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Comunicação pública

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A comunicação pública trata dos processos de comunicação realizados pela sociedade civil organizada, Estado, governo e terceiro setor, com foco no interesse público, na formação de uma sociedade cidadã e democrática, em encurtar distâncias sociais reduzindo as diferenças e em ampliar a capacidade analítica individual em prol do coletivo.

Esse modelo cria uma atenuação das fronteiras entre o público e o privado, abre espaço para a atuação da sociedade e de suas organizações em áreas tidas até então como exclusivas do Estado e exige dos cidadãos uma postura atuante, crítica e responsável. A comunicação, processo básico da vida em sociedade, reflete esse novo ambiente e assume características próprias, diferentes das que foram estudadas e conceituadas até então. Surge, então, o conceito de Comunicação Pública.

Conceito

A comunicação governamental é a praticada por um determinado governo, visando a prestação de contas, o estímulo para o engajamento da população nas políticas adotadas e o reconhecimento das ações promovidas nos campos político, econômico e social. Trata-se de forma do governo se fazer presente perante a população.

Comunicação Pública é diferente de comunicação governamental e de comunicação política. A comunicação política, ou marketing político, por seu lado, é uma forma de divulgação de um político ou de um partido político, com foco no processo eleitoral, e carece, portanto, da indispensável legitimação da sociedade.

Tanto a comunicação governamental como a política buscam atingir a opinião pública, frequentemente usando a propaganda, buscando respostas rápidas e efeitos imediatos que possam ser auferidos pelas pesquisas e transformados em estratégias de campanha. É comum o uso extensivo e intensivo da mídia na competição por resultados eleitorais e/ou político-partidários, e frequentemente servem como instrumento de gestão de um processo social complexo, imprevisível e de difícil planejamento.

Já o conceito de Comunicação Pública relaciona-se diretamente com a correta compreensão do termo "bem público". Esse termo, por muitos anos, foi entendido erroneamente como o "bem", ou "aquilo", que não pertence a ninguém.

A Comunicação Pública implica numa prática comprometida com a democracia e a construção da cidadania e é, portanto, um conceito que supõe um posicionamento político (que não é o mesmo que partidário). A abrangência do conceito é amplo e este não pode ser reduzido, na medida em que precisa nortear uma legítima política de comunicação entre Estado e sociedade.

Público é visto, na democracia como o que convém e interessa a todos. Portanto, a comunicação pública pode ser entendida como um processo de comunicação indispensável à democracia, como maneira de garantir a liberdade e a autonomia da sociedade, tendo como principais fundamentos a diversidade e a diferença. A Comunicação Pública é, portanto, a comunicação que acontece no espaço público e pretende ser um meio de negociação, debate e interesse público, envolvendo a Sociedade Civil, o Estado e o Governo.[1]

Crítica

Uma das principais críticas à ideia de comunicação pública é dada por Antonio Lassance, que considera o conceito inconsistente, contraditório e, de certa forma, redundante (LASSANCE, 2010).[2] 

Segundo esse autor, ao se tentar abarcar desde a comunicação da sociedade civil organizada, do Estado e do "terceiro setor", todos sob um mesmo guarda-chuva, o conceito tenderia mais a desinformar que a informar.

Primeiro, porque sequer identifica claramente seu emissor. "Ao contrário, esforça-se por escondê-lo, o que desrespeita um princípio essencial da comunicação que é o de deixar clara a fonte dessa informação. Comunicação com credibilidade depende de que o emissor esteja explícito, para que o público saiba quem é ele e que interesses representa. Quem recebe uma mensagem tem o direito de conhecer seu emissor, sem subterfúgios",[3] o que já seria contraditório com o suposto compromisso da comunicação pública em atender ao interesse público.

O conceito de comunicação pública, ainda segundo este autor, foi uma transposição distorcida do conceito de "esfera pública", de Jürgen Habermas, supondo que ele seria aplicável para dentro da organização do Estado, o que contradiz a própria noção de esfera pública (HABERMAS, 1984).[4]" A ideia de Habermas sobre espaços de debate público, abertos à livre contraposição de ideias, ainda assim restritos a uma "sociedade burguesa" (como Habermas qualifica desde o subtítulo de seu livro) acabou sendo levada sobretudo para uma proposta de comunicação governamental.

A crítica também considera o conceito redundante, posto que toda a comunicação estatal, empresarial e da sociedade civil organizada ganha dimensão pública, de interesse público, embora não necessariamente em atendimento a um interesse público.

A crítica ainda se estende a uma expressão similar, a de “jornalismo público”. Lassance soma-se à crítica feita por Bernardo Kucinski ao dito "jornalismo público".[5] Na mesma linha de alertar para a redundância do conceito, Kucinski lembra que todo emissor se dirige a algum público, a um interlocutor e receptor daquela mensagem.

Na era do que Manuel Castells chama de autocomunicação de massa, mais ainda, "mesmo os sentimentos e os humores mais íntimos tornam-se objeto de 'comunicação pública'" (LASSANCE, 2010: 170).[6]

Divisão

Valente[7] divide a comunicação pública em seis conceitos:

  • Elitista: Focada na difusão de conhecimento considerado relevante à “alta sociedade”. Isso acontecia devido à presença de intelectuais na mídia pública. Baseada em premissas iluministas, seu foco era “educar” a população com uma cultura mais erudita. Segundo John Reith, primeiro diretor-geral da BBC, a rejeição do povo ao que é mais erudito ocorria por causa do desconhecimento, e a mídia pública teria a função de reverter essa visão.
  • Educativa: Assemelha-se à elitista na função de difundir conhecimento. Difere-se, porém, no conteúdo. A comunicação educativa foca na formação do povo em atividades laborais. Com o lema “informar, divertir e educar”, foi mais presente na América Latina durante a época de industrialização, pois foi necessário uma formação rápida de mão-de-obra em larga escala.
  • Alternativa: Focada em produzir conteúdo não contemplado às mídias comerciais. Geralmente busca-se dar visibilidade a grupos minoritários e pouco representados nos meios comerciais. No Brasil, seria representada pela Empresa Brasil de Comunicação (EBC).
  • Pública Não Estatal: Feita para o público, sem deixar ser influenciada pelo mercado, tampouco controlada pelo Estado. Por se afastar de ambos os extremos, é considerada um intermédio, o que facilitaria a produção de debates políticos mais imparciais.
  • Culturalista: Baseada nos estudos culturais da América Latina, cujos autores principais são Jesús Martín-Barbero e Néstor García Canclini. A mídia tem o objetivo de criar a identidade dos povos latino-americanos. É marcada por dois pontos centrais: a autonomia dos veículos e propor uma diversidade cultural.
  • Objeto de Estado: Possui influência de ideias marxistas e é considerada um instrumento para manter a luta de classes e o domínio da classe dominante. Por mais que haja a divisão entre a comunicação pública e a estatal, nesse conceito a mídia é parte do Estado, em contrapartida com os conceitos vistos acima.

Mercado x Estado

Danilo Rothberg[8] critica a ideia de livre mercado na comunicação - que propaga a ideia que o Estado deve intervir minimamente nas mídias e não coagir na produção de conteúdo. Segundo os defensores do livre mercado, somente a coerção advinda do Estado e nunca do mercado poderia significar restrição da liberdade de expressão. Para eles, as empresas de mídia oferecem oportunidades para qualquer cidadão dizer o que quer e quando quiser, independente do controle do Estado. Nesse modelo, o público é visto em seu poder de consumo, não como cidadão; assim, a qualidade do conteúdo se torna questionável.

Para Rothberg, um livre mercado de comunicação não é garantia de independência editorial em um contexto no qual as principais empresas de mídia tem interesses em como são definidas as políticas de governo, desde o âmbito fiscal até as leis trabalhistas. O autor ressalta que exigir por meio de instrumentos legais, legítimos e representativos que se divulguem informações com pluralidade e equilíbrio não significa exercer censura. O princípio de liberdade de informação, segundo ele, não pode servir de pretexto para a restrição dessa liberdade por censores privados.

O autor também aponta algumas externalidades dos mercados de mídia: o recebimento de qualquer conteúdo não é individual, ou seja, tudo aquilo que é transmitido pelos meios de comunicação é recebido por milhares de pessoas; as experiências adquiridas através do conteúdo dado pela mídia só podem ser avaliadas a longo prazo, assim, se todo o conteúdo vier do mercado, os consumidores darão mais valor aos modelos de consumo, comportamento e estilo de vida das grandes indústrias e empresas.

Outra externalidade observada pelo autor é a concentração de poder econômico por parte do mercado de comunicação. Há órgãos de defesa de concorrência que impedem fusões gigantescas em empresas de qualquer ramo. No mercado de comunicações, essas fusões trazem consequências negativas, como um conteúdo padronizado (dada a centralização da produção) e a "nivelação de perspectivas" (baseado na institucionalização de conceitos).

O Estado continua essencial para a organização da mídia, e a iniciativa privada não deve ser excluída nesse ramo, mas ambos não podem ser os únicos a possuir algum tipo de controle da mídia.

Comunicação pública e papel da mídia

Ao estudar a comunicação pública da Europa, da América Latina e da América do Norte, Carolina Matos[9] percebeu relações entre a atividade da mídia nos serviços públicos de radiodifusão e a democracia. A autora ressaltou a presença do jornalismo nos meios não-comerciais dessas regiões como fundamental para alcançar a plenitude democrática. Essa ação jornalística teria acontecido de maneiras particulares em cada localidade.

América do Norte

Estados Unidos

Para a autora,[9] a partir da comercialização da mídia no meio do século XX, expoente nos Estados Unidos, o jornalismo “sério” tornou-se, também, um produto. Surgiu, nessa época, como resposta o “jornalismo cívico”, mais voltado para o interesse público.[10]

Europa

Grã-Bretanha

Segundo as discussões trazidas por Matos,[9] a mobilização na Grã-Bretanha por uma comercialização da mídia a partir da década de 1980 teve como consequência uma crise na mídia pública ao afastar o jornalismo do interesse público e se aproximá-lo do entretenimento. Teria ocorrido, então, uma crise na credibilidade jornalística.[11]

América Latina

Brasil

Para Matos,[9] a ação do jornalismo, durante a ditadura cívico-militar brasileira, ajudou a retomada da democracia brasileira. A redemocratização  teve consequência positiva nas questões relacionadas à mídia pública e a liberdade de imprensa e para a regulação da mídia.[12]

A autora fala que a comunicação pública, no Brasil, tem um formato antiquado, uma vez não agrada a nenhum público. Para ela, nem liberais nem conservadores se vêem satisfeitos com o modelo de comunicação pública no país. Enquanto os conservadores falam que a TV Pública é um meio liberal que subverte valores tradicionais, os liberais a criticam por afirmarem que ela é dominada por elites empresariais e por manter o status quo.[12]

O debate sobre comunicação pública no Brasil vem sendo capitaneado pela Associação Brasileira de Comunicação Pública , que promove eventos e produz conteúdo sobre o tema.

Referências

  1. GONSALVES, Ana Carolina S. & MIRANDA, Cecília Fonseca. A Comunicação Pública no processo de Mobilização social.
  2. LASSANCE, Antonio (2010). Comunicação institucional do poder público. In: CASTRO, Daniel, MELO, José Marques de, CASTRO, Cosette. Panorama da comunicação e das telecomunicações no Brasil . (PDF). Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. p. 168 
  3. LASSANCE, Antonio (2010). Comunicação institucional do poder público. In: CASTRO, Daniel, MELO, José Marques de, CASTRO, Cosette. Panorama da comunicação e das telecomunicações no Brasil. (PDF). Brasília-DF: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - Ipea. p. 169 
  4. HABERMAS, Jürgen (1984). Mudança estrutural da esfera pública: investigações quanto a uma categoria da sociedade burguesa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. p. 20 
  5. KUCINSKI, Bernardo (2010). «A Radiobrás no governo Lula». Carta Maior. Consultado em 4 de dezembro de 2020 
  6. LASSANCE, Antonio (2010). Comunicação institucional do poder público. In: CASTRO, Daniel, MELO, José Marques de, CASTRO, Cosette. Panorama da comunicação e das telecomunicações no Brasil. Brasília-DF: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - Ipea. p. 170 
  7. Valente, Jonas (2009). Sistemas públicos de comunicação no mundo: experiências de doze países e o caso brasileiro (São Paulo: Paulus). pp. 25-46.
  8. Rothberg, Danilo (2011). Jornalismo público: informação, cidadania e televisão (São Paulo: Unesp)
  9. 9,0 9,1 9,2 9,3 MATOS, Carolina (2013). Mídia e política na América Latina: Globalização, democracia e identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. pp. 125–156 
  10. MATOS, Carolina Matos (2013). Mídia e política na América Latina: Globalização, democracia e identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. pp. 137–139 
  11. MATOS, Carolina (2013). Mídia e política na América Latina: Globalização, democracia e identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. pp. 136–137 
  12. 12,0 12,1 MATOS, Carolina (2013). Mídia e política na América Latina: Globalização, democracia e identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. pp. 149–150 

Ver também

Referências

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