O coronel Salvador Fernandes Furtado de Mendonça (? - 1725) foi famoso bandeirante, figura importante na descoberta do ouro em Minas Gerais e no seu desbravamento[1], sobretudo inicialmente, nos arredores de Mariana, Ouro Preto e São Caetano. Natural de Taubaté, era filho de Manuel Fernandes Edra e Maria Cubas (Vol V - pág. 433 2.ª Parte § 1.º Título Alvarengas - Genealogia Paulistana de Silva Lemes), foi figura importante na descoberta do ouro em Minas Gerais e no seu desbravamento e povoamento, sobretudo inicialmente, nos arredores de Mariana e Ouro Preto.
Diogo de Vasconcelos diz dele que "observado de perto, não foi menos que o Borba, que Arzão e que os Buenos, mas todavia se fez maior, como Antônio Dias de Oliveira, que de inferior a todos, colocou-se na primeira plana, atento o valor e o resultado de seus descobrimentos.[2]
Casou com Maria Cardoso de Siqueira; passou a residir em Taubaté; sertanista de mérito, com seu cunhado Francisco Pedroso fez desde 1687 entrada ao sertão de Caeté nas futuras Minas Gerais.
Em 1694 fez entrada para a casa da Casca, para as bandas do rio Doce, para prear índios; sua bandeira teria encontrado fortuitamente na Itaverava com a bandeira de Bartolomeu Bueno de Siqueira, composta por Manuel de Camargo, João Lopes de Camargo, Miguel de Almeida e Cunha, Antônio de Almeida e outros, acabava de descobrir indícios de ouro no local.
Obteve algumas oitavas que levou a Taubaté, de onde Carlos Pedroso da Silveira, sócio de Bartolomeu Bueno de Siqueira, as levou para o Rio de Janeiro e deu em manifesto ao Governador em 15 de junho de 1695.
Continuou, ao que parece, as pesquisas de ouro no local até 1697, quando voltou a Taubaté; em 1700 teria retornado às Minas Gerais e descoberto as minas do Bom Sucesso, na região de Ouro Preto, em continuação a descobertos na região do Ribeiro do Carmo, futura Mariana.
Alguns dados biográficos
Nasceu na então vila de São Francisco das Chagas de Taubaté, filho de Manuel Fernandes Vieira ou de Edra e de D. Maria Cubas, paulistas. Casou com D. Maria Cardoso de Siqueira, de Taubaté, filha de Antônio Cardoso (morto em 1664 em Taubaté) e D. Maria Rodrigues de Siqueira.
A descoberta do ouro
Bartolomeu Bueno de Siqueira sabia que o caminho do sul era conhecido, o caminho do leste fora percorrido por Antônio Rodrigues Arzão: restava o norte e o oeste. « Bueno havia perlustrado as paragens do Oeste e da serra divisória das águas do Paraopeba avistado os píncaros do Sabaraboçu: ia para lá voltar. »
O outro participante da bandeira de Bartolomeu Bueno, Manuel Ortiz de Camargo, com seu filho Sebastião, foi buscar o roteiro de Arzão e o rio Casca, mas morreu pelos índios bravios e o filho voltou à Itaverava com os restos da comitiva. Assim diz-se que Bartolomeu, saindo na região dos campos enfrente à Itatiaia, fronteira desconhecida do Tripuí, subiu para o alto dos Pires, desceu nas fraldas da Itabira («pedra aguda») e, parecendo-lhe ver nos recortes do Morro Velho o do Itacolumi, só se certificou de andar errado quando reparou no aumento do rio, em nada parecido com o de fundo sujo: recordou que entre os do arraial de Santana circulava a noticia de uma serra chamada Itatiaia (na carta de sesmaria de Borba Gato de 3 de dezembro de 1710 vê-se que o Itatiaiaçu se chamava serra da Itatiaia)e, como a largueza dos planos do alto da serra do Curral deixava ao longe a vista, engrenhada na mesma cordilheira da outra Itatiaia, continuada pela Itabira e pela Moeda, julgou ser aquela a única denominação correspondente à mesma serra. Chegando ao Itatiaiaçu é que se deu conta do engano! Mas em Santana ouvira também falar de um ribeiro com ouro - disseram-lhe os índios que ficava quatro jornadas além do arraial: se pôs em marcha, descobrindo o rio Pitangui. Assim Bartolomeu Bueno de Siqueira teria seguido pelo Pires e Congonhas, depois rio Paraopeba, ao rio Pitangui, e ali iniciado a povoação que hoje se chama Pitangui.
Já o coronel Salvador Fernandes Furtado seguira para o Norte. Consta que, com Miguel Garcia de Almeida e Cunha, teria rumado para o norte, buscando o córrego onde Manuel Garcia de Almeida Cunha achara ouro, a seis léguas da Itaverava, e deram origem ao arraial do Fundão, perto do qual nascerá muito mais tarde Cláudio Manuel da Costa.
Em Itaverava, cuidavam do ouro, no que empregavam índios capturados no sertão do Caeté e rio Doce, faltando-lhes a prática e instrumentos de ferro, de que o trabalho mineiro carece. Portanto deviam ser módicas as apurações, que faziam em pequenos pratos de pau e estanho, dos cascalhos e formações, que extraiam com paus pontiagudos. Tanto que Miguel de Almeida, companheiro de Bartolomeu Bueno, concertando a troca de uma clavina com Salvador recém-chegado, apenas pôde achar nas mãos de todos 12 oitavas! Esta teria sido a primeira quantidade de ouro apresentada ao Governador Antônio Pais de Sande, pois Manuel Garcia Velho a teve do coronel Salvador, em preço de duas índias, mãe e filha (Aurora e Célia) e tirou logo para São Paulo, no desígnio de a manifestar - tendo buscado em Taubaté a Carlos Pedroso da Silveira. Havia rivalidades e diferenças entre os naturais das duas vilas, São Paulo e Taubaté, que produziram bons resultados, «pois desvairados uns dos outros seguíram diferentes rumos, donde vieram os diversos descobertos e a multidão dos serviços que se faziam principalmente nas margens planas dos rios, que chamam tabuleiros.»
O primeiro domicílio construído nas Minas Gerais, segundo muitos autores, pois o coronel resolveu logo se assenhorear dele. Descortinou outros ribeiros, e muitos companheiros foram-se apoderando dos melhores, como Belchior da Cunha Barregão (cunhado seu, casado com sua irmã Margarida Cardoso de Siqueira; morto em 17 de março de 1718, foi sepultado na igreja matriz da vila do Carmo, depois Mariana). Levantou assim acampamento e prosseguiu pelas costas do Gualacho, entrando no vale do ribeiro que ainda leva o nome de Belchior, começando a subir a serra de Bento Leite, mais suave de encosta: de cima, há um dos mais belos panoramas do Brasil, o infinito horizonte do Mato Dentro! Vêem-se as serranias longínquas, os penhascos do Tripui num emaranhado de nuvens, e descendo encontraram o ribeiro do Carmo em 16 de julho de 1696, festa da Virgem, aniversário de Mariana.
Nesta bandeira do coronel vinha Bento Leite da Silva, paulista, um dos descobridores, pois desvendou em 1694 a serra que tomou seu nome. Depois da partida de Bueno, Miguel Garcia de Almeida e Cunha procurou ultrapassar os montes do norte e foi ter à serra do Itatiaia, onde encontrou ouro, e fraldejando depois tal serra, fez o importante descobrimento do rio Gualacho do Sul que a princípio tinha seu nome; e outras bandeiras chegavam ao sitio, atraídos pelas notícias chegadas a São Paulo.
Em 1696
Assim, temos que o coronel Salvador partiu de Taubaté numa bandeira e chegou em 16 de julho de 1696 nas margens do ribeirão do Carmo. É a data oficial da fundação de Mariana! A primeira cabana que ergueu teria sido ainda, em vida do fundador, a primeira vila das novas Minas Gerais. Diz-se que construiu as primeiras cabanas na praia agora chamada dr Matacavalos, entre rochedos e matas, meia légua acima, «rompendo a clareira luminosa da Passagem, esbatida no pano de fundo da serra eriçada de penhascos, em cujo cimo se apresentava o Itacolumi - mas desfigurado, como se avista de Mariana».
Ergueu uma capela modesta (talvez a mais antiga igreja de Minas: disputam-lhe a de Raposos, que dizem erguida em 1690; a de Itaverava, que estaria de pé em 1697). Nela foi capelão o esquecido Padre Francisco Gonçalves Lopes, o Canjica de apelido. Estando em pleno sertão do Caeté, impunha-se vigilância contra os perigos.
A data 1696 para o descobrimento de ouro no Carmo deve ser correta apesar de que «descobrir, denunciar, manifestar, medir e repartir» foram em verdade termos que não couberam em um só ano, naqueles tempos em que a jornada de São Paulo a Itaverava era igual a três meses de marcha a pé, carregando o mantimento às costas. Ao medir e repartir mais tardes as datas do Carmo, a viagem do guarda-mor da Itaverava se fez em 1699 por Miguel Garcia (Vargem), Manuel de Almeida (Mariana) e depois João Lopes de Lima (Ponte Grande). Como Antonil dirá que «Garcia Rodrigues Pais e João Lopes de Lima tiraram de seu ribeirão cinco arrobas» de ouro, pode-se saber que o ribeirão era o mesmo: o ribeirão do Carmo, no trecho da Ponte Grande a São Sebastião portanto. Ali residia o Guarda-Mor, quando estava nas Minas de Cataguases, ali colocou seus parentes. E tais cinco arrobas foram tiradas antes de Garcia Rodrigues partir pelo trabalho do Caminho Novo, de 1700 a 1702.
Contornando o Regimento de 1603
Quando depois da grande fome o coronel Salvador retornou ao ribeirão do Carmo, encontrou-o praticamente ocupado e subiu por córrego que desagua no ribeirão do Carmo, que vem das fraldas da serra de Ouro Preto, e, encontrando ali faisqueiras riquíssimas, deu-lhe o nome Bom Sucesso, distribuindo-o por sua comitiva. «Conferenciando com o guarda-mor Garcia Rodrigues Pais em São Pauo em 1698 o coronel o informara da espantosa riqueza do Ribeirão do Carmo e da capacidade que se se esperava descobrir em todo o seu leito de praias abaixo; subindo em consequência disso o Guarda-mor e o coronel para o sertão em 1699, sendo este nomeado escrivão de datas, repartiram-se então os descobertos, o de Mariana em nome de Manuel Garcia de Almeida, ajudante e amigo intimo do mesmo coronel Salvador; o de Santa Teresa em nome de João Lopes de Lima, parente e amigo intimo de Garcia Rodrigues Pais, vindo em sua companhia.
Ora, pelo artigo 52 do Regimento de 15 de agosto de 1603, «o provedor, o tesoureiro, o escrivão e mais oficiais não podiam ter parte nem companhia nas minas, nem tratarem de metal algum, nem por si nem por outrem, sob pena de perdimento de sua fazenda e privação do seu ofício, e nas mesmas penas incorriam, de perdimento de sua fazenda, os que dessem parte ou tivessem companhia, uns e outros devendo ser embarcados para o Reino sem poderem tornar mais a estas partes». Mas repartir aquele ouro todo à flor da pele era o mesmo que fazer milionários: e pelo artigo 4° do mesmo Regimento «nas minas de lavagem, que as invernadas trazem nas correntezas dos rios, o provedor podia assinar a cada data as varas que lhe aprouvesse». Assim, se supõe que os companheiros do coronel Salvador que ficaram na sona do Carmo sob o comando d Manuel de Almeida conhecessem a praia da Ponta Gde, mas a João Lopes d Lima, por amor de Garcia Rodrigues Pais, cederam à denunciação.
Ulteriormente o Rei o alterou pelo Regimento de 1702 pois não haveria quem quisesse exercer nas minas o ofício sob o pavor daquelas penas, e por carta de 7 de maio de 1703 ao Superintendente José Vaz Pinto revoga-as, permitindo aos funcionários da guarda-moria lavrar e tirar da mineração vantagem lícita. Com a afluência dos mineradores, porém, foi mister irem se afastando os mais ambiciosos dos lugares ocupados, levados pelo estimulo de outros com sorte grande.
Instalado nas Minas
Tendo a esposa ficado em Pindamonhangaba, somente em 1711 o marido a mandou vir para as Minas.
Em 26 de março de 1711 recebeu sesmaria que diz que «tinha assistido nas Minas há sete anos e em todo esse tempo e nos mais do princípio do descobrimento das ditas Minas sempre cercando os matos e mandando fazer por seus filhos e escravos a buscar descobrimentos de lavras de ouro como consta dos que tem descoberto de grandes lucros; e agora queria mandar vir a sua família e parentes a morar nas Minas e não tinha largueza de terras para os acomodar e porque estavam devolutas as cabeceiras de uma sesmaria que eu fora servido dar-lhe no sitio do Morro Grande para a parte do Bromado me pedia fizesse mercê dar as ditas cabeceiras com uma légua de sertão para Guarapiranga, mandando-lhe passar carta.» É sua definitiva fixação em Minas Gerais, mas desde 1703 morava no Morro Grande , devendo-se à sua atividade o desenvolvimento da vila do Ribeirão do Carmo.
Assim, pouco depois de 1711, a família se instalou em São Caetano.
O coronel morreu com todos os sacramentos e deixou testamento, sendo sepultado em 21 de julho de 1725 na capela-mor, debaixo do arco cruzeiro, da matriz de São Caetano, pelo vigário Francisco Xavier. Deixou o testamento reproduzido abaixo. Sua esposa Maria morreu em 9 de março de 1726 tendo recebido o sacramento, deixando ao filho padre, seu testamenteiro, vários legados. Primeiro, sepultá-la em uma das covas do Santíssimo Sacramento, por gozardo privilégio como mulher de um irmão, do que o vigário do Ribeirão do Carmo Padre João de Carvalho Alves, fez assento. No testamento da viúva do coronel já não surgem como escravas Bárbara e as filhas, certamente alforriadas então. Tiveram sete filhos, alguns nascidos em Taubaté, outros em Pindamonhangaba, vila próxima, a dia e meio de viagem, onde o marido a fizera residir. Rocha, Prepetinga e Prazeres, no sertão entre o Carmo e Guarapiranga.
Entre os parentes trazidos para Minas, na capela do Carmo em 1711 fez sua sobrinha D. Mônica Fernandes (filha de seu irmão Manuel Fernandes Cubas) casar com Domingos Nogueira Vargas. Havia numerosa parentela na região de São Caetano, como Boaventura Furtado de Morais, seu sobrinho; Pedro Pais de Barros, João de Sousa Castelhanos, Afonso Gaia, o fundador do arrail. A figura do coronel é das mais nítidas: não foi menos que Arzão, Borba Gato ou Bartolomeu Bueno de Siqueira, pois os cronistas dizem que o ar do Carmo «deve a ele a luz que o resgatou do selvagismo.»
O coronel, homem bastante rico, tinha vida trivial, bem adaptado à sociedade de onde morava, pacífico e morreu tranquilamente em sua cama. Sua única excentricidade foram seus livros, segundo os cronistas, como as Ordenações do Reino, que tinha encadernadas, em pastas com frisos de ouro; o Repertório das Minas; uma História Social em seis volumes e mais 27 livros de muitos autores encadernados em pergaminho. Tinha louça de porcelana, talheres de prata e copos de vidro e prata, o que era verdadeiramente raro.
Os antigos livros sobre Minas Gerais dizem que «montava cavalo alazão arreado com sela de pele de onça, coxim de marroquim, xaréu e bolsão de veludo verde bordado a retrós amarelo; freio de prata nas ocasiões solenes para vir à missa do arraial ou andar na vila, onde muitas vezes foi nomeado juiz ordinário. Nos coldres, carregava seu par de pistolas de canos de bronze e aparelhadas de prata. Nas festas trajava-se com esmero, calças de limites e meias de seda, véstia de veludo, chapéu de três quinas finíssimo, todo de preto, a lhe luzirem nas meias e sapatos fivelas de ouro e pedras; apoiava-se no bastão encastoado de prata. Tinha mais dois outros fatos e um capote de camelão vermelho, além de outras peças interiores. No trem bélico, 14 armas de fogo, algumas aparelhadas de prata, catanas e lanças, o que não era demais, pois índios e negros enchiam de sobressalto as Fazendas e povoados, como na 1712 e noutra em 1719.» Dizem também os antigos cronistas: «Os quilombos se explicavam, negros fugiam em grande número, a sorte é que pretos e índios eram inimigos entre si.»
Em 1724 o coronel foi eleito Provedor do Sacramento, para fazer a Semana Santa de 1725 que foi solenissima. Domingos Pais de Barros, seu parente, anos antes instituíra a solenidade, organizando orquestra que lhe dera grande dificuldade, sendo a música arte de escravos; se um escravo valia 180 oitavas, um negro trombeteiro alcançava de 500 a 1.000! Por termo de 15 de outubro de 1724 os oficiais nomeados da Irmandade se comprometeram a doar 1.403 oitavas para a celebração da Semana Santa, e o coronel assinou as 500 que lhe competiam; no mesmo dia se assinou a autorização de compra de ornamentos, devendo-se a importância pagar pro rata.
Morara então da sua Fazenda do Rio do Peixe, caminho do Gama, cujo âmbito abrangia as Cachoeiras de Lavras Velhas, pois por carta de sesmaria de 3 de março de 1718 o governador D. Pedro de Almeida Portugal, conde de Assumar, confirmou a posse do coronel nos três sítios que fundou no Rio do Peixe, onde morava com mulher, filhos e genros. Por se estabelecer ali um grande engenho de cana, o sítio do Morro Grande adquiriu e guarda ainda o nome de Engenho Pequeno. Havia ali também uma mineração de roda (inventada em 1710 pelo Padre Bonino) no ribeirão de São Caetano. Tinha outras terras e propriedades na Bela Vista.
Carta de sesmaria
Carta de sesmaria dada no Ribeirão do Carmo em 23 de março de 1711 pelo governador Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho:
«Faço saber etc que, havendo resposta ao que por sua petição me enviou dizer o coronel Salvador Fernandes Furtado de Mendonça que o suplicante tinha assistido nas minas há sete anos e em todo êste tempo e nos mais do princípio do descobrimento das ditas minas, sempre cercando matos e mandando fazer por seus filhos e escravos a buscar descobrimentos de lavras e ouro, como consta das que tem descoberto de grandes lucros; e agora queria mandar buscar sua família e parentes para morar nas minas e não tinha largueza de terras para os acomodar e porquanto estavam devolutas as cabeceiras de uma sesmaria, que fui servido dar-lhe no sitio do Morro Grande para a parte do Brumado, me pedia lhe fizesse mercê dar-lhe as ditas cabeceiras com uma légua de sertão para Guarapiranga, mandando passar carta de sesmaria delas, e visto o requerimento,» etc.
Estaria portanto o coronel em Minas Gerais de 1703 a 1711 e nos tempos do início, o que queria dizer de 1695 a 1700, em que se começaram a descobrir as minas: estava em 1695 na Itaverava, 1696 abrira numerosos serviços no ribeirão do Carmo, mas sendo escrivão em 1699 tais descobrimentos ficaram em nome de Manuel de Almeida, e em 1700 descobrira o Bom Sucesso na região do Ouro Preto. Provavelmente se mudara desde 1703 para o Morro Grande, ali erigindo no ano a capela de Nossa Senhora do Loreto, também conhecida como Encarnaação, devoto que era desse título, como se verá em seu testamento.
As capelas se faziam essenciais à conquista por efetiva piedade religiosa ou por interesses máximos da colonização, pois mandava o Regimento das Minas que se repartissem os interesses pelos proprietários de datas, mas impunha determinadas condições, cuja principal era a catequese: donde a capela se impunha. Os amigos e parentes do coronel vão espalhar capelas ao logo do Ribeirão e em todas oficiou o Padre Francisco Gonçalves Lopes, seu capelão. Os filhos em 1704 haviam descoberto das minas do Pinheiro, do Bacalhau, Rocha, Prepetinga e Prazeres, no sertão entre o Carmo e Guarapiranga.
Testamento
São curiosas e muito elucidativas as cláusulas de seu testamento. Emancipou a mulata com quem vivera seu filho - «Declaro que entre os escravos que possuo e bem assim um mulata por nome Bárbara, a qual, pelos bons serviços que dela tenho recebido, e porque, casando-a, prometi que a deixaria por minha morte forra, agora, com o consentimento e beneplácito de meus filhos, a quem dei parte de minha última vontade no que concordaram todos, e também de minha mulher, a forro e dou liberdade assim a ela como a suas filhas, a saber: Nuno e Josefa, que dizem ser filha de meu filho Antônio Fernandes, e assim mais aos filhos do marido com quem era casada e são Pascoa, Quitéria e Marcos, aos que todos os forro, e hei por libertos para todo o sempre, como livres e isentos se poderão ir para onde quiserem, sem impedimento de pessoa alguma. » Não obstante, os filhos todos requereram no Inventário que se anulasse a verba testamentária, por exceder as forças da Terça, e assim se decidiu. As liberdades eram legados que não preferiam: pelo que ficaram prejudicadas ainda que em outros e em obras pias e sufrágios se despenderam mais de 8.000 oitavas! Para não deixar em falso a vontade do pai, porém, combinaram do melhor modo, retirando-se do quinhão de Antônio Fernandes seu filho Nuno, e da meação da viúva, Barbara e as filhas.
Continua o testamento, extremamente interessante por esclarecer a mentalidade de um importante sertanista, caráter previdente e bondoso, no que se referia ao tratamento dos escravos. Permite também esclarecer a diferença de tratamento entre o gentio da terra, ou seja, os índios (pois eles e seus descendentes não entravam no inventário) e os escravos africanos, de cuja sorte não se poderia prevenir:
«Item, declaro que tenho debaixo da minha administração do gentio da terra ou descendente dele as pessoas seguintes: João, filho de Sebastiana, que por entender ser filho do meu filho Bento Fernandes, lhe deixo a sua administração ao dito meu filho; item, Lauriana, Pedro, Salvador, e a dita Sebastiana acima nomeada, e a seu filho Carlos e Francisco e a João Mulato, deixo a meu filho o Padre Salvador Fernandes Furtado, com a condição de acompanhar e assistir com sua mãe; para que com o serviço desses escravos ajude o monte do casal e será obrigado a doutriná-los e a vesti-los, com a caridade do bom administrador; e sendo caso que o dito meu filho trate a estes escravos maltratando-os com rigor e menos caridade, ou deixe de acompanhar sua mãe, ou queira vender, doar ou alienar alguns destes escravos, ja desde agora substituo a dita administração no meu filho Antônio Fernandes; e peço e rogo a meus testamenteiros o metam logo de posse dos ditos escravos pela substituição, valendo-se, se necessário for, da autoridade da justiça de Sua Majestade, que Deus guarde, e caso que o segundo administrador também trate mal ou aliene os escravos ou alguns deles, ou deixe a companhia de sua mãe, passará a administração deles a meu filho Boaventura Furtado, e se cair em o mesmo excesso passará a administração com a mesma condição a sua mãe, mas se tirando esta administração de meus filhos varões, passará com a mesma substituição para o meu neto José de Souza Taveira, com o mesmo encargo; e não satisfazendo, passará a seu irmão, e assim irá correndo a linha de meus descendentes mais próximos com o mesmo encargo".
"Declaro que casei minha filha ilegitima Maria Cubas Furtado com Antônio Cabral da Gamboa e lhe dei cinco escravos dos quais devo 200 oitavas". A filha, a que dera o nome da mãe, nascera provavelmente no Carmo nos anos de sua fundação e casou na igreja do Carmo em 1716 com este homem paulista. Desaparecem menções a eles no no Carmo em 1721. Cláudio Manoel diz que morreu em Pitangui. Maria poderia ser filha da concubina carijó do Coronel, batizada Antônia? Em 6 de novembro de 1709 o coronel serviu de padrinho no Carmo a Francisco, filho legítimo de um Manuel Ribeiro, português, e certa Antônia Cubas, do gentio da terra. O certo é que havia uma poética «Aurora» ou «Célia», encontradas na Itaverava em 1695, vindas com Bartolomeu Bueno da Silva dos sertões do Rio Doce e Cuité e que pertenciam ambas a Manuel Garcia de Almeida. Ou seriam índias do vale do Paraíba em São Paulo? Pois os taubateanos tinham na Itaverava uma passagem contra os vales do Guarapiranga e Sipotaua depois chamado Xipoto, pois nunca desceram mais longe; do Campo Alegre dos Carijos, futura cidade de Queluz, penetravam e tinham ponto de encontro, apelidado Espera, onde as diversas turmas se juntavam para voltarem; ali havia índios de boa qualidade para a época, isto é, dóceis e medrosos, os puri.
Segue o testamento: «Declaro que casei minha filha Mariana de Freitas com João Pereira de Lisboa e lhe prometi dois mil cruzados, os quais ordeno que se paguem das 800 oitavas que me devem os que compraram a Cachoeira.» Era certamente o seu sítio na cachoeira de Lavras Velhas. O assento do casamento está na igreja de São Caetano, em 18 de fevereiro de 1725. O marido nascera na Ilha Terceira, a esposa em São Caetano em 1704, sendo filha primogênita de Andreza de Castilhos, concubina do coronel.
«Declaro que se dará a minha filha ilegítima Isabel Cubas um conto de réis para dote e 200 mil réis para vestuario.» Casaria com outro ilhéu da Terceira, José Mendes Costa, em 15 de agosto de 1726.
E mais: «Declaro que se dará a minha filha ilegítima Ana Maria um conto de réis para dote e 200 mil réis para vestuario». Casaria em São caetano em 22 de novembro de 1726 com Pedro da Silva e Souza, minerador, natural do Carmo, bastardo do mestre-de-campo Rafael da Silva e Souza, juiz ordinário que, indo fazer os inventários do coronel, tratou o casamento.
»Declaro que Andreza de Castilhos, mulher parda que tem assistido comigo há muitos anos de quem tive três filhas, é forra por três sentenças e por uma carta de alforria que lhe passou o Exmo. Sr. Governador D. Lourenço de Almeida em nome de Sua Majestade, a quem Deus guarde, por ser esta mulher por uma parte descendente do gentio da terra, e eu ter dado a Antônio Delgado d'Oliveira, como administrador das ditas, 680 oitavas de 320 mil réis, que fazem 217$600 réis.»
O coronel recomenda ainda a seus testamenteiros defender essa liberdade e a sustentassem a todo curso, gastando quanto fosse necessário contra qualquer demanda, à custa de sua fazenda.
«Declaro que a dita Andreza de Castilhos é filha de homem branco e de mulher neófita.» As leis a favor dos índios faziam com que seus filhos de modo algum nascessem escravos, caso em que deviam intervir os delegados Reais. A fraude da época era fazerem-nos batizar como nascidos de africanas, principalmente quando não eram gerados por brancos, cafuzos, e se confundiam mais facilmente. Da liberdade de Andreza dependia a das filhas do coronel, que deve ter morrido assustado.
O nome de Andreza era de uma senhora nobre da família de Carlos Pedroso da Silveira, esposa de Domingos Alves Ferreira, antigos moradores de Pindamonhangaba que mudaram para São Caetano do Rio Abaixo nos primórdios do seu povoamento. A mameluca deve ter nascido onde morava a madrinha, cria de Antônio Delgado d Oliveira.
Posteridade
- Antonio Fernandes Furtado nascido em Taubaté ca. 1680.
- Feliciano Cardoso de Mendonça (1683-1721) que ao morrer deixou viúva sua prima Maria Rodrigues de Siqueira, de quem tivera duas filhas: Branca (casada com Leonardo de Azevedo Castro, residentes em Brumado) e Maria (casada com Gonçalo de Souza Costa, residentes em Escalvado).
- Maria de Freitas Cardoso nascida em 1688, viúva desde 30 de abril de 1725 do Sargento-Mor João de Souza Taveira, homem de muita consideração. Tinham vindo para Minas na época dos cascalhos virgens do Ribeirão do Carmo e tiveram sete filhos, entre eles José de Souza Taveira; Josefa, Salvador, Rosa, Maria, Joana e uma filha póstuma.
- Coronel Bento Fernandes Furtado (ca. 1690-19 de outubro de 1765 Serro). Casou em São Caetano 1729 ou 1730 com sua prima Bárbara Moreira de Castilho (neta de Carlos Pedroso da Silveira por sua filha Tomásia Pedroso da Silveira, casada em Taubaté com o Capitão Domingos Alves Ferreira Filho. Foi declarado com 36 anos no inventário do pai, quando residia em Águas Claras. Depois teve em sua companhia o padre Francisco Gonçalves Lopes, o Canjica. Procurou fortuna que não lhe sorriu em São Caetano, e foi descobri-la no ouro da Campanha do Rio Verde e Serro, adquirindo propriedades em ambos locais. Em seu testamento deixou algum cabedal. Um curioso episódio: o irmão Feliciano, acima, o deixou como tutor de suas filhas. Intimado a prestar contas e entrar com dinheiro para o cofre das órfãs (não pequena quantia, mas 3.864 oitavas de ouro, não o fez. Foi preso na cadeia da Vila do Ribeirão do Carmo, depois Mariana, pelo juiz José Pereira de Moura. Como as tuteladas estavam contratadas para casar, deram quitação de suas legítimas e o tio pode ser solto. O fato, comum nos velhos tempos, demonstra a rápida decadência das grandes famílias. Teve certa de 10 filhos. Havia em solteiro tido de uma Sebastiana Cubas um filho natural.
- Comba Furtado de Santa Rosa, nascida em 1692, casada com o Capitão Antônio Pereira Rego;
- Boaventura Furtado de Mendonça nascido em 1694;
- Padre Salvador Fernandes Furtado, nascido em 1698, pois por ocasião da grande fome em Vila Rica em 1697 e 1698 o coronel desceu para Taubaté.
Referências
- ↑ https://books.google.com.br/books?id=zlIDAAAAMAAJ&pg=PA54&lpg=PA54&dq=Salvador+Fernandes+Furtado&source=bl&ots=XYnph8gSnK&sig=di5SrPHGzjXdAFdCP_Hs-Cf6Wiw&hl=pt-BR&sa=X&ved=0ahUKEwi_3cXex6LcAhXRpFkKHX7MCLwQ6AEIQDAE#v=onepage&q=Salvador%20Fernandes%20Furtado&f=false
- ↑ Dicionário de Bandeirantes e Sertanistas do Brasil, Francisco de Assis Carvalho Franco