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Arianos

Disambig grey.svg Nota: Para outros significados, veja Arianos (desambiguação).
Imagem de satélite do planalto iraniano, onde os arianos ter-se-iam estabelecido desde o final do terceiro milénio antes de Cristo.

O termo ariano ou árico, ao referir-se a um grupo étnico, tem vários significados. Refere-se, mais especificamente, ao subgrupo dos indo-europeus, que se estabeleceu no planalto iraniano desde o final do terceiro milénio antes da era comum. Por extensão, a designação "arianos" (não o termo "árias") passou a referir-se a vários povos originários das estepes da Ásia Central - os Indo-europeus - que se espalharam pela Europa e pelas regiões já referidas, a partir do final do neolítico. O nome ariano vem do sânscrito arya, que significa nobre.

Até recentemente, acreditava-se que os arianos teriam invadido o subcontinente indiano por volta de 1 500 a.C., vindo do norte, pelo Punjabe, disseminando-se pela Índia, Pérsia e regiões adjacentes. Teriam sido os descendentes dos indo-europeus que fundaram a civilização indiana, subjugando as populações locais, dando origem ao sistema de castas e, mais especificamente, às castas dominantes dos Brâmanes, xátrias e vaixás. A sua cultura teria ficado particularmente expressa nos Vedas e, principalmente, no Rig Veda, considerado como o mais antigo. Muito embora, essa hipótese da invasão ariana na Índia tenha sido questionada desde o final do século XIX, por causa de certas descobertas arqueológicas e geológicas e pela proposta de interpretações das evidências conhecidas anteriormente[1], novos estudos do âmbito genético põem-na em evidencia e tornam-na afinal mais credível[2].

O termo "ariano" refere-se, também, na história das línguas, ao proto-ariano, que teria sido o ramo linguístico comum aos antepassados dos povos indo-áricos e iranianos e aos dois grandes subramos linguísticos a que terá dado origem, ou seja, às línguas indo-áricas e às línguas iranianas. Estes dois sub-ramos são árico ou indo-iraniano. Pode ainda referir-se, especificamente, aos grupos linguísticos actualmente conhecidos como proto-indo-europeu, proto-indo-iraniano e indo-iraniano. Em tempos, também se utilizou o termo para designar todas as línguas indo-europeias.

O termo ganhou outro significado com a ideologia nazi que, baseando-se em teorias de vários autores evolucionistas do século XIX, o usou para classificar uma suposta raça comum aos indo-europeus e aos seus descendentes não miscigenados com outros povos. Deve-se a este facto a vulgar confusão que identifica arianos com os povos germânicos, mais especificamente, nórdicos.

Etimologia

A palavra ariano tem origem no latim ariānus (ariāna, ariānum), referindo-se à região da Ária. Esta região, designada por Arīa ou Ariāna em latim, corresponderia à parte ocidental da Pérsia ou da Ásia, e deve o seu nome à adaptação dos termos gregos Areía ou Aría que, por sua vez, remontam aos radicais persas ariya- ou ao avéstico airya- que se referem a povos invasores e dominantes que mantinham, contudo, solidariedade étnica em relação aos povos dominados, considerados "bárbaros". A forma Aryāna-, do persa antigo aparece depois em avéstico como Æryānam Väejāh ("Território dos arianos")[3]; em Persa médio como Ērān, e no Persa Moderno como Īrān [4], que deu origem, em português, a Irão ou Irã. De modo semelhante, a Índia setentrional já foi designada em tempos antigos pelo vocábulo composto (tatpurusa) Aryavarta "Arya-residência".

O termo Indo-ariano ar-ya- provém do proto-indo-europeu ar-yo-, um termo formado pela adjectivação com a partícula yo- da raiz ar que significa "juntar com perícia", tal como aparece no grego harma, que significa "carro" ou na raiz aristos, (de onde provém "aristocracia"), ou as palavras latinas ars (arte), etc. O proto-indo-iraniano ar-ta- está relacionado com o conceito de algo "articulado de forma adequada", relacionado com uma visão religiosa de ordem cósmica.

Já se sugeriu que o adjectivo *aryo- remontava aos tempos Proto-Indo-Europeus, onde era usado como auto-designação dos falantes desta língua. Sugeriu-se, mesmo, que outras palavras como Éire, o nome em gaélico irlandês para Irlanda, ou a palavra alemã Ehre ("honra") estavam relacionadas com esta palavra, mas tal hipótese é, hoje, considerada insustentável. De facto, se o Proto-Indo-Europeu ar-yo- é, sem dúvida, um vocábulo qualificador perfeitamente aceitável, não existe evidência consensual de que tenha sido utilizado como auto-designação por outros grupos étnicos independentes do ramo Indo-Iraniano.

Na década de 1850, Max Müller avançou com a hipótese de que a palavra se referia a populações que se dedicavam à agricultura, já que supunha que houvesse relação com a raiz proto-indo-europeia arh que significa "lavrar a terra". Outros autores do século XIX, como Charles Morris, voltaram a defender esta ideia, relacionando-a com a expansão da agricultura que é frequentemente ligada à expansão dos povos indo-europeus. Muitos dos linguistas da actualidade rejeitam esta possibilidade.

Ainda nos dias de hoje, os Arménios auto-designam-se como Aryaee, ou Arianos (com conotação racial de "sangue puro").[5]

O termo ariano era já utilizado na língua portuguesa, em 1601, para se referir ao grupo étnico. Em 1794, já se encontram documentos onde a palavra tem uma acepção valorativa, referindo-se a "nobres" ou "superiores" - de facto, o sânscrito ārya designava as três primeiras classes étnicas consideradas "veneráveis" ou "excelentes". Em 1847, é já usado no âmbito da linguística, identificando-se com o indo-europeu.

Semântica do sânscrito arya

Ver artigo principal: Arya

De acordo com Paul Thieme (1938), o termo védico arya-, no seu uso original, refere-se a "estrangeiros", mas "estrangeiros" que são potencialmente "convidados" - isto é, com os quais se estabelece uma certa solidariedade étnica, em oposição aos "bárbaros" (mleccha, dasa) e seria a auto-designação étnica, Arya é o oposto directo de Dasa ou Dasyu no Rigveda (e.g. RV 1.51.8, ví jānīhy âryān yé ca dásyavaḥ "Discerni bem, ó Aryas e Dasyus"). Esta situação é comparável ao uso do termo "Helénico" na Grécia Antiga. A interjeição do indo-árico médio arē!, rē!, que corresponderá ao português "Tu aí!" ou "Você aí!" deriva do vocativo arí! "estrangeiro!".

O dicionário sânscrito Amarakosha (cerca de 450 d.C.) define Arya como mahākula kulīnārya - "pertencente a uma família nobre", sabhya - "tendo modos gentis e refinados", sajjana - "bem-nascido e respeitável", e sādhava "que é virtuoso, honrado e recto".

No hinduísmo, os brâmanes, xátrias e vaixás iniciados na religião Hindu eram arya, um título de honra e respeito devido a certas pessoas pelo seu nobre comportamento. A palavra arya pode, inclusivamente, ser usada para identificar os hindus, budistas e jainistas.[6]

Indo-iraniano

Ver artigo principal: Indo-iranianos

Pela designação de indo-iranianos referimo-nos aos dois principais ramos étnicos e linguísticos a que a palavra "ariano" se poderá, com maior propriedade, referir: aos Indo-arianos e aos Iranianos, ainda que se incluam também os povos Nuristani e Dardos.

A cultura proto-indo-iraniana teria iniciado em cerca de 2 500 a.C. Se considerarmos a palavra "ariano" neste sentido, estaremos a referir-nos às culturas que precedem a Védica e o Avéstico. Supõe-se que os complexos arqueológicos de Andronovo e de Srubnaya tivessem sido povoados por Indo-iranianos. A Teoria da Urheimat Indiana e a Teoria Nórdica têm também sugerido a Índia e o Norte da Europa como local de origem (Urheimat) desta cultura.

A língua proto-indo-iraniana evoluiu dando origem às línguas indo-iranianas, das quais as mais antigas são o sânscrito védico, o avéstico e outra língua indo-iraniana que se conhece apenas devido a vestígios vocabulares no dialecto mitanita.

Indo-arianos

Ver artigo principal: Indo-arianos, línguas indo-arianas
Os Vedas, e mais especificamente o Rig Veda, o mais antigo, permanecem como o principal testemunho da cultura indo-ariana.

Os indo-arianos ter-se-iam instalado na Bactriana, a sudeste do actual Uzbequistão e a norte do Afeganistão, deixando a sua marca na chamada "Civilização do Oxo" ou "Civilização bactro-margiana", da Idade do Bronze, datada de 2 200 a.C. a 1 700 a.C.. A partir daqui, ter-se-iam associado à cultura védica. Designados como arianos védicos, supõe-se que tenham levado os Vedas (e a língua e cultura a eles associadas) ao subcontinente indiano, mais especificamente à sua região setentrional. Na Índia Antiga, aliás, o termo Aryavarta, com o significado de "residência dos Arianos", era usado para se referir ao norte do subcontinente. A língua védica evoluiu, posteriormente, para o sânscrito que deu origem a todas as línguas indo-europeias faladas na Índia. O dravídico e o munda têm outra origem.

Também a partir da Bactriana, outros indo-arianos migraram para o Médio Oriente. Há indícios da existência de falantes de indo-árico (ou indo-ariano) na Mesopotâmia à volta do ano 1 500 a.C., através de palavras presentes no dialecto mitanita, na região ocupada pelos Hurritas. Especula-se que este povo possa ter sido dirigido por uma classe dominante indo-árica, formando o Reino de Mitani. Estudos arqueológicos desvelaram uma grande quantidade de nomes próprios védicos e, em particular, nomes de divindades. Deuses como Varuna ou Indra não fazem parte do panteão original da região, pelo que se crê que o período védico se tenha originado fora da Índia.

Alguns nacionalistas indianos rejeitam a ideia de que a sua língua e cultura tenham tido origem fora do subcontinente (Teoria da invasão ariana), ignorando o parentesco entre o sânscrito e as outras línguas indo-europeias e tudo o que os estudos indo-europeus e a arqueologia parecem indicar. Outros autores, como o arqueólogo Henri-Paul Francfort, entende que o termo "invasão" é despropositado, tendo, pelo contrário, ocorrido uma migração progressiva - independentemente dessa questão, não considera sequer a hipótese desta cultura ter tido origem na própria Índia. O tema ainda está sendo discutido, não havendo unanimidade entre os especialistas a respeito da realidade histórica da invasão ariana na Índia.[7]

Os falantes contemporâneos das línguas indo-áricas distribuem-se essencialmente pela parte setentrional da península indiana. Fora desta região, há a referir o romani, falado pelo povo rom, vulgarmente designado de "cigano", além do parya, no Tajiquistão, o Jataki na Ucrânia e o domari no Médio Oriente.

Na Índia, o termo "ariano" (tal como a suástica) mantém-se livre de qualquer conotação com o nazismo. "Ariano" é um nome próprio masculino vulgar na Índia (veja-se, por exemplo, no filme de Abhishek Kapoor, "Ariano"). De igual forma, o sobrenome Arya é muito valorizado entre a comunidade Arora - além de entrar na composição de alguns nomes indianos, como "Kartikarya" ou "Aryabhatta".

Iranianos

Ver artigo principal: Povos iranianos, Línguas iranianas

A origem dos Iranianos é mais problemática que a dos Indo-arianos. Alguns arqueólogos atribuem aos seus antepassados uma cultura, desenvolvida junto ao Volga, conhecida como cultura das sepulturas em armação de madeira (em russo, Srubnaya) que data de 1 900 a.C. a 1 500 a.C. Graças a fontes assírias, sabe-se que os Persas ocupam o planalto iraniano desde o século IX a.C., coevos dos Medos, também de língua iraniana. A sua ligação com a cultura das Sepulturas em Armação de Madeira não está, contudo, esclarecida. O mais antigo texto sagrado dos Iranianos, o Avestá, foi, provavelmente, escrito na Báctria ou na Soguediana - em todo o caso, foi, sem dúvida, na região ocupada actualmente pelo Turquistão ocidental. A língua então usada, o avéstico, diferente do persa antigo, era bastante próxima do védico.

O Irão já foi chamado na Antiguidade de Ērān shahr (pronuncia-se como Aryānam xshathra) que significa "reino dos Arya" - e foi sempre o território exclusivo dos falantes de línguas iranianas. Até ao fim do primeiro milénio a.C. também viviam aí os Bactrianos e os Soguedianos, que ocupavam o atual Uzbequistão, e cujas línguas estão documentadas arqueologicamente. A sul do mar de Aral encontravam-se os Corásmios. O nome da região por estes ocupada, a Corásmia, compreende-se através do iraniano antigo Xwāra-zmi- ou "País do Sol". Estes três povos são mencionados por Heródoto, no século V a.C., que também se refere, no seu Livro VII, aos Arianos como habitando a região de Herate, no Afeganistão, além de os relacionar com os Medos.

Mulheres iranianas, em Xiraz

É conhecida uma cultura, dita de Tazabagyab, que data de cerca de 1 500 a.C., que poderá ter sido a origem dos Iranianos do Turquistão ocidental. Situada a sul do mar de Aral, no território que seria ocupado pelos Corásmios, reunia elementos da cultura das "Sepulturas de Armação de Madeira" e da cultura de Andronovo, originária do Cazaquistão ocidental. Os mortos eram sepultados de uma forma muito particular, em posição fetal, com os homens à direita e as mulheres à esquerda. Tal prática funerária era semelhante à praticada na Báctria, ao longo dos rios Kafirnigan (na necrópole de Toulkhar) e em Vakhsh. Em Toulkhar, cujas sepulturas datam de 1 700 a.C. a 1 500 a.C., os mortos eram ainda enterrados com um pequeno altar - oblongo para os homens e redondo para as mulheres. Esta prática reflectia uma concepção tipicamente indo-europeia, que associa o homem ao céu quadrado, masculino, e as mulheres à terra, redonda, feminina. Além do mais, o lado esquerdo, considerado simbolicamente como desfavorável, reservado às mulheres, reflecte uma misoginia também típica dos indo-europeus.

A cultura de Andronovo distendeu-se por toda a área do Cazaquistão até à Sibéria meridional durante o segundo milénio a.C. Vários especialistas consideram que os Iranianos nómadas, como os Citas, eram seus herdeiros. O material arqueológico encontrado em Toulkhar combina influências da antiga cultura bactro-margiana e da cultura de Andronovo. Os punhais, por exemplo, têm características muito semelhantes aos de Andronovo. Os homens de Toulkhar ter-se-iam dedicado à pastorícia. Podem ter tido um papel importante na substituição da cultura indo-ariana da Báctria pela cultura iraniana, não havendo razão para crer que os Indo-arianos tenham deixado esta região na sua totalidade para se instalarem na Índia e na Mesopotâmia. Acrescente-se que o sítio arqueológico mais antigo da cultura de Andronovo - Sintashta - se encontra a sudeste dos Urais, datando de 2 300 a.C. a 1 900 a.C.. A cultura das "Sepulturas de Armação de Madeira" situava-se um pouco mais a Oeste. Assim, o local de origem dos Iranianos ter-se-á localizado, aparentemente, na fronteira da Europa com a Ásia, a norte do mar Cáspio. Esta localização é, aliás, próxima daquela que é proposta como local de origem da generalidade dos povos indo-europeus, segundo a tese de Marija Gimbutas, a norte do mar Negro. Sendo o Turquistão a primeira área conhecida ocupada pelos Indo-arianos, supõe-se que estes tenham migrado a partir do Cazaquistão ocidental ou do sul da Rússia em data que ainda está por determinar.

Uso da palavra "ariano" pelos iranianos

Desde a antiguidade que os Persas usam o termo Ariano com sentido racial e étnico para descrever a sua linhagem e a sua língua. Tal tradição tem persistido até à atualidade entre a generalidade dos Povos Iranianos.

Dario, o Grande, rei do Império Aquemênida de 521 a.C. a 486 a.C., proclamava numa inscrição encontrada em Naqsh-e Rustam (perto de Xiraz no atual Irão): "Eu sou Dario, o Grande Rei… Um Persa, filho de um Persa, um Ariano de linhagem Ariana...". O documento refere-se ainda à "Língua ariana," que corresponderia ao que hoje designamos como persa antigo.

A palavra "ariano" foi adoptada, entretanto, como conceito religioso no zoroastrismo, ainda que tenha mantido sempre a sua significação étnica entre os Iranianos. Em 1967, a dinastia Pahlavi (destronada em 1979 pela Revolução Iraniana) juntou o título Āryāmehr "Luz dos Arianos" aos já envergados pelo monarca, conhecido nessa altura pelo epíteto de (Rei dos Reis). A companhia aérea nacional afegã designa-se Ariana Airlines, referindo-se à Airyanem Vaejah, a terra originária dos povos iranianos.

O termo permanece, ainda, como elemento frequente nos nomes pessoais persas, incluindo Arya e Aryan (respectivamente, para rapariga e rapaz), Aryana (um sobrenome comum), Dokhtareh-Ironi (filha de Ariano), "Aryanzai" (filho de Ariano - em Pashto), Aryanpour (ou Aryanpur, sobrenome), Aryamane, Ary, entre outros. Os termos "Ariano" e "Iraniano" são, por vezes considerados sinónimos, como no caso do Banco Iraniano Aryan Bank.

Indo-europeus

No final do século XVIII (1788), linguistas como William Jones relacionavam e comparavam o sânscrito, falado pelos indo-arianos, com línguas como o latim ou o grego, descrevendo-o como uma língua de características "perfeitas". Foi porém Friedrich Schlegel, que desenvolveu a tese que identificava o sânscrito com a língua mãe das línguas que viriam a ser conhecidas como indo-europeias, estabelecendo uma confusão de terminologia que se manteria e exploraria nos séculos que se seguiriam. O termo indo-europeu apareceu pela primeira vez num artigo de Thomas Young, na Quarterly Review, em 1813 e foi igualmente utilizado por Johann Gottlieb Rhode em 1820. James Cowles Prichard e Franz Bopp também já tinham sugerido a designação de indo-germânicos em 1831 e 1833, respectivamente, quando o orientalista Max Müller, em 1860, decidiu utilizar o termo "arianos" para designar a família etno-linguística que teria dado origem aos Indianos, Persas, Gregos, Romanos, Celtas, Germânicos e Eslavos. Este foi o termo que perdurou durante o século XIX.

Müller e outros autores consideravam que o termo arya teria servido como auto-designação dos Proto-indo-europeus, que eram também, frequentemente referidos na época como "primitivos arianos".

Esta tese veio, aliás, a fundamentar-se na semelhança com Éire e Eriu, nome usado em Gaélico Irlandês para designar a própria Irlanda e que teria tido origem no termo Ārya. Se assim fosse, existiria um auto-etnónimo indo-iraniano-céltico, ou seja, a tão celebrada auto-designação destes povos. Contudo, estudos recentes fazem derivar estes termos de iweria, resultante da aférese do fonema p, característico das línguas célticas, na palavra piweria ("Terra farta", em céltico). Ainda que se verifique que os homens livres eram aí designados como airig (aire, no singular), a maioria dos pesquisadores da língua céltica rejeita qualquer ligação com Ārya. Contudo, a descoberta de uma ligação etimológica entre o nome dos deuses Aryaman e Airyaman, respectivamente da Índia e do Irão e dos deuses Eremon e Irmin, da Irlanda e da Alemanha, tem servido como ponto de apoio de nova discussão sobre o assunto, tendo em conta a existência do deus indo-europeu Aryomen. Yaroslav Lebedynsky, por exemplo, considera "que este poderá ser um argumento a favor de uma auto-percepção "nacional" dos Indo-europeus."

Por extensão, a palavra "arianos" começou a ser utilizada no Ocidente para se referir à generalidade do objecto dos estudos indo-europeus. Além de Müller, também Honoré Joseph Chavée, em 1867, usa o termo neste sentido (aryaque), ainda que tal uso não tenha tido grande adesão por parte dos linguistas, precisamente porque era já reservado aos povos Indo-iranianos. Graziadio Isaia Ascoli, em 1854 usou arioeuropeo, ou seja, o composto "ariano-europeu", seguindo o mesmo raciocínio utilizado para a adopção do termo "indo-europeu", agora corrente, desde a década de 1830. Seja como for, o uso da palavra "Ariano" como sinónimo de indo-europeu ganhou força fora do meio académico dos linguistas, no final do século XIX.

Na generalidade dos meios académicos, contudo, na década de 1910, tal identificação era já considerada obsoleta. B. W. Leist, em 1888 ainda intitula uma obra de Alt-Arisches Jus Gentium ("Ius Gentium dos Arianos Antigos"). P. V. Bradke, em 1890 escreve Methode und Ergebnisse der arischen (indogermanischen) Altterthumswissenschaft, usando ainda o termo "Ariano", mas inserindo comentários cautelosos quanto ao uso do termo. Otto Schrader, em 1918, na sua Reallexikon der indogermanischen Altertumskunde, na entrada Arier, de facto, discorre sobre os Indo-iranianos, sem fazer qualquer referência a um possível significado mais abrangente do termo, ao contrário do que já era comum fora do meio académico.

Michael Witzel, no seu escrito Autochthonous Aryans? The Evidence from Old Indian and Iranian Texts, defende que o uso da palavra Arya e Ariano para designar os indo-europeus ou como designação de uma raça específica deve ser evitado, já que se trata de uma "aberração" insustentável tendo em conta os conhecimentos actuais sobre o assunto.[8]

Arianos contra proto-indo-europeus

A Antropologia tradicional anterior à década de 1930, confundindo os conceitos de arianos com o conceito de indo-europeus, descreve-os como de raça branca, braquicéfalos e de estatura elevada. Ter-se-iam dedicado à pastorícia antes de adoptarem a agricultura como actividade dominante, à medida que se cruzavam com outros povos, especialmente na Europa, onde se teriam difundido em sucessivas migrações ao longo dos séculos. Estes autores salientam uma identidade de origem, centrada não só na língua, como já foi referido, mas também em determinados padrões culturais que se reflectem nos rituais e tradições. Não eram conhecedores de qualquer forma de escrita até ao período védico, tendo adoptado posteriormente a escrita cuneiforme que teriam desenvolvido. São ainda descritos como um povo patriarcal, organizado em clãs sob a autoridade do pater familias. Algumas das características dos indianos são-lhes atribuídas, como a divinização da vaca e a cremação dos mortos. Conhecedores do uso do ouro e do bronze, praticavam a tecelagem e há, ainda, fontes que lhes atribuem a invenção do tijolo.

Tais suposições, pelo menos no que diz respeito às características físicas, não têm qualquer fundamento científico. Os Proto-indo-europeus, que constituíam, por definição, o povo utilizador da língua mãe da família indo-europeia, eram, certamente, europoides, mas é impossível descrever características mais precisas. Baseando-nos nos esqueletos encontrados nas sepulturas, sabemos que os homens de Toulkhar e de Vakhsh, que eram, provavelmente, "Arianos" no sentido próprio do termo, constituíam duas variantes de um tipo mediterrânico meridional dolicocéfalo. Estes, pastores, apenas se distinguiam ligeiramente dos agricultores sedentários da Báctria, também do tipo meridional dolicocéfalo mas, neste caso, de dimensões menores, ficando a altura média dos homens e das mulheres em, respectivamente, 1,63 e 1,55 m. Todos eles com aparência aproximada à dos povos do sul da Europa, e sem qualquer semelhança morfológica com o tipo de Andronovo.

Alguns autores identificaram, de um ponto de vista bíblico, os arianos com os descendentes de Jafet. Esta identificação tem servido para fundamentar, do ponto de vista religioso, doutrinas essencialmente racistas. É semelhante a tradição que designa os arianos como "filhos de Chemsid", personagem que os teria dividido em quatro castas: os "Catures" (sacerdotes), os "Asgares" (guerreiros), "Sebaisas" (agricultores) e "Anuqueques" (artesãos) - divisão essa que faz lembrar, de algum modo, as "três ordens" medievais na Europa: clero, nobreza e povo.

Conotação racial

Ver artigo principal: Raça ariana

Após as teorias de Müller no final do século XIX, as doutrinas arianistas começaram a defender a superioridade racial dos "arianos". Arthur de Gobineau, em 1855, ao publicar o Essai sur l'inégalité des races humaines deu o mote. A tese era a de que a humanidade se dividia em raças com características biologicamente distintas e que os proto-indo-europeus tinham constituído uma raça específica que se tinha difundido pela Europa, tal como pelo Irão e pela Índia. A Gobineau Vereinigung ("Sociedade Gobineau"), fundada em 1894 pela mão de Ludwig Schemann, difundiria estas ideias pela Alemanha. As obras de Houston Stewart Chamberlain foram igualmente decisivas para a adesão de vários intelectuais e políticos alemães à corrente ideológica que viria a culminar, no século XX, com a subida ao poder do Partido Nazi.

Devido aos argumentos etnolinguísticos que relacionavam os povos com os seus valores culturais, os povos "arianos" foram frequentemente considerados distintos dos povos Semitas. No final do século XIX, era comum identificar arianos com gentios. De facto, tal uso permaneceu na linguagem popular depois de os autores académicos apenas aceitarem o termo para identificar os Indo-iranianos. Entre os defensores da supremacia branca, o termo continuou a ser utilizado para se referir aos indivíduos de raça branca não judeus. Tal uso tende a fundir o sentido presente no sânscrito de "nobre" ou "elevado" com a ideia de um comportamento distinto de um grupo étnico ancestral cuja identidade se poderia aferir por uma língua comum. Segundo esta interpretação, a raça ariana é, simultaneamente, a mais representativa da nobreza humana e a mais pura descendente da população proto-indo-europeia.

Associada a estas ideias, está a teoria de que os proto-indo-europeus teriam tido a sua origem na Europa. Recebida criticamente de início, tal ideia expandiu-se rapidamente no final do século XIX. Inaugurada por Ludwig Geiger em 1871, foi consagrada por Karl Penka entre 1883 e 1891. Em 1905, Hermann Hirt, no seu Die Indogermanen (que, incidentalmente e de forma consistente, usa o termo Indogermanen e não Arier para se referir aos indo-europeus) julgava poder provar que as planícies da Alemanha setentrional tinham sido o Urheimat (p. 197), ao mesmo tempo que relacionava o "tipo louro" (p. 192) ao núcleo primitivo da população indo-europeia "pura". Este argumento desenvolveu-se concomitantemente com o nordicismo, segundo o qual a "raça nórdica" de indivíduos louros era inatamente superior à dos outros povos. A identificação dos proto-indo-europeus com a Cultura da Cerâmica Cordada do Norte da Alemanha veio sustentar esta suposição. A ideia foi originalmente proposta por Gustaf Kossinna em 1902, e ganhou força ao longo das duas décadas seguintes, até V. Gordon Childe que, em 1926, no seu The Aryans: a study of Indo-European origins concluía que a superioridade física dos nórdicos se ajustava à sua capacidade para veicular uma língua superior - crença que, mais tarde, lamentou ter proferido.

Tais ideias foram-se tornando questão de orgulho nacional entre alguns círculos eruditos na Alemanha e foram adoptadas pelo nazismo. De acordo com a ideologia de Alfred Rosenberg, os "Nórdico-arianos" (arisch-nordisch) ou a raça "Nórdico-atlântica" (nordisch-atlantisch) constituíam uma raça superior, no topo de uma hierarquia racial que a opunha à raça "judaico-semita" (jüdisch-semitisch), considerada como uma ameaça a uma civilização ariana homogénea. Justificava-se, assim, o antissemitismo nazi. Esta ideologia sustentava, então, que a "raça ariana" seria a única capaz de, ou com interesse em, criar e manter culturas e civilizações, enquanto que as outras raças eram, meramente, instrumentos de conversão ou destruição cultural.

Alguns nazis eram, ainda, influenciados pelo misticismo de Helena Petrovna Blavatsky e, em particular pelo seu A Doutrina Secreta, de (1888) onde postulava os "Arianos" como a quinta das suas raças-raiz, datando a sua origem há cerca de um milhão de anos atrás, remontando à Atlântida - ideia essa que foi repetida por Rosenberg, e mantida como doutrina pela Sociedade Thule. Foi assim que se justificou a imposição das chamadas "leis arianas" ou Leis de Nuremberga pelos nazis, proibindo a cidadania e direitos de trabalho aos "não arianos", bem como o casamento entre indivíduos dos dois grupos opostos. Ainda que o fascismo de Benito Mussolini não se caracterizasse inicialmente nem explicitamente pelo antissemitismo, também na Itália se introduziram leis neste sentido, depois de pressionado pela Alemanha.

O termo "ariano", no léxico nazi, é totalmente inconsistente com o termo académico. O povo Rom, vulgarmente designado como "cigano" era considerado como "não ariano", apesar de ter ascendência e linguagem de raiz indiana, enquanto que os japoneses recebiam o estatuto de "arianos honorários". Com efeito, o termo "não ariano" passou rapidamente a ter o significado de "não suficientemente nacionalista".

Devido a estes precedentes históricos, o termo "Ariano" passou a ter uma certa conotação com ideias racistas, pelo que é evitado, tal como qualquer outro símbolo presente na propaganda nazi. Em termos gerais, prefere-se utilizar o termo "Caucasiano" para identificar determinado grupo de indivíduos.

Referências

  1. BIANCHINI, Flávia. A origem da civilização indiana no vale do Indo-Sarasvati: teorias sobre a invasão ariana e suas críticas recentes. Pp. 57-108, in: GNERRE, Maria Lúcia Abaurre; POSSEBON, Fabrício (orgs.). Cultura oriental: língua, filosofia e crença. Vol. 1. João Pessoa: Editora da UFPB, 2012.
  2. Estudo genético comprova migração para a Índia há cinco mil anos e instala a polémica, por Andrea Cunha Freitas, Público, 23 de agosto de 2017
  3. «Āryā (Aryan) Philology of Ethnic Epithet of Iranian Peoples. CAIS - The Circle of Ancient Iranian Studies» (em English). Consultado em 15 de janeiro de 2009 
  4. «Êrān & Êrānšahr; Iran the Land of Aryans. CAIS - The Circle of Ancient Iranian Studies.» (em English). Consultado em 15 de janeiro de 2009 
  5. GAMKRELIDZE, Thomas, VYACHESLAV, Vselodovich Ivanov, The Early History of Indo-European(aka Aryan) Languages, Scientific American, Março de 1990.
  6. Are Hindu reformists Hindus? - acesso a 28 de Abril de 2008
  7. Bianchini (2012)
  8. WITZEL, Michael, Electronic Journal of Vedic Studies, Harvard University - acesso a 3 de Março de 2007.

Bibliografia

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