Ordálio ou ordália, também conhecida como juízo de Deus (judicium Dei, em latim), é um tipo de prova judiciária usado para determinar a culpa ou a inocência do acusado por meio da participação de elementos da natureza e cujo resultado é interpretado como um juízo divino.[1] O acusado submetia-se a torturas ou provas físicas que supostamente provariam a sua inocência caso não lhe causassem dano.[2]
De uso relativamente amplo em todo o mundo antigo, na Europa teve seu uso gradativamente diminuído, sobretudo por influência de advogados, teólogos e de figuras da Igreja. Pedro Cantor chamou a atenção para a o facto de que a exigência da ordália equivalia a procurar um milagre, e assim violava a injunção bíblica: "'não tentarás o Senhor teu Deus".[3]
Em 1157, a prova do ferro quente foi ordenada pelo Concílio de Reims para todos os suspeitos de heresia. Em 1210, o bispo Henrique de Estrasburgo ordenou esse tratamento para cerca de 100 hereges.[3]
Os Papas a condenaram em diversos momentos, notadamente pela ação de Estêvão VI, em 887/888, de Alexandre II, em 1063,[4] e, mais prominentemente, de Inocêncio III, que no IV Concílio de Latrão em 1215 proibiu que o clero cooperasse com julgamentos por fogo e por água, substituindo-os pela compurgação (um misto de juramento e testemunho).[5]
História
Os mais antigos registros da aplicação da ordália encontram-se no Código de Hamurábi, no Código de Ur-Nammu e no livro judaico de Números.
Etimologia
A origem da palavra ordália é no latim ordalium ou, de acordo com Verstegan, do saxão, ordal e ordel, que, segundo Hicks, vem de Dael, julgamento, com o sentido de grande julgamento. Outros[Nota 1] derivam do franco ou teutônio Urdela, que significa julgar. Lye, no seu dicionário de Anglo-Saxão, deriva a palavra desta língua, significando um tipo de julgamento onde não existe interferência das pessoas, sendo feita uma justiça absoluta, uma prerrogativa de Deus.[6]
Na Judeia
A versão mais antiga da ordália é citada na Bíblia, na lei chamada de águas da amargura,[6] no livro de Números,[7] onde a mulher, suspeita de adultério, deverá beber uma água possivelmente contaminada, e, se ela for adúltera, morrerá, porém, se for fiel, sobreviverá e terá filhos:
«Tendo feito que ela bebesse a água, se for contaminada, e tiver cometido uma transgressão contra seu marido, a água que traz consigo a maldição entrará nela, tornar-se-á amarga, inchará o seu ventre, e consumirá a sua coxa. A mulher será por maldição entre o seu povo.» ([[:s:Tradução Brasileira da Bíblia/Números/
- REDIRECIONAMENTO Predefinição:Números romanos#5:27|Números 5:27]])
«Se a mulher não for contaminada, porém for limpa; então será livre, e conceberá filhos.» ([[:s:Tradução Brasileira da Bíblia/Números/
- REDIRECIONAMENTO Predefinição:Números romanos#5:28|Números 5:28]])
De acordo com Adam Clarke, a ordália, que foi praticada em diversas partes do mundo, tinha como origem possivelmente as águas da amargura.[6]
O autor cita como os rabinos descreveram a aplicação das águas da amargura na prática. A mulher era levada ao Sinédrio, onde tentava-se obter uma confissão, caso ela não confessasse, ela era vestida de preto, depois era despida da cintura para cima, e tinha que beber uma solução que fora feita com o papel onde havia sido escrita a lei, poeira do templo e alguma substância amarga.[6]
Não existe nenhum caso da aplicação da ordália durante o período da república dos hebreus, porque Deus havia feito esta lei tão terrível, que as pessoas conscientes do seu crime não apelavam para este julgamento, e, confessando o adultério, eram condenadas à morte.[6]
Na Pérsia e Índia
De acordo com o poeta persa Ferdusi, a ordália por fogo era usada pelos antigos persas; no seu poema épico Épica dos Reis é mencionado um caso.[6]
A ordália por fogo provavelmente, segundo Adam Clarke, se originou nos persas, porque, para eles, o fogo era um deus, ou a parte visível do Deus supremo; esta prática continuou comum entre os Hindus até os dias de hoje (sic).[Nota 2][6]
De acordo com Warren Eastings, que citou Ali Ibrahim Khan, juiz chefe em Benares, a ordália por fogo ainda era praticada entre os hindus. Havia nove tipos de ordália entre os hindus: pela balança, pelo fogo, pela água, por veneno, pela cosha, pelo arroz, por óleo fervente, pelo ferro incandescente e por imagens.[6]
Na Grécia e Roma
Na Antígona, de Sófocles, uma pessoa acusada por Creonte de um crime se oferece para provar sua inocência pegando em ferro incandescente ou andando sobre o fogo. De acordo com Virgílio, os sacerdotes de Apolo na em Soracte tinham o costume de andar sobre carvão em brasa e não se queimarem. Grotius menciona a ordália por água na Bitínia, Sardenha e outros lugares.[6]
Europa Medieval
O primeiro relato de ordália na Europa está associado ao Rei Ina, e foi composto por volta do ano 700, denominado decisão por ferro incandescente e água. Agobardo, bispo de Lião, escreveu contra a ordália sessenta anos antes. A ordália foi mencionada no concílio de Trevers, em 895. A ordália não era praticada na Normandia até sua conquista, e foi provavelmente introduzida na Inglaterra durante o tempo de Ina, sendo introduzida no cógido de leis de Athelstan e Ethelred. A ordália por fogo era para os homens e mulheres nobres, e a ordália por água para os servos.[6]
Vários papas produziram bulas papais contra a ordália, e Henrique III proibiu a ordália no terceiro ano do seu reinado, em 1219.[6]
A ordália por batalha, supostamente, veio dos lombardos, que, vindos da Escandinávia, varreram a Europa. Este modo foi instituído por Frotha III, rei da Dinamarca na época do nascimento de Cristo, que ordenou que cada controvérsia fosse resolvida pela espada. Esta prática continou até o reinado de Cristiano III, rei da Dinamarca, em 1535. A partir dos países escandinavos a prática chegou à Inglaterra, e continuava, nos dias de Adam Clarke, a servir como base para a detestável prática dos duelos, uma relíquia da superstição bárbara.[6]
Duelos como uma forma de ordália
Os duelos supostamente tiveram um grande crescimento em 1527, quando houve o rompimento de um tratado entre o imperador Carlos V e Francisco I. Após algumas mensagens insultosas, eles decidiram resolver a disputa em um duelo, porém não conseguiram chegar a um acordo sobre as condições do duelo. O exemplo de dois personagens ilustres influenciou várias pessoas na Europa a fazerem o mesmo.[6]
Conclusão de Adam Clarke
Adam Clarke conclui sua exposição da ordália citando Dr. Henry. Este menciona os vários casos medievais onde pessoas foram expostas a ordália, colocando os braços em água fervente, segurando bolas incandescentes de ferro, caminhando sobre carvão em brasa, sem sofrer nenhuma injúria, porém ele não atribui estes milagres à providência divina, mas a um conluio entre o acusado e o padre encarregado de organizar a cerimônia, para enganar a população crédula.[6]
Predefinição:Notas e referências
- ↑ Dicionário Houaiss, verbete "ordálio".
- ↑ Dicionário da Língua Portuguesa. [S.l.]: Porto Editora. 2014. p. 1157
- ↑ 3,0 3,1 Innes, Brian (2016). The History of Torture. [S.l.]: Amber Books Ltd. p. 32
- ↑ Denzinger, Henrici; Hünermann, Petrus, Enchiridion symbolorum, definitionum et declarationum de rebus fidei et morum (Compêndio dos símbolos, definições e declarações de fé e moral), ISBN 978-85-15-03439-0. Verifique
|isbn=
(ajuda), versão portuguesa brasileira em 2007, Paulinas, p. 243, 250 (Denzinger-Hünermann [*670] e [*695]) - ↑ Vold, George B., Thomas J. Bernard, Jeffrey B. Snipes (2001). Theoretical Criminology. Oxford University Press.
- ↑ 6,00 6,01 6,02 6,03 6,04 6,05 6,06 6,07 6,08 6,09 6,10 6,11 6,12 6,13 Adam Clarke, Commentary on the Bible (1831), Numbers 5 [em linha]
- ↑ [[:s:Tradução Brasileira da Bíblia/Números/
- REDIRECIONAMENTO Predefinição:Números romanos#5:11|Números 5:11-31]]
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