Secularidade (qualidade ou característica de secular) é a condição de quem vive no século, isto é, entre as coisas do mundo e da vida. Opõe-se ao estado religioso, próprio dos que fizeram votos.
Segundo Boaventura de Sousa Santos, do ponto de vista da sociologia política, há distinção entre secularismo e secularidade. Secularismo, segundo ele, implica restringir a religião ao espaço privado exclusivamente. Já a secularidade supõe a permissão das expressões religiosas no espaço público como afirmação da própria liberdade de todos os cidadãos.[1]
Interpretação teórica cristã
A palavra "secular" vem do termo latino saeculāris, e e significa 'secular, relativo a século. No latim eclesiástico, significa "secular, profano, mundano, relativo ao mundo".
Teologicamente, o termo latino saeculum traduz o uso bíblico do grego antigo αἰών[2] (ciclo temporal da história da salvação), isto é, a "era", originalmente de sentido temporal, mais tarde estendida também à noção espacial.[3] Nesse sentido, o Antigo Testamento fala de séculos:[4] passado (tempo antes da Criação), presente (desde o pecado original até o Dia de Yahweh[5]) e futuros (após o Dia de Yahweh os "séculos dos séculos"). São Paulo, porém, introduz uma dilação: o Dia de Yahweh já começou com a Encarnação do Verbo, mas, antes da Parusia de Jesus Cristo, o século futuro só está presente de forma incoada:[6] Satanás detém o império no tempo presente, ainda que sua derrota esteja irremediavelmente decretada.[7] Por isso, o "século presente", na Bíblia, reveste-se às vezes de caráter pejorativo, especialmente em alguns textos juninos.
Posições dos católicos: secularidade absoluta ou relativa
O processo de secularização pode ser compreendido de dois modos: forte e brando. A secularização forte refere-se a uma afirmação da autonomia absoluta do homem. Tal secularidade seria uma reedição da visão prometeica do homem, presente entre os românticos, marxistas e nietzschianos. Essa visão está na base do laicismo.
A secularização branda, por sua vez, refere-se a uma afirmação da autonomia relativa do temporal. É uma desclericalização da visão de mundo, uma abertura ao diálogo tolerante. Nem sempre tal abertura foi realizada por alguns católicos no respeito à sua própria identidade cristã, ocasionando a reação de personagens ou grupos ditos tradicionalistas. Não obstante, a Igreja Católica defende o diálogo com a Modernidade sob a égide da liberdade religiosa.[8] Inclusive, viram grande desenvolvimento os movimentos laicos dentro da Igreja e espiritualidades compatíveis com a condição secular da franca maioria dos fiéis católicos, tanto leigos quanto clérigos seculares.[9]
Segundo a visão católica, as vertiginosas mudanças sociais dos últimos séculos criaram um campo amplíssimo de atuação, que constitui o mais radical desafio da história. Esse pluralismo necessita de instrumentos de união e diálogo para não cair na falsa disjunção público – privado. Nesse sentido, um patamar a ser conquistado é a autonomia integrada das esferas religiosa e estatal: a secularidade significa ser do mundo e responsabilizar-se por ele; mas a fé acolhida, pensada e vivida também faz-se necessariamente cultura. São Josemaria Escrivá de Balaguer, fundador da Opus Dei, sugeria: "Com a tua conduta de cidadão cristão, mostra às pessoas a diferença que há entre viver triste e viver alegre; entre sentir‑se tímido e sentir‑se audaz; entre agir com cautela, com duplicidade – com hipocrisia! —, e agir como homem simples de uma só peça. — Numa palavra, entre ser mundano e ser filho de Deus".[10] Assim, segundo a Igreja Católica, secularidade, é amor ao mundo redimido; mundanismo, porém, é amor ao pecado.[11]
Usos do conceito
A noção de secularidade tem sido usada de forma muito elástica, nem sempre de maneira precisa. Alguns exemplos:
- Autoridade secular, qualquer tipo de autoridade não eclesiástica nem monacal;
- Educação secular, escolas sem inspiração religiosa;
- Estado secular, estado não teocrático, regido por leis civis emanadas pelo povo ou por seus representantes;
- Cultura secular judaica, manifestações culturais dos judeus sem conotação religiosa;
- Música secular, composta para uso profano, em oposição à música sacra;
- Organizações seculares de abstinência, organizações de abstinência sem vínculo com organizações religiosas.
Referências
- ↑ 'Dilma tem grande insensibilidade social', diz guru da esquerda. Entrevista com Boaventura de Sousa Santos. Folha de S. Paulo, 26 de outubro de 2013.
- ↑ É o termo utilizado para traduzir o hebraico עוֹלַם ("era, futuro").
- ↑ Segundo o Bem-aventurado João Paulo II "à primeira vista, falar de "espaços" determinados em relação a Deus poderia gerar alguma perplexidade. Não está porventura o espaço, tal como o tempo, integralmente sujeito ao domínio de Deus? De fato, tudo saiu das suas mãos e não há lugar onde Ele não se possa encontrar: Do Senhor é a terra e tudo o que nela existe, o mundo e quantos nele habitam. Ele a fundou sobre os mares e a consolidou sobre as ondas (Livro de Salmos, capítulo 24, versículo 1 e seguintes). Deus está igualmente presente em todos os cantos da terra, pelo que o mundo inteiro pode considerar-se templo da sua presença." "Mas, isto não impede que, tal como o tempo pode ser marcado pelos kairói, momentos especiais de graça, analogamente também o espaço possa ficar assinalado por particulares intervenções salvíficas de Deus. Aliás, esta intuição acha-se presente em todas as religiões, que têm não apenas templos mas também espaços sagrados, onde se pode experimentar o encontro com o divino de forma mais intensa do que habitualmente se verifica na imensidão do mundo" (Carta sobre a peregrinação aos lugares relacionados com a Historia da Salvação, n. 2, 1999).
- ↑ Sob a figura de um incontável número de séculos a Bíblia indica de um modo mais simples o conceito filosófico de eternidade. A eternidade é a fonte viva que alimenta o arroio do tempo; definiu-a Boécio como "possessão total e simultânea de uma vida que nunca termina". O Deus Eterno se dá como promessa de futuro — "Deus que É, que Era e que Vem" (Ap 4,8) — e se comunica com o homem para que se renove decidindo-se a avançar ao futuro, construindo-o no presente; em definitivo, com espirito profético.
- ↑ O Dia de Yahweh (Am 5,18.20) é no Antigo Testamento a incidência definitiva (Is 29,18-24), terrível (Jr 30,7) e salvífica (Jl 3,5) de Deus na história que inaugurará o tempo futuro; no Novo Testamento sofre a dilação entre a primeira e a segunda vinda de Cristo (cf. 2Pd 3,8).
- ↑ O tempo da paciência divina já se concluiu (Rm 3,26) e o tempo da salvação já está presente (2Cor 6,2). Mas ainda não chegou a consumação final (Hb 6,5). A Igreja está pois já na última hora, pelo que o tempo que resta se deve santificar, através dos Tempos Litúrgicos e da tradição dos jubileus (cf. BEM-AVENTURADO JOÃO PAULO II, Carta Ap. Tertio Millennio Adveniente, n. 10, 1994).
- ↑ Cf. Rm 12,2; 2Cor 4,4; 2Tm 4,9.
- ↑ Vide a Constituição Pastoral Gaudium et Spes (http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-ii_const_19651207_gaudium-et-spes_po.html) e a Declaração Dignitatis Humanae (http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-ii_decl_19651207_dignitatis-humanae_po.html), ambas do Concílio Vaticano II.
- ↑ Destaca-se, por exemplo, o espírito de santificação do trabalho proposto do São Josemaria Escrivá, fundador da Opus Dei.
- ↑ Sulco, n.º 306
- ↑ Cf. BENTO XVI, Homilia, 8/12/2005: "Manifesta-se em nós a suspeita de que uma pessoa que não peque de modo algum, no fundo, seja tediosa; que falte algo na sua vida: a dimensão dramática do ser autônomo; que faça parte do verdadeiro ser homem, a liberdade de dizer não, o descer às trevas do pecado e o desejar realizar sozinho; que somente então seja possível desfrutar até ao fim toda a vastidão e a profundidade do nosso ser homens, do ser verdadeiramente nós mesmos; que devemos pôr à prova esta liberdade também contra Deus, para nos tornarmos realmente nós próprios. Em síntese, pensamos que o mal no fundo seja bem, que dele temos necessidade, pelo menos um pouco, para experimentar a plenitude do ser. Julgamos que Mefistófeles, o tentador, tem razão, quando diz que é a força "que deseja sempre o mal e realiza sempre o bem" (J.W. v. Goethe, Fausto I, 3). Pensamos que pactuar com o mal, reservando para nós mesmos um pouco de liberdade contra Deus, em última análise, seja um bem, talvez até necessário. Contudo, quando olhamos para o mundo à nossa volta, podemos ver que não é assim, ou seja, que o mal envenena sempre, que não eleva o homem mas o rebaixa e humilha, que não o enobrece, não o torna mais puro nem mais rico, mas o prejudica e faz com que se torne menor."