𝖂𝖎ƙ𝖎𝖊

Conto: mudanças entre as edições

imported>Juntas
m (+imagemcommons)
imported>Ogat
(nav box)
 
Linha 1: Linha 1:
O '''Conto'''
{{Mais notas|data=novembro de 2019}}
==A origem da literatura==
{{Literatura}}


O conto é a forma narrativa, em [[prosa]], de menor extensão (no sentido estrito de tamanho), ainda que contenha os mesmos componentes do [[romance]]. Entre suas principais características, estão a concisão, a precisão, a densidade, a unidade de efeito ou impressão total – da qual falava [[Edgar Allan Poe|Poe]] (1809-1849) e [[Anton Tchecov|Tchecov]] (1860-1904): o conto precisa causar um efeito singular no leitor; muita excitação e emotividade.
Um '''conto<ref name="Rosenfeld" />''' é uma [[narrativa]] que cria um universo de seres, de fantasia ou acontecimentos. Como todos os [[texto]]s de [[ficção]], o conto apresenta um [[narrador]], personagens, ponto de vista e um [[enredo]]. Segundo [[Eça de Queiroz]] “''No conto tudo precisa ser apontado num risco leve e sóbrio: das figuras deve-se ver apenas a linha flagrante e definidora que revela e fixa uma''<ref name=":0" /> ''personalidade; dos sentimentos apenas o que caiba num olhar, ou numa dessas palavras que escapa dos lábios e traz todo o ser; da paisagem somente os longes, numa cor unida''”.
Podemos imaginar – precariamente, diga-se – várias '''fases''' do conto. Tais fases nada têm a ver com aquelas estudadas por [[Vladimir Propp]] no livro A morfologia do conto maravilhoso, no qual, para '''descrever''' o conto, Propp o '''desmonta''' e o '''classifica''' em '''unidades estruturais''' – constantes, variantes, sistemas, fontes, funções, assuntos etc. Além disso, ele fala de uma '''primeira fase''' (religiosa) e uma '''segunda fase''' (da história do conto). Aqui, quando falamos em fases, temos a intenção de apenas darmos um '''passeio''' pela linha evolutiva do gênero.
Logicamente a primeira fase é a '''oral''', a qual não é possível precisar o seu início: o conto se origina num tempo em que nem sequer existia a escrita; as histórias eram narradas oralmente ao redor das fogueiras das habitações dos povos primitivos – geralmente à noite. Por isso o suspense, o fantástico, que o caracterizou originalmente.
A primeira '''fase escrita''' é provavelmente aquela em que os [[egípcios]] registraram O livro do mágico (cerca de [[4000 a.C.]]). Daí vamos passando pela [[Bíblia]] – veja-se como a história de [[Caim]] e [[Abel]] ([[2000 a.C.]]) tem a precisa estrutura de um conto. O velho e novo testamento trazem muitas outras histórias com a estrutura do conto, como os episódios de José e seus irmãos, de [[Sansão]], de Ruth, de Suzana, de Judith, Salomé; as parábolas: o bom samaritano, o filho pródigo, a figueira estéril, a do semeador, entre outras.
[[Imagem:Chaucer1853.jpg|thumb|right|200px| Geoffrey Chaucer]]
No [[século VI a.C.]] temos a [[Ilíada]] e a [[Odisséia]], de [[Homero]] e na literatura [[Hindu]] há o Pantchatantra (século II a.C?). De um modo geral, [[Luciano de Samosata]] (125-192), é considerado o primeiro grande nome da história do conto. Ele escreveu O cínico, O asno etc. Da mesmo época é [[Lucio Apuleyo]] (125-180), que escreveu O asno de ouro. Outro nome importante é o de [[Caio Petrônio]] (século I), autor de [[Satiricon]], livro que continua sendo reeditado até hoje. As mil e uma noites aparecem na [[Pérsia]] no [[século X]] da [[era cristã]].
A '''segunda frase escrita''' começa por volta do [[século XIV]], quando registram-se as primeiras preocupações estéticas. [[Giovanni Boccaccio]] (1313-1375) aparece com seu [[Decameron]], que se tornou um clássico e lançou as bases do conto tal como o conhecemos hoje, além de ter influenciado gente como [[Shakespeare]], [[Molière]], [[Hans Sachs]], [[Lope de Vega]], [[Chaucer]], [[Perrault]], [[La Fontaine]], entre outros. [[Miguel de Cervantes]] (1547-1616) escreve as Novelas exemplares. [[Francisco Gómez de Quevedo y Villegas]] (1580-1645) traz "Os sonhos", satirizando a sociedade da época. Os [[Contos de Canterbury]], de [[Geoffrey Chaucer]] (1340?-1400) são publicados por volta de [[1700]]. Charles Perrault (1628-1703) publica [[O barba azul]], [[O gato de botas]], [[Cinderela]], [[O soldadinho de chumbo]] etc. [[Jean de La Fontaine]] (1621-1695) é o contador de fábulas por excelência: [[A cigarra e a formiga]], [[A tartaruga e a lebre]], [[A raposa e as uvas]] etc.
No [[século XVIII]] o mestre foi [[Voltaire]] (1694-1778). Ele escreveu obras importantes como [[Zadig e Cândido]].
Chegando ao [[século XIX]] o conto “decola” através da [[imprensa]] escrita, toma força e se moderniza. [[Washington Irving]] (1783-1859) é o primeiro contista norte-americano de importância. Os [[irmãos Grimm]] (Jacob, 1785-1863 e Wilhelm, 1786-1859) publicam [[Branca de neve]], [[Rapunzel]], [[O gato de botas]], [[A bela adormecida]], [[O pequeno Polegar]], [[Chapeuzinho vermelho]] etc. Os Grimm recontam contos que já haviam sido contados por Perrault, por exemplo. Eles foram tão importantes para o gênero que André Jolles diz que “o conto só adotou verdadeiramente o sentido de forma literária determinada, no momento em que os irmãos Grimm deram a uma coletânea de narrativas o título de Contos para crianças e famílias”, (“O conto” in Formas simples).
O século XIX foi pródigo em mestres: [[Nathaniel Hawthorne]] (1804-1864), Poe, [[Maupassant]] (1850-1893), [[Flaubert]] (1821-1880), Tchecov, [[Machado de Assis]] (1839-1908), [[Conan Doyle]] (1859-1930), [[Balzac]], [[Stendhal]], [[Eça de Queirós]], [[Aluízio Azevedo]]...
Não podemos esquecer de nomes como: [[Hoffman]] (um dos pais do conto fantástico, que viria influenciar Poe, Machado de Assis, [[Álvaro de Azevedo]] e outros), [[Sade]], [[Adalbert von Chamisso]], [[Nerval]], [[Gogol]], [[Dickens]], [[Turguenev]], [[Stevenson]], [[Kipling]], entre outros e outros e outros...


==Preconceitos==
Os maiores contistas [[brasileiros]] são:<ref name=":1" /> [[Machado de Assis]], [[Carlos Drummond de Andrade]], [[Clarice Lispector]], [[Luis Fernando Verissimo]], [[Monteiro Lobato]], entre outros.


Mesmo com tanta história para '''contar''', o conto continua sendo alvo de preconceitos, chegando ao ponto de algumas editoras terem como política não publicar o gênero. É uma questão de mercado? O conto não vende? E, se não vende, quais os motivos? Sua excessiva banalização através de revistas e jornais? Ou a falsa idéia de que seria uma literatura fácil, secundária, menor?
==Terminologia==
Veja o que pensa [[Mempo Giardinelli]]: “Sustento sempre que o conto é o gênero literário mais moderno e que maior vitalidade possui, pela simples razão que as pessoas jamais deixarão de contar o que se passa, nem de interessar-se pelo que lhes contam bem contado.
De acordo com [[Anatol Rosenfeld]], no Brasil, costuma-se chamar de conto "todas as formas [[prosa]]icas curtas do gênero [[épica|épico]]", por oposição à [[novela]] e ao [[romance]] - os quais, em inglês, são chamados de ''novella'' e ''novel'', respectivamente.<ref name=Rosenfeld>ROSENFELD, Anatol. "A Manobra". ''O Estado de S. Paulo'', 29 out. 1960. [http://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/19601029-26230-nac-0007-lit-1-not link]. Republicado em ''Letras Germânicas''. S. Paulo: Perspectiva, 1993, pp. 315-321.</ref>
“Comecei escrevendo contos, mas me vi forçado a mudar de rumo por pedidos de editores que queriam romances. Mas, cada vez que me vejo livre dessas pressões editoriais, volto ao conto... porque, em literatura, o que me deixa realmente satisfeito é escrever um conto” ([[René Avilés Fabila]] em Assim se escreve um conto).
[[Maupassant]] dizia que escrever contos era mais difícil do que escrever romances. Ele escreveu cerca de 300 contos e, segundo se diz, ficou rico com eles. Machado de Assis também não achava fácil escrever contos: “É gênero difícil, a despeito de sua aparente facilidade”, (citado por Nádia Battella Gotlib em Teoria do Conto). Faulkner (1897-1962) pensava da mesma maneira: “...quando seriamente explorada, a história curta é a mais difícil e a mais disciplinada forma de escrever prosa... Num romance, pode o escritor ser mais descuidado e deixar escórias e superfluidades, que seriam descartáveis. Mas num conto... quase todas as palavras devem estar em seus lugares exatos”, (citado por R. Magalhães Júnior em A arte do conto).
Numa entrevista ao jornal Folha de S. Paulo (de 4 de fevereiro de 1996, página 5-11), [[Moacyr Scliar]] (1937), mais conhecido como romancista do que como contista, revela sua preferência pelo conto: “Eu valorizo mais o conto como forma literária. Em termos de criação, o conto exige muito mais do que o romance... Eu me lembro de vários romances em que pulei pedaços, trechos muito chatos. Já o conto não tem meio termo, ou é bom ou é ruim. É um desafio fantástico. As limitações do conto estão associadas ao fato de ser um gênero curto, que as pessoas ligam a uma idéia de facilidade; é por isso que todo escritor começa contista”.
“Penso que, não por casualidade, a nossa época (anos 80) é a época do conto, do romance breve”, diz [[Italo Calvino]] (1923-1985) em Por que ler os clássicos. Num artigo sobre Borges (1899-1986), Calvino disse que lendo Borges veio-lhe muitas vezes a tentação de formular uma poética do escrever breve, louvando suas vantagens em relação ao escrever longo. “A última grande invenção de um gênero literário a que assistimos foi levada a efeito por um mestre da escrita breve, [[Jorge Luis Borges]], que se inventou a si mesmo como narrador, um ovo de Colombo que lhe permitiu superar o bloqueio que lhe impedia, por volta dos 40 anos, passar da prosa ensaística à prosa narrativa.” (Italo Calvino, Seis propostas para o próximo milênio).
“No decurso de uma vida devotada principalmente aos livros, tenho lido poucos romances e, na maioria dos casos, apenas o senso do dever me deu forças para abrir caminho até a última página. Ao mesmo tempo, sempre fui um leitor e releitor de contos... A impressão de que grandes romances como [[Dom Quixote]] e [[Huckleberry Finn]] são virtualmente amorfos, serviu para reforçar meu gosto pela forma do conto, cujos elementos indispensáveis são economia e um começo, meio e fim claramente determinados. Como escritor, todavia, pensei durante anos que o conto estava acima de meus poderes e foi só depois de uma longa e indireta série de tímidas experiências narrativas que tomei assento para escrever estórias propriamente ditas.” (Jorge Luis Borges, Elogio da sombra/Perfis - Um ensaio autobiográfico).


==Espaço/Tempo==
O mesmo autor afirma que, em outros países, o conto pode corresponder a várias outras formas, segundo a distinção feita por alemães:<ref name=Rosenfeld/>
* a ''Erzählung'' (narrativa, ''tale'' em inglês), que, não dependendo de um "acontecimento central", é uma forma mais livre e mais rica de fabulação e fantasia do que a novela, mas de menos densidade e rigor arquitetônico que as ''short stories''; ex., ''[[As Mil e Uma Noites]]'', ''[[Contos da Cantuária]]'' de [[Geoffrey Chaucer]];
* a ''Kurzgeschichte'' (''short story'' em inglês), caracterizada pelo rigor de sua construção e a "unidade de efeito"; ex., contos de [[Edgar Allan Poe]] (no entanto, este autor ainda usava o termo ''tale'',  mais antigo, em vez de ''short story''), [[Jack London]], [[Mark Twain]], [[Hemingway]], [[Faulkner]], [[F. Scott Fitzgerald|Fitzgerald]]; alguns autores, como J. Klein, chegam a considerar a ''Kurzgeschichte'' como uma forma derivada da novela alemã (representada, em especial, por [[E. T. A. Hoffmann]]);<ref name=":0">KLEIN, Johannes. ''Geschichte der deutschen Novelle''. Wiesbaden, 1956.</ref>
* a ''Novellette'';
* a ''Kalendargeschichte'' (história de folhinha), forma curta, singela, de caráter didático, escrita para folhinhas populares; ex., contos de [[Johann Peter Hebel|J. P. Hebel]], [[Bertolt Brecht]];
* a ''Anekdote'' (anedota); ex., contos de [[Heinrich von Kleist|H. Kleist]];
* a ''Skizze'' (esboço, ''sketch'' em inglês), que apresenta geralmente uma cena impressionista, sem nítida linha narrativa, mas com "atmosfera";
* outros tipos distinguidos principalmente pelo tema, como o [[conto de fadas]].


Está evidente a identificação do conto com a '''falta''' de tempo dos habitantes dos grandes centros urbanos, com a industrialização. Afinal, foi graças à imprensa escrita, que o gênero se popularizou no Brasil, no século XIX: os grandes jornais sempre davam espaço ao conto. [[Antônio Hohlfeldt]] em Conto brasileiro contemporâneo, diz que “pode-se verificar que, na evolução do conto, há uma relação entre a revolução tecnológica e a técnica do conto”.
== Características  ==
Na introdução de Maravilhas do conto universal, [[Edgard Cavalheiro]] diz: “A autonomia do conto, seu êxito social, o experimentalismo exercido sobre ele, deram ao gênero grande realce na literatura, destaque esse favorecido pela facilidade de circulação em diferentes órgãos da imprensa periódica. Creio que o sucesso do conto nos últimos tempos (anos 60 e 70) deve ser atribuído, em parte, à expansão da imprensa”.
O conto necessita de tensão, [[ritmo]], o imprevisto dentro dos parâmetros previstos, unidade, compactação, concisão, conflito, início, meio e fim.
Além de criar o mercado de consumo e a necessidade de alfabetização em massa, a industrialização também criou a necessidade de informações sintéticas. No século passado essas informações vinham do jornalismo e do livro; neste século vêem do cinema, rádio e televisão. Assim, no seu '''início''', o conto pegou uma '''carona''' na imprensa escrita; agora não tem mais esse espaço. Será que o conto se adaptará às novas tecnologias? [[TV]], [[Internet]], etc?
De qualquer forma, no Brasil, o conto surgiu mesmo foi através da imprensa em meados do século XIX. Por isso, naquela época, quase todos os contistas eram [[jornalista]]s. E não foi só no Brasil que isso ocorreu.
Essa tecnologia é, também, em parte, '''culpada''' pelo preconceito em relação ao gênero. “A linha normativa gera uma série de manuais que prescrevem como escrever contos. E a revista popular propícia uma comercialização gradativa do gênero. Tais fatos são tidos como responsáveis pela degradação técnica e pela formação de estereótipos de contos que, na era industrializada do [[capitalismo]] americano, passa a ser arte padronizada, impessoal, uniformizada, de produção veloz e barata. Tais preocupações provocam, por sua vez, um movimento de diferenciação entre o conto comercial e o conto literário. Daí talvez tenha surgido o preconceito contra o conto...” ([[Nádia Battella Gotlib]], op. cit.).
Esse fenômeno também foi notado no Brasil no início dos anos 70. As influências exercidas pela imprensa escrita, revistas, TVs, levaram o conto a um ponto de praticamente perder sua “identidade”: sendo “quase tudo”, passou a ser quase “nada”.
Na década de 20 temos os modernistas e o conto agora é essencialmente urbano/suburbano. Eles propuseram a renovação das formas, a ruptura com a linguagem tradicional, a renovação dos meios de expressão etc. Procura-se evitar rebuscamentos na linguagem, a narrativa é mais objetiva, a frase torna-se mais curta e a comunicação mais breve.
Nesta mesma linha, Poe, que também foi o primeiro teórico do gênero, diz: “Temos necessidade de uma literatura curta, concentrada, penetrante, concisa, ao invés de extensa, verbosa, pormenorizada... É um sinal dos tempos... A indicação de uma época na qual o homem é forçado a escolher o curto, o condensado, o resumido, em lugar do volumoso”, (citado por Edgard Cavalheiro na introdução de [[Maravilhas do conto universal]]).


==Tamanho é documento?==
O [[passado]] e o [[futuro]] têm significado menor. O "''flashback''" pode acontecer, mas só se absolutamente necessário, mesmo assim da forma mais curta possível. O conto é um gênero literário que apresenta uma grande flexibilidade, podendo se aproximar da poesia e da crônica. Os historiadores afirmam que os ancestrais do conto são mitos e lendas.


Um dos pontos em que muita gente concorda diz respeito ao tamanho do conto: não deve ser muito longo – pois '''viraria''' novela; nem tão curto – porque corre-se o risco de transformá-lo em anedota. Poe falava de tamanho em termos de tempo de leitura. Para ele o conto ideal ocuparia o leitor entre 30 minutos e duas horas. Que se pudesse, enfim, ler de uma assentada só.
Em termos de forma, o conto possui expressão ou linguagem mais os elementos concretos e estruturados, como as [[palavra]]s e as [[frase]]s. Seu conteúdo é imaterial (fixado e carregado pela forma); são as personagens, suas ações, a história (ver ''Céu, inferno'', de Alfredo Bosi).{{carece de fontes|data=abril de 2017}}
O romance Vidas secas, [[Graciliano Ramos]] (1892-1953), A festa, [[Ivan Ângelo]] e alguns romances de [[Bernardo Guimarães]] (1825-1884) e [[Autran Dourado]], podem ser lidos como uma série de contos. Também Memórias póstumas de [[Brás Cubas]] e [[Quincas Borba]], Machado de Assis, [[O Processo]], [[Franz Kafka|Kafka]], são constituídos de pequenos contos. São os chamados romances '''desmontáveis'''.
[[Assis Brasil]] vai mais longe ao afirmar que Grande sertão: veredas, [[Guimarães Rosa]] (1908-1967), é um conto alongado, pois o escritor teria iniciado-o como narrativa curta. O Grande sertão, como sabemos, tem mais de 500 páginas. Todas essas colocações demonstram como é difícil definir o conto; mesmo assim, quem o conhece, não o confunde com outro gênero.
Neste século podemos [[wikt:pt:Incluir|incluir]] entre os grandes: [[O. Henry]], [[Anatole France]], [[Virgínia Woolf]], [[Katherine Mansfield]], Kafka, [[James Joyce]], [[William Faulkner]], [[Ernest Hemingway]], [[Máximo Gorki]], [[Mário de Andrade]], [[Monteiro Lobato]], [[Aníbal Machado]], [[Alcântara Machado]], Guimarães Rosa, [[Dalton Trevisan]], [[Rubem Fonseca]], [[Osman Lins]], [[Clarice Lispector]], [[Jorge Luís Borges]], [[Lima Barreto]]...
Outros nomes importantes do conto no Brasil: Julieta Godoy Ladeira, Otto Lara Resende, Manoel Lobato, Sérgio Sant’Anna, Moreira Campos, Ricardo Ramos, Edilberto Coutinho, Breno Accioly, Murilo Rubião, Moacyr Scliar, Péricles Prade, Guido Wilmar Sassi, Samuel Rawet, Domingos Pellegrini Jr, José J. Veiga, Luiz Vilela, Nelson Rodrigues, Sergio Faraco, Victor Giudice, entre outros...
Para um escritor que faz da sua escrita, arte, a trama/o enredo não têm muita importância; o que mais importa é '''como''' (forma) contar e não '''o que''' (conteúdo) contar. Borges dizia que contamos sempre a mesma fábula. [[Julio Cortázar]] (1914-1984) diz que não há temas bons nem temas ruins; há somente um tratamento bom ou ruim para determinado tema. (“Alguns aspectos do conto”, in Valise de cronópio). Claro que há que ter cuidado com o excesso de formalismos para não virar personagem daquela piada: um escritor passou a vida toda trabalhando as formas para criar um estilo perfeito para impressionar o mundo; quando conseguiu alcançá-lo, descobriu que não tinha nada para dizer com ele.


==Conteúdo e forma==
=== Final enigmático ===
O final enigmático prevaleceu até [[Maupassant]] (fim do {{séc|XIX}}) e era muito importante, pois trazia o desenlace surpreendente (o fechamento com "chave de ouro", como se dizia). Nos dias de hoje  tem muita  importância para o público mas alguns críticos e escritores acham-no perfeitamente dispensável, [[sinônimo]] de [[anacronismo]]. Mesmo assim não há como negar que o final no conto é sempre mais carregado de tensão do que no romance ou na novela e que um '''bom''' final é fundamental no gênero. "Eu diria que o que opera no conto desde o começo é a noção de '''fim'''. Tudo chama, tudo convoca a um "final" (Antonio Skármeta, Assim se escreve um conto). Entretanto este estilo de conto com chave de ouro não está morto. Influenciado entre outros por [[Maupassant]] e [[Machado de Assis]], o mineiro Ricardo da Mata retorna à tradição dos contos com enredo com o surpreendente volume ''O mundo lá fora'' (Agbook, 2014)''.''


'''Forma''': expressão ou linguagem; mais os elementos concretos e estruturados, como as '''palavras''' e as '''frases'''. '''Conteúdo''': é imaterial (fixado e carregado pela forma); são as personagens, suas ações, a história (ver Céu, inferno, Alfredo Bosi).
Neste gênero, como afirmou Tchecov, é melhor não dizer o suficiente do que dizer demais. Para não dizer demais é melhor, então, "sugerir" como se tivesse de haver um certo "silêncio" entremeando o texto, sustentando a intriga, mantendo a tensão. Não é o que acontece no conto "A missa do galo", de [[Machado de Assis]]? Especialmente nos diálogos; não exatamente pelo que estes dizem, mas pelo que deixam de dizer. [[Ricardo Piglia]], comentando alguns contos de [[Hemingway]] (1898-1961), diz que o mais importante nunca se conta: "O conto se constrói para fazer aparecer artificialmente algo que estava oculto. Reproduz a busca sempre renovada de uma experiência única que nos permite ver, sob a superfície opaca da vida, uma verdade secreta" (O laboratório do escritor). Piglia diz que conta uma história como se tivesse contando outra. Como se o escritor estivesse narrando uma história "visível", disfarçando, escondendo uma história secreta. "Narrar é como jogar [[pôquer]]: todo segredo consiste em fingir que se mente quando se está dizendo a verdade." (Prisão perpétua). É como se o contista pegasse na mão do leitor é desse a entender que o levaria para um lugar, mas, no fim, leva-o para outro. Talvez por isso, D.H. Lawrence tenha dito que o leitor deve confiar no conto, não no contista. O contista é o terrorista que se finge de diplomata, como diz Alfredo Bosi sobre Machado de Assis.<ref name=":1">BOSI, Alfredo (1999). ''Machado de Assis – o enigma do olhar''. São Paulo: Ática.</ref>
Há contos de Machado de Assis, de Katherine Mansfield (1888-1923), de José J. Veiga (1915), de Tchecov, de Clarice Lispector, por exemplo, que não são '''contáveis''', não há '''nada''' acontecendo. O essencial está no '''ar''', na atmosfera, na forma de narrar, no '''estilo'''. No livro Que é a literatura?, [[Jean-Paul Sartre]] (1905-1980) diz que “ninguém é escritor por haver decidido dizer certas coisas, mas por haver decidido dizê-las de determinado modo. E o '''estilo''', decerto, é o que determina o valor da prosa”.


==Do que precisa o conto?==
Segundo [[Cristina Perí-Rossi]], o escritor contemporâneo de contos não narra somente pelo prazer de encadear fatos de uma maneira mais ou menos casual, senão para revelar o que há por trás deles (citada por Mempo Giardinelli, op. cit). Desse ponto de vista a surpresa se produz quando, no fim, a história secreta vem à superfície.


Tensão, ritmo, o imprevisto dentro dos parâmetros previstos, unidade, compactação, concisão, conflito, início meio e fim; o passado e o futuro têm significado menor. O flashback pode acontecer, mas só se absolutamente necessário, mesmo assim da forma mais curta possível.
No conto a [[trama]] é linear, objetiva, pois o conto, ao começar, já está quase no fim e é preciso que o leitor "veja" claramente os acontecimentos. Se no romance o '''espaço/tempo é móvel''', no conto a '''linearidade''' é a sua forma narrativa por excelência. "A intriga completa consiste na passagem de um equilíbrio a outro. A narrativa ideal, a meu ver, começa por uma situação estável que será perturbada por alguma força, resultando num desequilíbrio. Aí entra em ação outra força, inversa, restabelecendo o equilíbrio; sendo este equilíbrio parecido com o primeiro, mas nunca idêntico." (Gom Jabbar em Hardcore, baseado em [[Tzvetan Todorov]]).


==Final enigmático==
Em outras palavras: no geral o conto "se apresenta" com "uma ordem". O conflito traz uma "desordem" e a solução desse conflito (favorável ou não) faz retornar à "ordem" – agora com ganhos e perdas, portanto essa ordem difere da primeira. "O conto é um problema e uma solução", diz Enrique Aderson Imbert.


O final enigmático prevaleceu até Maupassant (fim do século XIX) e era muito importante, pois trazia o desenlace surpreendente (o fechamento com “chave de ouro”, como se dizia). Hoje em dia tem pouca importância; alguns críticos e escritores acham-no perfeitamente dispensável, sinônimo de anacronismo. Mesmo assim não há como negar que o final no conto é sempre mais carregado de tensão do que no romance ou na novela e que um '''bom''' final é fundamental no gênero. “Eu diria que o que opera no conto desde o começo é a noção de '''fim'''. Tudo chama, tudo convoca a um final” (Antonio Skármeta, Assim se escreve um conto).
=== Diálogos ===
Neste gênero, como afirmou Tchecov, é melhor não dizer o suficiente do que dizer demais. Para não dizer demais é melhor, então, '''sugerir''', como se tivesse de haver um certo '''silêncio''' entremeando o texto, sustentando a intriga, mantendo a tensão. Não é o que acontece no conto “A missa do galo”, de Machado de Assis? Especialmente nos diálogos; não exatamente pelo que estes dizem, mas pelo que deixam de dizer.
Os [[diálogo]]s são de suma importância; sem eles não há discórdia, conflito, fundamentais ao gênero. A melhor forma de se informar é através dos diálogos; mesmo no conto em que o ingrediente '''narrativo''' seja importante. "A função do diálogo é expor." (Henry James, 1843-1916).
Ricardo Piglia, comentando alguns contos de Hemingway (1898-1961), diz que o mais importante nunca se conta: “O conto se constrói para fazer aparecer artificialmente algo que estava oculto. Reproduz a busca sempre renovada de uma experiência única que nos permite ver, sob a superfície opaca da vida, uma verdade secreta”, (O laboratório do escritor). Piglia diz que conta uma história como se tivesse contando outra. Como se o escritor estivesse narrando uma história '''visível''', disfarçando, escondendo uma história secreta. “Narrar é como jogar pôquer: todo segredo consiste em fingir que se mente quando se está dizendo a verdade.(Prisão perpétua). É como se o contista pegasse na mão do leitor é desse a entender que o levaria para um lugar, mas, no fim, o leva para outro. Talvez por isso, D.H. Lawrence tenha dito que o leitor deve confiar no conto, não no contista. O contista é o terrorista que se finge de diplomata, como diz Alfredo Bosi sobre Machado de Assis (op. cit.).
Segundo Cristina Perí-Rossi, o escritor contemporâneo de contos não narra somente pelo prazer de encadear fatos de uma maneira mais ou menos casual, senão para revelar o que há por trás deles (citada por Mempo Giardinelli, op. cit). Desse ponto de vista a surpresa se produz quando, no fim, a história secreta vem à '''superfície'''.
No conto a trama é linear, objetiva, pois o conto, ao começar, já está quase no fim e é preciso que o leitor “veja” claramente os acontecimentos. Se no romance o '''espaço/tempo é móvel''', no conto a '''linearidade''' é a sua forma narrativa por excelência. “A intriga completa consiste na passagem de um equilíbrio a outro. A narrativa ideal, a meu ver, começa por uma situação estável que será perturbada por alguma força, resultando num desequilíbrio. Aí entra em ação outra força, inversa, restabelecendo o equilíbrio; sendo este equilíbrio parecido com o primeiro, mas nunca idêntico.” (Gom Jabbar em Hardcore, baseado em [[Tzvetan Todorov]]).
Em outras palavras: no geral o conto “se apresenta” com '''uma ordem'''. O conflito traz uma '''desordem''' e a solução desse conflito (favorável ou não) faz retornar à '''ordem''' – agora com ganhos e perdas, portanto essa ordem difere da primeira. “O conto é um problema e uma solução”, diz Enrique Aderson Imbert.


==Diálogos==
Em alguns escritores o diálogo é uma ferramenta absolutamente indispensável. [[Caio Porfírio Carneiro]], por exemplo, chega ao ponto de escrever contos compostos apenas por diálogos, sem que, em nenhum instante, apareça um narrador. Considerado mestre e maior escritor brasileiro na arte de escrever diálogos é [[Luiz Vilela]], autor inclusive de um romance, ''Entre amigos'', de 1984, escrito somente com diálogos, sem presença de narrador, didascálias ou verbos ''dicendi''. Outro exemplo são as 172 páginas de [[Trapiá]], um clássico da década de 1960 de [[Caio Porfírio Carneiro]], na qual há apenas seis páginas sem diálogos.
(discurso das personagens)


Os diálogos são de suma importância; sem eles não há discórdia, conflito, fundamentais ao gênero. A melhor forma de se informar é através dos diálogos; mesmo no conto em que o ingrediente '''narrativo''' seja importante. “A função do diálogo é expor.” (Henry James, 1843-1916).
Vejamos os tipos de diálogos:
Em alguns escritores o diálogo é uma ferramenta absolutamente indispensável. Caio Porfírio Carneiro, por exemplo, chega ao ponto de escrever contos compostos apenas por diálogos, sem que, em nenhum instante, apareça um narrador. Em 172 páginas de Trapiá, um clássico da década de 60, há apenas seis páginas sem diálogos. Vejamos os tipos de diálogos:
# '''Direto''': (discurso direto) as personagens conversam entre si; usam-se os travessões. Além de ser o mais conhecido é, também, predominante no conto;
1) – Direto: (discurso direto) as personagens conversam entre si; usam-se os travessões. Além de ser o mais conhecido é, também, predominante no conto.
# '''Indireto''': (discurso indireto) quando o escritor resume a fala da personagem em forma narrativa, sem destacá-la. Vamos dizer que a [[personagem]] conta como aconteceu o diálogo, quase que reproduzindo-o. Essas duas primeiras formas podem ser observadas no conto "[[A Missa do Galo]]", [[Machado de Assis]];
2) – Indireto: (discurso indireto) quando o escritor resume a fala da personagem em forma narrativa, sem destacá-la. Vamos dizer que a personagem conta como aconteceu o diálogo, quase que reproduzindo-o. Essas duas primeiras formas podem ser observadas no conto "A Missa do Galo", Machado de Assis.
# '''Indireto livre''' (discurso indireto livre) é a fusão entre autor e personagem (primeira e terceira pessoa da narrativa); o narrador narra, mas no meio da narrativa surgem diálogos indiretos da personagem como que complementando o que disse o narrador.
3) – Indireto livre (discurso indireto livre) é a fusão entre autor e personagem (primeira e terceira pessoa narrativa); o narrador narra, mas no meio da narrativa surgem diálogos indiretos da personagem como que complementando o que disse o narrador.
Veja-se o caso de Vidas secas: em certas passagens não sabemos exatamente quem fala – é o '''narrador''' (terceira pessoa) ou a '''consciência''' de Fabiano (primeira pessoa)? Este tipo de discurso permite expor os pensamentos da personagem sem que o narrador perca seu poder de mediador.
4) – Monólogo interior (ou fluxo de consciência) é o que se passa “dentro” do mundo psíquico da personagem; “falando” consigo mesma; veja algumas passagens de Perto do coração selvagem, de Clarice Lispector. O livro A canção dos loureiros (1887), de Édouard Dujardin é o precursor moderno deste tipo de discurso da personagem. O Lazarillo de Tormes, de autor desconhecido, é considerado o verdadeiro precursor deste tipo de discurso. Em Ulisses, Joyce (inspirado em Dujardin) radicalizou no monólogo interior.


==Focos narrativos==
Veja-se o caso de "Vidas secas": em certas passagens não sabemos exatamente quem fala – é o '''narrador''' (terceira pessoa) ou a '''consciência''' de Fabiano (primeira pessoa)? Este tipo de discurso permite expor os pensamentos da personagem sem que o narrador perca seu poder de mediador.
(ou pontos de vista adotados pelo narrador)
# '''Monólogo interior''' (ou [[fluxo de consciência]]) é o que se passa "dentro" do mundo psíquico da personagem; "falando" consigo mesma; veja algumas passagens de [[Perto do coração selvagem]], de [[Clarice Lispector]]. O livro [[A canção dos loureiros]] (1887), de [[Édouard Dujardin]] é o precursor moderno deste tipo de discurso da personagem. O [[Lazarillo de Tormes]], de autor desconhecido, é considerado o verdadeiro precursor deste tipo de discurso. Em "[[Ulisses (James Joyce)|Ulisses]]", Joyce (inspirado em Dujardin) radicalizou no monólogo interior que também pode ser usado a (biografia de um autor de livros e etc).


1) – Primeira Pessoa: Personagem principal conta sua história; este narrador limita-se ao saber de si próprio, fala de sua própria vivência. Esta é uma narrativa típica do romance epistolar (século XVIII).
=== Focos narrativos ===
# '''Primeira pessoa''': Personagem principal conta sua história; este narrador limita-se ao saber de si próprio, fala de sua própria vivência. Esta é uma [[narrativa]] típica do [[romance epistolar]] (século XVIII).
# '''Terceira pessoa:''' O texto é narrado em 3ª pessoa e neste caso podemos ter:
::a) '''narrador observador:''' o narrador limita-se a descrever o que está acontecendo, "falando" do exterior, não nos colocando dentro da cabeça da personagem; assim não sabemos suas emoções, ideias, pensamentos; o narrador apenas descreve o que vê, no mais, especula;
::b) '''narrador onisciente:''' conta a história; o narrador tudo sabe sobre a vida das personagens, sobre seus destinos, ideias, pensamentos; como se narrasse de dentro da cabeça delas.


...Isso aconteceu comigo, implantei todos os dentes da minha boca, um prodígio de engenharia odontológica. Estou cheio de dentes que não caem e nem ficam cariados, mas quando dou uma gargalhada na frente do espelho sinto saudade da minha boca antiga, agora meus lábios se abrem de um modo que eu não gosto.” (“Artes e ofícios”, Rubem Fonseca in O buraco na parede).
=== Extensão ===
Segundo outras definições, o conto não deve ocupar mais de {{Fmtn|7500}} palavras. Actualmente entende-se que pode variar entre um mínimo de {{Fmtn|1000}} e um máximo de {{Fmtn|20000}} palavras. Mas toda e qualquer limitação de um mínimo ou máximo de palavras é descartada e ignorada por escritores e leitores.


2) – Primeira Pessoa: Personagem secundária conta a história da personagem principal
O romance "''[[Vidas secas]]''" (de [[Graciliano Ramos]]), "''A festa''" (de [[Ivan Ângelo]]) e alguns romances de [[Bernardo Guimarães]] (1825-1884) e [[Autran Dourado]], podem ser lidos como uma série de contos. Também "''[[Memórias Póstumas de Brás Cubas]]''" e "''[[Quincas Borba]]''" (de [[Machado de Assis]]), "''[[O Processo]]''" (de [[Franz Kafka]]), são constituídos por pequenos contos. São os chamados "romances desmontáveis".


“Evidentemente, a convivência com Holmes não era difícil. Tinha hábitos tranqüilos e regulares. Era raro vê-lo em pé depois das dez horas da noite e invariavelmente já preparara seu pequeno almoço e saíra quando eu me levantava da cama.” (“Reimpressão das memórias do Dr. John H. Watson ex-oficial médico do Exército britânico”, Arthur Conan Doyle in Os melhores casos de Sherlock Holmes).
[[Assis Brasil]] vai mais longe ao afirmar que "''Grande Sertão: veredas''" (de [[Guimarães Rosa]]), é um conto alongado, pois o escritor tê-lo-ia como narrativa curta. O "''Grande Sertão''", como sabemos, tem mais de 500 páginas. Todas essas colocações demonstram como é difícil definir o conto; mesmo assim, quem o conhece, não o confunde com outro género.


Nas histórias de Sherlock Holmes é Watson quem narra os acontecimentos. Umberto Eco também utiliza dessa artimanha em O nome da rosa.
== História ==
Há várias "fases" do conto. Tais fases nada têm a ver com aquelas estudadas por [[Vladimir Propp]] no livro "A morfologia do conto maravilhoso", no qual, para descrever o conto, Propp o "desmonta" e o "classifica" em unidades estruturais – constantes, variantes, sistemas, fontes, funções, assuntos, etc.. Além disso, ele fala de uma "primeira fase" (religiosa) e uma "segunda fase" (da história do conto). Aqui, quando falamos em fases, temos a intenção de apenas darmos um "passeio" pela linha evolutiva do género.


3) – Terceira Pessoa: Escritor (analítico ou onisciente), conta a história; o narrador tudo sabe sobre a vida das personagens, sobre seus destinos, idéias, pensamentos. Como se narrasse de dentro da cabeça delas. Narrativa típica do romance Clássico (século XIX).
=== Fase oral ===
Logicamente a primeira fase é a "[[oral]]", cujo início não é possível precisar: o conto origina-se num tempo em que nem sequer existia a escrita; as histórias eram narradas oralmente ao redor das fogueiras das habitações dos povos primitivos – geralmente à noite. Por isso o suspense, o fantástico, que o caracterizou.


“Ah, somente agora ele via, mas estava completamente atônito, e se sentiu constrangido. Viu também que isso fez com que ela sentisse pena dele, como se a ilusão tivesse sido um erro. Levou algum tempo, todavia, para sentir que não fora um erro, por mais que tivesse sido uma surpresa. Depois daquele pequeno choque, o fato de ela saber, ao contrário, e ainda que fosse estranho, começou a lhe parecer agradável. Era a única outra pessoa no mundo a saber, e ela soubera durante todos aqueles anos, enquanto, para ele, se apagara inexplicavelmente a lembrança de lhe haver transmitido o seu segredo.” (A fera na selva, Henry James).
=== Fase escrita ===
A primeira fase escrita é provavelmente aquela em que os [[egípcios]] registraram ''O livro do mágico'' (cerca de {{AC|4000|x}}). Daí vamos passando pela [[Bíblia]] – veja-se como a história de [[Caim]] e [[Abel]] ({{AC|2000|x}}) tem a precisa estrutura de um conto. O antigo e novo testamento trazem muitas outras histórias com a estrutura do conto, como os episódios de José e seus irmãos, de [[Sansão]], de Ruth, de Susana, de Judith, Salomé; as parábolas: o Bom Samaritano, o Filho Pródigo, a Figueira Estéril, a do Semeador, entre outras.


4) – Terceira pessoa: Escritor conta a história como observador; o narrador limita-se a descrever o que está acontecendo, “falando” do exterior, não nos colocando dentro da cabeça da personagem; assim não sabemos suas emoções, idéias, pensamentos. O narrador apenas descreve o que vê, no mais, especula. Narrativa típica do século XX, influenciada pelo cinema.
[[Imagem:Chaucer1853.jpg|thumb|200px|Geoffrey Chaucer]]


“Olhou através da janela. O vento e a paisagem. E o cata-vento, reflexos de espelho, além. Sentou-se, suspirou, deitou os olhos nos pés doridos e metidos nas botas empoeiradas da grande caminhada. O corredor abria-se lá para dentro. Via a ponta da mesa na sala de jantar. E as árvores frondosas, as mesmas, no quintal. Andou um pouco, paredes cobertas de retratos...” (“A ceia”, Caio Porfírio Carneiro in Os dedos e os dados).
No {{-séc|VI}} temos a [[Ilíada]] e a [[Odisseia]], de [[Homero]] e na literatura [[Hindu]] há o Pantchatantra ({{-séc|II}}?). De um modo geral, [[Luciano de Samósata]] (125-192) é considerado o primeiro grande nome da história do conto. Ele escreveu "O cínico", "O asno" etc. Da mesma época é [[Apuleio|Lucio Apuleyo]] (125-180), que escreveu "[[O asno de ouro]]". Outro nome importante é o de [[Caio Petrônio|Caio Petrónio]] (século I), autor de [[Satiricon]], livro que continua sendo reeditado até hoje. As "[[Mil e uma Noites]]" aparecem na [[Pérsia]] no [[século X]] da [[era cristã]].


Nos casos 1 e 2, o narrador funciona como personagem da história.
A segunda fase escrita começa por volta do [[século XIV]], quando registam-se as primeiras preocupações estéticas. [[Giovanni Boccaccio]] (1313-1375) aparece com seu [[Decameron]], que se tornou um clássico e lançou as bases do conto tal como o conhecemos hoje, além de ter influenciado, [[Charles Perrault]], [[Jean de La Fontaine|La Fontaine]], entre outros. [[Miguel de Cervantes]] (1547-1616) escreve as "Novelas Exemplares". [[Francisco Gómez de Quevedo y Villegas]] (1580-1645) traz "Os sonhos", satirizando a sociedade da época. Os "[[Contos da Cantuária]]", de Chaucer (1340?-1400) são publicados por volta de [[1700]]. Perrault (1628-1703) publica "[[O barba azul]]", "[[O gato de botas]]", "[[Cinderela]]", "[[O soldadinho de chumbo]]" etc. Jean de La Fontaine (1621-1695) é o contador de fábulas por excelência: "[[A cigarra e a formiga]]", "[[A tartaruga e a lebre]]", "[[Aquelas Bolas Cabeludas]]", "[[A Raposa e as Uvas|A raposa e as uvas]]" etc. Os irmãos Grimm são considerados as maiores influências nos contos
Nos casos 3 e 4, ele se coloca fora dos acontecimentos, como observador.


==Afinal, o que é o conto?==
No [[século XVIII]] o mestre foi [[Voltaire]] (1694-1778). Ele escreveu obras importantes como [[Zadig]] e [[Cândido, ou O Otimismo]].
(A pergunta sem resposta ou com várias respostas)


A resposta mais simples a essa pergunta pode ser: conto é a designação que damos à forma narrativa de menor extensão e que se diferencia do romance e da novela não só pelo seu tamanho, mas também por possuir características estruturais próprias. Ele possui os mesmos componentes do romance, mas evita análises, complicações do enredo e o '''tempo''' e o '''espaço''' são muito bem delimitados.
Chegando ao [[século XIX]] o conto "descola" através da [[imprensa]] escrita, toma força e se moderniza. [[Washington Irving]] (1783-1859) é o primeiro contista norte-americano de importância. Os [[irmãos Grimm]] (Jacob, 1785-1863 e Wilhelm, 1786-1859) publicam "[[Branca de Neve]]", "[[Rapunzel]]", "O Gato de Botas", "[[A Bela Adormecida (conto)|A Bela Adormecida]]", "[[O Pequeno Polegar]]", "[[Chapeuzinho Vermelho]]" etc. Os Grimm recontam contos que já haviam sido contados por Perrault, por exemplo. Eles foram tão importantes para o gênero que André Jolles diz que "o conto só adotou verdadeiramente o sentido de forma literária determinada, no momento em que os irmãos Grimm deram a uma coletânea de narrativas o título de Contos para crianças e famílias", ("O conto" em formas simples).
O conto é um só drama, um só conflito, uma única ação. Tudo gira em torno do conflito dramático. A '''montagem''' do conto está em volta de '''uma''' SÓ idéia, uma imagem ou vida, desprezando-se os acessórios. “O conto é uma narrativa linear, que não se aprofunda no estudo da psicologia das personagens nem nas motivações de suas ações. Ao contrário, procuram explicar aquela psicologia e essas motivações pela conduta das próprias personagens.” (R. Magalhães Júnior, op. cit.).
“O conto é uma narrativa breve; desenrolando um só incidente predominante e um só personagem principal, contém um só assunto cujos detalhes são tão comprimidos e o conjunto do tratamento tão organizado, que produzem uma só impressão.” (J. Berg Esenwein citado por Nádia Battella Gotlib, op. cit.).
Mas será isso mesmo? Ou tais '''normas''' são flexíveis? Bernardo Élis, por exemplo, às vezes é muito descritivo; além disso conta outras histórias dentro do mesmo conto, dividindo-o em mais de um núcleo, usa flashback etc. Outro “pecado” seu é narrar um conto como se fosse um romance (leia-se “O padre e um sujeitinho metido a rabequista” in Veranico de janeiro). Mesmo “conspirando” contra tais '''normas''', Bernardo Élis não deixa de ser um clássico, muito pelo contrário.
“O romance procura representar o mundo como um todo: persegue a espinha dorsal e o conjunto da sociedade. O conto é a representação de uma pequena parte desse conjunto. Mas não de qualquer parte, e sim aquela especial de que se pode tirar algum sentido (alguma lição, se preferir), seja ele positivo, negativo, não importa.” (“Murmúrios no espelho”, Flávio Aguiar in Contos, Machado de Assis).
Parodiando Machado de Assis: o conto é tudo isso, sem ser bem isso.  


=="Conselhos" para se escrever um bom conto==
O século XIX foi pródigo em mestres: [[Nathaniel Hawthorne]] (1804-1864), [[Edgar Allan Poe]] (1809-1849), [[Maupassant]] (1850-1893), [[Gustave Flaubert|Flaubert]] (1821-1880), [[Leo Tolstoy]] (1828-1910), [[Mary Shelley]] (1797–1851), [[Anton Tchekhov]] (1860-1904), [[Machado de Assis]] (1839-1908), [[Conan Doyle]] (1859-1930), [[Honoré de Balzac|Balzac]], [[Stendhal]], [[Eça de Queirós]], [[Aluízio Azevedo]].


1) – Prender o interesse do leitor; evitar ser chato. Pense em Aristóteles, para quem a catarse, enquanto experiência vivida pelo espectador ou ouvinte, é condição fundamental para definir a qualidade de uma obra.
Não podemos esquecer de nomes como: [[Hoffman]] (um dos pais do conto fantástico, que viria influenciar [[Edgar Allan Poe]], Machado de Assis, [[Álvares de Azevedo]] e outros), [[Sade]], [[Adelbert von Chamisso|Adalbert von Chamisso]], [[Nerval]], [[Gogol]], [[Dickens]], [[Turguenev (escritor)|Turguenev]], [[Stevenson]], [[Kipling]], Ambrose Bierce entre outros.
2) – Usar, se possível, frases curtas. A clareza vem do cuidado com a estruturação da frase: as intercalações excessivas prejudicam a compreensão da idéia. Pense em Barthes: “A narrativa é uma '''grande frase''', como toda a frase constitutiva é, de certa forma, o esboço de uma '''pequena narrativa'''", (Introdução à análise da narrativa).
3) – Capítulos e parágrafos curtos, para o leitor poder respirar. Evitar muitas personagens, descrições longas, rebuscamentos, adjetivações, clichês, repetir palavras.
4) – Trama/enredo/tema ou estilo, original. Pense em Ricardo Piglia: “Pode-se programar a trama, os personagens, as situações, conhecer o desenlace e o começo, mas o tom em que se vai contar a história é obra de inspiração. Nisso consiste o talento de um narrador”, (O laboratório do escritor).
5) – Se possível usar ironia, humor, graça e ser verossímil.
Ser verossímil é importante, mas não devemos confundir verossimilhança com '''verdade''';  a história não tem de ser obrigatoriamente verdadeira, mas parecer que o é. Mesmo assim sua importância é discutível. Segundo Álvaro Lins, Graciliano Ramos tem como “defeito” justamente a inverossimilhança que, de acordo com o crítico, é mais “visível” em Vidas secas e São Bernardo, dois clássicos insuspeitos. No Vidas secas esse “defeito” estaria no '''discurso das personagens''' (discurso indireto livre), pois tal recurso teria provocado um excesso de introspecção das personagens, tão rústicas e primárias (até Baleia, a cadela do romance, tem seu “monólogo interior”). No São Bernardo o “problema” estaria no fato de um homem rústico, como Paulo Honório, construir uma narrativa tão perfeita em termos literários.
Conta-se que uma vez Matisse mostrou a uma senhora um quadro em que havia pintado uma mulher nua; sua visitante retrucou: “Mas uma mulher nua não é assim”. E Matisse: “Não é uma mulher, minha senhora, é uma pintura”. Será que na sua análise em busca do '''perfeito''', Álvaro Lins (que tinha Graciliano em alta conta) não teria percebido que Paulo Honório não é um homem, mas uma '''pintura'''?
6) – Ler, de preferência os clássicos. Não se é escritor sem ser leitor. Pense em Sartre: “Mas a operação de escrever implica a de ler... e esses dois atos conexos necessitam de dois agentes distintos. É o esforço conjugado do autor com o leitor que fará surgir esse objeto concreto e imaginário que é a obra do espírito”. (op. cit.) Pense também em Faulkner: ler, ler, ler, ler, ler...
Em Escritores em ação, Georges de Simenon (1903-1989) dá a “fórmula” para se escrever uma boa prosa: “Corte tudo que for literário demais; adjetivos e advérbios e todas as palavras que estão lá só para causar efeito. Escrever é cortar. Escrever não é uma profissão, mas uma vocação para a infelicidade”.
Estes conselhos são tão válidos quanto inválidos: “A maioria das regras e conselhos estão errados... nenhum contista novo deve dar a menor atenção aos princípios que os outros adotam. Pois que estes, ao deitarem tais regras, querem antes de tudo proteger a si próprios. É melhor mandá-los todos para o inferno”, (R. Magalhães Júnior, citando Pizarro Drumond, op. cit.).


[[Categoria:Literatura]]
==Representantes==
 
Neste século podemos incluir entre os grandes: [[O. Henry]], [[Anatole France]], [[Virginia Woolf]], [[Katherine Mansfield]], [[Franz Kafka]], [[James Joyce]], [[William Faulkner]], [[Ernest Hemingway]], [[Máximo Gorki]], [[Mário de Andrade]], [[Monteiro Lobato]], [[Aníbal Machado]], [[Antônio de Alcântara Machado|Alcântara Machado]], [[Guimarães Rosa]],[[Isaac Bashevis Singer]], [[Nelson Rodrigues]], [[Dalton Trevisan]], [[Rubem Fonseca]], [[Osman Lins]], [[Clarice Lispector]], [[Jorge Luís Borges]], [[Lima Barreto (escritor)|Lima Barreto]], [[Raymond Carver]], [[Flannery O'Connor]] e [[Kjeel Askindsen]].
 
Outros nomes importantes do conto no Brasil: Julieta Godoy Ladeira, Otto Lara Resende, Manoel Lobato, Sérgio Sant’Anna, Moreira Campos, Ricardo Ramos, Edilberto Coutinho, Breno Accioly, Murilo Rubião, [[Moacyr Scliar]], Péricles Prade, Guido Wilmar Sassi, Samuel Rawet, Domingos Pellegrini Jr, José J. Veiga, [[Luiz Vilela]], [[Sergio Faraco]], Victor Giudice, [[Lygia Fagundes Telles]] e [[Miguel Sanches Neto]], entre outros. Em Portugal destacam-se, entre outros, [[Alexandre Herculano]] e [[Eça de Queirós]].
 
Para um escritor que faz da sua escrita, arte, a trama/o enredo não têm muita importância; o que mais importa é '''como''' (forma) contar e não '''o que''' (conteúdo) contar. Borges dizia que contamos sempre a mesma fábula. [[Julio Cortázar]] (1914-1984) diz que não há temas bons nem temas ruins; há somente um tratamento bom ou ruim para determinado tema. ("Alguns aspectos do conto", in Valise de cronópio). Claro que há que ter cuidado com o excesso de formalismos para não virar personagem daquela piada: um escritor passou a vida toda trabalhando as formas para criar um estilo perfeito para impressionar o mundo; quando conseguiu alcançá-lo, descobriu que não tinha nada para dizer com ele.
 
A tendência contemporânea deste início de século XXI é o micro-conto, uma espécie de haiku de cunho narrativo, que tem se definido, o mais das vezes, mas não necessariamente, pela extensão de um tweet. Além do twitter e do facebook, outras redes sociais tem sido ''midia'' para a publicação de microcontos, além dos blogues e da plataforma tradicional dos livros. O microconto mais famoso é de Augusto Monterroso, autor guatemalteco, e seu título é "O dinossauro". No [[Brasil]], cultivam com destaque este subgênero autores como [[Dalton Trevisan]], [[Millôr Fernandes]], Daniel Galera, Samir Mesquita e Rauer (nome pelo qual assina suas publicações no twitter o escritor mineiro Rauer Ribeiro Rodrigues).
 
=== Contistas famosos em língua portuguesa ===
[[Machado de Assis]], [[Aluísio Azevedo]] e [[Artur de Azevedo]], entre outros que destacam-se no panorama brasileiro do conto, abrindo espaço para contistas como [[Monteiro Lobato]], [[Clarice Lispector]], [[Ruth Rocha]], [[Lima Barreto (escritor)|Lima Barreto]], [[Otto Lara Resende]], [[Lygia Fagundes Telles]], [[José J. Veiga]], [[Dalton Trevisan]] e [[Rubem Fonseca]].
 
[[Eça de Queirós]], mais conhecido como romancista, é referência em [[Portugal]] por seus contos reunidos para publicação em [[1902]], dois anos após seu falecimento, bem como [[Branquinho da Fonseca]], cuja obra inclui diversas antologias de contos. [[Alexandre Herculano]], [[Miguel Torga]] e [[Mário-Henrique Leiria]] são outros dois nomes a mencionar.
 
Em [[Moçambique]], o conto é um género próspero, como se pode ver pela obra de [[Mia Couto]] e pela antologia de [[Nelson Saúte]], "As Mãos dos Pretos". [[Suleiman Cassamo]] também é de mencionar.
 
A figura contista encontra-se perdida na actualidade, em face da valorização do romance em oposição à prosa curta e à poesia enquanto géneros literários. Um dos poucos redutos em que sobrevive e, mais do que isso, impera, é a ficção científica, suportado pelas grandes e importantes contribuições de contistas modernos.
 
== Influência ==
Está evidente a identificação do conto com a "falta" de tempo dos habitantes dos grandes centros urbanos, com a industrialização. Afinal, foi graças à imprensa escrita, que o gênero se popularizou no Brasil, no [[século XIX]]: os grandes jornais sempre davam espaço ao conto. [[Antônio Hohlfeldt]] em "Conto brasileiro contemporâneo" ressalta: "pode-se verificar que, na evolução do conto, há uma relação entre a revolução tecnológica e a técnica do conto".
 
Na introdução de ''Maravilhas do conto universal'', [[Edgard Cavalheiro]] diz: "A autonomia do conto, seu êxito social, o experimentalismo exercido sobre ele, deram ao gênero grande realce na [[literatura]], destaque esse favorecido pela facilidade de circulação em diferentes órgãos da imprensa periódica. Creio que o sucesso do conto nos últimos tempos (anos 1960 e 70) deve ser atribuído, em parte, à expansão da imprensa".
 
Além de criar o [[Mercado consumidor|mercado de consumo]] e a necessidade de [[alfabetização]] em massa, a industrialização também criou a necessidade de informações sintéticas. No século passado essas informações vinham do [[jornalismo]] e do livro; neste século vêm do cinema, rádio e televisão. Assim, no seu '''início''', o conto pegou uma '''carona''' na imprensa escrita; agora não tem mais esse espaço. Será que o conto se adaptará às novas tecnologias? [[TV]], [[Internet]] etc? De qualquer forma, no Brasil, o conto surgiu mesmo foi através da imprensa em meados do século XIX. Por isso, naquela época, quase todos os contistas eram [[jornalista]]s. E não foi só no Brasil que isso ocorreu.
 
Essa tecnologia é, também, em parte, "culpada" pelo [[preconceito]] em relação ao género. "A linha normativa gera uma série de manuais que prescrevem como escrever contos. E a revista popular propicia uma comercialização gradativa do género. Tais fatos são tidos como responsáveis pela degradação técnica e pela formação de estereótipos de contos que, na era industrializada do [[capitalismo]] americano, passa a ser arte padronizada, impessoal, uniformizada, de produção veloz e barata. Tais preocupações provocam, por sua vez, um movimento de diferenciação entre o conto comercial e o conto literário. Daí talvez tenha surgido o preconceito contra o conto…" (Nádia Battella Gotlib, op. cit.).
 
Esse fenômeno também foi notado no Brasil no início dos [[década de 1970|anos 1970]]. As influências exercidas pela [[imprensa escrita]], revistas, TVs, levaram o conto a um ponto de praticamente perder sua "identidade": sendo "quase tudo", passou a ser quase "nada".
 
Na década de 1920 temos os [[modernismo|modernistas]] e o conto agora é essencialmente urbano/suburbano. Eles propuseram a renovação das formas, a ruptura com a linguagem tradicional, a renovação dos meios de expressão etc. Procura-se evitar rebuscamentos na linguagem, a narrativa é mais objectiva, a frase torna-se mais curta e a comunicação mais breve.
 
Nesta mesma linha, Poe, que também foi o primeiro teórico do género, diz: "Temos necessidade de uma literatura curta, concentrada, penetrante, concisa, ao invés de extensa, verbosa, pormenorizada… É um sinal dos tempos… A indicação de uma época na qual o homem é forçado a escolher o curto, o condensado, o resumido, em lugar do volumoso" (citado por Edgard Cavalheiro na introdução de ''Maravilhas do conto universal'').
 
== Críticas ==
Mesmo com tanta história para "contar", o conto continua sendo alvo de preconceitos, chegando ao ponto de algumas editoras terem como [[política]] não publicar o gênero. É uma questão de mercado? O conto não vende? E, se não vende, quais os motivos? Sua excessiva banalização através de revistas e jornais? Ou a falsa ideia de que seria uma literatura fácil, secundária, menor?
 
Veja o que pensa [[Mempo Giardinelli]]: "Sustento sempre que o conto é o género literário mais moderno e que maior vitalidade possui, pela simples razão que as pessoas jamais deixarão de contar o que se passa, nem de interessar-se pelo que lhes contam bem contado".
 
Já [[René Avilés Fabila]], em ''Assim se escreve um conto'', diz que "Comecei escrevendo contos, mas me vi forçado a mudar de rumo por pedidos de editores que queriam romances. Mas, cada vez que me vejo livre dessas pressões editoriais, volto ao conto… porque, em literatura, o que me deixa realmente satisfeito é escrever um conto".{{Carece de fontes|data=Dezembro de 2008}}
 
[[Maupassant]] - que escreveu cerca de trezentos contos - dizia que escrever contos era mais difícil do que escrever [[romance]]s. [[Machado de Assis]], citado por Nádia Battella Gotlib, em ''Teoria do Conto'', também não achava fácil escrever contos: "É género difícil, a despeito de sua aparente facilidade", assim como [[Faulkner]]: "quando seriamente explorada, a história curta é a mais difícil e a mais disciplinada forma de escrever prosa… Num romance, pode o escritor ser mais descuidado e deixar escórias e superfluidades, que seriam descartáveis. Mas num conto… quase todas as palavras devem estar em seus lugares exactos", (citado por R. Magalhães Júnior em ''A arte do conto'').
 
O escritor gaúcho [[Moacyr Scliar]], mais conhecido como romancista do que como contista, revela sua preferência pelo conto: "Eu valorizo mais o conto como forma literária. Em termos de criação, o conto exige muito mais do que o romance… Eu me lembro de vários romances em que pulei pedaços, trechos muito chatos. Já o conto não tem meio termo, ou é bom ou é ruim. É um desafio fantástico. As limitações do conto estão associadas ao fato de ser um género curto, que as pessoas ligam a uma ideia de facilidade; é por isso que todo escritor começa contista" (In '''Folha de S. Paulo''', 4 fev. 1996, p.&nbsp;5-11).
 
"Penso que, não por casualidade, a nossa época (anos 1980) é a época do conto, do romance breve", diz [[Italo Calvino]] (1923-1985) em ''Por que ler os clássicos''. Num artigo sobre Borges (1899-1986), Calvino disse que lendo Borges veio-lhe muitas vezes a tentação de formular uma poética do escrever breve, louvando suas vantagens em relação ao escrever longo. "A última grande invenção de um género literário a que assistimos foi levada a efeito por um mestre da escrita breve, [[Jorge Luis Borges]], que se inventou a si mesmo como narrador, um ovo de Colombo que lhe permitiu superar o bloqueio que lhe impedia, por volta dos 40 anos, passar da prosa ensaística à prosa narrativa." (Italo Calvino, Seis propostas para o próximo milênio). "No decurso de uma vida devotada principalmente aos livros, tenho lido poucos romances e, na maioria dos casos, apenas o senso do dever me deu forças para abrir caminho até a última página. Ao mesmo tempo, sempre fui um leitor e releitor de contos… A impressão de que grandes romances como [[Dom Quixote]] e [[Huckleberry Finn]] são virtualmente amorfos, serviu para reforçar meu gosto pela forma do conto, cujos elementos indispensáveis são economia e um começo, meio e fim claramente determinados. Como escritor, todavia, pensei durante anos que o conto estava acima de meus poderes e foi só depois de uma longa e indireta série de tímidas experiências narrativas que tomei assento para escrever estórias propriamente ditas." (Jorge Luis Borges, Elogio da sombra/Perfis - Um ensaio autobiográfico).
 
{{referências}}
 
{{DEFAULTSORT:Conto}}
[[Categoria:Contos| ]]

Edição atual tal como às 15h12min de 8 de julho de 2022

Predefinição:Literatura

Um conto[1] é uma narrativa que cria um universo de seres, de fantasia ou acontecimentos. Como todos os textos de ficção, o conto apresenta um narrador, personagens, ponto de vista e um enredo. Segundo Eça de QueirozNo conto tudo precisa ser apontado num risco leve e sóbrio: das figuras deve-se ver apenas a linha flagrante e definidora que revela e fixa uma[2] personalidade; dos sentimentos apenas o que caiba num olhar, ou numa dessas palavras que escapa dos lábios e traz todo o ser; da paisagem somente os longes, numa cor unida”.

Os maiores contistas brasileiros são:[3] Machado de Assis, Carlos Drummond de Andrade, Clarice Lispector, Luis Fernando Verissimo, Monteiro Lobato, entre outros.

Terminologia

De acordo com Anatol Rosenfeld, no Brasil, costuma-se chamar de conto "todas as formas prosaicas curtas do gênero épico", por oposição à novela e ao romance - os quais, em inglês, são chamados de novella e novel, respectivamente.[1]

O mesmo autor afirma que, em outros países, o conto pode corresponder a várias outras formas, segundo a distinção feita por alemães:[1]

  • a Erzählung (narrativa, tale em inglês), que, não dependendo de um "acontecimento central", é uma forma mais livre e mais rica de fabulação e fantasia do que a novela, mas de menos densidade e rigor arquitetônico que as short stories; ex., As Mil e Uma Noites, Contos da Cantuária de Geoffrey Chaucer;
  • a Kurzgeschichte (short story em inglês), caracterizada pelo rigor de sua construção e a "unidade de efeito"; ex., contos de Edgar Allan Poe (no entanto, este autor ainda usava o termo tale, mais antigo, em vez de short story), Jack London, Mark Twain, Hemingway, Faulkner, Fitzgerald; alguns autores, como J. Klein, chegam a considerar a Kurzgeschichte como uma forma derivada da novela alemã (representada, em especial, por E. T. A. Hoffmann);[2]
  • a Novellette;
  • a Kalendargeschichte (história de folhinha), forma curta, singela, de caráter didático, escrita para folhinhas populares; ex., contos de J. P. Hebel, Bertolt Brecht;
  • a Anekdote (anedota); ex., contos de H. Kleist;
  • a Skizze (esboço, sketch em inglês), que apresenta geralmente uma cena impressionista, sem nítida linha narrativa, mas com "atmosfera";
  • outros tipos distinguidos principalmente pelo tema, como o conto de fadas.

Características

O conto necessita de tensão, ritmo, o imprevisto dentro dos parâmetros previstos, unidade, compactação, concisão, conflito, início, meio e fim.

O passado e o futuro têm significado menor. O "flashback" pode acontecer, mas só se absolutamente necessário, mesmo assim da forma mais curta possível. O conto é um gênero literário que apresenta uma grande flexibilidade, podendo se aproximar da poesia e da crônica. Os historiadores afirmam que os ancestrais do conto são mitos e lendas.

Em termos de forma, o conto possui expressão ou linguagem mais os elementos concretos e estruturados, como as palavras e as frases. Seu conteúdo é imaterial (fixado e carregado pela forma); são as personagens, suas ações, a história (ver Céu, inferno, de Alfredo Bosi).[carece de fontes?]

Final enigmático

O final enigmático prevaleceu até Maupassant (fim do século XIX) e era muito importante, pois trazia o desenlace surpreendente (o fechamento com "chave de ouro", como se dizia). Nos dias de hoje tem muita importância para o público mas alguns críticos e escritores acham-no perfeitamente dispensável, sinônimo de anacronismo. Mesmo assim não há como negar que o final no conto é sempre mais carregado de tensão do que no romance ou na novela e que um bom final é fundamental no gênero. "Eu diria que o que opera no conto desde o começo é a noção de fim. Tudo chama, tudo convoca a um "final" (Antonio Skármeta, Assim se escreve um conto). Entretanto este estilo de conto com chave de ouro não está morto. Influenciado entre outros por Maupassant e Machado de Assis, o mineiro Ricardo da Mata retorna à tradição dos contos com enredo com o surpreendente volume O mundo lá fora (Agbook, 2014).

Neste gênero, como afirmou Tchecov, é melhor não dizer o suficiente do que dizer demais. Para não dizer demais é melhor, então, "sugerir" como se tivesse de haver um certo "silêncio" entremeando o texto, sustentando a intriga, mantendo a tensão. Não é o que acontece no conto "A missa do galo", de Machado de Assis? Especialmente nos diálogos; não exatamente pelo que estes dizem, mas pelo que deixam de dizer. Ricardo Piglia, comentando alguns contos de Hemingway (1898-1961), diz que o mais importante nunca se conta: "O conto se constrói para fazer aparecer artificialmente algo que estava oculto. Reproduz a busca sempre renovada de uma experiência única que nos permite ver, sob a superfície opaca da vida, uma verdade secreta" (O laboratório do escritor). Piglia diz que conta uma história como se tivesse contando outra. Como se o escritor estivesse narrando uma história "visível", disfarçando, escondendo uma história secreta. "Narrar é como jogar pôquer: todo segredo consiste em fingir que se mente quando se está dizendo a verdade." (Prisão perpétua). É como se o contista pegasse na mão do leitor é desse a entender que o levaria para um lugar, mas, no fim, leva-o para outro. Talvez por isso, D.H. Lawrence tenha dito que o leitor deve confiar no conto, não no contista. O contista é o terrorista que se finge de diplomata, como diz Alfredo Bosi sobre Machado de Assis.[3]

Segundo Cristina Perí-Rossi, o escritor contemporâneo de contos não narra somente pelo prazer de encadear fatos de uma maneira mais ou menos casual, senão para revelar o que há por trás deles (citada por Mempo Giardinelli, op. cit). Desse ponto de vista a surpresa se produz quando, no fim, a história secreta vem à superfície.

No conto a trama é linear, objetiva, pois o conto, ao começar, já está quase no fim e é preciso que o leitor "veja" claramente os acontecimentos. Se no romance o espaço/tempo é móvel, no conto a linearidade é a sua forma narrativa por excelência. "A intriga completa consiste na passagem de um equilíbrio a outro. A narrativa ideal, a meu ver, começa por uma situação estável que será perturbada por alguma força, resultando num desequilíbrio. Aí entra em ação outra força, inversa, restabelecendo o equilíbrio; sendo este equilíbrio parecido com o primeiro, mas nunca idêntico." (Gom Jabbar em Hardcore, baseado em Tzvetan Todorov).

Em outras palavras: no geral o conto "se apresenta" com "uma ordem". O conflito traz uma "desordem" e a solução desse conflito (favorável ou não) faz retornar à "ordem" – agora com ganhos e perdas, portanto essa ordem difere da primeira. "O conto é um problema e uma solução", diz Enrique Aderson Imbert.

Diálogos

Os diálogos são de suma importância; sem eles não há discórdia, conflito, fundamentais ao gênero. A melhor forma de se informar é através dos diálogos; mesmo no conto em que o ingrediente narrativo seja importante. "A função do diálogo é expor." (Henry James, 1843-1916).

Em alguns escritores o diálogo é uma ferramenta absolutamente indispensável. Caio Porfírio Carneiro, por exemplo, chega ao ponto de escrever contos compostos apenas por diálogos, sem que, em nenhum instante, apareça um narrador. Considerado mestre e maior escritor brasileiro na arte de escrever diálogos é Luiz Vilela, autor inclusive de um romance, Entre amigos, de 1984, escrito somente com diálogos, sem presença de narrador, didascálias ou verbos dicendi. Outro exemplo são as 172 páginas de Trapiá, um clássico da década de 1960 de Caio Porfírio Carneiro, na qual há apenas seis páginas sem diálogos.

Vejamos os tipos de diálogos:

  1. Direto: (discurso direto) as personagens conversam entre si; usam-se os travessões. Além de ser o mais conhecido é, também, predominante no conto;
  2. Indireto: (discurso indireto) quando o escritor resume a fala da personagem em forma narrativa, sem destacá-la. Vamos dizer que a personagem conta como aconteceu o diálogo, quase que reproduzindo-o. Essas duas primeiras formas podem ser observadas no conto "A Missa do Galo", Machado de Assis;
  3. Indireto livre (discurso indireto livre) é a fusão entre autor e personagem (primeira e terceira pessoa da narrativa); o narrador narra, mas no meio da narrativa surgem diálogos indiretos da personagem como que complementando o que disse o narrador.

Veja-se o caso de "Vidas secas": em certas passagens não sabemos exatamente quem fala – é o narrador (terceira pessoa) ou a consciência de Fabiano (primeira pessoa)? Este tipo de discurso permite expor os pensamentos da personagem sem que o narrador perca seu poder de mediador.

  1. Monólogo interior (ou fluxo de consciência) é o que se passa "dentro" do mundo psíquico da personagem; "falando" consigo mesma; veja algumas passagens de Perto do coração selvagem, de Clarice Lispector. O livro A canção dos loureiros (1887), de Édouard Dujardin é o precursor moderno deste tipo de discurso da personagem. O Lazarillo de Tormes, de autor desconhecido, é considerado o verdadeiro precursor deste tipo de discurso. Em "Ulisses", Joyce (inspirado em Dujardin) radicalizou no monólogo interior que também pode ser usado a (biografia de um autor de livros e etc).

Focos narrativos

  1. Primeira pessoa: Personagem principal conta sua história; este narrador limita-se ao saber de si próprio, fala de sua própria vivência. Esta é uma narrativa típica do romance epistolar (século XVIII).
  2. Terceira pessoa: O texto é narrado em 3ª pessoa e neste caso podemos ter:
a) narrador observador: o narrador limita-se a descrever o que está acontecendo, "falando" do exterior, não nos colocando dentro da cabeça da personagem; assim não sabemos suas emoções, ideias, pensamentos; o narrador apenas descreve o que vê, no mais, especula;
b) narrador onisciente: conta a história; o narrador tudo sabe sobre a vida das personagens, sobre seus destinos, ideias, pensamentos; como se narrasse de dentro da cabeça delas.

Extensão

Segundo outras definições, o conto não deve ocupar mais de 7 500 palavras. Actualmente entende-se que pode variar entre um mínimo de 1 000 e um máximo de 20 000 palavras. Mas toda e qualquer limitação de um mínimo ou máximo de palavras é descartada e ignorada por escritores e leitores.

O romance "Vidas secas" (de Graciliano Ramos), "A festa" (de Ivan Ângelo) e alguns romances de Bernardo Guimarães (1825-1884) e Autran Dourado, podem ser lidos como uma série de contos. Também "Memórias Póstumas de Brás Cubas" e "Quincas Borba" (de Machado de Assis), "O Processo" (de Franz Kafka), são constituídos por pequenos contos. São os chamados "romances desmontáveis".

Assis Brasil vai mais longe ao afirmar que "Grande Sertão: veredas" (de Guimarães Rosa), é um conto alongado, pois o escritor tê-lo-ia como narrativa curta. O "Grande Sertão", como sabemos, tem mais de 500 páginas. Todas essas colocações demonstram como é difícil definir o conto; mesmo assim, quem o conhece, não o confunde com outro género.

História

Há várias "fases" do conto. Tais fases nada têm a ver com aquelas estudadas por Vladimir Propp no livro "A morfologia do conto maravilhoso", no qual, para descrever o conto, Propp o "desmonta" e o "classifica" em unidades estruturais – constantes, variantes, sistemas, fontes, funções, assuntos, etc.. Além disso, ele fala de uma "primeira fase" (religiosa) e uma "segunda fase" (da história do conto). Aqui, quando falamos em fases, temos a intenção de apenas darmos um "passeio" pela linha evolutiva do género.

Fase oral

Logicamente a primeira fase é a "oral", cujo início não é possível precisar: o conto origina-se num tempo em que nem sequer existia a escrita; as histórias eram narradas oralmente ao redor das fogueiras das habitações dos povos primitivos – geralmente à noite. Por isso o suspense, o fantástico, que o caracterizou.

Fase escrita

A primeira fase escrita é provavelmente aquela em que os egípcios registraram O livro do mágico (cerca de 4 000 a.C.). Daí vamos passando pela Bíblia – veja-se como a história de Caim e Abel (2 000 a.C.) tem a precisa estrutura de um conto. O antigo e novo testamento trazem muitas outras histórias com a estrutura do conto, como os episódios de José e seus irmãos, de Sansão, de Ruth, de Susana, de Judith, Salomé; as parábolas: o Bom Samaritano, o Filho Pródigo, a Figueira Estéril, a do Semeador, entre outras.

Geoffrey Chaucer

No Predefinição:-séc temos a Ilíada e a Odisseia, de Homero e na literatura Hindu há o Pantchatantra (Predefinição:-séc?). De um modo geral, Luciano de Samósata (125-192) é considerado o primeiro grande nome da história do conto. Ele escreveu "O cínico", "O asno" etc. Da mesma época é Lucio Apuleyo (125-180), que escreveu "O asno de ouro". Outro nome importante é o de Caio Petrónio (século I), autor de Satiricon, livro que continua sendo reeditado até hoje. As "Mil e uma Noites" aparecem na Pérsia no século X da era cristã.

A segunda fase escrita começa por volta do século XIV, quando registam-se as primeiras preocupações estéticas. Giovanni Boccaccio (1313-1375) aparece com seu Decameron, que se tornou um clássico e lançou as bases do conto tal como o conhecemos hoje, além de ter influenciado, Charles Perrault, La Fontaine, entre outros. Miguel de Cervantes (1547-1616) escreve as "Novelas Exemplares". Francisco Gómez de Quevedo y Villegas (1580-1645) traz "Os sonhos", satirizando a sociedade da época. Os "Contos da Cantuária", de Chaucer (1340?-1400) são publicados por volta de 1700. Perrault (1628-1703) publica "O barba azul", "O gato de botas", "Cinderela", "O soldadinho de chumbo" etc. Jean de La Fontaine (1621-1695) é o contador de fábulas por excelência: "A cigarra e a formiga", "A tartaruga e a lebre", "Aquelas Bolas Cabeludas", "A raposa e as uvas" etc. Os irmãos Grimm são considerados as maiores influências nos contos

No século XVIII o mestre foi Voltaire (1694-1778). Ele escreveu obras importantes como Zadig e Cândido, ou O Otimismo.

Chegando ao século XIX o conto "descola" através da imprensa escrita, toma força e se moderniza. Washington Irving (1783-1859) é o primeiro contista norte-americano de importância. Os irmãos Grimm (Jacob, 1785-1863 e Wilhelm, 1786-1859) publicam "Branca de Neve", "Rapunzel", "O Gato de Botas", "A Bela Adormecida", "O Pequeno Polegar", "Chapeuzinho Vermelho" etc. Os Grimm recontam contos que já haviam sido contados por Perrault, por exemplo. Eles foram tão importantes para o gênero que André Jolles diz que "o conto só adotou verdadeiramente o sentido de forma literária determinada, no momento em que os irmãos Grimm deram a uma coletânea de narrativas o título de Contos para crianças e famílias", ("O conto" em formas simples).

O século XIX foi pródigo em mestres: Nathaniel Hawthorne (1804-1864), Edgar Allan Poe (1809-1849), Maupassant (1850-1893), Flaubert (1821-1880), Leo Tolstoy (1828-1910), Mary Shelley (1797–1851), Anton Tchekhov (1860-1904), Machado de Assis (1839-1908), Conan Doyle (1859-1930), Balzac, Stendhal, Eça de Queirós, Aluízio Azevedo.

Não podemos esquecer de nomes como: Hoffman (um dos pais do conto fantástico, que viria influenciar Edgar Allan Poe, Machado de Assis, Álvares de Azevedo e outros), Sade, Adalbert von Chamisso, Nerval, Gogol, Dickens, Turguenev, Stevenson, Kipling, Ambrose Bierce entre outros.

Representantes

Neste século podemos incluir entre os grandes: O. Henry, Anatole France, Virginia Woolf, Katherine Mansfield, Franz Kafka, James Joyce, William Faulkner, Ernest Hemingway, Máximo Gorki, Mário de Andrade, Monteiro Lobato, Aníbal Machado, Alcântara Machado, Guimarães Rosa,Isaac Bashevis Singer, Nelson Rodrigues, Dalton Trevisan, Rubem Fonseca, Osman Lins, Clarice Lispector, Jorge Luís Borges, Lima Barreto, Raymond Carver, Flannery O'Connor e Kjeel Askindsen.

Outros nomes importantes do conto no Brasil: Julieta Godoy Ladeira, Otto Lara Resende, Manoel Lobato, Sérgio Sant’Anna, Moreira Campos, Ricardo Ramos, Edilberto Coutinho, Breno Accioly, Murilo Rubião, Moacyr Scliar, Péricles Prade, Guido Wilmar Sassi, Samuel Rawet, Domingos Pellegrini Jr, José J. Veiga, Luiz Vilela, Sergio Faraco, Victor Giudice, Lygia Fagundes Telles e Miguel Sanches Neto, entre outros. Em Portugal destacam-se, entre outros, Alexandre Herculano e Eça de Queirós.

Para um escritor que faz da sua escrita, arte, a trama/o enredo não têm muita importância; o que mais importa é como (forma) contar e não o que (conteúdo) contar. Borges dizia que contamos sempre a mesma fábula. Julio Cortázar (1914-1984) diz que não há temas bons nem temas ruins; há somente um tratamento bom ou ruim para determinado tema. ("Alguns aspectos do conto", in Valise de cronópio). Claro que há que ter cuidado com o excesso de formalismos para não virar personagem daquela piada: um escritor passou a vida toda trabalhando as formas para criar um estilo perfeito para impressionar o mundo; quando conseguiu alcançá-lo, descobriu que não tinha nada para dizer com ele.

A tendência contemporânea deste início de século XXI é o micro-conto, uma espécie de haiku de cunho narrativo, que tem se definido, o mais das vezes, mas não necessariamente, pela extensão de um tweet. Além do twitter e do facebook, outras redes sociais tem sido midia para a publicação de microcontos, além dos blogues e da plataforma tradicional dos livros. O microconto mais famoso é de Augusto Monterroso, autor guatemalteco, e seu título é "O dinossauro". No Brasil, cultivam com destaque este subgênero autores como Dalton Trevisan, Millôr Fernandes, Daniel Galera, Samir Mesquita e Rauer (nome pelo qual assina suas publicações no twitter o escritor mineiro Rauer Ribeiro Rodrigues).

Contistas famosos em língua portuguesa

Machado de Assis, Aluísio Azevedo e Artur de Azevedo, entre outros que destacam-se no panorama brasileiro do conto, abrindo espaço para contistas como Monteiro Lobato, Clarice Lispector, Ruth Rocha, Lima Barreto, Otto Lara Resende, Lygia Fagundes Telles, José J. Veiga, Dalton Trevisan e Rubem Fonseca.

Eça de Queirós, mais conhecido como romancista, é referência em Portugal por seus contos reunidos para publicação em 1902, dois anos após seu falecimento, bem como Branquinho da Fonseca, cuja obra inclui diversas antologias de contos. Alexandre Herculano, Miguel Torga e Mário-Henrique Leiria são outros dois nomes a mencionar.

Em Moçambique, o conto é um género próspero, como se pode ver pela obra de Mia Couto e pela antologia de Nelson Saúte, "As Mãos dos Pretos". Suleiman Cassamo também é de mencionar.

A figura contista encontra-se perdida na actualidade, em face da valorização do romance em oposição à prosa curta e à poesia enquanto géneros literários. Um dos poucos redutos em que sobrevive e, mais do que isso, impera, é a ficção científica, suportado pelas grandes e importantes contribuições de contistas modernos.

Influência

Está evidente a identificação do conto com a "falta" de tempo dos habitantes dos grandes centros urbanos, com a industrialização. Afinal, foi graças à imprensa escrita, que o gênero se popularizou no Brasil, no século XIX: os grandes jornais sempre davam espaço ao conto. Antônio Hohlfeldt em "Conto brasileiro contemporâneo" ressalta: "pode-se verificar que, na evolução do conto, há uma relação entre a revolução tecnológica e a técnica do conto".

Na introdução de Maravilhas do conto universal, Edgard Cavalheiro diz: "A autonomia do conto, seu êxito social, o experimentalismo exercido sobre ele, deram ao gênero grande realce na literatura, destaque esse favorecido pela facilidade de circulação em diferentes órgãos da imprensa periódica. Creio que o sucesso do conto nos últimos tempos (anos 1960 e 70) deve ser atribuído, em parte, à expansão da imprensa".

Além de criar o mercado de consumo e a necessidade de alfabetização em massa, a industrialização também criou a necessidade de informações sintéticas. No século passado essas informações vinham do jornalismo e do livro; neste século vêm do cinema, rádio e televisão. Assim, no seu início, o conto pegou uma carona na imprensa escrita; agora não tem mais esse espaço. Será que o conto se adaptará às novas tecnologias? TV, Internet etc? De qualquer forma, no Brasil, o conto surgiu mesmo foi através da imprensa em meados do século XIX. Por isso, naquela época, quase todos os contistas eram jornalistas. E não foi só no Brasil que isso ocorreu.

Essa tecnologia é, também, em parte, "culpada" pelo preconceito em relação ao género. "A linha normativa gera uma série de manuais que prescrevem como escrever contos. E a revista popular propicia uma comercialização gradativa do género. Tais fatos são tidos como responsáveis pela degradação técnica e pela formação de estereótipos de contos que, na era industrializada do capitalismo americano, passa a ser arte padronizada, impessoal, uniformizada, de produção veloz e barata. Tais preocupações provocam, por sua vez, um movimento de diferenciação entre o conto comercial e o conto literário. Daí talvez tenha surgido o preconceito contra o conto…" (Nádia Battella Gotlib, op. cit.).

Esse fenômeno também foi notado no Brasil no início dos anos 1970. As influências exercidas pela imprensa escrita, revistas, TVs, levaram o conto a um ponto de praticamente perder sua "identidade": sendo "quase tudo", passou a ser quase "nada".

Na década de 1920 temos os modernistas e o conto agora é essencialmente urbano/suburbano. Eles propuseram a renovação das formas, a ruptura com a linguagem tradicional, a renovação dos meios de expressão etc. Procura-se evitar rebuscamentos na linguagem, a narrativa é mais objectiva, a frase torna-se mais curta e a comunicação mais breve.

Nesta mesma linha, Poe, que também foi o primeiro teórico do género, diz: "Temos necessidade de uma literatura curta, concentrada, penetrante, concisa, ao invés de extensa, verbosa, pormenorizada… É um sinal dos tempos… A indicação de uma época na qual o homem é forçado a escolher o curto, o condensado, o resumido, em lugar do volumoso" (citado por Edgard Cavalheiro na introdução de Maravilhas do conto universal).

Críticas

Mesmo com tanta história para "contar", o conto continua sendo alvo de preconceitos, chegando ao ponto de algumas editoras terem como política não publicar o gênero. É uma questão de mercado? O conto não vende? E, se não vende, quais os motivos? Sua excessiva banalização através de revistas e jornais? Ou a falsa ideia de que seria uma literatura fácil, secundária, menor?

Veja o que pensa Mempo Giardinelli: "Sustento sempre que o conto é o género literário mais moderno e que maior vitalidade possui, pela simples razão que as pessoas jamais deixarão de contar o que se passa, nem de interessar-se pelo que lhes contam bem contado".

René Avilés Fabila, em Assim se escreve um conto, diz que "Comecei escrevendo contos, mas me vi forçado a mudar de rumo por pedidos de editores que queriam romances. Mas, cada vez que me vejo livre dessas pressões editoriais, volto ao conto… porque, em literatura, o que me deixa realmente satisfeito é escrever um conto".[carece de fontes?]

Maupassant - que escreveu cerca de trezentos contos - dizia que escrever contos era mais difícil do que escrever romances. Machado de Assis, citado por Nádia Battella Gotlib, em Teoria do Conto, também não achava fácil escrever contos: "É género difícil, a despeito de sua aparente facilidade", assim como Faulkner: "quando seriamente explorada, a história curta é a mais difícil e a mais disciplinada forma de escrever prosa… Num romance, pode o escritor ser mais descuidado e deixar escórias e superfluidades, que seriam descartáveis. Mas num conto… quase todas as palavras devem estar em seus lugares exactos", (citado por R. Magalhães Júnior em A arte do conto).

O escritor gaúcho Moacyr Scliar, mais conhecido como romancista do que como contista, revela sua preferência pelo conto: "Eu valorizo mais o conto como forma literária. Em termos de criação, o conto exige muito mais do que o romance… Eu me lembro de vários romances em que pulei pedaços, trechos muito chatos. Já o conto não tem meio termo, ou é bom ou é ruim. É um desafio fantástico. As limitações do conto estão associadas ao fato de ser um género curto, que as pessoas ligam a uma ideia de facilidade; é por isso que todo escritor começa contista" (In Folha de S. Paulo, 4 fev. 1996, p. 5-11).

"Penso que, não por casualidade, a nossa época (anos 1980) é a época do conto, do romance breve", diz Italo Calvino (1923-1985) em Por que ler os clássicos. Num artigo sobre Borges (1899-1986), Calvino disse que lendo Borges veio-lhe muitas vezes a tentação de formular uma poética do escrever breve, louvando suas vantagens em relação ao escrever longo. "A última grande invenção de um género literário a que assistimos foi levada a efeito por um mestre da escrita breve, Jorge Luis Borges, que se inventou a si mesmo como narrador, um ovo de Colombo que lhe permitiu superar o bloqueio que lhe impedia, por volta dos 40 anos, passar da prosa ensaística à prosa narrativa." (Italo Calvino, Seis propostas para o próximo milênio). "No decurso de uma vida devotada principalmente aos livros, tenho lido poucos romances e, na maioria dos casos, apenas o senso do dever me deu forças para abrir caminho até a última página. Ao mesmo tempo, sempre fui um leitor e releitor de contos… A impressão de que grandes romances como Dom Quixote e Huckleberry Finn são virtualmente amorfos, serviu para reforçar meu gosto pela forma do conto, cujos elementos indispensáveis são economia e um começo, meio e fim claramente determinados. Como escritor, todavia, pensei durante anos que o conto estava acima de meus poderes e foi só depois de uma longa e indireta série de tímidas experiências narrativas que tomei assento para escrever estórias propriamente ditas." (Jorge Luis Borges, Elogio da sombra/Perfis - Um ensaio autobiográfico).

Referências

  1. 1,0 1,1 1,2 ROSENFELD, Anatol. "A Manobra". O Estado de S. Paulo, 29 out. 1960. link. Republicado em Letras Germânicas. S. Paulo: Perspectiva, 1993, pp. 315-321.
  2. 2,0 2,1 KLEIN, Johannes. Geschichte der deutschen Novelle. Wiesbaden, 1956.
  3. 3,0 3,1 BOSI, Alfredo (1999). Machado de Assis – o enigma do olhar. São Paulo: Ática.

talvez você goste