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Deficiência intelectual

Testes de inteligência Q.I. em uma população dão resultados que aproximadamente se distribuem em torno de uma curva normal.

A deficiência intelectual ou deficiência mental corresponde a expressões como insuficiência, falta, falha, carência, imperfeição associadas ao significado de deficiência (do latim deficientia) aplicadas ao conceito de mente ou intelecto. O termo "deficiência mental" por si só, não define nem caracteriza o conjunto de problemas que ocorre no cérebro humano, mas sim, e leva com que estes seus portadores a terem uma baixa habilidade cognitiva, muitas vezes sem afetar outras regiões ou funções cerebrais. Em psiquiatria tais quadros também são denominados como oligofrenias e retardo mental. O termo atual para sua designação é deficiência intelectual.

A principal característica da deficiência mental é a redução da capacidade intelectual (QI), situada abaixo dos padrões considerados normais para idade, se criança, ou inferiores à média da população, quando adultas. A pessoa com deficiência na maioria das vezes apresenta dificuldades ou nítido atraso em seu desenvolvimento neuropsicomotor, aquisição da fala e outras habilidades, um déficit no comportamento adaptativo, seja na comunicação (linguagem), socialização ou aquisições práticas da vida cotidiana (higiene, uso de roupas, etc.). A definição da American Association on Mental Retardation - AAMR (2002) assinala ainda que tais incapacidades têm início antes dos 18 anos, obviamente distinguindo o retardo mental das demências.[1]

Etiologia

Causas da deficiência intelectual segundo Penrose [2].

A deficiência intelectual pode ter várias causas, entre as principais estão os fatores que podem ser classificados como: genéticos, perinatais (ocorridos durante a gestação e o parto) e pós-natais. O diagnóstico correto dos fatores causais no momento do nascimento pode não só amenizar os sintomas (prevenção secundária) mas até mesmo evitar o dano cerebral a exemplo da fenilcetonúria e outros erros inatos do metabolismo que se não controlados, entre outros danos, serão causa de lesão cerebral.

Os fatores genéticos sejam cromossomos ou genes estão classificados em síndromes que muitas vezes recebem o nome de seus identificadores (Síndrome de Down, Síndrome de Rett, Doença de Tay-Sachs etc.) podem ser hereditários (recessivos ou dominantes) ou associados à gametogênese como no caso da Síndrome de Down.

A Síndrome de Down é uma das causas mais comuns juntamente com a Síndrome do cromossomo X frágil como a segunda maior causa.[3][4]

Um dos primeiros trabalhos sobre a herdabilidade da deficiência intelectual foi realizado pelo psicólogo e eugenista americano Henry H. Goddard (1866-1957) intitulado "A Família Kallikak: Um estudo sobre a herança da debilidade mental" (The Kallikak Family: A Study in the Heredity of Feeble-Mindedness, en inglés) publicado em livro em 1913 [5] Segundo Vasconcelos,[6] uma pesquisa do termo "“mental retardation”" no banco de dados da Internet Online: Mendelian Inheritance in Man gerou, em outubro de 2003, 1149 entradas de síndromes genéticas distintas associadas a RM. Cavalli-Sforza & Bodmer, 1971[7] identificaram 330 distúrbios de genes recessivos que resultam em graves deficiências intelectuais.

Os fatores ou causas perinatais, ou seja imediatamente anteriores (a gestação) e posteriores (o trabalho de parto) ao parto, podem ser de natureza tóxica (drogas teratogênicas), traumática, ou infecciosas causadas por vírus tipo o da rubéola ou bactérias tais como as espiroquetas que causam sífilis. A maioria das agressões perinatais apresentam-se como malformações congênitas maiores ou menores e a deficiência intelectual é considerada uma malformação "maior" pois implica perda de função do órgão afetado, nesse caso o sistema nervoso central, apesar de nossa ignorância quanto a localização mais precisa do dano .

Entre as causas pós natais mais comuns podemos destacar os traumatismos cranianos, doenças infecciosas como as meningites e infelizmente: as síndromes de abandono, maltrato e desnutrição proteico calórica nos períodos iniciais do desenvolvimento.[8]

A deficiência mental portanto não é uma síndrome em si, mas uma condição resultante de diversas tipos de afecções ou síndromes com expressão semelhante.[9] Um modelo bioquímico e neurológico (neuroquímico) para o retardamento mental e deficiência intelectual, deve levar em consideração o extenso e relativamente já conhecido grupo de patologias, um conjunto de alterações morfológicas e funcionais (bioquímicas) encontradas no Sistema Nervoso Central associadas ao retardamento mental, deficiência intelectual e demências. A matriz resultante de tal comparação, sem dúvida, será uma importante contribuição para compreensão das relações entre o cérebro humano e a inteligência, sendo também um considerável avanço na pesquisa anatomoclínica dessa relação de forma - função do sistema nervoso. Naturalmente integrado-se às demais formas de produção de conhecimento nessa área, a exemplo da neurofisiologia e psicofarmacologia (sobretudo da memória e atenção), estudos do comportamento animal comparado (neuroetologia) e principalmente apoiando-se no desenvolvimento dos testes de avaliação neuropsicológica.

Ver: Doenças metabólicas associadas à deficiência mental

Diagnóstico e tratamento

Ao longo da história, já foram utilizadas expressões como insânia (insani) idiotia, cretinismo, debilidade, imbecilidade (mentis imbecillitas), ver:oligofrenia.[10][11] O sistema de Classificação Internacional de Doenças - (CID), em função do típico atraso de desenvolvimento que os portadores de tais síndromes apresentam, utiliza a expressão Retardo Mental, subdividindo este grupo em quatro categorias de gravidade (leve, moderada, grave e profundo) em função da sua capacidade intelectual com ou sem outros comprometimentos do comportamento.

As pessoas com esse transtorno, nas formas moderado e grave, são dependentes de cuidadores e necessitam de atendimento multiprofissional, incluindo: médico de distintas especialidades (genética, neurologia, psiquiatria, etc. a depender do caso), profissionais de reabilitação, basicamente fisioterapeuta ou terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo, psicólogo, pedagogo (psicopedagogia) entre outros, a depender do caso, a fim de minimizar os problemas decorrentes da deficiência. Algumas técnicas, que se inserem no plano da reabilitação ou da minimização dos danos neurológicos tem mostrado resultados a exemplo das intervenções do musicoterapeuta, profissional de Equoterapia, etc., com maior ou menor eficácia. Fato é, considerando-se o potencial de desenvolvimento ou neuroplasticidade do sistema nervoso, que quanto mais cedo houver um diagnóstico e mais precoce for a intervenção melhores serão os resultados.

As técnicas exercidas por diversos profissionais de reabilitação e puericultura para identificar precocemente lesões e intervir são denominadas: Avaliação do Desenvolvimento e Exame Neuropsicomotor Evolutivo ou psicomotor [12] e Teste(s) de Inteligência ou Quociente de inteligência, além do diagnóstico das informações provenientes da clínica médica para identificar a síndrome genética ou natureza da lesão que possivelmente causou o dano cerebral e/ou seus sinais e sintomas.

A deficiência intelectual é resultado, quase sempre, de uma alteração na estrutura cerebral, provocada por fatores genéticos, na vida intra-uterina, ao nascimento ou na vida pós-natal. O grande desafio para os estudiosos dessa característica humana, é que, em quase metade dos casos estudos essa alteração não é conhecida ou identificada e quando analisamos o espectro de patologias que tem a deficiência mental como expressão de seu dano nos deparamos com um conjunto de centenas de doenças, entre as mais comuns estão a Síndrome de Down e Paralisia cerebral.[13][14][15]

A Síndrome de Down é um conjunto de características específicas (hipotonia, face com perfil achatado, crânio braquicéfalo, olhos amendoados ou fissuras palpebrais oblíquas, língua protrusa, pescoço curto, prega palmar transversal única, entre outros) e não uma doença. É uma anomalia causada durante a formação do feto que pode ocorrer com qualquer pessoa, chamada de Trissomia do Cromossomo 21. Para se confirmar essa trissomia é preciso se fazer um exame genético (a partir de linfócitos ou outra célula coletada) chamado cariótipo.[16]

A paralisia cerebral ou encefalopatia crônica não progressiva, por sua vez é uma patologia comumente associada à lesão cerebral por hipoxia nas complicações obstétricas, com prognóstico e etiologia causas mais ou menos bem estabelecidos desde finais do século XIX.[17]

Como visto o diagnóstico depende essencialmente da identificação dos fatores causais, sendo este também essencial para o tratamento, embora a reabilitação pode ocorrer independente das causas do dano ou lesão cerebral que em muitos casos (cerca de 43%) permanece desconhecida.

Para todos os efeitos permanece em uso as clássicas definições da deficiência mental, a exemplo da proposta pela Associação Americana Deficiência Mental [18] têm como referência a limitação da atividade intelectual (leia-se praticamente habilidades lógico matemáticas) e a capacidade de adaptação (leia-se socialização) contudo ambos conceitos, como veremos a seguir, podem ser ampliados em função das suas distintas aplicações.

Comportamento adaptativo

Um instrumento de avaliação da deficiência intelectual a ser utilizada por professores escolares para medir seu desempenho a partir da adaptação e necessidade de intervenção de outros profissionais de saúde e educação é o PAC – Perfil de Avaliação da Competência.[19]

Uma versão resumida do PAC (Primary Progress Assessment Chart - P=P.A.C.) aqui um pouco modificada, abrange uma investigação de: (1) Cuidado pessoal ; (2) Comunicação; (3) Socialização; (4) Ocupação

  1. Cuidado pessoal: Hábitos à mesa; Locomoção; Higiene; Vestuário
  2. Comunicação: Linguagem falada; Linguagem escrita; Atividade numérica; Desenvolvimento dos conceitos básicos (usa advérbios discrimina diferenças e igualdade). Temos como equivalentes aos conceitos básicos os principais advérbios de: Lugar: aqui, lá, perto, longe, centro (meio) através; Tempo: ontem, hoje, amanhã, antes, durante depois; Modo: muito, pouco, bom, ruim. Se portador de deficiências de órgãos sensoriais deve-se descrever e medir (acuidade auditiva, visual, déficits motores, disartrias etc.)
  3. Socialização: Atividades domésticas; Atividades recreativas; Comportamento em sala de aula;
  4. Ocupação: Agilidade; Destreza; Concentração; Responsabilidade (capacidade de cumprir ordens)

Inteligência & atividade intelectual

Ver artigo principal: Quociente de inteligência

Para Jean Piaget (1896-1980) a inteligência é organização, um prolongamento da adaptação orgânica, e o progresso da razão consiste numa conscientização da atividade organizadora da própria vida. [20] Essa definição, uma das muitas possibilidades de definir lógica e inteligência em seus estudos, revela sua opção de pesquisa a partir de um conceito básico da biologia moderna, a adaptação, sem o qual não poderíamos compreender as relações entre forma orgânica e função e/ou a teoria da evolução.

As medidas do raciocínio ou atividade intelectual tiveram início no final do século XIX e início do século XX onde se destacam as contribuições de Francis Galton (1822 — 1911), Alfred Binet (1857 - 1911) e Charles Edward Spearman (1863 - 1945) precursores no estudo da medida da inteligência. [21]

A evolução da medida do déficit intelectual na deficiência mental acompanhou o desenvolvimento das teorias da definição e mensuração desta propriedade individual do cérebro humano que é a inteligência. A diversidade de danos cerebrais, condições psicossociais capazes de afetar essa função mental (QI), e/ou seus componentes como atenção, memória ou as diversas formas de raciocínio, intrinsecamente relacionados entre sí, ainda está para ser compreendida especialmente em suas relações com o cérebro humano, que é uma das proposições da neuropsicologia. Quanto à avaliação da atividade intelectual, uma das mais fecundas abordagens dos últimos tempos foi a proposição de "inteligências múltiplas" feita por Howard Gardner.[22][23]

A teoria da modificabilidade cognitiva estrutural de Reuven Feuerstein afirma que, mesmo indivíduos portadores de deficiências, podem desenvolver sua inteligência adquirindo a capacidade de aprender. Um neto de Feuerstein, portador da síndrome de Down, foi auxiliado por seus métodos de "expansão" da inteligência e apresentou bom desempenho na escola regular.[24]

Por outro lado, a partir dos anos 60 desenvolveu-se a concepção de necessidades educativas especiais no Reino Unido desde a publicação do relatório Warnock (em 1978), que reconheceu as desvantagens da inclusão de crianças em termos de categorias fixas (rotulação) e as necessidades de aperfeiçoamento dos sistema educacional para favorecer o desenvolvimento e aprendizagem de alunos com alguma característica deficitária a partir da concepção de necessidades especiais.[25]

A perspectiva de identificação precoce, reabilitação (prevenção secundária) ou minimização do dano e integração social são as atuais diretrizes no atendimento aos portadores dessa necessidade especial que é a deficiência intelectual.

Classificações[26]

  • Retardo Mental Educável (também considerado leve ou brando) - Termo usado no sistema escolar para descrever as crianças com QI entre 50-69.
  • Retardo Mental Moderado (ou treinável) - Termo usado no sistema escolar para descrever crianças com QI entre 35-49.
  • Retardo Mental Severo - QI entre 20 e 40
  • Retardo Mental Profundo - QI inferior a 20

Ver também

Referências

  1. Telford, C. W.; Sawrey. O indivíduo excepcional. RJ, Zahar, 1974
  2. PENROSE, Lionel in: WENDT (Ed.) Genetik und Gesellschaft, Wiss. Verlagsges, Stuttgart. 1971 apud: Pessoa, Oswaldo Frota; Otto, Priscila G; Otto Paulo A. Genética Humana. RJ: Francisco Alves, 1976 p. 279
  3. «Centro de estudos do genoma humano - Retardo mental inespecífico e sindrômico». Consultado em 10 de janeiro de 2009 
  4. «Revista Gambare - Síndrome do cromossomo X frágil». 14 de fevereiro de 2006. Consultado em 10 de janeiro de 2009 
  5. Goddard, Henry Herbert. The Kallikak Family: A Study in the Heredity of Feeble-Mindedness (1913) Green, Christopher D. (Ed.) Classics in the History of Psychology. Toronto, Ontario, York University An internet resource Acesso em Junho de 2014
  6. Vasconcelos, Marcio M. Retardo mental. Jornal de Pediatria - Vol. 80, Nº2(supl), 2004 PDF, consulta em Mar. 2014
  7. Cavalli-Sforza, L.L.; Bodmer, W.F. The genetic of human populations. San Francisco, Freeman, 1971 apud: Davidoff, Linda L. Introdução à psicologia. SP, Makron Books, 2001
  8. Fontes, José Américo. Lesão cerebral, causas & prevenção. DF, Ministério da Ação Social do Brasil - Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de deficiência - CORDE, 1990
  9. Diament, Aron Judka; Cypel, Saul ;Reed, Umbertina C. Neurologia Infantil. São Paulo : Atheneu, 2010. - 2v. V1
  10. Pessoti, Isaías. Deficiência mental, da superstição à ciência. SP, EDUSP, 1984
  11. Foucault, Michel, História da loucura. SP, Perspectiva, 2009
  12. Lefèvre, Antônio B. Exame neurológico evolutivo. SP. Sarvier, 1976
  13. Krynski, Stannislau. Deficiência Mental. RJ Livraria Atheneu, 1969
  14. Frota-Pessoa, Osvaldo; Otto, Paulo A,; Otto, Priscila G. Genética Humana. RJ, Francisco Alves, 1976
  15. Tizard, J.: The epidemiology of mental retardation; implications for research. In: Early malnutrition mental development. Symposia of Swedish Nutrition
  16. Lefèvre. Beatriz H. Mongolismo, estudo psicológico e terapêutica multiprofissional da Síndrome de Down. SP, Sarvier, 1981
  17. Leitão, Araújo. Paralisia cerebral, diagnóstico, terapia e reabilitação. RJ, Atheneu, 1983
  18. American Association on Mental Retardation - AAMR. Retardo mental, definição classificação e sistemas de apoio. Poto Alegre, Artemed, 2006
  19. PAC (Primary Progress Assessment Chart - P=P.A.C.) desenvolvido por H.C Günzburg, traduzido e testado de modo independente por Pereira, O.; Silveira, L.M.R. e Facion, J.R
  20. Piaget, Jean. O Nascimento da inteligência na criança. RJ, Zahar, 1975 p.29
  21. Piaget, Jean. Psicologia da inteligência.RJ, Editora Fundo de Cultura, 1972
  22. Gardner, Howard. Inteligências múltiplas, a teoria na prática. Porto Alegre, 2000
  23. Gardner, Howard. A Multiplicity of Intelligences, Scientific American, 1998
  24. Artigo: Os milagres do Dr. Feuerstein (Link), Revista Seleções, Abril de 2002, pág.95. Acessado em 28/02/2013.
  25. Coll, César; Marhesi, Álvaro; Palacios, Jesús et al. Desenvolvimento psicológico e educação 3v. Transtornos de desenvolvimento e necessidades educativas especiais. V. 3. Porto Alegre, Artemed, 2004
  26. «Datasus.gov - F70-F79 Retardo mental». Consultado em 10 de janeiro de 2009 

Ligações externas

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