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(Neutralização fonêmica,harmonização vocálica e debordamento vocálico) |
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Neutralização fonêmica | |||
Sabemos que o conceito mais acatado de fonema está vinculado ao Princípio da Oposição, que devemos à Lingüística estrutural. Com efeito, o fonema só é entendido como entidade autônoma significativa por que se distingue de outro dentro do mesmo sistema fonológico. Assim, o /d/ é um fonema sonoro do português por que a ele opõe-se o correspondente surdo /t/. Há situações, entretanto, em que a distinção entre fonemas deixa de ser um fato relevante para o falante da língua. Tome-se, por exemplo, a palavra paz. A pronúncia dessa palavra nas diferentes regiões geolingüísticas brasileiras varia bastante devido à consoante final: [pAž], [pAš], [pAs]. Verifica-se, pois,. que as consoantes /ž/, /s/ e /š/, em final de sílaba, perdem distinção entre si; a este fato denomina-se neutralização de traços distintivos. | |||
O mesmo ocorre com respeito às vogais átonas finais portuguesas. A pronúncia de rede, por exemplo, pode ser [′Rede] ou [Reďi]. Observe-se que a alternância ente /d/ e /ď/ se dá entre um fonema e um alofone, já que /d/ e /ď/ jamais se distinguem entre si no sistema fonológico do português. Já a alternância entre /e/ e /i/ finais não pode ser atribuída a uma alofonia, visto que constituem fonemas distintos em nossa língua, como se percebe em cedo e sido. Assim, conclui-se que /e/ e /i/ átonos finais sofrem neutralização de traços distintivos, já que suas diferenças articulatórias não são pertinentes nessa posição da cadeia fônica vocabular. O mesmo se pode dizer de /o/ e /u/ átonos finais. Quando, por necessidade de descrição, referimo-nos a todas as possibilidades de pronúncia decorrentes de uma neutralização fonêmica, optamos pela transcrição de um arquifonema, assim entendido como uma entidade abstrata resultante da neutralização. Assim, o arquifonema /S/ resulta da neutralização de /s/, /ž/, /š/ e /z/ finais. | |||
Não se há de confundir entre neutralização fonêmica e inocorrência de um dado fonema na cadeia fônica vocabular. No caso das vogais átonas finais portuguesas, por exemplo, podemos relacionar dois arquifonemas e uma vogal: /I/, /U/ e /A/, os primeiros resultantes, como já se disse, da neutralização de /e/ com /i/ e de /o/ com /u/, respectivamente. Já as vogais /ε/ e //, se átonas, simplesmente não têm registro em sílaba final, tendo em vista o padrão prosódico do português. Por esse motivo, não é certo atribuir a inocorrência de /ε/ e // a um efeito da neutralização, senão a mera impossibilidade de ocorrência. | |||
Harmonização vocálica | |||
Fenômeno similar, não obstante claramente distinto da neutralização fonêmica, é o da harmonização vocálica. A rigor, trata-se de uma tendência de assimilação vocálica tradicional no português, em que uma vogal média pretônica cede espaço à correspondente alta da mesma zona articulatória por influência da vogal tônica alta. É o que ocorre, por exemplo, em vestido, pedido, comprido, que se pronunciam [viš’ťidu], [pi’ďidu], [kũ’pridu], respectivamente. Ao distinguir esses casos dos que se arrolam sob a rubrica da neutralização, Mattoso Câmara (CÂMARA JR., 1970) adverte que a harmonização pode ser evitada para clareza comunicativa: a pronúncia de comprido com /õ/ pretônico impõe-se quando o falante quer distinguir o adjetivo do particípio verbal cumprido. Também ressalva Mattoso Câmara que a média pretônica não cede espaço à alta em palavras derivadas associadas a primitivas em que ela é tônica: rodinho [ro’ďiøu], peludo [pe’ludu], etc. O segundo argumento, decerto, proporciona fundamentação mais consistente, visto que, no que tange à clareza prosódica, também pode o falante ― e freqüentemente o faz ― evitar a neutralização de átonas finais para preservar a clareza do texto: “Eu disse jure [‘žure], não júri”. | |||
Debordamento vocálico. | |||
[ | É comum em hiatos como os de coar, passear, voar, atear que a vogal média pretônica se neutralize com a alta correspondente. Esse tipo de neutralização é denominado “debordamento” por Mattoso Câmara, sob fundamento de que o /i/ e /u/ altos debordam as médias correspondentes, assumindo seu posto na pronúncia distensa. O argumento que sustenta não se tratar aqui de uma neutralização ― de que a média pode impor-se para preservar a distinção do vocábulo ― como já observamos, não procede. Caberia investigar a motivação desse fenômeno, que bem se pode atribuir ao grau elevado de atonicidade nessas mediais que compõe hiato com a, fato que levaria à natural neutralização com as altas correspondentes. Cabe, ainda, observar que em certas palavras, como cear, seara, o debordamento não ocorre. O fato parece ter motivação morfológica, já que o pronome se, usado freqüentemente em posição proclítica, pode resultar num /e/ em hiato com /A/ inicial, como em “se arma” [si’ARma]. Em outros termos, o debordamento em sílaba /se/ seguida de /A/ parece ser um privilégio do clítico por motivos distintivos. | ||
Edição das 14h41min de 24 de agosto de 2006
Neutralização fonêmica
Sabemos que o conceito mais acatado de fonema está vinculado ao Princípio da Oposição, que devemos à Lingüística estrutural. Com efeito, o fonema só é entendido como entidade autônoma significativa por que se distingue de outro dentro do mesmo sistema fonológico. Assim, o /d/ é um fonema sonoro do português por que a ele opõe-se o correspondente surdo /t/. Há situações, entretanto, em que a distinção entre fonemas deixa de ser um fato relevante para o falante da língua. Tome-se, por exemplo, a palavra paz. A pronúncia dessa palavra nas diferentes regiões geolingüísticas brasileiras varia bastante devido à consoante final: [pAž], [pAš], [pAs]. Verifica-se, pois,. que as consoantes /ž/, /s/ e /š/, em final de sílaba, perdem distinção entre si; a este fato denomina-se neutralização de traços distintivos.
O mesmo ocorre com respeito às vogais átonas finais portuguesas. A pronúncia de rede, por exemplo, pode ser [′Rede] ou [Reďi]. Observe-se que a alternância ente /d/ e /ď/ se dá entre um fonema e um alofone, já que /d/ e /ď/ jamais se distinguem entre si no sistema fonológico do português. Já a alternância entre /e/ e /i/ finais não pode ser atribuída a uma alofonia, visto que constituem fonemas distintos em nossa língua, como se percebe em cedo e sido. Assim, conclui-se que /e/ e /i/ átonos finais sofrem neutralização de traços distintivos, já que suas diferenças articulatórias não são pertinentes nessa posição da cadeia fônica vocabular. O mesmo se pode dizer de /o/ e /u/ átonos finais. Quando, por necessidade de descrição, referimo-nos a todas as possibilidades de pronúncia decorrentes de uma neutralização fonêmica, optamos pela transcrição de um arquifonema, assim entendido como uma entidade abstrata resultante da neutralização. Assim, o arquifonema /S/ resulta da neutralização de /s/, /ž/, /š/ e /z/ finais.
Não se há de confundir entre neutralização fonêmica e inocorrência de um dado fonema na cadeia fônica vocabular. No caso das vogais átonas finais portuguesas, por exemplo, podemos relacionar dois arquifonemas e uma vogal: /I/, /U/ e /A/, os primeiros resultantes, como já se disse, da neutralização de /e/ com /i/ e de /o/ com /u/, respectivamente. Já as vogais /ε/ e //, se átonas, simplesmente não têm registro em sílaba final, tendo em vista o padrão prosódico do português. Por esse motivo, não é certo atribuir a inocorrência de /ε/ e // a um efeito da neutralização, senão a mera impossibilidade de ocorrência.
Harmonização vocálica
Fenômeno similar, não obstante claramente distinto da neutralização fonêmica, é o da harmonização vocálica. A rigor, trata-se de uma tendência de assimilação vocálica tradicional no português, em que uma vogal média pretônica cede espaço à correspondente alta da mesma zona articulatória por influência da vogal tônica alta. É o que ocorre, por exemplo, em vestido, pedido, comprido, que se pronunciam [viš’ťidu], [pi’ďidu], [kũ’pridu], respectivamente. Ao distinguir esses casos dos que se arrolam sob a rubrica da neutralização, Mattoso Câmara (CÂMARA JR., 1970) adverte que a harmonização pode ser evitada para clareza comunicativa: a pronúncia de comprido com /õ/ pretônico impõe-se quando o falante quer distinguir o adjetivo do particípio verbal cumprido. Também ressalva Mattoso Câmara que a média pretônica não cede espaço à alta em palavras derivadas associadas a primitivas em que ela é tônica: rodinho [ro’ďiøu], peludo [pe’ludu], etc. O segundo argumento, decerto, proporciona fundamentação mais consistente, visto que, no que tange à clareza prosódica, também pode o falante ― e freqüentemente o faz ― evitar a neutralização de átonas finais para preservar a clareza do texto: “Eu disse jure [‘žure], não júri”.
Debordamento vocálico.
É comum em hiatos como os de coar, passear, voar, atear que a vogal média pretônica se neutralize com a alta correspondente. Esse tipo de neutralização é denominado “debordamento” por Mattoso Câmara, sob fundamento de que o /i/ e /u/ altos debordam as médias correspondentes, assumindo seu posto na pronúncia distensa. O argumento que sustenta não se tratar aqui de uma neutralização ― de que a média pode impor-se para preservar a distinção do vocábulo ― como já observamos, não procede. Caberia investigar a motivação desse fenômeno, que bem se pode atribuir ao grau elevado de atonicidade nessas mediais que compõe hiato com a, fato que levaria à natural neutralização com as altas correspondentes. Cabe, ainda, observar que em certas palavras, como cear, seara, o debordamento não ocorre. O fato parece ter motivação morfológica, já que o pronome se, usado freqüentemente em posição proclítica, pode resultar num /e/ em hiato com /A/ inicial, como em “se arma” [si’ARma]. Em outros termos, o debordamento em sílaba /se/ seguida de /A/ parece ser um privilégio do clítico por motivos distintivos.