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Guerra dos Emboabas: mudanças entre as edições

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{{Ver desambig|o distrito da cidade de São João del-Rei, Minas Gerais|Emboabas (distrito)}}
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{{Mais notas|data=julho de 2022}}
{{revisão-sobre|História e sociedade|data=março de 2013}}
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{{Info/Conflito militar
{{Info/Conflito militar
|cores      = background:#99ccff;
|nome            =Guerra dos Emboabas  
|nome_batalha= Guerra dos Emboabas
|imagem         =Guerra dos Emboabas.jpg  
|imagem     = Guerra dos Emboabas.jpg|250px|rigth
|legenda        =[[Ex-voto]] representando a vida de Agostinho Pereira da Silva desde sua saída de [[Portugal]], enfrentando problemas em [[Minas Gerais]] até receber as [[Ordem (sacramento)|ordens sacras]] na [[Bahia]], localizado na [[Igreja e Mosteiro de Nossa Senhora do Monte Serrat|Igreja de Nossa Senhora do Monte Serrate]], [[Salvador]], [[Bahia]].
|imagem_legenda  =
|data           = [[1707]] – [[1709]]
|conflito    =
|local           =[[Capitania de São Vicente]], atual [[Minas Gerais]]  
|data   = 1707 - 1709
|resultado       = Derrota dos [[Bandeirantes|paulistas]]:
|local       = [[Capitania de São Vicente]]; atual [[Minas Gerais]]
* Criação da [[Capitania de São Paulo e Minas de Ouro]]  
|resultado   = Derrota dos paulistas.<br />Criação da [[Capitania de São Paulo e Minas de Ouro]]
|situação        = <!-- apenas para conflitos a decorrer -->
|combatente1 = [[Imagem:OrderOfCristCrossFlag.svg|22px]] [[Bandeirantes|Bandeirantes Paulistas]]
|combatente1     =[[Imagem:OrderOfCristCrossFlag.svg|22px|border]] [[Bandeirantes|Bandeirantes Paulistas]]  
|combatente2 = [[Imagem:Flag Portugal (1707).svg|22px]] "Emboabas" da metrópole (''reinóis'' ou "''europeus''")<br />[[América portuguesa|"Emboabas" de outras partes da América portuguesa]]
|combatente2     ={{PRT1707}} ''Emboabas'' da metrópole (''reinóis'' ou ''europeus'')<br>{{PRT1707}} [[Colonização portuguesa da América|''Emboabas'' de outras partes da América portuguesa]]
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A '''Guerra dos Emboabas''' foi um confronto travado de [[1707]] a [[1709]] pelo direito de exploração das recém-descobertas jazidas de ouro na [[Capitania de São Vicente]], região do atual estado de [[Minas Gerais]], no [[Brasil]]. O conflito contrapôs os desbravadores vicentinos e os forasteiros que vieram depois da descoberta das minas. O primeiro grupo, formado pelos [[bandeirantes]] [[São Paulo (estado)|paulistas]], havia descoberto a região das minas e, por esta razão, reclamava a exclusividade de explorá-las, e era liderado por [[Borba Gato]]. O outro grupo era heterogêneo e composto de portugueses provenientes da Europa e migrantes das demais partes do Brasil, sobretudo da costa leste [[Região nordeste do Brasil|nordestina]], liderado por [[Manuel Nunes Viana]], era pejorativamente apelidado de "emboabas" pelos paulistas.
A '''Guerra dos Emboabas''' foi um confronto travado de [[1707]] a [[1709]] pelo direito de exploração das recém-descobertas jazidas de ouro na [[Capitania de São Vicente]], região do atual estado de [[Minas Gerais]], no [[Brasil]]. O conflito contrapôs os desbravadores vicentinos e os forasteiros que vieram depois da descoberta das minas. O primeiro grupo, formado pelos [[bandeirantes]] [[São Paulo (estado)|paulistas]], havia descoberto a região das minas e, por esta razão, reclamava a exclusividade de explorá-las, e era liderado por [[Borba Gato]]. O outro grupo era heterogêneo e composto de portugueses provenientes da Europa e migrantes das demais partes do Brasil, sobretudo da costa leste [[Região nordeste do Brasil|nordestina]], liderado por [[Manuel Nunes Viana]], era pejorativamente apelidado de "emboabas" pelos paulistas.
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[[Imagem:GoldNuggetUSGOV.jpg|thumb|esquerda|150px|Pepita de ouro]]
[[Imagem:GoldNuggetUSGOV.jpg|thumb|esquerda|150px|Pepita de ouro]]


Logo que a notícia da descoberta do ouro se espalhou, milhares de pessoas se deslocaram para a região, ficando pejorativamente conhecidos como "emboabas". O termo é proveniente do termo da [[língua geral paulista]] ''mbóaba'', que significa literalmente "pata peluda" (''mbó'', pata + ''aba'', peluda). Originalmente, o termo designava as aves com pernas cobertas de penas. Como os forasteiros sempre usavam calças e sapatos, ao contrário dos bandeirantes, estes começaram a utilizar o termo para se referir aos forasteiros.<ref>NAVARRO, E. A. ''Dicionário de tupi antigo: a língua indígena clássica do Brasil''. São Paulo. Global. 2013. p. 560.</ref><ref name="bn">[http://revistadehistoria.com.br/v2/home/?go=detalhe&id=2025 Amor à terra?] - ''[[Revista de História da Biblioteca Nacional]]'', 1 de outubro de 2008 (visitado em 15-3-2010)</ref><ref>FURTADO, Júnia Ferreira. ''José Rodrigues Abreu e a geografia imaginária emboaba da conquista do ouro''. In: ''Modos de Governar - Ideias e práticas políticas no Império Português séculos XVI a XIX''. BICALHO, Maria Fernanda & FERLINI, Vera Lúcia do Amaral (Orgs.). 1ª ed. São Paulo: Alameda, 2005, p.278</ref>
Logo que a notícia da descoberta do ouro se espalhou, milhares de pessoas se deslocaram para a região, ficando pejorativamente conhecidos como "emboabas". O termo é proveniente do termo da [[língua geral paulista]] ''mbóaba'', que significa literalmente "pata peluda" (''mbó'', pata + ''aba'', peluda). Originalmente, o termo designava as aves com pernas cobertas de penas. Como os forasteiros sempre usavam calças e sapatos, ao contrário dos bandeirantes, estes começaram a utilizar o termo para se referir aos forasteiros.<ref>NAVARRO, E. A. ''Dicionário de tupi antigo: a língua indígena clássica do Brasil''. São Paulo. Global. 2013. p. 560.</ref><ref name="bn">{{Citation | last = Romeiro | first = Adriana | archive-date = 2017-2-21 | archive-url = https://web.archive.org/web/20170221055600/http://www.revistadehistoria.com.br/secao/artigos/ha-controversias | url = http://revistadehistoria.com.br/v2/home/?go=detalhe&id=2025 | title = Amor à terra? | work = [[Revista de História da Biblioteca Nacional]] | date = 4 de outubro de 2008 | accessdate = 15-3-2010}}.</ref>{{Harvnb | Furtado | 2005 | p = 278}}


Em sentido diverso, segundo o [[Dicionário Houaiss]], ''emboaba'' seria a junção das palavras tupis ''mbo'' ("fazer que") + ''aba'' ("ferir"), sendo que ''mbo'aba'' seria um epíteto coletivo, aplicado a um grupo, e não apenas a um indivíduo. Assim, "os que invadem, agridem".
Em sentido diverso, segundo o [[Dicionário Houaiss]], ''emboaba'' seria a junção das palavras tupis ''mbo'' ("fazer que") + ''aba'' ("ferir"), sendo que ''mbo'aba'' seria um epíteto coletivo, aplicado a um grupo, e não apenas a um indivíduo. Assim, "os que invadem, agridem".


== Contexto ==
== Contexto ==
A corrida pelo ouro atraiu, para a região, cerca de 50 mil pessoas "que fervilhavam à beira dos rios e caminhos, nos sertões distantes e inóspitos".<ref name="bn" /> Os [[bandeirantes]] se achavam com maiores direitos sobre o ouro das minas, seja por eles terem sido os descobridores do lugar, seja por aquela região fazer parte da [[capitania de São Vicente]], seja pela debilidade recente demonstrada pela coroa portuguesa ao ter de recorrer à ajuda dos bandeirantes paulistas para vencer a [[Guerra dos Palmares]] e a [[Confederação dos Cariris]].<ref>ROMEIRO, Adriana. ''Revisitando a Guerra dos Emboabas: práticas políticas e imaginário nas Minas setecentistas''. In: ''Modos de Governar - Ideias e práticas políticas no Império Português séculos XVI a XIX''. BICALHO, Maria Fernanda & FERLINI, Vera Lúcia do Amaral (Orgs.). 1ª ed. São Paulo: Alameda, 2005, p.396</ref> Prova disso foi petição da [[Câmara de São Paulo]], de [[7 de Abril]] de [[1700]], que requereu que a outorga do território aurífero fosse dada exclusivamente pelas autoridades dessa capitania. Teve papel, no conflito, o protetor de [[Manuel Nunes Viana]], [[Pascoal da Silva|Pascoal da Silva Guimarães]].
A corrida pelo ouro atraiu, para a região, cerca de 50 mil pessoas "que fervilhavam à beira dos rios e caminhos, nos sertões distantes e inóspitos".<ref name="bn" /> Os [[bandeirantes]] se achavam com maiores direitos sobre o ouro das minas, seja por eles terem sido os descobridores do lugar, seja por aquela região fazer parte da [[capitania de São Vicente]], seja pela debilidade recente demonstrada pela coroa portuguesa ao ter de recorrer à ajuda dos bandeirantes paulistas para vencer a [[Guerra dos Palmares]] e a [[Confederação dos Cariris]].<ref>ROMEIRO, Adriana. ''Revisitando a Guerra dos Emboabas: práticas políticas e imaginário nas Minas setecentistas''. In: ''Modos de governar – Ideias e práticas políticas no Império Português séculos XVI a XIX''. BICALHO, Maria Fernanda & FERLINI, Vera Lúcia do Amaral (Orgs.). 1ª ed. São Paulo: Alameda, 2005, p. 396</ref> Prova disso foi petição da [[Câmara de São Paulo]], de [[7 de abril]] de [[1700]], que requereu que a outorga do território aurífero fosse dada exclusivamente pelas autoridades dessa capitania. Teve papel, no conflito, o protetor de [[Manuel Nunes Viana]], [[Pascoal da Silva|Pascoal da Silva Guimarães]].


Enquanto isso, os colonos da [[Capitania da Baía de Todos os Santos|Bahia]] e de [[Capitania de Pernambuco|Pernambuco]] estavam muito mais ligados aos reinóis portugueses que aos colonos paulistas. Os nomes que trocaram entre si mostravam suas diferenças. Os da terra eram chamados de "nômades", ou "bandoleiros sem lei"; estes, por sua vez, apelidaram os estrangeiros e os vindos de outras capitanias brasileiras de "emboabas".
Enquanto isso, os colonos da [[Capitania da Baía de Todos os Santos|Bahia]] e de [[Capitania de Pernambuco|Pernambuco]] estavam muito mais ligados aos reinóis portugueses que aos colonos paulistas. Os nomes que trocaram entre si mostravam suas diferenças. Os da terra eram chamados de "nômades", ou "bandoleiros sem lei"; estes, por sua vez, apelidaram os estrangeiros e os vindos de outras capitanias brasileiras de "emboabas".


Para os paulistas, aqueles que não participaram dos esforços na procura de ouro não deveriam ter os mesmos direitos na [[mineração|exploração]]. A tensão entre os paulistas (também chamados de vicentinos) e os demais exploradores crescia, motivada  pelo aumento no fluxo populacional e pela insistência dos paulistas e emboabas de controlarem a região<ref name="bn"/>.
Para os paulistas, aqueles que não participaram dos esforços na procura de ouro não deveriam ter os mesmos direitos na [[mineração|exploração]]. A tensão entre os paulistas (também chamados de vicentinos) e os demais exploradores crescia, motivada  pelo aumento no fluxo populacional e pela insistência dos paulistas e emboabas de controlarem a região<ref name= "bn"/>.


Apesar de se misturarem pelas regiões povoadas das minas, paulistas e emboabas não se uniam: ao contrário, se juntavam cada grupo com um representante. O ex-[[bandeirante]] [[Manuel de Borba Gato]] era o líder dos paulistas, enquanto os emboabas eram liderados por [[Manuel Nunes Viana]], português que veio para [[Capitania da Baía de Todos os Santos|Bahia]] jovem, e era conhecido por atos de coragem que o trouxeram para a região onde era proprietário de lucrativas minas.
Apesar de se misturarem pelas regiões povoadas das minas, paulistas e emboabas não se uniam: ao contrário, se juntavam cada grupo com um representante. O ex-[[bandeirante]] [[Manuel de Borba Gato]] era o líder dos paulistas, enquanto os emboabas eram liderados por [[Manuel Nunes Viana]], português que veio para [[Capitania da Baía de Todos os Santos|Bahia]] jovem, e era conhecido por atos de coragem que o trouxeram para a região onde era proprietário de lucrativas minas.


Outra causa da guerra seria o alto preço dos mantimentos, inclusive pela limitada oferta em ocasião do aumento da demanda.<ref name="bn"/> Os comentários de [[Antonil]] em [[1709]] o provam e se tornou clássico o trecho em que relata: "a abundância de mantimentos e de todo o usual que hoje há nas Minas e do pouco caso que se faz dos preços extraordinariamente altos: um alqueire de farinha em São Paulo custava 640 [[réis]], mas em Minas 43 000 réis! E assim por diante, uma libra de açúcar 120 réis em São Paulo e 1 200 nas Minas, uma galinha de 160 para 4 000 réis etc." Eliane Teixeira Lopes cita, em sua obra, um ensaio de Eduardo Frieiro, "Feijão, angu e couve", de [[1966]], que corrobora os acontecimentos. E J. Soares de Mello, em seu livro "Emboabas", de [[1979]], página 48, comenta: "Foi na época da fome como medida de prudência que [[Artur de Sá]] concedeu a [[Amaral Gurgel]] o estanco ou monopólio dos açougues. Não tardaram nada os abusos. O povo foi esmagado. E quando o monopólio chegou aos seus anos derradeiros e veladamente começaram as transações para o prorrogar, os paulistas se levantaram."
Outra causa da guerra seria o alto preço dos mantimentos, inclusive pela limitada oferta em ocasião do aumento da demanda.<ref name="bn" /> Os comentários de [[Antonil]] em [[1709]] o provam e se tornou clássico o trecho em que relata: "a abundância de mantimentos e de todo o usual que hoje há nas Minas e do pouco caso que se faz dos preços extraordinariamente altos: um alqueire de farinha em São Paulo custava 640 [[réis]], mas em Minas 43 000 réis! E assim por diante, uma libra de açúcar 120 réis em São Paulo e 1 200 nas Minas, uma galinha de 160 para 4 000 réis etc." Eliane Teixeira Lopes cita, em sua obra, um ensaio de Eduardo Frieiro, "Feijão, angu e couve", de [[1966]], que corrobora os acontecimentos. E J. Soares de Mello, em seu livro "Emboabas", de [[1979]], página 48, comenta: "Foi na época da fome como medida de prudência que [[Artur de Sá]] concedeu a [[Amaral Gurgel]] o estanco ou monopólio dos açougues. Não tardaram nada os abusos. O povo foi esmagado. E quando o monopólio chegou aos seus anos derradeiros e veladamente começaram as transações para o prorrogar, os paulistas se levantaram."


Por carta, o rei, para suprir a falta de [[gado]], ordenara a [[Álvaro da Silveira e Albuquerque|dom Álvaro]] conceder a maior parte possível das terras entre o Rio de Janeiro e a [[serra dos Órgãos]] "com a obrigação de cada um dos [[donatário]]s de pôr um curral de gado dentro de dois e até três anos no sitio que se lhes der, por se entender que com a fertilidade destas terras abundarão as capitanias em gado." Mas nada era assim tão simples. Em [[1702]], o governador dom [[Álvaro da Silveira e Albuquerque]] fizera doação, aumentando o domínio de Muribeca, no Espírito Santo, propriedade do colégio dos jesuítas do Rio de Janeiro, fundado no século XVII em terras doadas pelo Conde de Castelo Melhor, e que em [[1701]] possuía apenas 1 630 cabeças de gado - enquanto isso, suas fazendas no Rio e em Santa Cruz, Campos dos Goitacases e Campos Novos de São João em 1701 teriam 20 mil.
Por carta, o rei, para suprir a falta de [[gado]], ordenara a [[Álvaro da Silveira e Albuquerque|dom Álvaro]] conceder a maior parte possível das terras entre o Rio de Janeiro e a [[serra dos Órgãos]] "com a obrigação de cada um dos [[donatário]]s de pôr um curral de gado dentro de dois e até três anos no sitio que se lhes der, por se entender que com a fertilidade destas terras abundarão as capitanias em gado." Mas nada era assim tão simples. Em [[1702]], o governador dom [[Álvaro da Silveira e Albuquerque]] fizera doação, aumentando o domínio de Muribeca, no Espírito Santo, propriedade do colégio dos jesuítas do Rio de Janeiro, fundado no século XVII em terras doadas pelo Conde de Castelo Melhor, e que em [[1701]] possuía apenas 1 630 cabeças de gado - enquanto isso, suas fazendas no Rio e em Santa Cruz, Campos dos Goitacases e Campos Novos de São João em 1701 teriam 20 mil.
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[[Imagem:Guerra dos Emboabas.jpg|thumb|esquerda|300px|Pintura representando a Guerra dos Emboabas]]
[[Imagem:Guerra dos Emboabas.jpg|thumb|esquerda|300px|Pintura representando a Guerra dos Emboabas]]


Datam de [[1706]] as primeiras dissensões no arraial da Ponta do Morro, depois do Rio das Mortes, pela "morte injusta e tirânica que fez um paulista de um humilde forasteiro que vivia de uma pobre agência". Outro cronista diz por haver alguns [[Povos indígenas do Brasil|índios]] [[carijós]] embriagados matado um português. Diogo de Vasconcelos, por sua vez, descreve: "Viajando por ali uns carijós para São Paulo, entraram a beber na venda de um novato reinol; rivalidade era tema assentado de todas as conversas; os carijós começam a falar de reinóis, defendidos pelo novato, pouco experiente, entre a bebida, houve altercação, e no ardor da discussão, foi morto o português pelos carijós. Fugiram estes pelo brejo do vale, saindo assim na lagoa Jucunem , e houve dois dias de batida para os descobrir - voltaram os do arraial, os moradores tinham-se reunido e determinado enviar ao Rio uma comissão de procuradores pedir a dom [[Fernando Martins Mascarenhas Lencastre]] compadecer-se da situação e lhes mandar autoridade para reprimir malfeitores e bandidos."
Datam de [[1706]] as primeiras dissensões no arraial da Ponta do Morro, depois do Rio das Mortes, pela "morte injusta e tirânica que fez um paulista de um humilde forasteiro que vivia de uma pobre agência". Outro cronista diz por haver alguns [[Povos indígenas do Brasil|índios]] [[carijós]] embriagados matado um português. Diogo de Vasconcelos, por sua vez, descreve: "Viajando por ali uns carijós para São Paulo, entraram a beber na venda de um novato reinol; rivalidade era tema assentado de todas as conversas; os carijós começam a falar de reinóis, defendidos pelo novato, pouco experiente, entre a bebida, houve altercação, e no ardor da discussão, foi morto o português pelos carijós. Fugiram estes pelo brejo do vale, saindo assim na lagoa Jucunem, e houve dois dias de batida para os descobrir voltaram os do arraial, os moradores tinham-se reunido e determinado enviar ao Rio uma comissão de procuradores pedir a dom [[Fernando Martins Mascarenhas Lencastre]] compadecer-se da situação e lhes mandar autoridade para reprimir malfeitores e bandidos."


Em [[1707]], no [[São João del-Rei|Arraial Novo do Rio das Mortes]], dois chefes importantes dos paulistas foram linchados pelos emboabas. Com medo de uma vingança, fugiram para a mata, ficando apenas um pequeno grupo na resistência. Os paulistas, apesar de terem motivos para agir, limitaram-se a enterrar seus chefes, e não enfrentaram os emboabas. Isso encorajou os emboabas que haviam fugido para a mata a voltar e a não mais se aterrorizarem com os paulistas.
Em [[1707]], no [[São João del-Rei|Arraial Novo do Rio das Mortes]], dois chefes importantes dos paulistas foram linchados pelos emboabas. Com medo de uma vingança, fugiram para a mata, ficando apenas um pequeno grupo na resistência. Os paulistas, apesar de terem motivos para agir, limitaram-se a enterrar seus chefes, e não enfrentaram os emboabas. Isso encorajou os emboabas que haviam fugido para a mata a voltar e a não mais se aterrorizarem com os paulistas.
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Não se deve pensar, segundo os historiadores, que estava em jogo apenas o ouro: intervieram, também, criadores de gado e não apenas mineradores emigrados de São Vicente. Os criadores reagiram ao sistema de contratos com o objetivo de assegurar, com exclusividade, o fornecimento a açougues de animais para o abate e de arbitrar a venda da carne ao consumidor.
Não se deve pensar, segundo os historiadores, que estava em jogo apenas o ouro: intervieram, também, criadores de gado e não apenas mineradores emigrados de São Vicente. Os criadores reagiram ao sistema de contratos com o objetivo de assegurar, com exclusividade, o fornecimento a açougues de animais para o abate e de arbitrar a venda da carne ao consumidor.


Em [[1708]], um choque inevitável aconteceu, e os dois lados voltaram a guerrear. [[Manuel de Borba Gato]] interveio, banindo [[Manuel Nunes Viana|Nunes Viana]] da região do [[Rio das Velhas]], porém, sem sucesso. Várias tentativas de acordo foram feitas, todas infrutíferas. Os emboabas tomaram a iniciativa de desarmar todos os paulistas que encontravam, com o pensamento que estes preparavam um grande ataque contra eles. Houve pouca resistência, e, ao fim de 1708, os emboabas já tinham o controle de duas das três áreas de mineração mais importantes. Os paulistas refugiaram-se na região de [[Rio das Mortes (Minas Gerais)|Rio das Mortes]].
Em [[1708]], um choque inevitável aconteceu, e os dois lados voltaram a guerrear. [[Manuel de Borba Gato]] interveio, banindo [[Manuel Nunes Viana|Nunes Viana]] da região do [[Rio das Velhas]], porém, sem sucesso. Várias tentativas de acordo foram feitas, todas infrutíferas. Os emboabas tomaram a iniciativa de desarmar todos os paulistas que encontravam, com o pensamento que estes preparavam um grande ataque contra eles. Houve pouca resistência, e, ao fim de 1708, os emboabas já tinham o controle de duas das três áreas de mineração mais importantes. Os paulistas refugiaram-se na região de [[Rio das Mortes (Minas Gerais)|Rio das Mortes]].


Os emboabas reuniram-se e proclamaram Nunes Viana governador da região mineradora, numa afronta ao rei, que era o único a ter a prerrogativa para a escolha.<ref name="bn"/> Em seguida, os emboabas encarregaram [[Bento do Amaral Coutinho]] da expulsão dos paulistas restantes{{Carece de fontes|data=janeiro de 2018}}. Os paulistas não opuseram resistência, e recuaram mais uma vez, desta vez para [[Parati]] e [[São Paulo]].
Os emboabas reuniram-se e proclamaram Nunes Viana governador da região mineradora, numa afronta ao rei, que era o único a ter a prerrogativa para a escolha.<ref name="bn"/> Em seguida, os emboabas encarregaram [[Bento do Amaral Coutinho]] da expulsão dos paulistas restantes{{Carece de fontes|data=janeiro de 2018}}. Os paulistas não opuseram resistência, e recuaram mais uma vez, desta vez para [[Parati]] e [[São Paulo]].
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O mais trágico e emblemático episódio da Guerra dos Emboabas ficou perpetuado na história como "Capão da Traição". Após a derrota dos paulistas na batalha campal de [[Cachoeira do Campo]], estes se renderam e foram anistiados com a pena de se retirarem da região das minas. Vários paulistas pararam em um [[capão]] (mata baixa cercada de floresta) na região situada próxima aos Arraiais da Ponta do Morro (próximo à atual [[Tiradentes]]) e Novo de Nossa Senhora do Pilar (atual [[São João del-Rei]]), provavelmente na região da antiga Fazenda do Córrego. Talvez tivessem os paulistas a intenção de reorganizar a sua tropa e marchar novamente contra os emboabas, agora em guerra de cerco, ou guerra de tocaia.
O mais trágico e emblemático episódio da Guerra dos Emboabas ficou perpetuado na história como "Capão da Traição". Após a derrota dos paulistas na batalha campal de [[Cachoeira do Campo]], estes se renderam e foram anistiados com a pena de se retirarem da região das minas. Vários paulistas pararam em um [[capão]] (mata baixa cercada de floresta) na região situada próxima aos Arraiais da Ponta do Morro (próximo à atual [[Tiradentes]]) e Novo de Nossa Senhora do Pilar (atual [[São João del-Rei]]), provavelmente na região da antiga Fazenda do Córrego. Talvez tivessem os paulistas a intenção de reorganizar a sua tropa e marchar novamente contra os emboabas, agora em guerra de cerco, ou guerra de tocaia.


O exército emboaba encontrava-se também nas imediações. Os paulistas enviaram, então, alguns [[Povos indígenas do Brasil|índios]] [[Escravidão indígena no Brasil|cativos]] para averiguar a posição dos emboabas e atraí-los para uma emboscada no capão. A estratégia funcionou e o exército dos emboabas marchou em direção da armadilha paulista, sendo recebido a tiros e muitos de seus caindo vitimados de disparos vindo de cima do arvoredo.
O exército emboaba encontrava-se também nas imediações. Os paulistas enviaram, então, alguns [[Povos indígenas do Brasil |índios]] [[Escravidão indígena no Brasil|cativos]] para averiguar a posição dos emboabas e atraí-los para uma emboscada no capão. A estratégia funcionou e o exército dos emboabas marchou em direção da armadilha paulista, sendo recebido a tiros e muitos de seus caindo vitimados de disparos vindo de cima do arvoredo.


Mas houve o contra-ataque por parte dos emboabas comandados por [[Bento do Amaral Coutinho]]. Após ver tombar seu [[Negros|negro]] de confiança, Bento reorganizou seu exército em linha e, marchando para trás todo o destacamento emboaba, ficou fora da alça de mira dos paulistas. Estes, por sua vez, viram-se cercados e resistiram bravamente por dois dias, até solicitarem a trégua e a rendição a Bento do Amaral. Este chefe emboaba chegou a jurar pela [[Santíssima Trindade]] que, após a rendição e deposição das armas dos paulistas, não os mataria e expediria livre conduto para estes seguirem para fora da região das minas. Mas, após a rendição e entrega das armas, Bento decretou o massacre de todos os cerca de 300 paulistas capturados.
Mas houve o contra-ataque por parte dos emboabas comandados por [[Bento do Amaral Coutinho]]. Após ver tombar seu [[Negros |negro]] de confiança, Bento reorganizou seu exército em linha e, marchando para trás todo o destacamento emboaba, ficou fora da alça de mira dos paulistas. Estes, por sua vez, viram-se cercados e resistiram bravamente por dois dias, até solicitarem a trégua e a rendição a Bento do Amaral. Este chefe emboaba chegou a jurar pela [[Santíssima Trindade]] que, após a rendição e deposição das armas dos paulistas, não os mataria e expediria livre conduto para estes seguirem para fora da região das minas. Mas, após a rendição e entrega das armas, Bento decretou o massacre de todos os cerca de 300 paulistas capturados.


=== Derrota dos paulistas ===
=== Derrota dos paulistas ===
O confronto terminou por volta de [[1709]], graças à intervenção do Rei Mizael e Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho, que destituiu [[Manuel Nunes Viana|Nunes Viana]] e manteve a estrutura administrativa emboaba<ref name="bn"/>. Sem os privilégios desejados e sem forças para guerrear, os paulistas retiraram-se da região. Sua última tentativa de expedição punitiva contra os emboabas foi derrotada no [[Rio das Mortes (Minas Gerais)|Rio das Mortes]]. Muitos deles foram para o oeste, onde, mais tarde, descobriram novas jazidas de ouro, na região dos atuais estados do [[Mato Grosso do Sul]], [[Mato Grosso]] e [[Goiás]].
O confronto terminou por volta de [[1709]], graças à intervenção do governador do [[Rio de Janeiro]], Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho, que destituiu [[Manuel Nunes Viana |Nunes Viana]] e manteve a estrutura administrativa emboaba<ref name= "bn" />. Sem os privilégios desejados e sem forças para guerrear, os paulistas retiraram-se da região. Sua última tentativa de expedição punitiva contra os emboabas foi derrotada no [[Rio das Mortes (Minas Gerais) |Rio das Mortes]]. Muitos deles foram para o oeste, onde, mais tarde, descobriram novas jazidas de ouro, na região dos atuais estados do [[Mato Grosso do Sul]], [[Mato Grosso]] e [[Goiás]].


== Testemunhos ==
== Testemunhos ==
=== Bento Furtado Fernandes de Mendonça ===
=== Bento Furtado Fernandes de Mendonça ===
Relato clássico dos descobrimentos das Minas Gerais, a "Notícia dos primeiros descobridores das primeiras minas de ouro pertencentes a estas Minas Gerais, pessoas mais assinaladas nestas empresas e dos mais memoráveis casos acontecidos desde os seus princípios", escrita pelo "coronel das três vilas", [[Bento Furtado Fernandes de Mendonça]], falecido em 1765, e filho de um dos mais notáveis bandeirantes dos primeiros anos das minas: [[Salvador Fernandes Furtado]]. Esse relato faz menção à Guerra dos Emboabas e permite inferir o estado de espírito daquela época:
Relato clássico dos descobrimentos das Minas Gerais, a "Notícia dos primeiros descobridores das primeiras minas de ouro pertencentes a estas Minas Gerais, pessoas mais assinaladas nestas empresas e dos mais memoráveis casos acontecidos desde os seus princípios", escrita pelo "coronel das três vilas", [[Bento Furtado Fernandes de Mendonça]], falecido em 1765, e filho de um dos mais notáveis bandeirantes dos primeiros anos das minas: [[Salvador Fernandes Furtado]]. Esse relato faz menção à Guerra dos Emboabas e permite inferir o estado de espírito daquela época:
 
{{quote2 |Correndo os tempos em 1709 para 1710 houve o pernicioso levantamento de que em seu lugar daremos notícia dos ingratos filhos da Europa contra os famosos descobridores destes haveres, para remédito de tantos desválidos Europeus, e contra os Paulistas, não menos empregados nos mesmos descobrimentos e benefícios aos mesmos ingratos; nome este de paulistas odioso entre aqueles, que não os puderam imitar, nem deixar de receber destes favores, que os constituíram ingratos; próprias ações a que a arroja a inveja, em que não permanecem merecimentos e sobra a ambição de senhorear o alheio por meios violentos, ou mesmo razoáveis [...] Neste estado se achavam as Minas correspondendo o rendimento ao custoso trabalho dos mineiros com rendosas conveniências, aumentando, de cada vez mais, o concurso dos negócios e do povo, e do povo de várias partes, e maiormente filhos de Portugal, entre os quais vieram muitos que sendo mais ardilosos para o negócio quiseram inventar contratos de vários gêneros para mais depressa, e com menos trabalho encherem as medidas, a que aspiravam da incansável ambição, como foi um religioso Trino, cujo nome não faltará quem diga com outro religioso, o chamado Frei Conrado, que atravessaram os negociantes antes de entrarem nas Minas…<ref>{{citar livro| last = Taunay | first = Afonso de Escragnolle|título= Relatos sertanistas| publicado = Itatiaia|ano= 1981|página = 229|url=https://books.google.com.br/books?id=JOArAAAAYAAJ}}</ref>{{Page needed | date = 2022 Mar}} Defenderam os paulistas, e alguns dos mais bem intencionados Reinóis, que o não conseguissem; motivos estes, por que foram concebendo um ódio mortal aqueles ambiciosos a estes defensores do bem público, e geral de todos os habitantes, que queriam, fossem oprimidos com tão pernicioso enredo de ambição. Fomentou este ódio com mais rigor o poder, e respeito, que os paulistas lograriam como pessoas principais, e fundadoras as povoações e aumentadas em riquezas e venerações dos favorecidos: coisas que aumentam a inveja, e confirmam o mais fino, e inveterado ódio. Não há dúvida de que muitos Paulistas, observavam pacíficos, humanados ao bom trato, e favor dos Reinóis, recolhendo-os em suas companhias, favorecendo-os em tudo, e aumentado-os dos baixos princípios, com que às Minas chegavam. Havia contudo alguns Paulistas que levados da sua soberania de respeito queriam tributos de adorações, como era sobre todos [[Jerônimo Pedroso de Barros]], como foi notório, e seu irmão [[Valentim Pedroso de Barros]], suposto este por elevados brios, e caprichos do príncipe, que de maldade".<ref>{{Citation | title = Relatos Sertanistas | first = Afonso de E. | last = Taunay | publisher = Ed. da Universidade de São Paulo}}.</ref>{{Page needed | date = 2022 Mar}}}}
{{quote2|Correndo os tempos em 1709 para 1710 houve o pernicioso levantamento de que em seu lugar daremos notícia dos ingratos filhos da Europa contra os famosos descobridores destes haveres, para remédito de tantos desválidos Europeus, e contra os Paulistas, não menos empregados nos mesmos descobrimentos e benefícios aos mesmos ingratos; nome este de paulistas odioso entre aqueles, que não os puderam imitar, nem deixar de receber destes favores, que os constituíram ingratos; próprias ações a que a arroja a inveja, em que não permanecem merecimentos e sobra a ambição de senhorear o alheio por meios violentos, ou mesmo razoáveis [...] Neste estado se achavam as Minas correspondendo o rendimento ao custoso trabalho dos mineiros com rendosas conveniências, aumentando, de cada vez mais, o concurso dos negócios e do povo, e do povo de várias partes, e maiormente filhos de Portugal, entre os quais vieram muitos que sendo mais ardilosos para o negócio quiseram inventar contratos de vários gêneros para mais depressa, e com menos trabalho encherem as medidas, a que aspiravam da incansável ambição, como foi um religioso Trino, cujo nome não faltará quem diga com outro religioso, o chamado Frei Conrado, que atravessaram os negociantes antes de entrarem nas Minas [...]<ref>{{citar livro|autor= Taunay, Afonso de Escragnolle|título= Relatos sertanistas|editor= Editora Itatiaia|ano= 1981|páginas= 229|url=https://books.google.com.br/books?id=JOArAAAAYAAJ&q=%22diga+com+outro+religioso,+o+chamado+Frei+Conrado,+que+atravessaram+os+negociantes+antes+de%22&dq=%22diga+com+outro+religioso,+o+chamado+Frei+Conrado,+que+atravessaram+os+negociantes+antes+de%22&hl=pt-BR&sa=X&ei=cT2CVdGzNIS0-AGa8YG4BA&ved=0CCYQ6AEwAg}}</ref>  Defenderam os paulistas, e alguns dos mais bem intencionados Reinóis, que o não conseguissem; motivos estes, por que foram concebendo um ódio mortal aqueles ambiciosos a estes defensores do bem público, e geral de todos os habitantes, que queriam, fossem oprimidos com tão pernicioso enredo de ambição. Fomentou este ódio com mais rigor o poder, e respeito, que os paulistas lograriam como pessoas principais, e fundadoras as povoações e aumentadas em riquezas e venerações dos favorecidos: coisas que aumentam a inveja, e confirmam o mais fino, e inveterado ódio. Não há dúvida de que muitos Paulistas, observavam pacíficos, humanados ao bom trato, e favor dos Reinóis, recolhendo-os em suas companhias, favorecendo-os em tudo, e aumentado-os dos baixos princípios, com que às Minas chegavam. Havia contudo alguns Paulistas que levados da sua soberania de respeito queriam tributos de adorações, como era sobre todos [[Jerônimo Pedroso de Barros]], como foi notório, e seu irmão [[Valentim Pedroso de Barros]], suposto este por elevados brios, e caprichos do príncipe, que de maldade".<ref>Relatos Sertanistas, Afonso de E. Taunay, Ed. da Universidade de São Paulo</ref>}}


=== Borba Gato ===
=== Borba Gato ===
[[Imagem:Rollo - Borba Gato.jpg|thumb|[[Estátua]] em [[bronze]] de [[Manuel da Borba Gato]], de [[Nicola Rollo]], no [[Museu do Ipiranga]], em [[São Paulo]]]]
[[Imagem:Rollo - Borba Gato.jpg|thumb|[[Estátua]] em [[bronze]] de [[Manuel da Borba Gato]], de [[Nicola Rollo]], no [[Museu do Ipiranga]], em [[São Paulo]]]]


O melhor relato sobre os acontecimentos saiu da pena do superintendente [[Borba Gato]], que escreveu longamente ao governador dom [[Fernando Martins Mascarenhas Lencastre]] em [[29 de novembro]] de [[1708]], das minas do Rio das Velhas:
O melhor relato sobre os acontecimentos saiu da pena do superintendente [[Borba Gato]], que escreveu longamente ao governador dom [[Fernando Martins Mascarenhas Lencastre]] em [[29 de novembro]] de [[1708]], das minas do Rio das Velhas:
 
{{quote2 |Muito tempo há que em profecia escrevia a Vossa Senhoria que se não podia tratar nestas Minas do bem comum, menos da arrecadação da Fazenda de Sua Majestade, que Deus guarde, nem da dos defuntos e ausentes, sem que houvesse nelas Infantaria. Agora posso afirmar que para se poder tratar destes (Ilegível) não se necessita menos que um exército, porque se foram os homens que entraram pela estrada proibida da Bahia desaforando de sorte que já cada vez que querem fazer um motim ou levantamento, para isso tem eligido cabos neste distrito e dado senhas, que não há mais que dá-la um para todos estarem juntos. Isto tem dobrado três vezes depois que saiu desta terra Cristóvão Correia Leitão. Foi a primeira vez que um bahiense que meteu um comboio em sua casa tão publicamente, em tão claro dia, que parece o acusava a sua consciência em que eu lho havia de ir confiscar, porém mal o podia fazer se nem por pensamentos tive notícia disso. Tratou de juntar gente, prevenir armas e não devia ser para me entregar o comboio. É incrível que seria para me descompor ou para me matar. Como não fui a sua casa, desvaneceu-se desse levantamento de que não tive notícia senão depois de se terem passado muitos dias.
{{quote2|Muito tempo há que em profecia escrevia a Vossa Senhoria que se não podia tratar nestas Minas do bem comum, menos da arrecadação da Fazenda de Sua Majestade, que Deus guarde, nem da dos defuntos e ausentes, sem que houvesse nelas Infantaria. Agora posso afirmar que para se poder tratar destes (Ilegível) não se necessita menos que um exército, porque se foram os homens que entraram pela estrada proibida da Bahia desaforando de sorte que já cada vez que querem fazer um motim ou levantamento, para isso tem eligido cabos neste distrito e dado senhas, que não há mais que dá-la um para todos estarem juntos. Isto tem dobrado três vezes depois que saiu desta terra Cristóvão Correia Leitão. Foi a primeira vez que um bahiense que meteu um comboio em sua casa tão publicamente, em tão claro dia, que parece o acusava a sua consciência em que eu lho havia de ir confiscar, porém mal o podia fazer se nem por pensamentos tive notícia disso. Tratou de juntar gente, prevenir armas e não devia ser para me entregar o comboio. É incrível que seria para me descompor ou para me matar. Como não fui a sua casa, desvaneceu-se desse levantamento de que não tive notícia senão depois de se terem passado muitos dias.


Depois disto tive notícia certa que de umas razões que teve [[Jerônimo Pedroso de Barros]] com [[Manuel Nunes Viana]] se originaria uma ruína muito grande, porque para que sucedesse assim tinha aquele convidado não  só os parentes que tinha no distrito mas ainda a seu irmão [[Valentim Pedroso de Barros]] nas Minas Gerais e tinham passado palavra que em uma segunda-feira se haviam de achar todos no Caeté. Deu-me esta notícia em que cuidar pelo primeiro do bem comum e inquietação de um povo que alvoroçado sempre traz consigo estragos que dão que sentir, resolvi-me a fazer os editais que envio a Vossa Senhoria para que, ausentando-se Manuel Nunes Viana com um pretexto tão honrado se evitassem as ruínas que podiam suceder. Também com a consideração de que este homem e a sua vinda a estas Minas era tão prejudicial à Fazenda de Sua Majestade que Deus guarde, porque não tem mais exercício no Rio de São Francisco que esperar comboios da Bahia de uma grossa sociedade que tem naquela cidade, e tanto que lhe chegam, não se contenta com marchar com estes para as Minas, senão convir servindo de capitania aos mais comboios, para que nenhum seja tomado do inimigo que nesta conta tem a quem trata da arrecadação da Fazenda de Sua Majestade, que Deus guarde. Tanto que tem feito o seu negócio nestas Minas, passa palavra a todos os que aqui se acham com ouro para ir por aquela estrada proibida sem pagar quintos que se aparelhem para tal dia; juntam-se todos e se vão com ele, reconhecendo-o por seu General,  querendo disfarçar tudo isto que é tão público com vir dar o ano passado entrada a 47 cabeças de gado, como Vossa Senhoria se pode informar de Cristóvão Correia Leitão, e este ano de 46, que nem se cansou em a vir dar a esta oficina senão mandar.
Depois disto tive notícia certa que de umas razões que teve [[Jerônimo Pedroso de Barros]] com [[Manuel Nunes Viana]] se originaria uma ruína muito grande, porque para que sucedesse assim tinha aquele convidado não  só os parentes que tinha no distrito mas ainda a seu irmão [[Valentim Pedroso de Barros]] nas Minas Gerais e tinham passado palavra que em uma segunda-feira se haviam de achar todos no Caeté. Deu-me esta notícia em que cuidar pelo primeiro do bem comum e inquietação de um povo que alvoroçado sempre traz consigo estragos que dão que sentir, resolvi-me a fazer os editais que envio a Vossa Senhoria para que, ausentando-se Manuel Nunes Viana com um pretexto tão honrado se evitassem as ruínas que podiam suceder. Também com a consideração de que este homem e a sua vinda a estas Minas era tão prejudicial à Fazenda de Sua Majestade que Deus guarde, porque não tem mais exercício no Rio de São Francisco que esperar comboios da Bahia de uma grossa sociedade que tem naquela cidade, e tanto que lhe chegam, não se contenta com marchar com estes para as Minas, senão convir servindo de capitania aos mais comboios, para que nenhum seja tomado do inimigo que nesta conta tem a quem trata da arrecadação da Fazenda de Sua Majestade, que Deus guarde. Tanto que tem feito o seu negócio nestas Minas, passa palavra a todos os que aqui se acham com ouro para ir por aquela estrada proibida sem pagar quintos que se aparelhem para tal dia; juntam-se todos e se vão com ele, reconhecendo-o por seu General,  querendo disfarçar tudo isto que é tão público com vir dar o ano passado entrada a 47 cabeças de gado, como Vossa Senhoria se pode informar de Cristóvão Correia Leitão, e este ano de 46, que nem se cansou em a vir dar a esta oficina senão mandar.
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== Bibliografia ==
== Bibliografia ==
* {{Citation | last = Furtado | first = Júnia Ferreira | title = José Rodrigues Abreu e a geografia imaginária emboaba da conquista do ouro | title = Modos de governar – Ideias e práticas políticas no Império Português séculos XVI a XIX | editor1-last = BICALHO | editor1-first = Maria Fernanda | editor2-last = FERLINI | editor2-first = Vera Lúcia do Amaral | edition = 1ª | place = São Paulo | publisher = Alameda | year = 2005}}.
* MELLO, José Soares de. ''Emboabas''. São Paulo: Governo do estado de São Paulo, [[1942]].
* MELLO, José Soares de. ''Emboabas''. São Paulo: Governo do estado de São Paulo, [[1942]].
* MIRANDA, Ana. "[[O Retrato do Rei|O retrato do rei]]" São Paulo: Companhia das Letras, 1991. Romance brasileiro.
* RIBEIRO, Berta. ''O índio na história do Brasil''. Editora Global, [[1987]].
* ROMEIRO, Adriana. ''Paulistas e emboabas no coração das Minas: idéias, práticas e imaginário político no século XVIII''. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2008.
* ROMEIRO, Adriana. ''Paulistas e emboabas no coração das Minas: idéias, práticas e imaginário político no século XVIII''. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2008.
* RIBEIRO, Berta. ''O índio na história do Brasil''. Editora Global, [[1987]].
* MIRANDA, Ana. "[[O Retrato do Rei|O retrato do rei]]" São Paulo: Companhia das Letras, 1991. Romance brasileiro.


== Ligações externas ==
== Ligações externas ==

Edição atual tal como às 16h34min de 13 de julho de 2022

Disambig grey.svg Nota: Para o distrito da cidade de São João del-Rei, Minas Gerais, veja Emboabas (distrito).

Predefinição:Manutenção/Categorizando por assunto

Guerra dos Emboabas
Guerra dos Emboabas.jpg
Ex-voto representando a vida de Agostinho Pereira da Silva desde sua saída de Portugal, enfrentando problemas em Minas Gerais até receber as ordens sacras na Bahia, localizado na Igreja de Nossa Senhora do Monte Serrate, Salvador, Bahia.
Data 17071709
Local Capitania de São Vicente, atual Minas Gerais
Desfecho Derrota dos paulistas:
Beligerantes
OrderOfCristCrossFlag.svg Bandeirantes Paulistas Predefinição:PRT1707 Emboabas da metrópole (reinóis ou europeus)
Predefinição:PRT1707 Emboabas de outras partes da América portuguesa
Comandantes
OrderOfCristCrossFlag.svg Borba Gato Predefinição:PRT1707 Manuel Nunes Viana
Predefinição:Info/AuxMapa

A Guerra dos Emboabas foi um confronto travado de 1707 a 1709 pelo direito de exploração das recém-descobertas jazidas de ouro na Capitania de São Vicente, região do atual estado de Minas Gerais, no Brasil. O conflito contrapôs os desbravadores vicentinos e os forasteiros que vieram depois da descoberta das minas. O primeiro grupo, formado pelos bandeirantes paulistas, havia descoberto a região das minas e, por esta razão, reclamava a exclusividade de explorá-las, e era liderado por Borba Gato. O outro grupo era heterogêneo e composto de portugueses provenientes da Europa e migrantes das demais partes do Brasil, sobretudo da costa leste nordestina, liderado por Manuel Nunes Viana, era pejorativamente apelidado de "emboabas" pelos paulistas.

Em novembro de 1708, Cachoeira do Campo, hoje distrito de Ouro Preto, foi um dos palcos do sangrento conflito envolvendo os direitos de exploração de ouro na futura Capitania de Minas Gerais. Este episódio não foi todo esclarecido ainda, sendo que, nele, várias passagens permanecem obscuras. Uma das teses levantadas é a que diz que tudo começa quando a frente luso-nordestina se choca com os paulistas subindo o rio São Francisco com seu gado.

Os emboabas

Pepita de ouro

Logo que a notícia da descoberta do ouro se espalhou, milhares de pessoas se deslocaram para a região, ficando pejorativamente conhecidos como "emboabas". O termo é proveniente do termo da língua geral paulista mbóaba, que significa literalmente "pata peluda" (mbó, pata + aba, peluda). Originalmente, o termo designava as aves com pernas cobertas de penas. Como os forasteiros sempre usavam calças e sapatos, ao contrário dos bandeirantes, estes começaram a utilizar o termo para se referir aos forasteiros.[1][2]Predefinição:Harvnb

Em sentido diverso, segundo o Dicionário Houaiss, emboaba seria a junção das palavras tupis mbo ("fazer que") + aba ("ferir"), sendo que mbo'aba seria um epíteto coletivo, aplicado a um grupo, e não apenas a um indivíduo. Assim, "os que invadem, agridem".

Contexto

A corrida pelo ouro atraiu, para a região, cerca de 50 mil pessoas "que fervilhavam à beira dos rios e caminhos, nos sertões distantes e inóspitos".[2] Os bandeirantes se achavam com maiores direitos sobre o ouro das minas, seja por eles terem sido os descobridores do lugar, seja por aquela região fazer parte da capitania de São Vicente, seja pela debilidade recente demonstrada pela coroa portuguesa ao ter de recorrer à ajuda dos bandeirantes paulistas para vencer a Guerra dos Palmares e a Confederação dos Cariris.[3] Prova disso foi petição da Câmara de São Paulo, de 7 de abril de 1700, que requereu que a outorga do território aurífero fosse dada exclusivamente pelas autoridades dessa capitania. Teve papel, no conflito, o protetor de Manuel Nunes Viana, Pascoal da Silva Guimarães.

Enquanto isso, os colonos da Bahia e de Pernambuco estavam muito mais ligados aos reinóis portugueses que aos colonos paulistas. Os nomes que trocaram entre si mostravam suas diferenças. Os da terra eram chamados de "nômades", ou "bandoleiros sem lei"; estes, por sua vez, apelidaram os estrangeiros e os vindos de outras capitanias brasileiras de "emboabas".

Para os paulistas, aqueles que não participaram dos esforços na procura de ouro não deveriam ter os mesmos direitos na exploração. A tensão entre os paulistas (também chamados de vicentinos) e os demais exploradores crescia, motivada pelo aumento no fluxo populacional e pela insistência dos paulistas e emboabas de controlarem a região[2].

Apesar de se misturarem pelas regiões povoadas das minas, paulistas e emboabas não se uniam: ao contrário, se juntavam cada grupo com um representante. O ex-bandeirante Manuel de Borba Gato era o líder dos paulistas, enquanto os emboabas eram liderados por Manuel Nunes Viana, português que veio para Bahia jovem, e era conhecido por atos de coragem que o trouxeram para a região onde era proprietário de lucrativas minas.

Outra causa da guerra seria o alto preço dos mantimentos, inclusive pela limitada oferta em ocasião do aumento da demanda.[2] Os comentários de Antonil em 1709 o provam e se tornou clássico o trecho em que relata: "a abundância de mantimentos e de todo o usual que hoje há nas Minas e do pouco caso que se faz dos preços extraordinariamente altos: um alqueire de farinha em São Paulo custava 640 réis, mas em Minas 43 000 réis! E assim por diante, uma libra de açúcar 120 réis em São Paulo e 1 200 nas Minas, uma galinha de 160 para 4 000 réis etc." Eliane Teixeira Lopes cita, em sua obra, um ensaio de Eduardo Frieiro, "Feijão, angu e couve", de 1966, que corrobora os acontecimentos. E J. Soares de Mello, em seu livro "Emboabas", de 1979, página 48, comenta: "Foi na época da fome como medida de prudência que Artur de Sá concedeu a Amaral Gurgel o estanco ou monopólio dos açougues. Não tardaram nada os abusos. O povo foi esmagado. E quando o monopólio chegou aos seus anos derradeiros e veladamente começaram as transações para o prorrogar, os paulistas se levantaram."

Por carta, o rei, para suprir a falta de gado, ordenara a dom Álvaro conceder a maior parte possível das terras entre o Rio de Janeiro e a serra dos Órgãos "com a obrigação de cada um dos donatários de pôr um curral de gado dentro de dois e até três anos no sitio que se lhes der, por se entender que com a fertilidade destas terras abundarão as capitanias em gado." Mas nada era assim tão simples. Em 1702, o governador dom Álvaro da Silveira e Albuquerque fizera doação, aumentando o domínio de Muribeca, no Espírito Santo, propriedade do colégio dos jesuítas do Rio de Janeiro, fundado no século XVII em terras doadas pelo Conde de Castelo Melhor, e que em 1701 possuía apenas 1 630 cabeças de gado - enquanto isso, suas fazendas no Rio e em Santa Cruz, Campos dos Goitacases e Campos Novos de São João em 1701 teriam 20 mil.

Foram baldadas, de 1702 a 1705, as providências do governador da Bahia, dom Rodrigo da Costa, para obstar a emigração que, das províncias beira-mar, se estava dando para as minas descobertas no atual Estado de Minas, principalmente vinda da Bahia, donde se transportavam muitas pessoas com seus escravos. Dom Rodrigo estabeleceu diversos presídios no interior para apreensão de escravos que fossem conduzidos para as minas. O ouro foi a pedra ímã, uma veemente atração: e formaram-se dois partidos, o dos paulistas e o dos emboabas. O historiador Diogo de Vasconcelos comenta: "paulistas e taubateanos teriam declarado talvez guerra pela posse de terrenos em Minas se não surgissem os forasteiros, inimigo comum que os amedrontou e uniu. Do reino, vinha o exemplo - formado de senhorios e conselhos autônomos, fabricado aos poucos e aos pedaços, federação de distritos fundidos pela política e nacionalizados pela história. Quando, no Brasil, as capitanias passaram a ser incorporadas à Coroa, ao governo direto do reino, o fizeram na forma por que antes existiam, não se tinha concebido a ideia abstrata e consolidária da pátria: forasteiro, para a gente paulista, ou quase inimigo, era o natural de outras províncias, porque entendiam pertencer-lhes domínio exclusivo das minas por eles descobertas e povoadas no sertão."

O conflito

Pintura representando a Guerra dos Emboabas

Datam de 1706 as primeiras dissensões no arraial da Ponta do Morro, depois do Rio das Mortes, pela "morte injusta e tirânica que fez um paulista de um humilde forasteiro que vivia de uma pobre agência". Outro cronista diz por haver alguns índios carijós embriagados matado um português. Diogo de Vasconcelos, por sua vez, descreve: "Viajando por ali uns carijós para São Paulo, entraram a beber na venda de um novato reinol; rivalidade era tema assentado de todas as conversas; os carijós começam a falar de reinóis, defendidos pelo novato, pouco experiente, entre a bebida, houve altercação, e no ardor da discussão, foi morto o português pelos carijós. Fugiram estes pelo brejo do vale, saindo assim na lagoa Jucunem, e houve dois dias de batida para os descobrir – voltaram os do arraial, os moradores tinham-se reunido e determinado enviar ao Rio uma comissão de procuradores pedir a dom Fernando Martins Mascarenhas Lencastre compadecer-se da situação e lhes mandar autoridade para reprimir malfeitores e bandidos."

Em 1707, no Arraial Novo do Rio das Mortes, dois chefes importantes dos paulistas foram linchados pelos emboabas. Com medo de uma vingança, fugiram para a mata, ficando apenas um pequeno grupo na resistência. Os paulistas, apesar de terem motivos para agir, limitaram-se a enterrar seus chefes, e não enfrentaram os emboabas. Isso encorajou os emboabas que haviam fugido para a mata a voltar e a não mais se aterrorizarem com os paulistas.

Não se deve pensar, segundo os historiadores, que estava em jogo apenas o ouro: intervieram, também, criadores de gado e não apenas mineradores emigrados de São Vicente. Os criadores reagiram ao sistema de contratos com o objetivo de assegurar, com exclusividade, o fornecimento a açougues de animais para o abate e de arbitrar a venda da carne ao consumidor.

Em 1708, um choque inevitável aconteceu, e os dois lados voltaram a guerrear. Manuel de Borba Gato interveio, banindo Nunes Viana da região do Rio das Velhas, porém, sem sucesso. Várias tentativas de acordo foram feitas, todas infrutíferas. Os emboabas tomaram a iniciativa de desarmar todos os paulistas que encontravam, com o pensamento que estes preparavam um grande ataque contra eles. Houve pouca resistência, e, ao fim de 1708, os emboabas já tinham o controle de duas das três áreas de mineração mais importantes. Os paulistas refugiaram-se na região de Rio das Mortes.

Os emboabas reuniram-se e proclamaram Nunes Viana governador da região mineradora, numa afronta ao rei, que era o único a ter a prerrogativa para a escolha.[2] Em seguida, os emboabas encarregaram Bento do Amaral Coutinho da expulsão dos paulistas restantes[carece de fontes?]. Os paulistas não opuseram resistência, e recuaram mais uma vez, desta vez para Parati e São Paulo.

Capão da Traição

O mais trágico e emblemático episódio da Guerra dos Emboabas ficou perpetuado na história como "Capão da Traição". Após a derrota dos paulistas na batalha campal de Cachoeira do Campo, estes se renderam e foram anistiados com a pena de se retirarem da região das minas. Vários paulistas pararam em um capão (mata baixa cercada de floresta) na região situada próxima aos Arraiais da Ponta do Morro (próximo à atual Tiradentes) e Novo de Nossa Senhora do Pilar (atual São João del-Rei), provavelmente na região da antiga Fazenda do Córrego. Talvez tivessem os paulistas a intenção de reorganizar a sua tropa e marchar novamente contra os emboabas, agora em guerra de cerco, ou guerra de tocaia.

O exército emboaba encontrava-se também nas imediações. Os paulistas enviaram, então, alguns índios cativos para averiguar a posição dos emboabas e atraí-los para uma emboscada no capão. A estratégia funcionou e o exército dos emboabas marchou em direção da armadilha paulista, sendo recebido a tiros e muitos de seus caindo vitimados de disparos vindo de cima do arvoredo.

Mas houve o contra-ataque por parte dos emboabas comandados por Bento do Amaral Coutinho. Após ver tombar seu negro de confiança, Bento reorganizou seu exército em linha e, marchando para trás todo o destacamento emboaba, ficou fora da alça de mira dos paulistas. Estes, por sua vez, viram-se cercados e resistiram bravamente por dois dias, até solicitarem a trégua e a rendição a Bento do Amaral. Este chefe emboaba chegou a jurar pela Santíssima Trindade que, após a rendição e deposição das armas dos paulistas, não os mataria e expediria livre conduto para estes seguirem para fora da região das minas. Mas, após a rendição e entrega das armas, Bento decretou o massacre de todos os cerca de 300 paulistas capturados.

Derrota dos paulistas

O confronto terminou por volta de 1709, graças à intervenção do governador do Rio de Janeiro, Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho, que destituiu Nunes Viana e manteve a estrutura administrativa emboaba[2]. Sem os privilégios desejados e sem forças para guerrear, os paulistas retiraram-se da região. Sua última tentativa de expedição punitiva contra os emboabas foi derrotada no Rio das Mortes. Muitos deles foram para o oeste, onde, mais tarde, descobriram novas jazidas de ouro, na região dos atuais estados do Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Goiás.

Testemunhos

Bento Furtado Fernandes de Mendonça

Relato clássico dos descobrimentos das Minas Gerais, a "Notícia dos primeiros descobridores das primeiras minas de ouro pertencentes a estas Minas Gerais, pessoas mais assinaladas nestas empresas e dos mais memoráveis casos acontecidos desde os seus princípios", escrita pelo "coronel das três vilas", Bento Furtado Fernandes de Mendonça, falecido em 1765, e filho de um dos mais notáveis bandeirantes dos primeiros anos das minas: Salvador Fernandes Furtado. Esse relato faz menção à Guerra dos Emboabas e permite inferir o estado de espírito daquela época:

Borba Gato

O melhor relato sobre os acontecimentos saiu da pena do superintendente Borba Gato, que escreveu longamente ao governador dom Fernando Martins Mascarenhas Lencastre em 29 de novembro de 1708, das minas do Rio das Velhas:

Este documento está na Biblioteca Nacional de Lisboa, Arquivo de Marinha e do Ultramar, docs 3212 a 3225 do Rio de Janeiro. Borba Gato é assim o primeiro historiador dos emboabas. Tumultos e dissensões paralisaram as Minas, extinguiram trabalho e anularam colheitas. Só se cuidava da guerra e os moradores estavam reduzidos à miséria. Não era entretanto chegado o momento de descerrar ao Governador quanto sabia. Escreveu não para acusar mas para apurar responsabilidades.

João da Veiga da Costa

João da Veiga da Costa, que era mestre de campo do Terço dos auxiliares das Capitanias da vila de Nossa Senhora da Conceição de Itanhaém, escreveria em 19 de abril de 1719:

Bento do Amaral Coutinho

Estátua em Caeté em homenagem à liderança de Nunes Viana na Guerra dos Emboabas

Datada de 16 de janeiro de 1709 temos uma carta, escrita do arraial de Ouro Preto por Bento do Amaral Coutinho e enviada a dom Fernando Martins Marcarenhas Lencastre - e por tal carta demonstra que não seria facinoroso como a história quer, porque o governador não se corresponderia amistosamente com um fora da lei. Diz nela:

Junta no Rio de Janeiro

Em 16 de janeiro de 1709, houve Junta no Rio:

O governador decidiu, portanto, partir a 2 de março, pois precisou de um mês para os preparativos de uma jornada que imaginava penosíssima - tempo de chuvas, caminhos intransitáveis, colheita longe, gastos excessivos.

Consequências

Mapa do Brasil após a Guerra dos Emboabas
  • Regulamentação da distribuição de lavras entre emboabas e paulistas.
  • Regulamentação da cobrança do quinto.
  • Cisão da Capitania de São Vicente em Capitania de São Paulo e Minas de Ouro e Capitania do Rio de Janeiro, ligadas diretamente à Coroa em (3 de novembro de 1709).
  • São Paulo deixa de ser vila, tornando-se cidade
  • Acabam as guerras na região das minas, com a metrópole assumindo o controle administrativo da região.
  • A derrota dos paulistas fez com que alguns deles fossem para o oeste onde, anos mais tarde, descobririam novas jazidas de ouro nos atuais estados do Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Goiás.
  • A produção de ouro após o fim da guerra aumenta de tal modo que Minas Gerais torna-se a região mais rica do Brasil entre 1740 (auge da produção) e 1760 (auge da arrecadação) com ápice médio de Vila Rica em 1750, mas como o grosso do ouro era desviado pelo São Francisco.

Influência na literatura brasileira

A guerra dos Emboabas foi tema da obra de ficção "A Muralha" (1954), da escritora brasileira Diná Silveira de Queirós.

Referências

  1. NAVARRO, E. A. Dicionário de tupi antigo: a língua indígena clássica do Brasil. São Paulo. Global. 2013. p. 560.
  2. 2,0 2,1 2,2 2,3 2,4 2,5 Romeiro, Adriana (4 de outubro de 2008), «Amor à terra?», Revista de História da Biblioteca Nacional, consultado em 15 de março de 2010, cópia arquivada em 21 de fevereiro de 2017 .
  3. ROMEIRO, Adriana. Revisitando a Guerra dos Emboabas: práticas políticas e imaginário nas Minas setecentistas. In: Modos de governar – Ideias e práticas políticas no Império Português séculos XVI a XIX. BICALHO, Maria Fernanda & FERLINI, Vera Lúcia do Amaral (Orgs.). 1ª ed. São Paulo: Alameda, 2005, p. 396
  4. Taunay, Afonso de Escragnolle (1981). Relatos sertanistas. [S.l.]: Itatiaia. p. 229 
  5. Taunay, Afonso de E., Relatos Sertanistas, Ed. da Universidade de São Paulo .

Bibliografia

  • Furtado, Júnia Ferreira (2005), BICALHO, Maria Fernanda; FERLINI, Vera Lúcia do Amaral, eds., Modos de governar – Ideias e práticas políticas no Império Português séculos XVI a XIX 1ª ed. , São Paulo: Alameda .
  • MELLO, José Soares de. Emboabas. São Paulo: Governo do estado de São Paulo, 1942.
  • MIRANDA, Ana. "O retrato do rei" São Paulo: Companhia das Letras, 1991. Romance brasileiro.
  • RIBEIRO, Berta. O índio na história do Brasil. Editora Global, 1987.
  • ROMEIRO, Adriana. Paulistas e emboabas no coração das Minas: idéias, práticas e imaginário político no século XVIII. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2008.

Ligações externas

Predefinição:Rebeliões do Brasil Colônia

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