não foi único entre diplomatas e funcionários consulares portugueses. A passagem de vistos em desobediência à Circular 14 foi generalizada e praticada por diplomatas e cônsules portugueses de todos os quadrantes políticos. Tais foram, por exemplo, os casos de [[Alberto da Veiga Simões|Veiga Simões]], embaixador em Berlim, o do cônsul honorário em Milão, Giuseppe Agenore Magno e o do cônsul em Génova, Alfredo Casanova.{{sfn|Milgram|2011|p=89}} Outros casos dignos de menção no apoio, e ou salvamento, aos refugiados são os de [[Carlos Sampaio Garrido]]{{Nota de rodapé|Sampaio Garrido recebeu, a título póstumo, a medalha de "Justo entre as Nações" pela sua acção de protecção e salvamento de judeus húngaros. A distinção foi decidida em 2 de fevereiro de 2010, pelo Yad Vashem - Autoridade Nacional para a Memória dos Mártires e Heróis do Holocausto criada em 1953 pelo Estado de Israel.<ref>http://www.yadvashem.org/yv/es/education/articles/article_mucznik6.asp</ref>}},<ref name="ID">''[http://vidaspoupadas.idiplomatico.pt Vidas Poupadas : A acção de três diplomatas portugueses na II Guerra Mundial]''</ref> [[Carlos de Liz Teixeira Branquinho|Teixeira Branquinho]],<ref name="ID" /> [[Francisco de Paula Leite Pinto|Leite Pinto]] e [[Moisés Bensabat Amzalak|Moisés Amzalak]].
{{citar web
|url= https://www.yadvashem.org/es/education/educational-materials/articles/sampaio-garrido.html
|título= Sampaio Garrido, o outro “Justo” Português
|último = Mucznik
|primeiro = Esther
|data=
|website=
|publicado=
|acessodata=
|citação= }}}} [[Carlos de Liz Teixeira Branquinho]],{{sfn|Pimentel|2006|pp=343-350}} Professor [[Francisco de Paula Leite Pinto|Leite Pinto]], [[Moisés Bensabat Amzalak|Moisés Amzalak]]{{Nota de rodapé|As boas relações do Professor Amzalak com o Regime do [[Estado Novo (Portugal)|Estado Novo]] e a sua amizade com Salazar foram instrumentais na tolerância que Lisboa teve com o acolhimento dos refugiados judeus das perseguições nazis e a instalação em [[Portugal]] de ramificações das agências de apoio a esses mesmos refugiados.<ref>{{citar livro|último = Goldstein|primeiro =Israel |ano=1984 |título=My World as a Jew: The Memoirs of Israel Goldstein|url= https://en.wikipedia.org/w/index.php?title=Mois%C3%A9s_Bensabat_Amzalak&action=edit&section=2|local= |publicado= Associated University Presses |páginas=413 |isbn=9780845347805 |acessodata= |ref = harv}}</ref> Entre muitas outras operações, merece destaque a operação extremamente valiosa, activamente humanitária e de repercussão política -, de negociações, acolhimento e recepção dos milhares de fugitivos da segunda guerra mundial em colaboração com o Professor [[Francisco de Paula Leite Pinto|Leite Pinto]], Administrador-delegado da Companhia de Caminhos de Ferro da Beira Alta.<ref>Testemunho de Professor Baltasar Rebelo de Sousa em OLIVEIRA, Jaime da Costa. «Fotobiografia de Francisco de Paula Leite Pinto». In .No centenário do nascimento de Francisco de Paula Leite Pinto, Memória 2, Lisboa, Sociedade de Geografia de Lisboa, 2003</ref> Nessa altura foram organizados dezenas de comboios, "Os comboios do Volfrâmio" cheios de refugiados com origem em Berlim e outras cidades da Europa trazendo refugiados para Portugal.  A linha de caminho de ferro da Beira-Alta foi, segundo Leite Pinto, a “Estrada do Céu” para milhares de entes que, desolados haviam atravessado uma Espanha também ela desolada.<ref>«Salazar visto pelos seus próximos», Testemunho de Francisco de Paula Leite Pinto, Organização de Jaime Nogueira Pinto.ISBN 972-25-0567-X, 1993 Bertrand Editora S.A.</ref><ref>Entervista Semanário Sol, Professor Herman Saraiva, [http://sol.sapo.pt/inicio/Sociedade/Interior.aspx?content_id=54865]</ref>}} e [[Pedro Teotónio Pereira]].{{Nota de rodapé|Testemunho do Embaixador dos EUA em Espanha, Carlton Hayes, que enaltece o papel de Teotónio Pereira e Salazar, em 1943, no salvamento de cerca de 16,000 refugiados, a maioria militares ou em idade militar, que atravessaram os Pirenéus a pé, com o intuito de se juntarem às forças aliadas no Norte de África.<ref>Hayes, p. 119</ref>}}


== Pessoas notáveis que usufruíram de vistos passados por Aristides de Sousa Mendes ==
== Pessoas notáveis que usufruíram de vistos passados por Aristides de Sousa Mendes ==
Entre aqueles que obtiveram um visto do cônsul português contam-se:
Entre aqueles que obtiveram um visto do cônsul português contam-se [[Otto de Habsburgo]], filho de [[Carlos I da Áustria|Carlos I]], o último imperador da [[Áustria-Hungria]]; o príncipe Otto era detestado por [[Adolf Hitler]], que o condenara inclusive à morte. Escapou com a sua família desde o exílio belga e dirigiu-se aos Estados Unidos onde participou numa campanha para alertar a opinião pública. Vários ministros do governo belga no exílio beneficiaram também dos vistos de Sousa Mendes, assim como o pianista [[Norbert Gingold]]; o pintor [[Salvador Dalí]] e sua mulher [[Gala Éluard Dalí]]; [[Charles Oulmont]], escritor francês e professor na [[Universidade de Sorbonne]]; o actor americano [[Robert Montgomery]]; [[Sylvain Bromberger]], Professor Emérito de Filosofia; [[Hans Augusto Rey]] e [[Margret Rey]].
* [[Otto de Habsburgo]], filho de [[Carlos I da Áustria|Carlos I]], o último imperador da [[Áustria-Hungria]]; o príncipe Otto era detestado por [[Adolf Hitler]], que o condenara inclusive à morte. Escapou com a sua família desde o exílio belga e dirigiu-se aos Estados Unidos onde participou numa campanha para alertar a opinião pública;
* Vários ministros do governo belga no exílio beneficiaram também dos vistos de Sousa Mendes, assim como o pianista Norbert Gingold;
* Grã-duquesa do Luxembugo, [[Carlota de Luxemburgo]], a família grã-duqual e os ministros do governo;
* O pintor [[Salvador Dali]] e sua mulher [[Gala Éluard Dalí]];
* Charles Oulmont, escritor francês e professor na [[Universidade de Sorbonne]];
* O actor americano [[Robert Montgomery]];
* Sylvain Bromberger, Professor Emérito de Filosofia;
* Hans Augusto Rey e Margret Rey;
*Marcel Dalio (nome real Israël Moshe Blauschild) e Madeleine LeBeau, actores do filme "Casablanca".<ref>{{Citar web|titulo=Play it again, Aristides|url=https://expresso.pt/actualidade/play-it-again-aristides=f600026|lingua=pt-PT}}</ref>


Note-se no entanto que muitos destes vistos foram concedidos pelo consulado de Bordéus no exercício regular das funções que lhe estavam acometidas, não tendo como tal nada de extraordinário, ou pelo menos, não havendo qualquer mérito pessoal de Sousa Mendes. Casos como o de Otto de Habsburgo, embora o visto tenha sido concedido no período frenético, certo é que o visto nunca lhe seria recusado. Já com Otto em Portugal, o governo alemão pressionou Salazar para que este fosse extraditado, mas Salazar sempre se recusou a fazê-lo.{{sfn|Afonso|1995|p=224}}
Note-se no entanto que muitos destes vistos foram concedidos pelo consulado de Bordéus no exercício regular das funções que lhe estavam acometidas, não tendo como tal nada de extraordinário, ou pelo menos, não havendo qualquer mérito pessoal de Sousa Mendes. Casos como o de Otto de Habsburgo, embora o visto tenha sido concedido no período frenético, certo é que o visto nunca lhe seria recusado. Já com Otto em Portugal, o governo alemão pressionou Salazar para que este fosse extraditado, mas Salazar sempre se recusou a fazê-lo.{{sfn|Afonso|1995|p=224}}{{verificar fontes}}


== Ver também ==
== Ver também ==
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* [[Portugal na Segunda Guerra Mundial]]
* [[Portugal na Segunda Guerra Mundial]]
* [[Prémio Aristides de Sousa Mendes]]
* [[Prémio Aristides de Sousa Mendes]]
* [[Êxodo de 1940 em França]]


{{Notas}}
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==Bibliografia==
==Bibliografia==
===Fontes Primárias===
===Fontes Primárias===
*{{citar web|url=http://vidaspoupadas.idiplomatico.pt/|título=Vidas Poupadas - A acção de três diplomatas portugueses na II Guerra Mundial|acessodata=14 de Abril de 2014|autor=Instituto Diplomático Português, |publicado=Governo da República Portuguesa}}
*{{citar web|url=http://vidaspoupadas.idiplomatico.pt/|título=Vidas Poupadas - A acção de três diplomatas portugueses na II Guerra Mundial|acessodata=14 de abril de 2014|autor=Instituto Diplomático Português, |publicado=Governo da República Portuguesa}}
*{{citar web|url=http://mvasm.sapo.pt//|título=Museu Virtual Aristides de Sousa Mendes|acessodata=14 de Abril de 2014|autor= MVASM, }}
*{{citar web|url=http://mvasm.sapo.pt//|título=Museu Virtual Aristides de Sousa Mendes|acessodata=14 de abril de 2014|autor= MVASM, |publicado=}}
*{{citar web|url=http://purl.sgmf.pt/326970/1/326970_item1/index.html|título=Abranches, Aristides de Sousa Mendes do Amaral e - Processo Individual - Cadastro do pessoal do Ministério dos Negócios Estrangeiros|acessodata=14 de Abril de 2014|autor= Arquivo Digital do Ministério das Finanças, }}
*{{citar web|url=http://purl.sgmf.pt/326970/1/326970_item1/index.html|título=Abranches, Aristides de Sousa Mendes do Amaral e - Processo Individual - Cadastro do pessoal do Ministério dos Negócios Estrangeiros|acessodata=14 de abril de 2014|autor= Arquivo Digital do Ministério das Finanças, |publicado=}}
*{{citar web|url= http://www.raoulwallenberg.net/wp-content/files_mf/1349882040ebooksparedlifes.pdf
*{{citar web|url= http://www.raoulwallenberg.net/wp-content/files_mf/1349882040ebooksparedlifes.pdf|título= ''Spared Lives: The Actions of Three Portuguese Diplomats in World War Documentary Exhibition, Catalogue|último1 = |primeiro1 = |último2 = |primeiro2 = |data= |website= Raoul Wallenberg Foundation/|publicado=|acessodata=15 de abril de 2014}}
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===Fontes Secundárias Académicas ===
===Fontes Secundárias Académicas ===
*{{Citar periódico |ultimo=Leite |primeiro=Joaquim da Costa  |ano=1998 |titulo=Neutrality by Agreement: Portugal and the British Alliance in World War II |jornal=American University International Law Review |volume=14 |paginas= 185–199|url=http://digitalcommons.wcl.american.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1305&context=auilr |acessadoem=14 de abril de 2014|ref = harv}}
*{{Citar livro|url= |ultimo=Gallagher |primeiro=Tom|título= Salazar, O Ditador que se Recusa a Morrer|idioma= |edição=1 |local=Lisboa |editora=Dom Quixote|ano= 2021 |página= |páginas= |isbn=9789722071772 |acessodata= |ref = harv}}
*{{Citar livro|ultimo=Lochery |primeiro=Neill|título= Lisboa A guerra nas sombras da Cidade da Luz, 1939-1945|edição=1 |local=Lisboa |editora=Editorial Presença|ano= 2012 |páginas=328 |isbn=9789722348294  |acessodata= |ref = harv}}
*{{Citar periódico |ultimo=Leite |primeiro=Joaquim da Costa  |autorlink= |ano=1998 |mes= |titulo=Neutrality by Agreement: Portugal and the British Alliance in World War II |jornal=American University International Law Review |volume=14 |numero= |paginas= 185–199|id= |url=http://digitalcommons.wcl.american.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1305&context=auilr |acessadoem=14 de abril de 2014|ref = harv}}
*{{Citar livro|ultimo=Gallagher |primeiro=Tom|autorlink= Thomas Gerard Gallagher|título= Salazar, The Dictator Who Refused to Die|edição=1 |local= |editora=: C Hurst & Co Publishers Ltd;|ano= 2020 |páginas=260 |isbn=9781787383883  |acessodata= |ref = harv}}
*{{Citar livro|url= |ultimo=Lochery |primeiro=Neill|título= Lisboa A guerra nas sombras da Cidade da Luz, 1939-1945|idioma= |edição=1 |local=Lisboa |editora=Editorial Presença|ano= 2012 |página= |páginas=328 |isbn=9789722348294  |acessodata= |ref = harv}}
*{{Citar periódico |ultimo=Madeira |primeiro=Lina Alves|ano=2007 |titulo=Nacionalismo e "Americanismo" numa contenda jornalística Aristides de Sousa Mendes e a comunidade portuguesa de S. Francisco |jornal=Estudos do Século XX, Universidade de Coimbra|volume=7 |paginas=189–203 |url=https://digitalis.uc.pt/pt-pt/artigo/nacionalismo_e_antiamericanismo_numa_contenda_jornal%C3%ADstica_aristides_de_sousa_mendes_e |ref = harv}}
*{{Citar periódico |ultimo=Madeira |primeiro=Lina Alves|autorlink= |ano=2007 |mes= |titulo=''Nacionalismo e "Americanismo" numa contenda jornalística Aristides de Sousa Mendes e a comunidade portuguesa de S. Francisco |jornal=Estudos do Século XX, Universidade de Coimbra|volume=7 |numero= |paginas=189–203|id= |url= |acessadoem=|ref = harv}}
*{{Citar livro|ultimo= Meneses|primeiro=Filipe Ribeiro|título= Salazar , Biografia Política |edição=1 |local=Portugal |editora=Dom Quixote|ano= 2010 |páginas=324 |isbn=9789722040051  |acessodata= |ref = harv}}
*{{Citar livro|url= |ultimo= Meneses|primeiro=Filipe Ribeiro|título= Salazar , Biografia Política |idioma= |edição=1 |local=Portugal |editora=Dom Quixote|ano= 2010 |página= |páginas=324 |isbn=9789722040051  |acessodata= |ref = harv}}
*{{citar web|url=http://www.yadvashem.org/odot_pdf/Microsoft%20Word%20-%203230.pdf|título=Portugal, the Consuls, and the Jewish Refugees, 1938-1941|acessodata=14 de Abril de 2014|ultimo=Milgram|primeiro=Avraham |publicado=Shoah Resource Center, The International School for Holocaust Studies|língua= en|ano=1999|ref=harv}}
*{{citar web|url=http://www.yadvashem.org/odot_pdf/Microsoft%20Word%20-%203230.pdf|título=Portugal, the Consuls, and the Jewish Refugees, 1938-1941|acessodata=14 de abril de 2014|ultimo=Milgram|primeiro=Avraham |publicado=Shoah Resource Center, The International School for Holocaust Studies|idioma= en|ano=1999|ref=harv}}
*{{Citar livro|ultimo= Milgram|primeiro=Avraham|título= Portugal, Salazar, and the Jews|língua= en|edição=1 |local=Israel |editora=Yad Vashem Publications|ano= 2011 |páginas=324 |isbn=9653083872  |acessodata= |ref = harv}}
*{{Citar livro|url= |ultimo= Milgram|primeiro=Avraham|título= Portugal, Salazar, and the Jews|idioma= Ingles|edição=1 |local=Israel |editora=Yad Vashem Publications|ano= 2011 |página= |páginas=324 |isbn=9653083872  |acessodata= |ref = harv}}
*{{Citar livro|ultimo=Pimentel|primeiro=Irene Flunser|título= Judeus em Portugal Durante a II Guerra Mundial|edição=1 |local=Portugal |editora=Esfera dos Livros|ano= 2006 |páginas=432 |isbn=9896260133  |acessodata= |ref = harv}}
*{{Citar livro|url= |ultimo=Pimentel|primeiro=Irene Flunser|título= Judeus em Portugal Durante a II Guerra Mundial|idioma=|edição=1 |local=Portugal |editora=Esfera dos Livros|ano= 2006 |página= |páginas=432 |isbn=9896260133  |acessodata= |ref = harv}}
*{{Citar livro|ultimo=Pimentel|primeiro=Irene Flunser |coautor=Ninhos,Cláudia |título= Salazar, Portugal e o Holocausto|edição=1 |local=Portugal |editora=Temas e Debates|ano= 2013 |páginas=908 |isbn=9789896442217  |acessodata= |ref = harv}}
*{{Citar livro|url= |ultimo=Pimentel|primeiro=Irene Flunser |coautor=Ninhos,Cláudia |título= Salazar, Portugal e o Holocausto|idioma=|edição=1 |local=Portugal |editora=Temas e Debates|ano= 2013 |página= |páginas=908 |isbn=9789896442217  |acessodata= |ref = harv}}
*{{Citar periódico |ultimo=Wheeler|primeiro=Douglas|ano=1989 |titulo=And Who Is My Neighbor? A World War II Hero of Conscience for Portugal|língua= Inglês|jornal=Luso-Brazilian Review, University of Wisconsin Press |volume= 26 |paginas=119–139 |url=http://www.jstor.org/discover/10.2307/3513337?uid=3737952&uid=2&uid=4&sid=21103702383397 |acessadoem=14 de abril de 2014|ref = harv}}
*{{Citar periódico |ultimo=Wheeler|primeiro=Douglas|autorlink= |ano=1989 |mes= |titulo=And Who Is My Neighbor? A World War II Hero of Conscience for Portugal|idioma= Inglês|jornal=Luso-Brazilian Review, University of Wisconsin Press |volume= 26 |numero= |paginas=119–139 |id= |url=http://www.jstor.org/discover/10.2307/3513337?uid=3737952&uid=2&uid=4&sid=21103702383397 |acessadoem=14 de abril de 2014|ref = harv}}
*Milgram, Avraham (2010) ''Portugal, Salazar e os Judeus'' (em língua portuguesa) -Gradiva.


===Fontes Secundárias, Outras ===
===Fontes Secundárias, Outras ===
*{{Citar livro|ultimo=Afonso|primeiro=Rui|título=Um homem bom: Aristides de Sousa Mendes |subtítulo= o "Wallenberg portugues" |editora= Caminho|ano=1995 |isbn=9722110047 |acessodata= |ref = harv}}
*{{Citar livro|url=|ultimo=Afonso|primeiro=Rui|título=Um homem bom: Aristides de Sousa Mendes |subtítulo= o "Wallenberg portugues" |idioma= |edição= |local= |editora= Caminho|ano=1995 |página= |páginas= |isbn=9722110047 |acessodata= |ref = harv}}
*Diamond, Hanna - ''Fleeing Hitler: France 1940'' - Oxford University Press, 2007
*{{Citar livro|url= |ultimo=Fralon|primeiro=Jose-Alain|coautor=Saul Barata (tradutor) |título=Aristides de Sousa Mendes - Um herói Português|edição=2ª |local= |editora= Presença|ano=2007 |página= |páginas= |isbn= |acessodata= |ref = harv}}
*{{Citar livro|ultimo=Fralon|primeiro=Jose-Alain|coautor= Saul Barata (tradutor) |título=Aristides de Sousa Mendes - Um herói Português|edição=2ª |editora= Presença|ano=2007 |acessodata= |ref = harv}}
*{{Citar livro|url= |ultimo=Fralon|primeiro=Jose-Alain|coautor=Peter Graham (translator) |título=A Good Man in Evil Times: Aristides de Sousa Mendes - The Unknown Hero Who Saved Countless Lives in WWII  |idioma= Inglês |edição= |local= |editora= Viking|ano=2000 |página= |páginas= |isbn=0670888036 |acessodata= |ref = harv}}
* {{citar livro|último = Hayes|primeiro =Carlton J.H. |data=1945 |título=Wartime mission in Spain, 1942-1945 |língua=Inglês| |publicado= Macmillan Company 1st Edition |páginas=313 |isbn= 9781121497245|acessodata= }}
*{{Citar livro|url=|ultimo=[[José Hermano Saraiva|Saraiva]]|primeiro=José Hermano|título=Album de Memórias |idioma= |edição= |local= |editora= Jornal Sol |ano=2007 |página= |páginas= |isbn= |acessodata= |ref = harv}}
* {{citar livro|último = Hoare|primeiro =Samuel |data=1946 |título=Ambassador on Special Mission|língua=Inglês|local= UK|publicado= Collins; First Edition edition |páginas=320 |acessodata= }}
*{{Citar livro|url=|ultimo=Themido|primeiro=J. Hall|título=Uma Autobiografia Disfarçada |subtítulo= A mitificação de Aristides de Sousa Mendes |idioma= |edição= |local= |editora= Instituto Diplomático - MNE |ano=2008 |página= |páginas= |isbn=9789898140012 |acessodata= |ref = harv}}
*{{Citar livro|ultimo=Fralon|primeiro=Jose-Alain|coautor= Peter Graham (translator) |título=A Good Man in Evil Times: Aristides de Sousa Mendes - The Unknown Hero Who Saved Countless Lives in WWII  |língua= Inglês |editora= Viking|ano=2000 |isbn=0670888036 |acessodata= |ref = harv}}
*{{Citar livro|ultimo=[[José Hermano Saraiva|Saraiva]]|primeiro=José Hermano|título=Album de Memórias |editora= Jornal Sol |ano=2007 |acessodata= |ref = harv}}
*{{Citar livro|ultimo=Themido|primeiro=J. Hall|título=Uma Autobiografia Disfarçada |subtítulo= A mitificação de Aristides de Sousa Mendes |editora= Instituto Diplomático - MNE |ano=2008 |isbn=9789898140012 |acessodata= |ref = harv}}
*Pilecki,  Witold - ''The Auschwitz Volunteer: Beyond Bravery'' - Aquila Polonica, 2012
*Weber, Ronald (2011) - ''The Lisbon Route: Entry and Escape in Nazi Europe'' - Ivan R. Dee


== Ligações externas ==
== Ligações externas ==
{{commonscat|Aristides de Sousa Mendes}}
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* {{Link|pt|2=https://fundacaoaristidesdesousamendes.pt/ |3=Fundação Aristides de Sousa Mendes}}
* {{Link|pt|2=http://www.fundacaoaristidesdesousamendes.com/ |3=Fundação Aristides de Sousa Mendes}}
* {{Link|pt,fr|2=https://www.aristidesdesousamendes.com/zindex.htm |3=AristidesDeSousaMendes.com}}
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* {{Link|en|2=http://sousamendesfoundation.org/‎ |3=Sousa Mendes Foundation}}
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* {{Link|fr|2=http://www.sousamendes.org/‎ |3=Comité national français en hommage à Aristides de Sousa Mendes}}
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* {{Link|pt|2=http://mvasm.sapo.pt |3=Museu Virtual Aristides Sousa Mendes}}
* {{Link|pt|2=http://mvasm.sapo.pt |3=Museu Virtual Aristides Sousa Mendes}}
*[https://www.centerofportugal.com/pt/entity/vilar-formoso-fronteira-da-paz-memorial-aos-refugiados-e-ao-consul-aristides-de-sousa-mendes/ Museu Vilar Formoso - Fronteira da Paz]
* {{Link|en|2=http://www.yadvashem.org/yv/en/righteous/stories/mendes.asp/‎ |3=Yad Vashem - The Righteous Among The Nations}}
*{{Link|en|2=http://www.yadvashem.org/yv/en/exhibitions/righteous/mendes.asp |3=Yad Vashem - The Righteous Among The Nations}}
* {{Link|pt|2=http://pt.worldwar-two.net/biografias/77/ |3=Segunda Grande Guerra - Aristides de Sousa Mendes}}
* {{Link|pt|2=http://pt.worldwar-two.net/biografias/77/ |3=Segunda Grande Guerra - Aristides de Sousa Mendes}}
* {{Link||2=http://amigosdesousamendes.blogspot.com/ |3=Amigos de Aristides e Angelina de Sousa Mendes (blog)}}
* {{Link||2=http://amigosdesousamendes.blogspot.com/ |3=Amigos de Aristides e Angelina de Sousa Mendes (blog)}}
* {{Link|pt|2=http://abandonados.net/a-mansao-abandonada-de-aristides-de-sousa-mendes/ |3=Fotografias da mansão de Aristides de Sousa Mendes}}
* {{Link|pt|2=http://abandonados.net/a-mansao-abandonada-de-aristides-de-sousa-mendes/ |3=Fotografias da mansão de Aristides de Sousa Mendes}}
* [https://web.archive.org/web/20070614001005/http://www.soroptimist-israel.org/international/asm_testimonial.htm Aristides de Sousa Mendes - Testemunho de Mariana Abrantes de Sousa] {{en}}
*[http://www.soroptimist-israel.org/international/asm_testimonial.htm Aristides de Sousa Mendes - Testemunho de Mariana Abrantes de Sousa] {{en}}
* [https://www.rtp.pt/play/p4530/e346482/visita-guiada "Visita Guiada - Vilar Formoso Fronteira da Paz - Memorial aos Refugiados e ao Cônsul Aristides de Sousa Mendes", episódio 8, 14 de maio de 2018, temporada 8, programa de Paula Moura Pinheiro, na RTP]


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[[Categoria:Naturais de Carregal do Sal]]
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[[Categoria:Alumni da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra]]
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[[Categoria:Diplomatas de Portugal]]
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[[Categoria:Apoiantes da Monarquia do Norte]]
[[Categoria:Justos entre as nações]]
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[[Categoria:Grã-Cruzes da Ordem da Liberdade]]
[[Categoria:Grã-Cruzes da Ordem da Liberdade]]

Edição atual tal como às 21h18min de 21 de junho de 2022

Aristides de Sousa Mendes
Salvar as vidas de mais de 30 000 refugiados que buscam escapar do terror nazi durante a Segunda Guerra Mundial.
Nascimento 19 de julho de 1885[[Categoria:Predefinição:Categorizar-ano-século-milénio/1]]
Cabanas de Viriato, Carregal do Sal, Portugal
Morte 3 de abril de 1954 (68 anos)[[Categoria:Predefinição:Categorizar-ano-século-milénio/1]]
Lisboa, Portugal
Nacionalidade Predefinição:PRTn
Cônjuge Maria Angelina Ribeiro de Abranches Coelho de Sousa Mendes, Andrée Cibial
Ocupação Diplomata

Aristides de Sousa Mendes GCCOLGCL, também conhecido por Aristides de Sousa Mendes do Amaral e Abranches, nome para o qual alterou o seu,[1] (Cabanas de Viriato, 19 de julho de 1885Lisboa, 3 de abril de 1954) foi um cônsul Português.

Enquanto Cônsul de Portugal em Bordéus no ano da invasão da França pela Alemanha Nazi na Segunda Guerra Mundial, desafiou ordens expressas do ditador António de Oliveira Salazar que acumulava a função de ministro dos Negócios Estrangeiros, e durante três dias e três noites concedeu milhares de vistos de entrada em Portugal a refugiados de várias nacionalidades que desejavam fugir da França em 1940.

O número total de vistos passados por Sousa Mendes é desconhecido, devido a muitos deles terem sido passados sem que deles se fizesse registo.[2] Algumas fontes apontam o número de judeus salvos do holocausto por Sousa Mendes na ordem dos dez mil,[3] num total de trinta mil refugiados a quem terá passado vistos durante a Segunda Guerra Mundial. De acordo com o historiador Avraham Milgram, da Yad Vashem, que atribui a origem dos números ao autor Harry Ezratty (1964), é apontado um número bastante inferior.[2]Predefinição:Quanto Segundo o mesmo, que reconhece o heroísmo do feito de Sousa Mendes, este equívocoPredefinição:Opinião em linha terá contribuído para que vários jornalistas e autores tenham vindo a exagerar a figura e os feitos de Sousa Mendes, comparando-o com outras personalidades como a de Raoul Wallenberg.Predefinição:Nota de rodapé[2]

Em 3 de julho de 2020, a Assembleia da República concedeu-lhe Honras de Panteão Nacional, tendo em vista «homenagear e perpetuar a memória de Aristides de Sousa Mendes, enquanto homem que desafiou a ideologia fascista, evocando o seu exemplo na defesa dos valores da liberdade e dignidade da pessoa humana.»[4] A cerimónia teve lugar em 19 de outubro de 2021,[5] tendo nela participado as mais altas entidades portuguesas, designadamente o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República e o Primeiro-Ministro.[6]

Biografia

Primeiros anos

Aristides nasceu na pequena aldeia de Cabanas de Viriato, concelho do Carregal do Sal, no sul do Distrito de Viseu a 19 de Julho de 1885 um pouco depois da meia-noite[7]. O seu irmão gémeo César nasceu algumas dezenas de minutos antes, comemorando o seu aniversário no dia anterior. Pertencia a uma família aristocrática rural, católica e monárquica, qualidades que partilhava, apoiando inclusivamente a contra-revolução conhecida como "Monarquia do Norte".[8] O seu pai, José de Sousa Mendes, era juiz no Tribunal da Relação de Coimbra.[9]

Aristides instala-se em Lisboa em 1907, após concluir, juntamente com o seu irmão gémeo, a licenciatura em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.[10] César envereda pela carreira diplomática, mais política, ao passo que Aristides envereda pela carreira consular. Nesse mesmo ano casa-se com Maria Angelina Coelho de Sousa, sua namorada de infânciaPredefinição:Nota de rodapé, com quem teve catorze filhos, nascidos nos diversos países em que Sousa Mendes esteve colocado. Pouco depois do seu casamento, Sousa Mendes começou a carreira consular que o levaria e à sua família ao redor do mundo. No início de sua carreira atuou em Zanzibar, Brasil, Espanha, Estados Unidos e Bélgica. Aristides teve sempre uma carreira algo atribulada e com vários incidentes, sobretudo por abandono de posto sem autorização e por utilização abusiva de dinheiros públicos.[11][12] Ao longo de 30 anos Aristides teve conflitos e incidentes com os mais diversos regimes políticos. O primeiro incidente deu-se em 1917 quando Aristides foi admoestado por ter abandonado o seu posto em Zanzibar sem para tal ter solicitado a devida autorização. Em 1919, quando colocado no Brasil, Aristides sofre uma suspensão, por dois anos, por comportamento anti-republicano.[13]

Em 1923 quando colocado em São Francisco, nos EUA, Aristides entra em choque com a comunidade local portuguesa por estar a exigir, indevidamente, aos emigrantes portugueses, uma contribuição para um fundo de caridade da Colónia Portuguesa do Brasil para os órfãos de guerra.[14] Perante a recusa, como represália, Aristides proíbe os notários portugueses de trabalharem para o consulado e os notários acusam-no de os estar a afastar para poder assim receber ele "ou algum afilhado… a mais gorda fatia da receita", e apelidam-no de "Lord de Ópera-bufa". Aristides decidiu então dar réplica pública aos queixosos e, pouco diplomaticamente, recorre aos jornais Americanos para esgrimir os seus argumentos, atacando em particular os directores da Irmandade do Divino Espírito Santo. O MNE ordenou-lhe que suspendesse todas as publicações nos jornais, ordem que Aristides ignorou, continuando a sua contenda pública.[15] O conflito atingiu tais proporções que o governo americano desagradado lhe cancelou a exequatur, impedindo-o assim de continuar a exercer as funções de cônsul em território Norte-Americano.[16] Aristides foi então enviado para o Consulado do Maranhão no Brasil.[17] Em 1926 Aristides regressa a Lisboa para prestar serviço na Direcção-Geral dos Negócios Comerciais e Consulares.

Após a revolução militar do 28 de Maio de 1926, Aristides, que era monárquico e nacionalista[18] apoia abertamente o regime ditatorial desde o seu início e a sua carreira começa então a melhorar significativamente.[19] Em 1927 é nomeado cônsul em Vigo onde colabora com o Estado Novo na aniquilação das manobras dos refugiados políticos. É o próprio Aristides quem o escreve, em carta enviada ao MNE, datada de 1929 considerando-se a pessoa apropriada "para vigiar e inutilizar os manejos conspiratórios dos emigrados políticos contra a ditadura" e vangloria-se de que "no manejo dessa melindrosa missão", fez "inúmeras diligências junto das autoridades espanholas fornecendo ao nosso governo informações que permitiram liquidar os ditos manejos revolucionários".[20]

Em 1929 foi nomeado Cônsul-geral em Antuérpia, cargo que ocupou até 1938. Seu empenho na promoção da imagem de Portugal não passou despercebido. Foi condecorado por duas vezes por Leopoldo III, rei da Bélgica, tendo-o feito oficial da Ordem de Leopoldo II em 6 de Janeiro de 1931[21] e comendador da Ordem da Coroa, a mais alta condecoração belga. Durante o período em que viveu na Bélgica, conviveu com personalidades ilustres, como o escritor Maurice Maeterlinck, Prémio Nobel da Literatura, e o cientista Albert Einstein, Prémio Nobel da Física.

Aristides sempre viveu com dificuldades financeiras[22] e em 1932 e 1938[23] volta a ser repreendido por irregularidades nas contas do consulado. Também em 1938, Aristides é, mais uma vez, repreendido por ter abandonado o seu posto em Antuérpia sem que previamente tenha informado a legação de Londres. Outro incidente é a repreensão por declarações públicas, em nome do Estado Português, aquando da inauguração do Pavilhão Português na feira de Bruxelas em 1935.[24]

Aristides nem sempre seguia regras e protocolos. Contavam os seus próprios filhos que quando colocados em Antuérpia, Aristides tinha por hábito enviá-los, a eles, então ainda adolescentes, em sua substituição, a cerimónias e eventos oficiais, o que por vezes causava perplexidade entre os convidados.[25]

Depois de quase dez anos de serviço na Bélgica, Salazar, presidente do Conselho de Ministros e ministro dos negócios estrangeiros, nomeia Sousa Mendes cônsul em Bordéus, França.

Em 1938, em Bordéus, Andrée Cibial, uma jovem francesa de 32 anos, entra na vida de Aristides, contava então ele com 53 anos; era católico devoto, pai de uma prole, numerosa, 14 filhos, dos quais 12 vivos.[26][27] Jose-Alain Fralon, jornalista do Le Monde conta-nos na sua biografia de Aristides que Andrée Cibial era uma mulher com um gosto especial por transgredir regras, com uma maneira de ser jovial completamente oposta à de Angelina, a esposa leal e devota de Aristides.[27] Não tardou muito a que Andrée aparecesse grávida de Aristides e ela não procurou ocultar o facto, pelo contrário, deu-o a conhecer a toda a gente e à sua maneira peculiar, a meio da missa dominical na Catedral de Ribérac. A tia que a acompanhava ficou horrorizada.[26]

A Segunda Guerra e a "Circular 14"

Ao longo dos anos 30 e com o aproximar da guerra, Portugal começa a ser um destino de refugiados e a PVDE detecta e desmantela várias redes de falsificação de passaportes portugueses que são vendidos sobretudo a judeus e apátridas.[28] O pano de fundo político‐ideológico do Estado Novo fazia do comunismo a grande ameaça à salvaguarda da ordem e equilíbrio pretendidos pelo regime, daí que, logo em 1933, a PVDE tenha alertado o MNE para a necessidade de uma estratégia mais rigorosa para a concessão de vistos a estrangeiros, com especial atenção à possibilidade de entrada em território nacional de indivíduos considerados subversivos.Predefinição:Nota de rodapé Com ou sem fundamento, quem encarnava quase sempre essa "fobia anticomunista", eram os polacos, os russos, os apátridas e os judeus.Predefinição:Nota de rodapé

Em 1937 Salazar publicou vários textos onde criticou os fundamentos das leis de Nuremberga e considerou lamentável que o nacionalismo alemão estivesse vincado por características raciais.[29] E em 1938, o Cardeal-Patriarca de Lisboa, Manuel Gonçalves Cerejeira criticou o regime Hitleriano por se basear na ideia de raça para edificar um Estado.[30] Também em 1938, Salazar sai em defesa dos judeus portugueses, dando instruções à embaixada na Alemanha, para que os interesses dos judeus portugueses sejam defendidos com diplomacia mas com muita firmeza[31]Predefinição:Nota de rodapé.

O historiador da Yad Vashem Avraham Milgram afirma peremptoriamente que o anti-semitismo moderno não teve qualquer acolhimento em PortugalPredefinição:Nota de rodapé e faz notar que Salazar autorizou que, durante a guerra, se estabelecessem em Lisboa as várias organizações judaicas de apoio aos refugiados judeus. Milgram também escreve que quando comparando a atitude dos funcionários consulares de países como Brasil, Argentina e Estados Unidos, com a atitude dos funcionários consulares portugueses se nota nos portugueses uma quase ausência de preconceitos anti-semitas, o que se pode considerar quase sui generis entre os serviços consulares de então.[32]

Com a anexação da Áustria em 1938 a situação de milhares de Judeus sofre uma mudança significativa. Os países vizinhos não tardaram a tomar medidas restritivas contra a emigração.Predefinição:Nota de rodapé O Presidente Roosevelt convocou a conferência de Evian com o intuito de discutir o problema dos judeus na Europa. A conferência saldou-se num logro com a maioria dos países a recusarem-se a receber os judeus alemãesPredefinição:Nota de rodapé. Portugal, não podendo, pela sua pequena dimensão, ser parte da solução, não foi sequer convidado a participar nesta conferência. César Sousa Mendes, irmão gémeo de Aristides, é Embaixador em Varsóvia quando a Polónia aprova várias leis anti-semitas e preocupado com a perspectiva de uma vaga de emigração de polacos indesejados para Portugal escreve para o MNE a solicitar que sejam tomadas medidas restritivas.[28]

No dia 1 de Setembro de 1939 a Alemanha invade a Polónia. Passados dois dias, a 3 de Setembro, a França e a Grã-Bretanha, seguidos pela Austrália, Canadá, Nova Zelândia e África do Sul, declaram guerra à Alemanha. O período que se segue ficou conhecido como a falsa guerra ("phoney war" ou "drole de guerre"). A guerra estava declarada mas nenhum dos lados tomou a iniciativa de fazer qualquer ofensiva significativa. É nesta altura que Aristides decide levar parte da família para Portugal, mais uma vez desrespeitando o procedimento de pedir autorização superior, reincidindo na desobediência de abandono de posto.[33]

Com o início da guerra, e não obstante a fiscalização e o rigor nas fronteiras ser cada vez mais apertado, o descontrolo subsiste. Às entradas clandestinas, juntar‐se‐iam a falsificação de documentos e as falsas declarações. Segundo estatísticas da PVDE, só entre Setembro e Dezembro entram em Portugal, via Lisboa e Leixões, cerca de 8889 estrangeiros.[28] Assim sendo, havia que por cobro aos procedimentos irregulares que, na época, se verificavam em muitas das embaixadas portuguesas; para tal serviu a Circular n.º 14 do MNE, distribuída a 11 de Novembro de 1939, que obrigava os serviços consulares a consultar a PVDE, e o Ministério antes de concederem vistos a apátridas, russos e judeus expulsos dos seus países. A Circular 14 afirmava explicitamente que não tinha qualquer intenção de obstruir ou atrasar a concessão de vistos a passageiros em trânsito para outros países, utilizando Lisboa, como ponto de embarque. Ou seja, os consulados ficavam autorizados a conceder com autonomia vistos para Portugal em todos aqueles casos em que o passageiro demonstrasse ter um bilhete de saída do território português bem como um visto de entrada no país de destino. O destino dos que fugiam era geralmente as Américas, mas muitos vistos eram também concedidos, como hoje o são, a turistas e pessoas em negócios.[11]

Esta Circular 14 tem sido muito criticada, sobretudo por aqueles que querem atacar o Estado Novo, contudo as regras estabelecidas por esta circular eram bem menos restritivas que a de outros países, como é o caso dos Estados Unidos[34] e Canadá, e o caso mais extremo da Grã-Bretanha que logo a seguir à declaração de guerra, cancelou por completo a concessão de vistos, com receio da entrada de inimigos infiltrados.Predefinição:Nota de rodapé Portugal tal como os outros países tentava proteger-se de entradas indiscriminadas de eventuais agitadores políticos, criminosos, apátridas, etc. e não tinha por base motivações anti-semitas. Por outro lado, como escreve Avraham Milgram, Portugal, país pobre, não tinha condições de receber hordas de refugiados.[2]

Poucos dias após a distribuição da Circular 14, e ainda muitos meses antes de se terem iniciado as hostilidades na fronteira Francesa, em Novembro de 1939, Aristides concede um visto a Arnold Wizniter,[11] um judeu, austríaco e antigo professor universitário, sem previamente pedir autorização ao MNE. Mais tarde, Aristides, reconhecendo o seu erro, justifica o acto como sendo um acto humanitário, já que caso não o fizesse Arnold Wizniter seria internado num campo de concentração. (Tratava-se de campos de internamento franceses onde as autoridades francesas internavam alemães e cidadãos do III Reich).

Pouco tempo depois, em 1 de Março de 1940, mais uma vez muito antes do início das hostilidades na fronteira francesa, Sousa Mendes concede mais um visto sem prévia autorização do MNE, o que lhe causará uma advertência pela infracção. Desta vez, tratou‐se de um refugiado político espanhol, o comunista Eduardo Neira Laporte,[11] médico que exercera o cargo de professor na Universidade de Barcelona e que, à época era o dirigente da comunidade basca espanhola em Rivière (uma aldeia perto de Dax, em França). O Ministério informou Sousa Mendes da recusa para a concessão do visto para este caso, mas Sousa Mendes ou não esperou pela resposta do MNE, ou quis ignorá-la, e concedeu o visto.

Maio de 1940 - apoia refugiados fornecendo documentos

A 10 de maio de 1940 a Alemanha lança uma ofensiva contra a França, Bélgica, Holanda e Luxemburgo. É nesta altura que milhões de pessoas começam a abandonar os seus lares e terras fugindo à invazão nazi.

A 30 de maio, um casal luxemburguês, não Judeu, Paul Miny de 21 anos e Maria Miny de 35 anos pedem ajuda a Aristides para conseguirem fugir para Portugal. Paul e Maria, sabendo que lhes seria difícil abandonar a França, pois Paul, por ser maior de 21 anos, seria mobilizado para o exército luxemburguês que estava a ser organizado no norte de França, pedem a Aristides que lhes falsifique passaportes atribuindo-lhes a nacionalidade portuguesa. Maria, era conhecida de Aristides, era portuguesa por nascimento mas tinha perdido a nacionalidade pelo casamento. Maria conseguiu que Aristides emitisse um passaporte português, falso, no qual Paul foi incluído, mas na qualidade de irmão e com a idade de 19 anos de modo a conseguir ludibriar as autoriades francesas e desertar.[11][35] Esta falsificação de passaporte era passível de pena de prisão até 2 anos e expulsão da função pública, mas no processo disciplinar que é movido a Aristides, a acusação de forma benevolente[36] decide ignorar este facto, considerando-o um caso fora do âmbito das competências do Ministério dos Negócios Estrangeiros, mas sim um caso de polícia.[11][36]

Junho de 1940 - concede vistos indiscriminadamente

Com o exército alemão a aproximar-se de Paris, gera-se o pânico na população francesa que se põe em fuga e dá-se então início ao maior movimento de deslocação de pessoas da história da Europa.[37] Estima-se que entre oito a dez milhões de pessoas, sobretudo mulheres, velhos e crianças, em pânico, se tenham posto em fuga, em direcção ao sul, mas sem um destino concreto, num movimento desordenado, chegando inclusivamente a limitar a manobra do exército francês, e chegando ao ponto de na parte final, a multidão, já ultrapassada pelo exército alemão, estar já a fugir em direcção ao inimigo.Predefinição:Nota de rodapé

Até esta altura, e desde o início da guerra, o consulado português tinha emitido cerca de 1200 vistos, quase todos autorizados pelo MNE, com excepção dos vistos passados ao comunista Neira Laporte, ao judeu austríaco Arnold Wizniter e mais alguns vistos, poucos, que Aristides na altura negou[11] mas que hoje podem ser identificados. Note-se que Bordéus não era o único consulado que emitia vistos. Durante este período todos os restantes consulados portugueses espalhados pela Europa distribuíram vistos. Tal era o caso de Antuérpia, Paris, Toulouse, Berlim, Hendaia, etc.[2]

É em princípios de Junho de 1940 que a avalanche de população em fuga se abate sobre Bordéus.Predefinição:Nota de rodapé Os números falam por si. Nos primeiros 10 dias de Junho o consulado Português de Bordéus emitiu 59 vistos regulares. No dia 10 de Junho a Itália declarou guerra à França e à Grã-Bretanha. No dia 11 de Junho o consulado emitiu 67 vistos, a 12 emitiu 47. No dia 12 de Junho a Espanha altera a sua posição de país neutral para não-beligerante colocando a neutralidade de Portugal em risco. No dia 13 de Junho o consulado emitiu apenas 6 vistos.[11] Foi provavelmente no dia 13 que Aristides, sucumbindo à pressão psicológica de ter de auxiliar uma população em pânico e também pressionado pelos escândalos provocados no consulado pela sua amante grávida,Predefinição:Nota de rodapé se retirou para o seu quarto onde esteve três dias deitado com um esgotamento nervoso.[38]

Com Sousa Mendes acamado o consulado continua a emitir vistos; no dia 14 de Junho emitiu 173 vistos, e a 15 emitiu 112. A 16 de Junho o diplomata Francisco Calheiros e Menezes chega a Bordéus e é recebido pelo Cônsul, num quarto escuro onde o cônsul se encontra acamado, exausto.[11] Nesse mesmo dia, 16 de Junho, um domingo, Sousa Mendes emitiu 40 vistos e inclusivamente diz que cobrou pessoalmente os emolumentos suplementares a que tinha direito por estar a trabalhar a um domingo. Aristides recorda em particular os vistos que concedeu ao banqueiro Rothschild, que não quis esperar por segunda-feira e se prestou a pagar os emolumentos suplementares.[11]

É no dia 17 de Junho que Aristides, dizendo-se inspirado por um poder divino,[39][40] decide conceder visto a todos os que lho pedissem: "A partir de agora, darei vistos a toda a gente, já não há nacionalidades, raça ou religião". Com a ajuda dos seus filhos e sobrinhos e do rabino Kruger, ele carimba passaportes, assina vistos, usando todas as folhas de papel disponíveis. No dia 17 emitiu 247 vistos, dos quais muitos a cidadãos portugueses.Predefinição:Nota de rodapé No dia 18 emitiu 221 vistos e no dia 19 emitiu 156 vistos.

Entre as pessoas que o estão a ajudar encontra-se o Rabino de Antuérpia, Jacob Kruger, que lhe faz compreender que há que salvar os refugiados judeus.

Confrontado com os primeiros avisos de Lisboa, ele terá dito:

Segundo alguma literatura Aristides, com a ajuda da família e do Rabino Kruger, terá montado uma "linha de montagem" para conceder milhares de vistos. Contudo, o escritor americano Eugene Bagger, deixou um testemunho algo diferente. Eugene Bagger conta que esteve, em vão, todo o dia 18 esperando numa longa fila para conseguir o seu visto e que já eram 7 horas da tarde quando desistiu. Dormiu no carro e no dia seguinte voltou ao consulado onde passou a manhã esperando, novamente em vão, tendo desistido por volta das 11 horas. Dirigiu-se então ao hotel Splendid onde encontrou Sousa Mendes tomando um aperitivo com um amigo. Sousa Mendes queixou-se-lhe do excesso de trabalho e calor da véspera. Assinou-lhe o passaporte e disse-lhe que voltasse ao consulado para que lho carimbassem. Quem ajudou Eugene Bagger foi um Polaco, que tinha sido cônsul honorário e que levou Bagger ao consulado e lhe carimbou o passaporte.[41]Predefinição:Nota de rodapé

O MNE só se dá conta deste problema, no dia 20 de Junho, quando é surpreendido por uma nota enviada pela Embaixada Britânica que se queixa de que o cônsul português está a protelar a passagem de vistos para fora do horário de expediente, para poder receber mais emolumentos e que, adicionalmente, em pelo menos um caso tinha exigido uma contribuição indevida para um fundo de caridade.[11]Predefinição:Nota de rodapé (Não era a primeira vez que Aristides era acusado de estar a exigir, indevidamente, contribuições para fundos de caridade a troco de serviços consulares, tal já havia ocorrido em 1923 quando o cônsul se encontrava em São Francisco).

O MNE ordena então à embaixada em Paris que resolva o problema em Bordéus. Nesse mesmo dia Aristides parte para o consulado de Baiona onde continua a sua actividade de 20 a 23 de junho, no escritório de um vice-cônsul estupefacto.

Em 22 de junho de 1940 a França e a Alemanha assinaram um armistício. Terminam as hostilidades e o Reino Unido é a única potência em guerra com a Alemanha. Os refugiados começam então a poder regressar a suas casas. Contagens oficiais apontam para mais de 6 milhões de refugiados, dos quais 2 milhões são parisienses e 1 milhão e 800 mil são belgas.Predefinição:Nota de rodapé

O escritor Eugene Bagger relata nas suas memórias que no dia 21 de Junho viu Sousa Mendes a sair apressadamente do Consulado de Portugal em Bayone gritando, com a cabeça entre as mãos, “Vão-se embora! Não há mais vistos!” e que saltou para dentro de um carro tendo sido perseguido por uma multidão que o amaldiçoava.[42] Apesar do armistício, Aristides continua a emitir vistos, em desespero começa a emitir vistos em papéis improvisados, mas estes vistos improvisados não serão aceites na fronteira Espanhola. O Embaixador de Portugal em Madrid, Pedro Teotónio Pereira recebe protestos das autoridades Espanholas e desloca-se à fronteira de Irun onde, segundo as suas palavras, encontra Aristides com um aspecto de grande desalinho, um homem perturbado e fora do seu estado normal". E acrescenta não ter o cônsul "a mais ligeira noção dos actos cometidos”.[43] Os actos de Sousa Mendes não podiam ter vindo em altura menos apropriada para a política de neutralidade seguida por Salazar e Teotónio Pereira. Os tanques alemães estavam a chegar aos Pirenéus e existia um risco real que a Espanha ou a Alemanha invadissem Portugal.[44][45]

Apesar de terem sido enviados funcionários para impedir Sousa Mendes de continuar a atribuição indiscriminada de vistos, este lidera, com a sua viatura, uma coluna de veículos de refugiados e guia-os em direcção à fronteira, onde, do lado espanhol, não existem telefones. Por isso mesmo, os guardas fronteiriços não tinham sido ainda avisados da decisão de Madrid de fechar as fronteiras com a França. Sousa Mendes impressiona os guardas aduaneiros, que acabariam por deixar passar todos os refugiados, que, com os seus vistos, puderam continuar viagem até Portugal.

Antes, durante e depois do episódio de Aristides em Bordéus, os consulados portugueses continuaram sempre a conceder vistos a todos aqueles que queriam utilizar Portugal como ponto de passagem, sobretudo para as Américas.

Passados dois dias de Sousa Mendes ter sido exonerado os escritórios da HICEMPredefinição:Nota de rodapé foram transferidos para Lisboa. Passados mais alguns dias a Madeira aceitou acolher cerca de 2500 refugiados gibraltinos, na sua maioria mulheres e crianças que chegaram ao Funchal entre 21 de Julho e 13 de Agosto de 1940. Foram acomodados em hotéis, pensões e casas particulares e aí permaneceram até ao fim da Guerra.[46]Predefinição:Nota de rodapé

As pessoas com vistos emitidos por Sousa Mendes foram autorizadas a entrar em Portugal, foram acolhidas, alimentadas e apoiadas. Um simples carimbo no passaporte não teria bastado para salvar um refugiado.

Numa entrevista recente, Rui Afonso, biógrafo e admirador de Aristides, conta-nos que depois de muitos anos de investigação tem chegado à conclusão que a maioria dos refugiados ajudados por Aristides eram pessoas com meios. Claro que pessoas como o rabino polaco Chaim Kruger, homem relativamente pobre, eram pessoas de meios muito mais modestos do que os milionários e aristocratas que também receberam vistos. Havia homens de negócio, industriais, muita gente que trabalhava na indústria dos diamantes na Antuérpia, atores de cinema, pianistas, pintores, intelectuais, banqueiros etc. Para ter passaporte e para viajar era preciso, na altura, ter meios financeiros.[47]

Processo disciplinar

A 4 de Julho de 1940, após retornar à casa da família em Cabanas do Viriato, Salazar ordenou uma investigação sobre as acções de Aristides de Sousa Mendes em Bordéus, dando início a um processo disciplinar formal contra o cônsul. Dois funcionários foram encarregados dessa investigação, Francisco de Paula Brito Júnior e o Conde de Tovar, ambos diplomatas de reputação pró-Eixo.[48]

A 1 de Agosto do mesmo ano, o Ministério dos Negócios Estrangeiros emitiu uma "nota de culpa" sobre Sousa Mendes, enumerando um total de quinze acusações. Agrupadas em quatro rubricas: 1 - desobediência, 2 - falsificação de documentos, 3 - Abandono do lugar e 4 - Concussão. Um relato jornalístico da época indicia que outros motivos para além das infracções ministeriais poderão ter estado na origem do processo contra Sousa Mendes, referindo a situação "humilhante" que criou para Portugal face à ocupação germânica e ao governo espanhol, implicando que a neutralidade portuguesa poderá ter sido comprometida pelas acções de Sousa Mendes em Junho desse ano. O mesmo relato refere os receios de uma invasão alemã ou espanhola a Portugal nesse Verão, receando-se que as acções do cônsul tivessem originado um desastre.[49] As acusações realçavam a atribuição de vistos a judeus de nacionalidade russa, proibida pelas regras do ministério, entre outras infracções gerais das regras, listando ainda algumas acusações pontuais sobre visas e passaportes reportadas a Novembro de 1939.[49]

A 11 de Agosto, Aristides de Sousa Mendes enviou uma carta de defesa, admitindo ter assinado os visas e passaportes em questão, mas defendendo as suas acções com base numa combinação de circunstâncias extenuantes, e necessidade humanitária. Significativamente, esta carta de defesa não incluía o argumento alegadamente usado por Sousa Mendes em Bordéus, que a Constituição Portuguesa proibia a religião ou opções políticas de um indivíduo de serem usadas para lhe negar refúgio em Portugal.[49]

O caso continuou sob a forma de conselho disciplinar até o final de Outubro, liderado por Paula Brito e o Conde de Tovar, sendo julgada a validade das quinze acusações e ponderada a sentença. O Conde Tovar, no seu parecer, reconhece a atenuante devida à "atmosfera de pânico e os actos praticados pelo arguido no final do mês de Junho e porventura para os praticados no final do mês de Maio, mas infelizmente os actos praticados neste período não são mais do que a repetição ou um prolongamento de um procedimento que já vinha de longe e para o qual não se pode invocar a mesma atenuante. Muito antes de 15 de Maio já tinha havido infração e reincidência.". A acusação chama ainda a atenção que este é o quarto processo disciplinar movido contra o arguido ao longo da sua carreira bem como refere ainda uma lista bastante longa de repreensões e censuras, sendo que o primeiro processo data de 1917.[50] Cada avaliador usou diferentes critérios na apreciação do caso, consoante a sua própria interpretação da Lei de Serviço Civil de 1913, cada um recomendando um castigo diferente. Paula Brito defendeu a sua suspensão do serviço activo com perda de salário durante um período de 30 a 180 dias somente, enquanto o Conde de Tovar defendeu uma punição com "retorno ao escalão imediatamente inferior" no serviço consular. Paula Brito submeteu-se ao julgamento final do Salazar sobre o caso, admitindo uma punição mais severa caso o Ministro a julgasse melhor servir os interesses da Justiça.[51]

Salazar não considerou a lei de 1913, preferindo guiar-se por outra de 1928, criada já durante a Ditadura. A sentença sobre o caso foi proferida a 30 de Outubro de 1940, prefaciando-a Salazar com a consideração de estar a condenar várias infracções cometidas pelo cônsul, no seguimento de um aviso, afirmando que tanto o relatório ministerial como o conselho disciplinar reconheciam a incapacidade profissional de Sousa Mendes para estar à frente de consulados, em particular num escalão tão alto. O Cônsul foi sentenciado a um ano de inactividade, com direito a metade do salário do seu escalão, Cônsul de Primeira Classe, obrigando-se este à aposentação findo este prazo. À parte um decreto datado de Março de 1942, mencionando o seu estado de inactivo no serviço, "aguardando a aposentação", esta foi a última menção oficial da parte do governo sobre este caso. Aparentemente, a lei que promulgaria a sua aposentação nunca foi publicada.[52]

Desenvolvimentos posteriores

Após a sentença de Outubro de 1940, Sousa Mendes fez repetidos apelos ao ministério para voltar ao serviço activo, tendo Salazar recusado sequer recebê-lo pessoalmente. O cônsul contratou então um jovem e brilhante advogado, Adelino Palma Carlos, líder militante da Juventude Republicana e notável académico, conhecido por aceitar defender casos impopulares. Num memorando judicial, intitulado "Alegações do Apelante" e datado de 4 de Abril de 1941, Palma Carlos indicou existirem falhas e inconsistências notórias no caso do Ministério. Apontou as duas sentenças diferentes recomendadas pelos dois membros do conselho disciplinar, assim como o facto de Salazar ter usado uma lei diferente da destes como base para a sua sentença. Palma Carlos concedeu ter havido responsabilidade por parte do seu cliente na assinatura dos controversos visas e passaportes,mas argumentou igualmente as circunstâncias extenuantes e razões humanitárias. O seu principal argumento, no entanto, foi as testemunhas que depuseram tanto a favor como contra Aristides de Sousa Mendes terem concordado que o réu não poderia ser legalmente responsabilizado pela sua conduta, devido ao estado de choque em que se encontrava o seu raciocínio, sujeito a circunstâncias excepcionais. Na sua defesa, Palma Carlos citou o manual de lei de serviço civil dum membro da classe governante, o professor Marcello Caetano, Professor de Direito na Universidade de Lisboa. Esta obra de referência apontava que, para que o réu fosse indiciado pelos seus actos, os elementos de responsabilidade legal, material e moral teriam de ser provados. No caso de Sousa Mendes, a responsabilidade moral pelos seus actos em França nunca ficou provada, devido ao seu estado mental alterado durante esses acontecimentos. Avaliada conjuntamente com a declaração de Salazar, a defesa do advogado pode ser interpretada como uma espécie de alegação de insanidade, com um enquadramento lógico e consequente face à sentença proferida por Salazar.[52]

Esta inteligente apelação judicial foi submetida ao juiz conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, sendo requerido não a atribuição de uma penalização diferente, mas a anulação do decreto do Ministério dos Negócios Estrangeiros. O documento nunca obteve qualquer resposta ou reacção por parte do tribunal.[53]

Como último recurso, a 2 de Abril de 1941 Aristides de Sousa Mendes enviou uma carta a Salazar, alegando estar na penúria, com o seu salário de cônsul de primeira classe reduzido a seiscentos escudos, com os quais tinha de sustentar a mulher e catorze filhos, referindo o impacto positivo que a presença dos refugiados em Portugal e a cordialidade e afeição com que foram tratados, haviam sido objecto de muitos elogios ao país, tanto interna como externamente. Apelou ainda ao espírito cristão de Salazar e aos seus trinta anos de serviço, e por fim pediu ao ditador que não lhe arruinasse a família. Nada disto foi capaz de demover Salazar, que só voltou a contactar formalmente a família dois dias após a morte de Aristides, a 3 de Abril de 1954, quando enviou um lacónico cartão de visita à família com uma única palavra: "Condolências".[54]

Embora alguns biógrafos de Sousa Mendes afirmem que o vencimento auferido por este após o seu afastamento da carreira consular seria o correspondente a um meio salário da sua categoria,[53][55] a sentença final do seu processo disciplinar, apenas refere essa redução de vencimento no ano de inactividade imediato,[52] no decurso do qual Aristides afirma em carta a Salazar estar com o seu salário reduzido a 600 escudos.[54] Tudo indica que, após o término desse ano de inactividade, tenha continuado a receber o vencimento completo correspondente à sua categoria de Cônsul de Primeira Classe, já que por carta enviada por Sousa Mendes à Ordem dos Advogados a 25 de Abril de 1946 se verifica que nesse ano o seu salário seria de 1593$30 escudos mensais, quantia que, nas palavras de Rui Afonso, um dos seus biógrafos, não sendo uma soma principesca, ainda assim correspondia ao triplo do salário de um escriturário ou professor.[55] Isto mesmo é igualmente confirmado pelo Embaixador Carlos Fernandes, que analisou o processo de Sousa Mendes ao tempo em que exerceu o cargo de director dos Serviços Jurídicos e de Tratados do Ministério dos Negócios Estrangeiros, em carta dirigida a Maria Barroso Soares, então presidente da Fundação Aristides de Sousa Mendes, datada de 5 de Abril de 2004 e publicada n'"O Diabo" de 3 de Abril de 2007. Carlos Fernandes afirma ainda que a situação de Sousa Mendes, aguardando aposentação sem que esta jamais tenha chegado, foi-lhe mais favorável financeiramente que se tivesse sido aposentado, acrescentando ainda que "se morreu na miséria, ou pelo menos com grandes dificuldades financeiras, isso deve-se a outros factores que não à não recepção do seu vencimento mensal em Lisboa", apontando como exemplo desses factores a sua extensa prole, legítima e ilegítima.Predefinição:Nota de rodapé[56]

Últimos anos

Mais tarde, passados alguns anos, já em 1945, só quando já era conhecido o horror do Holocausto Nazi (os contornos só vieram a ser conhecidos em 1944), Aristides decide escrever à Assembleia Nacional invocando que nos termos da constituição não poderia ter sido obrigado a discriminar judeus, transformando a sua actuação numa acção de salvamento de judeus. No mesmo requerimento Aristides explica que "Não alegou na resposta que deu no mesmo processo disciplinar estas circunstâncias, pelo motivo de, lavrando a guerra na Europa, não querer dar publicidade e relevo a uma atitude, por parte de funcionários do Estado, que sobre ser inconstitucional poderia ser interpretada como colaboração na obra de perseguição do governo de Hitler contra os judeus, o que representaria uma quebra da neutralidade adoptada pelo governo".

Em 1948 morre a sua mulher Angelina e Aristides casa-se com a sua amante de longa data, Andrée Cibial. A sua filha Marie-Rose continua a viver em França, onde é criada e educada por uns tios.

Não tardou muito a que Andrée entrasse em confronto com os filhos de Aristides e o casal decide então mudar-se a Casa do Passal, a mansão de Aristides em Cabanas do Viriato. Já instalada no Passal, Andrée cedo começa a violar a privacidade da família, a forçar fechaduras e a destruir correspondência. Para suportar uma vida de gastos Andrée também começa a vender os móveis de Aristides.[57]

O confronto com a família adensa-se e os filhos de Aristides deixam de o ir visitar. Separados do pai, os filhos, que tinham sido educados no estrangeiro e tinham poucas raízes em Portugal, acabam por emigrar. João Paulo emigra para a Califórnia juntando-se a outros irmãos que já lá estavam. Pedro Nuno emigra para o Congo Belga. Geraldo para Angola e Clotilde para Moçambique.[58]

Também os seus irmãos César e João Paulo reagem com violência à vida de gastos de Andrée e à lapidação do património familiar. Mas Aristides mantém-se intransigente na defesa de Andrée.[59]

Aristides morre só. Em 1954. Com um terço de um salário penhorado, em virtude de uma ordem do tribunal, consequência de um processo por dívidas que lhe é movido pelos seus credores. O jornalista do Le Monde, biógrafo e admirador de Aristides, explica que Aristides nunca foi bom a gerir orçamentos e que, a sua personalidade aristocrática, considerava repugnante o mero acto de ter que controlar contas.[60] Ao longo da sua vida foi o seu irmão César que lhe emprestou dinheiro para suprir os descontrolos financeiros de Aristides. Também explica Fralon, que a amante de Aristides era muito perdulária e que terá sido esta a causa de Aristides ter morrido com dificuldades financeiras.[22] O povo de Cabanas de Viriato nunca gostou de Andrée e considerou-a sempre a culpada das desgraças de Aristides.[61][62]

Aristides veio a morrer endividado e só, acompanhado apenas por uma sobrinha, no hospital particular da Ordem Terceira de São Francisco da Cidade, na época um dos melhores hospitais de Lisboa e que ainda hoje existe no Chiado em Lisboa.[63]

Homenagens

Este foi o Aristides.
Homenagem a Aristides

Em Agosto de 1940 a escritora Gisèle Quittner Allatini escreveu para Aristides de Sousa Mendes agradecendo a ajuda recebida em Bordéus:

«Faço questão de lhe escrever para lhe dizer da profunda admiração que têm por si em todos os países onde exerceu as funções de cônsul. O Senhor é para Portugal a melhor das propagandas, e uma honra para a sua Pátria. Todos aqueles que o conheceram elogiam a sua coragem, o seu grande coração. O seu espírito cavalheiresco, e acrescentam: se os Portugueses são como o Cônsul Geral Mendes, são um povo de cavalheiros e de heróis”. Os ecos deste agradecimento de Gisèle Quittner Allatini foram publicados na imprensa da época.[64]

Em 1966 o Memorial de Yad Vashem (Memorial do Holocausto situado em Jerusalém) em Israel, presta-lhe homenagem atribuindo-lhe o título de "Justo entre as nações". Já em 1961, haviam sido plantadas vinte árvores em sua memória nos terrenos do Museu Yad Vashem.

Em 1986, a 15 de Novembro, foi condecorado, a título póstumo, com o grau de Oficial da Ordem da Liberdade.[65]

O presidente da República Portuguesa Mário Soares reabilita assim Aristides de Sousa Mendes e a sua família recebe as desculpas públicas.[66]

Em 1987, o Governo Português decidiu indemnizar a família de Sousa Mendes pela perda de metade do vencimento durante um ano.[67]

Em 1994 o presidente português Mário Soares inaugura um busto em homenagem a Aristides de Sousa Mendes, bem como uma placa comemorativa na Rua 14 quai Louis-XVIII, o endereço do consulado de Portugal em Bordéus em 1940.

Em 1995, a 23 de Março, é agraciado, a título póstumo, com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo[65] pelo presidente da República Portuguesa Mário Soares.

Em 1995, a Associação Sindical dos Diplomatas Portugueses (ASDP) cria um prémio anual com o seu nome.

Em 1996 o grupo de escuteiros de Esgueira (Aveiro) homenageou-o criando o CLÃ 25 ASM (Aristides de Sousa Mendes)

Em 1998 a República Portuguesa, na prossecução do processo de reabilitação oficial da memória de Aristides de Sousa Mendes, condecora-o com a Cruz de Mérito a título póstumo pelas suas acções em Bordéus.

Em 2005, na Grande Sala da UNESCO em Paris, o barítono Jorge Chaminé organiza uma Homenagem a Aristides de Sousa Mendes, realizando dois Concertos para a Paz, integrados nas comemorações dos 60 anos da UNESCO.

Em 2006 foi realizada uma acção de sensibilização: "Reconstruir a Casa do Cônsul Aristides de Sousa Mendes", na sua antiga casa em Cabanas de Viriato, Carregal do Sal e na Quinta de Crestelo, Seia - São Romão.

Em 2007 um programa televisivo da RTP1, Os Grandes Portugueses, promoveu a escolha dos dez maiores e importantes portugueses de todos os tempos. Sousa Mendes foi o terceiro mais votado. Ironicamente, o primeiro lugar foi atribuído a Salazar, e o segundo lugar a Álvaro Cunhal.

Em 2007 o barítono Jorge Chaminé realizou dois concertos homenagem a Aristides de Sousa Mendes, em Baiona e em Bordéus.

Em 2013 a cidade de Toronto, no Canadá, homenageou Sousa Mendes atribuindo o seu nome a um parque infantil recém-renovado.[68]

Em 2014 a TAP Portugal baptizou um novo Airbus A319 em homenagem a Aristides de Sousa Mendes.[69]

AristidesPromenade.JPG

Em Viena, Áustria, no Vienna International Center, onde estão sedeados diversos organismos da ONU, como a Agência Internacional de Energia Atómica, existe um grande passeio pedonal com o nome do ex-diplomata português, denominado "Aristides-de-Sousa-Mendes-Promenade".

Aristides de Sousa Mendes não foi o único funcionário a quem o seu país não perdoou a desobediência apesar dos seus actos de justiça e humanidade na Segunda Guerra Mundial. Entre outros casos conhecidos de figuras que se destacaram pela coragem e humanismo incluem-se o cônsul japonês em Kaunas (Lituânia) Chiune Sugihara e Paul Grüninger, chefe da polícia do cantão suíço de São Galo.

Em 3 de abril de 2017, foi elevado, a título póstumo, a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.[70]

Em 2021, o cônsul vai ter o seu nome num passeio no 17.º bairro de Paris, junto ao atual Consulado-Geral de Portugal na capital francesa.[71]

Controvérsia em torno do número de vistos

Não se sabe exactamente quantos vistos não autorizados terá emitido Aristides nestes dias. Segundo alguns estudos o número veio depois a ser grandemente exagerado, tendo-se publicado com muita insistência um número de 30 000 dos quais uns 10 000 seriam judeus. Quem classifica de mito o número de 30 000 é Avraham Milgram, historiador da Yad Vashem [2] que defende que basta uma análise aos registos do consulado de Bordéus para ver que entre 1 de Janeiro de 1940 e 22 de Junho de 1940 foram emitidos 2862 vistos, a maioria dos quais autorizados pelo MNE, e que estes números podem ser cruzados com os registos da HICEM que apoiou os judeus durante a guerra a saírem de Portugal, que registam uma entrada em Portugal de apenas 1,538 Judeus na segunda metade de 1940.[2]

Várias figuras ligadas ao regime de Salazar, têm procurado desacreditar Aristides de Sousa Mendes. José Hermano Saraiva, antigo ministro e grande admirador de António de Oliveira Salazar, numa entrevista em 2009 ao semanário Sol, disse o seguinte: "De facto, qual era a possibilidade de um cônsul, um simples cônsul, mobilizar meios para transportar 40 mil pessoas através de um país hostil? Como é que isso seria possível? Só seria possível para uma organização estatal, como é evidente. Mais: não há nenhum documento do Aristides que diga isso, não há nenhum".[72] Também o Embaixador João Hall Themido, no seu livro de memórias, dedica um dos capítulos, porventura o mais polémico, ao que chama "A mitificação de Aristides de Sousa Mendes". O embaixador acusa o cônsul de "actuação irregular". Diz que "de forma totalmente irrealista, fala-se em 30 mil" o número de vistos "concedidos em apenas alguns poucos dias pelo cônsul e seus familiares, de forma cega, no consulado e até nos cafés da vizinhança". Themido sublinha "a necessidade de manter disciplina nos serviços que de forma directa ou indirecta pudessem, com a sua actuação, afectar o estatuto de neutralidade" do país.[73]Predefinição:Nota de rodapé

Também José Seabra, que foi secretário de Sousa Mendes e participou na emissão dos vistos, disse por várias vezes que o número de vistos emitidos se cifrou na ordem das centenas. A última vez que fez esta declaração, foi ao MNE, contava já com 80 anos.[74] Seabra também acrescentou que em sua opinião Aristides apenas se moveu por motivos humanitários e por vontade de ajudar os refugiados.

No entanto continua a haver muitos defensores da estimativa de 30 000 refugiados. Entre os que defendem este número merece destaque a Sousa Mendes Foundation, nos EUA, que tem um ambicioso projecto de identificação de todos aqueles que receberam vistos passados por Sousa Mendes.Predefinição:Nota de rodapé

No entanto, dizer que todos aqueles que receberam vistos foram "salvos" parece uma dedução demasiado simplista. Muitos eram banqueiros, milionários, políticos que teriam tido oportunidade de escapar de uma maneira ou de outra e, a maioria, dos oito a dez milhões que naqueles dias de pânico se pôs em fuga, acabou por regressar às suas casas e sobreviver aos horrores da guerra. Também é de salientar que o episódio de Bordéus ocorreu muito antes do terrível holocausto Nazi. Note-se que, por exemplo, no verão de 1942 ainda viviam na Holanda 4300 judeus de origem portuguesa que até aí, não obstante a brutal repressão Nazi, não tinham sentido a necessidade de abandonar as suas casas e os seus haveres.[75]

Outros portugueses que ajudaram refugiados

O caso de Aristides de Sousa Mendes não foi único entre diplomatas e funcionários consulares portugueses. A passagem de vistos em desobediência à Circular 14 foi generalizada e praticada por diplomatas e cônsules portugueses de todos os quadrantes políticos. Tais foram, por exemplo, os casos de Veiga Simões, embaixador em Berlim, o do cônsul honorário em Milão, Giuseppe Agenore Magno e o do cônsul em Génova, Alfredo Casanova.[76] Outros casos dignos de menção no apoio, e ou salvamento, aos refugiados são os de Carlos Sampaio GarridoPredefinição:Nota de rodapé,[77] Teixeira Branquinho,[77] Leite Pinto e Moisés Amzalak.

Pessoas notáveis que usufruíram de vistos passados por Aristides de Sousa Mendes

Entre aqueles que obtiveram um visto do cônsul português contam-se Otto de Habsburgo, filho de Carlos I, o último imperador da Áustria-Hungria; o príncipe Otto era detestado por Adolf Hitler, que o condenara inclusive à morte. Escapou com a sua família desde o exílio belga e dirigiu-se aos Estados Unidos onde participou numa campanha para alertar a opinião pública. Vários ministros do governo belga no exílio beneficiaram também dos vistos de Sousa Mendes, assim como o pianista Norbert Gingold; o pintor Salvador Dalí e sua mulher Gala Éluard Dalí; Charles Oulmont, escritor francês e professor na Universidade de Sorbonne; o actor americano Robert Montgomery; Sylvain Bromberger, Professor Emérito de Filosofia; Hans Augusto Rey e Margret Rey.

Note-se no entanto que muitos destes vistos foram concedidos pelo consulado de Bordéus no exercício regular das funções que lhe estavam acometidas, não tendo como tal nada de extraordinário, ou pelo menos, não havendo qualquer mérito pessoal de Sousa Mendes. Casos como o de Otto de Habsburgo, embora o visto tenha sido concedido no período frenético, certo é que o visto nunca lhe seria recusado. Já com Otto em Portugal, o governo alemão pressionou Salazar para que este fosse extraditado, mas Salazar sempre se recusou a fazê-lo.[78]Predefinição:Verificar fontes

Ver também

Predefinição:Notas

Referências

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  2. 2,0 2,1 2,2 2,3 2,4 2,5 2,6 Milgram 1999, pp. 123-156.
  3. História Viva, nº 20, pp. 87-93. Editora Duetto. São Paulo (2005).
  4. Cf. Resolução da Assembleia da República n.º 47/2020, de 24 de julho de 2020.
  5. Cerimónia de concessão de honras de Panteão Nacional a Aristides de Sousa Mendes
  6. Aristides de Sousa Mendes no Panteão Nacional
  7. Fralon 2000, p. 1.
  8. «O Almofariz», António Moniz Palme, Papiro Editora, 2009, ISBN 9789896362850
  9. Fralon 2007, p. 17.
  10. Fralon 2000, p. 7.
  11. 11,00 11,01 11,02 11,03 11,04 11,05 11,06 11,07 11,08 11,09 11,10 Spared Lives, The Action of Three Portuguese Diplomats in World War II – Documentary e-book edited by the Raoul Wallenberg Foundation
  12. Fralon 2000, pp. 17-39.
  13. Fralon 2000, p. 17.
  14. Madeira 2007, p. 194.
  15. Madeira 2007, p. 199.
  16. Afonso 1995, p. 193.
  17. Madeira 2007, p. 201.
  18. Em Junho de 1937, por ocasião do Festival da Raça Portuguesa, num discurso inflamado, proclamou-se um legionário das santas cruzadas nacionalistas - Fralon, p. 39
  19. Afonso 1995, p. 195.
  20. O original desta carta poderá ser encontrada no Arquivo Histórico Diplomático, ou cópias no Museu Virtual Aristides de Sousa Mendes e no livro O Cônsul Aristides Sousa Mendes - a Verdade e a Mentira - Carlos Fernandes. ISBN 9789892038803
  21. «Cidadãos Nacionais Agraciados com Ordens Estrangeiras». Resultado da busca de "Aristides de Sousa Mendes". Presidência da República Portuguesa (Ordens Honoríficas Portuguesas). Consultado em 16 de Abril de 2014 
  22. 22,0 22,1 Fralon 2000, p. 136.
  23. Fralon 2000, p. 39.
  24. Fralon 2000, p. 37.
  25. Fralon 2000, p. 26.
  26. 26,0 26,1 Afonso 1995, p. 39.
  27. 27,0 27,1 Fralon 2000, p. 43.
  28. 28,0 28,1 28,2 Pimentel, Irene Flunser, Judeus em Portugal Durante a II Guerra Mundial, Lisbon: A Esfera do Livros, 2006, ISBN 9789896261054
  29. Salazar, António de Oliveira – Como se Levanta um Estado, ISBN 9789899537705
  30. Revista Ilustraçao - 15/06/1938
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Bibliografia

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Ligações externas

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