Sem resumo de edição |
Sem resumo de edição |
||
Linha 2: | Linha 2: | ||
O consumo exacerbado é algo "comum" em nossa sociedade contemporânea e está ligado ao capitalismo e à política neoliberal vigente. | O consumo exacerbado é algo "comum" em nossa sociedade contemporânea e está ligado ao capitalismo e à política neoliberal vigente. | ||
A SOCIEDADE DE CONSUMO E O CONSUMERISMO | |||
Pela primeira vez, em milénios de civilização, uma sociedade assenta numa proposta tão instável e subtil: a liberdade de escolher e a normalização social à mais alta escala ( a massificação dos comportamentos de consumo). É o conflito, tantas vezes despercebido, entre empresários e trabalhadores que pretendem, na esfera de produção, lucros e salários mais elevados e que, ao transferirem-se para o estatuto de consumidores, reclamam preços mais baixos, o máximo de segurança dos produtos e serviços à sua disposição, o controlo dos mecanismos de persuasão para a venda, etc. | |||
A SOCIEDADE DE CONSUMO | |||
A atmosfera da sociedade de consumo de massas pode descrever-se facilmente: | |||
Aumento do consumo (hiperescolha), com diminuição dos encargos com a alimentação e as demais rúbricas que sempre modelaram o estilo de vida do homem-produtor | |||
Massificação do consumo de bens duradouros e satisfação das necessidades elementares para uma maioria populacional | |||
Alteração profunda da concepção e da missão de empresa, pois na 1ª Revolução Industrial o sector nevrálgico de uma fábrica era a área da produção, enquanto na 2ª Revolução Industrial é o conjunto das estratégias do marketing que vão determinar o grau de competitividade e a permanência das marcas (neste momento, graças ao marketing directo, já se fala em micromarketing e geomarketing) | |||
Há, porém, matizes neste conceito de sociedade que importa observar quando se procura entender o nosso consumo e a problemática dos direitos do consumidor: | |||
Portugal ainda não dispõe de um amplo mercado com característcas de dissipação e opulência, mas deixou de estar dominado exclusivamente pelos temas da subsistência e penúria. O conflito do rural (recorde-se que o paradigma alimentar português é o rural) e da sua perspectiva lógica da produção com o urbano, e a sua respectiva lógica de consumo, acontece naturalmente na generalidade das localidades portuguesas: permanecem relações de familiariedade com o mercado local, mas há, simultaneamente, relações de profunda internacionalização da economia (automóveis, electrodomésticos, material de vídeo, etc.) - é uma "modernização" a várias velocidades | |||
O advento da sociedade de consumo introduziu novas variáveis no velho conflito das diferenças económicas. Em primeiro lugar, porque crescimento implica abundância e a abundância equivale a um maior grau de nivelamento material e social. Em segundo lugar, o consumo de ostentação já não tem a lineariedade de trajectória que o orientou no passado. Agora, as desigualdades e os privilégios sociais nem sempre são fáceis de detectar, reproduzem-se em terrenos menos visíveis que o da satisfação das necessidades primárias | |||
Onde se situa então esta sociedade de consumo? Tentemos radiografá-la no enunciado que se segue: | |||
A sociedade de consumo transforma a nutrição em gastronomia, a sexualidade em erotismo, o descanso do trabalho em despesas de ócio, a compra num espectáculo permanente, a cidade em escaparate da vida quotidiana. Com efeito, o sistema industrial contemporâneo realizou o prodígio de transformar a compra numa festa, a venda numa arte e o consumo num espectáculo | |||
As multidões de consumidores acorrem às compras com a mesma alegria com que assistem aos "shows" musicais ¿ quanto mais espectáculo, mais sociedade de consumo | |||
O ciclo de vida dos produtos alterou-se profundamente e vive sob o "império do efémero". Durante décadas, exaltaram-se ruidosamente todas estas coisas que duravam cada vez menos: ontem o artífice cosia laboriosamente as botas de carneira, hoje a tendência é colar, como exigência da automação; amanhã o raio laser será "o primo direito" da robótica | |||
A industrialização criou o imperativo de aglomerar multidões de mão-de-obra e a família. Esta, que sempre fora entendida como uma unidade de produção, transformou-se numa autêntica unidade de consumo. Enfim, a condição da massificação dos comportamentos de consumo teria de conduzir, como conduziu, à nuclearização da família, o que veio a permitir a sua plena integração no meio urbano e a sua exposição permanente a todas as técnicas de persuasão social | |||
A vertente espiritual da sociedade de consumo chama-se a cultura de massas ou terceira cultura. A rádio, o cinema, a televisão, o vídeo, a banda desenhada, a imprensa em geral, a comunicação publicitária, etc., configuram uma cultura que se consome como os produtos do fabrico en série. É uma cultura que se consome como produtos de fabrico em série. É uma cultura diferente que se opõe a, ou ignora, ou decalca, com técnicas específicas da normalização social os modelos religiosos, aristocráticos ou humanistas. É uma cultura que utiliza sofisticadas tecnologias de produção e reprodução | |||
Como fecho de abóbada do sistema, temos a questão ideológica. | |||
Emergiu esta sociedade da profusão de bens e serviços postos no mercado, estimulados pelas facilidades do crédito é a sociedade dominada pela predisposição à compra. | |||
O discurso político torna-se dúplice e maleável à simultaneidade de conflito entre a satisfação individual e a resolução ds necessidades elementares. Confrontados com o agravamento ou a complexidade dos problemas dos transportes, saúde ou habitação, alimentação ou qualidade ambiental, o discurso político hesita entre a resposta aos sonhos, ritos e prestígio do indivíduo e os grandes objectivos sociais. | |||
O CONSUMERISMO | |||
Dimensão do fenómeno | |||
Este neologismo ainda mal assimilado entre nós (provém da palavra anglo-saxónica consumerism, tão cara ao carismático Ralph Nader) e aparece associado quer à dimensão colectiva dos interesses do consumidor, quer ao contra-poder ( ou acção de lobbying) das organizações de consumeristas face às empresas, quer à participação espontânea ou elaborada dos consumidores nas decisões socioeconómicas que os afectam, quer ainda à intervenção organizada dos poderes públicos nos terrenos legislativo, repressivo, informativo ou preventivo, para corrigir situações lesivas dos interesses dos consumidores, designadamente em ambientes onde o protagonismo do movimento de consumidores é inexpressivo ou carecido de influência. | |||
O consumerismo, sob a forma do aparecimento de associações de consumidores, emerge da consolidação da sociedade de consumo, no final dos anos 50, designadamente nos EUA, Canadá, nalguns países da Europa do Norte e Central, Austrália, Nova Zelândia e Japão. Nos anos 60, o fenómeno do consumerismo passa a interessar as empresas e suscita a intervenção institucional, a pretexto da melhoria do funcionamento da concorrêcia e do combate às manobras proteccionistas. Hoje, ganhou projecção universal, tal como foi conhecido pela Assembleia-Geral da ONU, em 1985, ao aprovar os princípios orientadores da protecção do consumidor. | |||
Uma tentativa de definição | |||
Poder-se-á definir consumerismo como a acção social dos grupos, instituições e pessoas que procuram fazer valer os direitos legítimos do consumidor, melhorar a qualidade de vida e renovar o sistema de valores sociais graças ao protagonismo cívico e político no consumo. | |||
Grosso modo, manifesta-se através de organizações e instituições que se assumem a favor dos consumidores e que são: as associações de defesa do consumidor; os sindicatos; as cooperativas de consumo; as famílias, as organizações femininas e as donas de casa; uma constelação de grupos de interesses difusos (telespectadores, inquilinos, utentes de saúde, utentes de sangue, utilizadores de telemática...); as instituições públicas, para-públicas e os órgãos de representação mista e de diálogo produtor-consumidor. A maior parte destas organizações converge para o que se designa por movimento dos consumidores. | |||
As manifestações consumeristas são tão heterógenas quanto os movimentos sociais intermitentes; a pressão política e sensibilização da opinião pública para a consagração legal dos direitos do consumidor; a execução e a difusão de testes e ensaios comparativos; as iniciativas favoráveis a melhorar as condições de vida dos estratos mais desfavorecidos; os alertas para denunciar produtos perigosos ou situações atentatórias da segurança; a intervenção na política municipal de consumo, etc., etc.. | |||
O Poliedro consumerista | |||
A partir do momento em que se estabelece a cisão entre o produtor e o consumidor, o indivíduo vive num sistema social com normas, leis, valores e sanções que são diferentes daquelas que se aplicam ao indivíduo na sua residência. Acresce que o sistema produtivo determina não somente as condições de vida do indivíduo como produtor: também como consumidor o indivíduo é obrigado a submeter-se às leis do sistema de produção. Encarada nesta perspectiva a educação consumerista procurará explicar como funciona a sociedade do ponto de vista dos consumidores, o que pressupõe que se procure dar respostas às seguintes questões: | |||
Porque assistimos a conflitos de interesses entre fabricantes e consumidores? | |||
Porque é que os consumidores não estão, regra geral, compenetrados do seu papel na sociedade nem têm o instinto associativo como os produtores? | |||
Como dialogar com os produtores e potenciar a credibilidade da argumentação consumerista? | |||
O consumerismo não se pode abstrair desta faceta da realidade |
Edição das 15h45min de 28 de maio de 2006
Uma sociedade de consumo é uma sociedade que pratica o consumismo, ou seja, que incentiva a aquisição contínua de bens e serviços efémeros como forma de sustentar a produção e o crescimento económico. O consumo exacerbado é algo "comum" em nossa sociedade contemporânea e está ligado ao capitalismo e à política neoliberal vigente.
A SOCIEDADE DE CONSUMO E O CONSUMERISMO
Pela primeira vez, em milénios de civilização, uma sociedade assenta numa proposta tão instável e subtil: a liberdade de escolher e a normalização social à mais alta escala ( a massificação dos comportamentos de consumo). É o conflito, tantas vezes despercebido, entre empresários e trabalhadores que pretendem, na esfera de produção, lucros e salários mais elevados e que, ao transferirem-se para o estatuto de consumidores, reclamam preços mais baixos, o máximo de segurança dos produtos e serviços à sua disposição, o controlo dos mecanismos de persuasão para a venda, etc.
A SOCIEDADE DE CONSUMO
A atmosfera da sociedade de consumo de massas pode descrever-se facilmente:
Aumento do consumo (hiperescolha), com diminuição dos encargos com a alimentação e as demais rúbricas que sempre modelaram o estilo de vida do homem-produtor Massificação do consumo de bens duradouros e satisfação das necessidades elementares para uma maioria populacional Alteração profunda da concepção e da missão de empresa, pois na 1ª Revolução Industrial o sector nevrálgico de uma fábrica era a área da produção, enquanto na 2ª Revolução Industrial é o conjunto das estratégias do marketing que vão determinar o grau de competitividade e a permanência das marcas (neste momento, graças ao marketing directo, já se fala em micromarketing e geomarketing) Há, porém, matizes neste conceito de sociedade que importa observar quando se procura entender o nosso consumo e a problemática dos direitos do consumidor:
Portugal ainda não dispõe de um amplo mercado com característcas de dissipação e opulência, mas deixou de estar dominado exclusivamente pelos temas da subsistência e penúria. O conflito do rural (recorde-se que o paradigma alimentar português é o rural) e da sua perspectiva lógica da produção com o urbano, e a sua respectiva lógica de consumo, acontece naturalmente na generalidade das localidades portuguesas: permanecem relações de familiariedade com o mercado local, mas há, simultaneamente, relações de profunda internacionalização da economia (automóveis, electrodomésticos, material de vídeo, etc.) - é uma "modernização" a várias velocidades O advento da sociedade de consumo introduziu novas variáveis no velho conflito das diferenças económicas. Em primeiro lugar, porque crescimento implica abundância e a abundância equivale a um maior grau de nivelamento material e social. Em segundo lugar, o consumo de ostentação já não tem a lineariedade de trajectória que o orientou no passado. Agora, as desigualdades e os privilégios sociais nem sempre são fáceis de detectar, reproduzem-se em terrenos menos visíveis que o da satisfação das necessidades primárias Onde se situa então esta sociedade de consumo? Tentemos radiografá-la no enunciado que se segue:
A sociedade de consumo transforma a nutrição em gastronomia, a sexualidade em erotismo, o descanso do trabalho em despesas de ócio, a compra num espectáculo permanente, a cidade em escaparate da vida quotidiana. Com efeito, o sistema industrial contemporâneo realizou o prodígio de transformar a compra numa festa, a venda numa arte e o consumo num espectáculo As multidões de consumidores acorrem às compras com a mesma alegria com que assistem aos "shows" musicais ¿ quanto mais espectáculo, mais sociedade de consumo O ciclo de vida dos produtos alterou-se profundamente e vive sob o "império do efémero". Durante décadas, exaltaram-se ruidosamente todas estas coisas que duravam cada vez menos: ontem o artífice cosia laboriosamente as botas de carneira, hoje a tendência é colar, como exigência da automação; amanhã o raio laser será "o primo direito" da robótica
A industrialização criou o imperativo de aglomerar multidões de mão-de-obra e a família. Esta, que sempre fora entendida como uma unidade de produção, transformou-se numa autêntica unidade de consumo. Enfim, a condição da massificação dos comportamentos de consumo teria de conduzir, como conduziu, à nuclearização da família, o que veio a permitir a sua plena integração no meio urbano e a sua exposição permanente a todas as técnicas de persuasão social A vertente espiritual da sociedade de consumo chama-se a cultura de massas ou terceira cultura. A rádio, o cinema, a televisão, o vídeo, a banda desenhada, a imprensa em geral, a comunicação publicitária, etc., configuram uma cultura que se consome como os produtos do fabrico en série. É uma cultura que se consome como produtos de fabrico em série. É uma cultura diferente que se opõe a, ou ignora, ou decalca, com técnicas específicas da normalização social os modelos religiosos, aristocráticos ou humanistas. É uma cultura que utiliza sofisticadas tecnologias de produção e reprodução Como fecho de abóbada do sistema, temos a questão ideológica.
Emergiu esta sociedade da profusão de bens e serviços postos no mercado, estimulados pelas facilidades do crédito é a sociedade dominada pela predisposição à compra.
O discurso político torna-se dúplice e maleável à simultaneidade de conflito entre a satisfação individual e a resolução ds necessidades elementares. Confrontados com o agravamento ou a complexidade dos problemas dos transportes, saúde ou habitação, alimentação ou qualidade ambiental, o discurso político hesita entre a resposta aos sonhos, ritos e prestígio do indivíduo e os grandes objectivos sociais.
O CONSUMERISMO
Dimensão do fenómeno
Este neologismo ainda mal assimilado entre nós (provém da palavra anglo-saxónica consumerism, tão cara ao carismático Ralph Nader) e aparece associado quer à dimensão colectiva dos interesses do consumidor, quer ao contra-poder ( ou acção de lobbying) das organizações de consumeristas face às empresas, quer à participação espontânea ou elaborada dos consumidores nas decisões socioeconómicas que os afectam, quer ainda à intervenção organizada dos poderes públicos nos terrenos legislativo, repressivo, informativo ou preventivo, para corrigir situações lesivas dos interesses dos consumidores, designadamente em ambientes onde o protagonismo do movimento de consumidores é inexpressivo ou carecido de influência.
O consumerismo, sob a forma do aparecimento de associações de consumidores, emerge da consolidação da sociedade de consumo, no final dos anos 50, designadamente nos EUA, Canadá, nalguns países da Europa do Norte e Central, Austrália, Nova Zelândia e Japão. Nos anos 60, o fenómeno do consumerismo passa a interessar as empresas e suscita a intervenção institucional, a pretexto da melhoria do funcionamento da concorrêcia e do combate às manobras proteccionistas. Hoje, ganhou projecção universal, tal como foi conhecido pela Assembleia-Geral da ONU, em 1985, ao aprovar os princípios orientadores da protecção do consumidor.
Uma tentativa de definição
Poder-se-á definir consumerismo como a acção social dos grupos, instituições e pessoas que procuram fazer valer os direitos legítimos do consumidor, melhorar a qualidade de vida e renovar o sistema de valores sociais graças ao protagonismo cívico e político no consumo.
Grosso modo, manifesta-se através de organizações e instituições que se assumem a favor dos consumidores e que são: as associações de defesa do consumidor; os sindicatos; as cooperativas de consumo; as famílias, as organizações femininas e as donas de casa; uma constelação de grupos de interesses difusos (telespectadores, inquilinos, utentes de saúde, utentes de sangue, utilizadores de telemática...); as instituições públicas, para-públicas e os órgãos de representação mista e de diálogo produtor-consumidor. A maior parte destas organizações converge para o que se designa por movimento dos consumidores.
As manifestações consumeristas são tão heterógenas quanto os movimentos sociais intermitentes; a pressão política e sensibilização da opinião pública para a consagração legal dos direitos do consumidor; a execução e a difusão de testes e ensaios comparativos; as iniciativas favoráveis a melhorar as condições de vida dos estratos mais desfavorecidos; os alertas para denunciar produtos perigosos ou situações atentatórias da segurança; a intervenção na política municipal de consumo, etc., etc..
O Poliedro consumerista
A partir do momento em que se estabelece a cisão entre o produtor e o consumidor, o indivíduo vive num sistema social com normas, leis, valores e sanções que são diferentes daquelas que se aplicam ao indivíduo na sua residência. Acresce que o sistema produtivo determina não somente as condições de vida do indivíduo como produtor: também como consumidor o indivíduo é obrigado a submeter-se às leis do sistema de produção. Encarada nesta perspectiva a educação consumerista procurará explicar como funciona a sociedade do ponto de vista dos consumidores, o que pressupõe que se procure dar respostas às seguintes questões:
Porque assistimos a conflitos de interesses entre fabricantes e consumidores?
Porque é que os consumidores não estão, regra geral, compenetrados do seu papel na sociedade nem têm o instinto associativo como os produtores?
Como dialogar com os produtores e potenciar a credibilidade da argumentação consumerista?
O consumerismo não se pode abstrair desta faceta da realidade