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De Olhos Bem Fechados: mudanças entre as edições

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'''Eyes Wide Shut''' ('''De Olhos Bem Fechados''' no Brasil e em Portugal, embora em Portugal também apareça com o título original), é um [[filme]] de [[1999]], dirigido por [[Stanley Kubrick]] e estrelado pelo então casal-na-vida-real [[Nicole Kidman]] e [[Tom Cruise]]. Ele é baseado no conto [[Traumnovelle]], de [[Arthur Schnitzler]].
Uma esbelta mulher se enudece, como a abertura de cortinas de teatro, para nos apresentar à última obra de Stanley Kubrick. Um filme, como já apontado, baseado no “Traumnovelle” de Arthur Schnitzler, que mergulha num mundo onde o onírico e a realidade por vezes se confundem. E é neste contexto surreal que a história de Kubrick se desenrola.


Este é o último filme de Kubrick, que morreu pouco depois do fim da edição. Uma das canções do filme é a "Valsa 2" da Suíte Jazz 2 de [[Dmitri Shostakovitch|Shostakovitch]].
 
== O livro. ==
 
 
O escritor Arthur Schnitzler foi contemporâneo de Sigmund Freud e trabalhava muito com os temas sexo e sonho. Vivenciou o chamado “caso Redl”, em 1913, em que foi descoberto que Alfred Redl - um alto funcionário do Exército austríaco muito admirado e elogiado pelo imperador - era homossexual, o que causou um significante escândalo dentro da sociedade burguesa. Até então, Redl vivia de fingimentos para poder ter o prestígio que teve. O escritor posicionou sua obra na Viena do inicio do século XX, entre uma alta sociedade corrupta e hipócrita, sendo essa o principal avo de suas críticas.
 
O enredo de Breve Romance de um Sonho bebe nestas três fontes (Freud, caso Redl e Viena do início do século XX). Ele revela a busca sexual de um médico em crise matrimonial. Este vive duas noites e um dia de experiências estranhas que não se sabe se foram reais ou oníricas.
 
Sonho e realidade se confundem em uma narrativa que relaciona sexo com morte. No livro o escritor traça um panorama da sociedade vienense e os costumes da época, além de desenvolve idéias esclarecedoras sobre o casamento e sexualidade. Schnitzler faz uma análise mais profunda em sua obra, utilizando de preceitos da psicologia para complementá-la. 
 
Freud foi um grande admirador de Schnitzler e da desenvoltura que o mesmo abordava temas polêmicos à época. Suas obras analisavam a psique humana e o poder da interpretção dos sonhos, objeto de estrudo avançado do próprio Freud.
 
 
== O filme. ==
 
 
Stanley Kubrick dirigiu 12 filmes em sua carreira, dos mais diversos gêneros, com a crônica crítica ao aparente equilíbrio do chamado american way of life, caracterizando um sistema que deixa evidente sua desestruturação numa superfície infundada. 
 
O filme inicia com os preparativos de um casal para uma festa, apresentando-nos os personagens e suas personalidades; a mulher, Alice, interpretada por Nicole Kidman, se olha no espelho, e pergunta ao marido Bill se está bonita, Bill, que procura por sua carteira. O casal demonstra muita intimidade, usando o banheiro para diferentes finalidades simultaneamente, e uma grande preocupação familiar, uma vez que chamam uma baby-sitter para cuidar de sua filha enquanto saem.
 
Na festa, a aparente estrutura familiar sólida começa a se desmoronar. Bill se entrosa com duas modelos, enquanto Alice se envolve com um sedutor convidado que a corteja. Bill, porém, é interrompido de sua quase traição pelo anfitrião da festa, seu paciente Victor Ziegler, para atende-lo. Descobre que a emergência é na verdade uma prostituta desacordada devido a uma overdose de drogas. Neste momento as máscaras da sociedade começam a surgir. Homens casados traem suas mulheres nas festas de fim de ano, em seus próprios banheiros revelando um universo cínico, embasado na podridão da traição, da vingança e da vulgaridade.
Em casa, excitados com tudo o que aconteceu (ou não aconteceu), Bill e Alice fazem sexo realizando seus desejos não concretizados.
 
A manhã seguinte começa com flashes do dia-a-dia do casal, Bill trabalhando em seu consultório e Alice cuidando de sua filha, confirmando seu papel de mulher bibelô. Os flashes do marido e da esposa se contrapõe de maneira interessante: enquanto Bill cuida de um menino, Alice passa desodorante das axilas e verifica que elas não cheiram mal; enquanto Bill faz exame do toque nos seios de uma mulher, Alice toma café da manhã com a filha. Mais tarde, antes de dormirem, o casal fuma maconha e começam a discutir a noite anterior. Ambos questionam o comportamento do outro, tentando confirmar qualquer tipo de adultério ou intenção. Alice revela, então, que no último verão teve intensos desejos por um marinheiro que estava hospedado no mesmo hotel que eles, desconcertando Bill, que recebe um telefonema avisando sobre a morte de um de seus pacientes. Observe que Alice apenas afirmou que teve desejo por outro homem e isso foi o suficiente para desestruturar Bill. Desta forma, todo o conflito do filme é exclusivamente psicológico, no terreno das possibilidades.
 
No caminho, Bill é atordoado por imagens de sua mulher tendo relações sexuais com o oficial da marinha.
 
Chegando a casa do falecido Bill enfrenta o primeiro momento peculiar do filme: a filha do morto, que está prestes a se casar, declara seu amor por Bill e o beija sendo interrompida pelo noivo. Esta é uma situação recorrente ao longo do filme: as atitudes dos personagens se justificam (ou não) por um estado de ausência de consciência, com se estivessem dormentes ou sonâmbulos. Bill alega e se convence que ela só está falando isso por estar abalada com a morte do pai.
 
Bill aproveita a chegada do noivo, sai da casa do ex-paciente e começa a vagar pela noite de Nova Iorque. Mais uma vez, os fantasmas de sua mulher com outros (agora ainda mais intensos) o assombram.
 
Andando pelas ruas, Bill conhece Domino, uma prostituta que se aproxima oferecendo seus serviços. A segunda situação peculiar do filme se mostra, uma vez que ele é convidado à casa de Domino e é interrompido segundos antes da concretização do ato pelo telefonema da esposa. Bill decide voltar para casa, entretanto no caminho se depara com um bar onde toca um velho amigo de faculdade. Entre conversas, o amigo deixa escapar que faz trabalhos esporádicos tocando de olhos vendados em festas de um grupo de pessoas anônimas. Bill se interessa pelo o que seu amigo diz e pressiona-o para contar mais sobre a festa daquela noite e de posse da senha que permite a entrada ao evento, vai atrás de uma fantasia adequada.
 
Bill vai à loja de fantasias que, devido à hora, estava fechada, porém ele convence o dono a alugar uma fantasia para ele, oferecendo mais dinheiro para isso. Na loja depara-se com mais uma situação constrangedora: a filha adolescente do dono da loja é surpreendida semi-nua com dois japoneses transvestidos.
 
Em todas essas ocasiões bizarras, o telespectador fica em uma situação de desconforto.  Não pelo evidente deslocamento de Bill em frente a isso mas, pela ambigüidade entre o real e a fantasia na qual o filme se envolta a partir daí. A todo o momento somos surpreendidos por algo, no mínimo, não convencional.
 
Findada a confusão, Bill pega um táxi e segue para a misteriosa festa. No caminho, mais uma vez, é perturbado por imagens de sua mulher tendo relações com o marinheiro.
 
Já em frente à mansão onde ocorre a festa, Bill rasga uma nota de cem dólares, dá uma das metades para o taxista e promete a outra caso ele o espere, demonstrando mais uma vez sua indiferença para com o dinheiro.
 
A senha dada por seu amigo, “Fidélio”, é uma referência de Kubrick à única ópera de Beethoven, homônima, que exalta o amor conjugal. O termo fidélio vem do latim fidelis que significa fidelidade. Neste caso, ela é o passe para um castelo de proibições, prenunciando claramente que, de fato, estamos numa ópera. Uma musica pesada, máscaras barrocas e capas suntuosas confirmam o prenuncio. Ao entrar no “baile de máscaras” ele presencia uma espécie de ritual satânico no qual mulheres, colocadas na borda de um círculo, tiram suas capas, ficando só de calcinha e escolhem um dos homens que observam a cena. Bill é um dos escolhidos.  A mulher que o escolheu o alerta que ele está correndo perigo, mas, ele ignora. Ele passeia pelo castelo, com grandes salas repletas de pessoas fazendo sexo.
 
Entretanto, a intrusão de Bill passou ilesa por pouco tempo. Sua máscara num estilo veneziano (destoante da dos demais participantes), seu comportamento passivo-voyeur acusaram seu disfarce. Após ser alertado mais uma vez pela jovem mascarada, Bill é levado por seguranças de volta ao salão principal, onde o “ritual satânico” ocorreu.  Lá, ele é julgado por uma espécie de sacerdote, que o desmascara e salvo pela mulher que tanto o alertou. Ao tentar questionar o que aconteceria com aquela mulher, Bill é alertado que deveria manter silencio absoluto a respeito de tudo o que viu.
 
Ao voltar para o lar, se sente aliviado como se tudo não passasse de um sonho. Tenta se recompor olhando para a filha e para a mulher que dormem na total tranqüilidade. Alice até mesmo sorria durante o sono. Instantes depois, ao acordar com a chegada do marido, ela revela seu sonho: fazia sexo com o oficial da marinha e mais uma série de homens.  Mais uma vez, resquícios freudianos: o homem não comanda nem a própria casa.
 
Na manhã seguinte, desacreditado com o que vivenciou, Bill inicia uma verdadeira jornada revisitando os lugares o qual passou na noite anterior, buscando respostas ou tentando se convencer de que aquilo havia sido um sonho. Começa pelo hotel em que seu amigo, o pianista, estava hospedado. Conversa com o balconista, um estereotipo gay um tanto quanto fora de contexto, que lhe diz que seu amigo foi levado por dois homens. Depois passa pela loja de fantasias. Lá, encontra o dono da loja complacente à depravação da filha e a oferecendo a Bill.
 
Então, Bill retorna ao lugar da orgia, onde recebe um obscuro cartão ordenando que ele desistisse de qualquer investigação, pelo seu próprio bem. Sendo assim, ele volta para casa e encontra sua mulher, no melhor estilo “mamãe”, fazendo os deveres de matemática do colégio junto com sua filha. Ainda inquieto em relação à noite anterior, Bill liga, de seu consultório, para a filha de seu paciente, visita a prostituta Domino (quem a amiga revela que está com AIDS) e descobre que uma sua salvadora mascarada morreu de overdose na noite passada.
Novamente o onírico volta a sondar um ambiente onde todos parecem saber o que está acontecendo, exceto o sonhador, envolto em sua ausência de consciência em relação às situações que se seguem. Bill, então, é chamado por seu paciente (e anfitrião do baile ocorrido no começo do filme) Victor Ziegler. Este confessa que estava na orgia e explica que tudo foi uma jogada para amedrontá-lo e que o sumisso do pianista e a morte da mulher não passaram de meras coincidências. E assim como para Bill, as coisas em nenhum instante ficam claras para o espectador. Em vários momentos Bill tem a oportunidade de trair sua esposa, mas em nenhuma delas isso se concretiza.
 
Ao chegar em casa, Bill encontra a máscara que usara na orgia dormindo ao lado de sua mulher. Com isso ele decide contar tudo o que aconteceu a sua mulher. E assim faz.
 
No dia seguinte, desconcertados e silenciosos, o casal sai para as compras de Natal. “Nenhum sonho é apenas um sonho”, afirma Alice. Ao final do filme, novamente a aparente tranqüilidade e estabilidade do casal talvez não passe de mais um sonho.  E, na mesma dramaticidade do início, quando Alice pronuncia a palavra “Fuck” é como se convidasse a platéia a se retirar e deixá-la a sós com o marido.Por ser a
única personagem realmente esclarecida a respeito do funcionamento do casamento e da sexualidade de ambos (seus desejos) ela é a única a possuir olhos abertos. A capa do filme deixa isso bem claro, enquanto Bill a beija ela fica de olhos fixos no espelho, evidenciando que ela percebeu a verdadeira natureza do seu relacionamento.  


==Ficha Técnica==
==Ficha Técnica==
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* Edição: Nigel Galt
* Edição: Nigel Galt
* Efeitos Especiais: The Computer Film Company
* Efeitos Especiais: The Computer Film Company
== Personagens ==
Bill se revela, aos poucos, bastante conservador. Defende idéias retrógradas em relação ao matrimônio, à sexualidade feminina e ao papel social da mulher. Afirma que nunca sentiu ciúmes de Alice e que a mesma não seria capaz de traí-lo, já que é mãe de sua filha e sua esposa a vários anos. Esse discurso serve como base para a construção da personalidade de Bill, e é um ponto crucial para explicar as ações tomadas pelo mesmo no desenrolar da história. Bill assumiu essa postura (que poderia talvez ser definida como “machista conservadora”) e construiu uma família, embasada em uma sólida e duradoura relação conjugal, sustentada financeiramente pelo seu tão árduo trabalho. No entanto, quando sua mulher revela que desejou sexualmente outro homem (podendo não ser essa uma ocasião isolada) Bill se sente devastado. É como se o universo familiar que lhe era tão seguro e confortável tivesse ruído; tudo com uma revelação aparentemente tão banal. Ele se sente surpreso e profundamente magoado;possui a autoconfiança abalada e o narcisismo ferido. Em sua mente, esse desejo tem um peso igual (se não maior) que a traição em si.
Realizando uma análise psicológica, a reação de Bill poderia ser explicada de várias maneiras. Essa grande mágoa e sensação de perda vivenciada por ele poderia remeter a uma ruptura para com a chamada “mulher ideal”. A mesma seria casta e romanticamente submissa aos desejos do homem dominante, tendo como única função cuidar de seus herdeiros e servir sexualmente seu marido. Bill aplicou os conceitos dessa mulher idealizada em sua própria esposa, esperando que ela respondesse como tal. Quando confrontado com a natureza libertina e lasciva de Alice (mesmo que reprimida em simples desejos ou sonhos) Bill falha em encaixá-la em seu ideal romântico, razão de seu desejo sexual tê-lo abalado tanto. Esse ideal feminino também poderia remeter, em uma instância um pouco mais profunda, à imagem da  figura materna na vida de Bill. A revelação, então, acarretaria uma perda ainda maior para ele, já que implicaria no desenvolvimento de uma visão negativa em relação às mulheres em geral, não ficando restrito a Alice.
Outra característica importante do personagem é seu impressionante desejo pelo consumo. Ele lida com o dinheiro com uma incrível banalidade, gastando uma quantia razoavelmente alta  durante somente uma noite. Insiste sempre em pagar acima do que lhe é requisitado e não se constrange em utilizar seu dinheiro a fim de persuadir pessoas quando elas podem lhe oferecer algo que deseja. Exemplos disso no filme não faltam, como quando o mesmo oferece para Milich (o dono da loja de fantasias) quase o dobro do preço habitual a fim de que o mesmo concorde no aluguel de uma roupa; ou quando insiste em pagar pelos serviços da prostituta Domino mesmo que nada tenha ocorrido entre os dois; ou quando rasga sem pudor uma nota de cem dólares para que o taxista o espere “indefinidamente” em frente a mansão que tanto ânsia conhecer. Todas essas situações o colocam na posição de “comprador”, um perdulário que não sente a menor inibição em usar de sua influência monetária para conseguir aquilo que deseja. Ou, as vezes, quem deseja.
Alice, em contrapartida, figura no extremo oposto de seu marido. Utilizando de racionalismo e desenvolvendo idéias esclarecedoras em relação ao casamento e sexualidade, possui  todas as qualidades inexistentes em Bill, ficando evidente a razão do choque entre eles. Ela não se encaixa na figura feminina idealizada pelo marido, e tem plena consciência disso; no entanto, se sujeita a tal papel. Interpreta fielmente a mãe e dona- de- casa feliz tanto dentro de seu próprio lar (evidente em cenas de rotina diária com a filha)  quanto para o resto da sociedade. Possui desejos e anseios sexuais, os quais mantém reprimidos por mera convensão cultural. Não seria socialmente aceitável ( no livro principalmente, se considerarmos a época de sua publicação) que uma mulher casada e da alta classe tornasse pública sua vontade de ter contatos íntimos com outros homens . É justamente por isso que até esse momento ela manteve seus pensamentos eróticos ocultos de todos, em especial de seu marido, pessoa com a qual ( teoricamente) teria que desenvolver a relação mais honesta e sólida de todas.
Alice poderia ser considerada, por Bill, como mero objeto contemplativo. Teria o valor de uma bela visão, uma linda mulher que o médico gosta de ter ao seu lado quando um de seus pacientes os convida para uma pomposa comemoração natalina. Sua mulher serviria como uma boa maneira de se apresentar à alta sociedade; ajudaria a manter uma falsa identidade criada por ele a fim de ser aceito no restrito círculo das pessoas ricas e influentes, que constituem seus pacientes. Alice ajudaria a sustentar a identidade criada por Bill para melhor sobreviver às relações sociais, uma espécie de máscara.
Quando confrontada com as idéias de Bill em relação à fidelidade e ao papel social feminino, Alice se sente irritada por ele pensar de maneira tão divergente da dela. Decide então relatar seu desejo de natureza sexual para com um jovem oficial da marinha, desconcertando-o. Seu ato pode ser explicado como uma forma de (talvez inconscientemente) se vingar do marido por sua visão retrógrada anteriormente retratada e por sua posição familiar. Alice assume, para Bill, um posto de objeto de valor com função puramente contemplativa, além de ser economicamente sustentada pelo mesmo.
== Sonho ==
Existem vários indícios no decorrer da história que reforçam a teoria de que as experiências de Bill não passaram de um sonho. Pequenos detalhes, insignificantes em uma primeira análise, mas relevantes na compreensão de todas as esferas de análise do filme. Como, por exemplo, a repetição de uma mesma palavra. Durante a festa de Ziegler no início do filme, quando Bill se encontra na companhia de duas lindas garotas, elas dão indícios que desejariam se envolver de forma erótica com ele. A frase que elas usam especificamente é que desejam levá-lo para conhecer onde “termina o arco-íris” (rainbow em inglês). O médico é chamado ao andar de cima, e a possível aventura é interrompida aí. No entanto, durante o trecho ambíguo da história (não que essa passagem possua limites claramente definidos) na qual não se sabe se o que é mostrado foi vivenciado por Bill ou é somente fruto de sua imaginação, a palavra figura novamente. Após tomar conhecimento da existência da festa na mansão, Bill sai a procura de um local para alugar uma fantasia, essencial para admissão no lugar. A loja escolhida, incrivelmente, se chama Rainbow fashions. A forma que a loja é apresentada não deixa dúvidas que se trata de um detalhe importante; a câmera efetua um recuo para melhor enquadrar o letreiro do lugar, além da duração do plano ser maior que a necessária para um mero reconhecimento espacial.
== Recepção do filme pela crítica. ==
Dez anos depois do lançamento de Nascido para matar, a Warner Bros anuncia o lançamento de De olhos bem fechados no dia da morte de Stanley Kubrick. Essa é uma das várias lendas criadas em torno do filme. De fato, a produção demorou cerca de três anos para se concretizar. O perfeccionista diretor exigiu o máximo de seus atores, cortou seqüências, adicionou personagens. Mesmo não possuindo cenas de sexo explicito, a cena da orgia causou tamanha polemica que recebeu uma censura onde 60 segundos de filme foi alterado digitalmente para amenizar o impacto nas platéias norte-americanas. Essa recepção pode ser considerada uma alegoria do que Kubrick pretendia fazer com o próprio filme. Todas as criticas presentes no filme são direcionadas ao público estadunidense, que ironicamente, foi o único a alterar o material, tamanha a sua “ofensa”. No filme, Kubrick afirma, que esta sociedade está de “olhos bem fechados”, mais preocupada com tabus e falsos-moralismos do que para a natureza da sexualidade propriamente dita. A recepção do filme comprova isso. 
== A adaptação literária ==
O filme possui uma série de variações em relação ao livro de Schnitzler, constituindo escolhas feitas na adaptação Kubrick e que merecem uma análise mais profunda em razão disso.
A primeira consiste na escolha do filme se passar durante a época do Natal, enquanto que no livro a ação acontece “um pouco antes do fim do Carnaval”. A escolha não fica restrita a compras natalinas, a diálogos com Helena, a filha do casal (que pede permissão para” asssistir o Quebra Nozes “ na TV) ou a ser o tema do baile oferecido por Ziegler no início da história. O espírito natalino está presente em cada ambiente do filme, seja nas árvores de Natal presentes em quase todas as casas, nas cores características do feriado no interior de bares e consultórios, ou nas luzes decorativas que iluminam cada uma das esquinas de Nova Iorque. A caracterização é tão ostensiva que chega a ser impossível não questionar o porque de sua existência, já que só está  presente propositalmente na obra fílmica.
Deixando evidente que a história se desenvolve nessa época do ano, Kubrick talvez queira chamar nossa atenção para um “falso sentimento natalino”. Sentimento este ligado ao caráter puramente comercial e consumista do feriado e totalmente desvinculado do aspecto bíblico/cristão de sua origem. O Natal retratado no filme está mais para um culto comercial anual que para uma celebração religiosa. Nesse ponto ele faz uma sutil crítica ao catolicismo e a forma com que ele está atualmente ligado a práticas meramente mercadológicas.
Outra diferença em relação a “Traumnovelle” é a tranposição da Viena na virada do século para a Nova Iorque contemporânea, além da recriação da mesma em um estúdio europeu. Mudar o local e época na qual a história se desenvolveria acarretou mudanças substanciais no sentido da mesma. A escolha de trazer a história de Fridolin para os dias atuais não gerou mudanças muito substancias na narrativa. Somente alguns detalhes tiveram de ser adaptados para uma melhor aceitação do filme pelas platéias de hoje, como a mudança de sífilis por HIV para ser a doença da prostituta Mizzy/Domino.
A escolha de Nova Iorque como sede da história possui um significado maior que as demais, devendo ser melhor explorada. Kubrick escolheu localizar sua narrativa na capital financeira da rica e próspera América pré 11/09. A cidade em si possui uma personalidade no contexto do filme. Ao escolher situar seu filme nos EUA , ao contrário da Viena de fim de século de Traumnovelle, Kubrick centra suas críticas no American way of life, na maneira que submete outras nações tanto econômica quanto culturalmente.
O ponto crucial de divergência nas duas obras é na ambigüidade relacionada ao caráter onírico das experiências de Fridolin/Bill. No livro as experiências do protagonista parecem muito mais desconexas da realidade que na obra de Kubrick, ficando muito mais evidente que poderia se tratar de um sonho.
A crítica central, aliada à já mencionada miopia das relações sexuais, reside na extratificação do poder e hierarquização das classes sociais. Tudo é um jogo financeiro de poder e influencia. Bill facilmente compra as pessoas “inferiores” (no tocante econômico) a ele. Por exemplo; o taxista, a prostituta, o dono da loja de fantasia. No entanto, em relação à pessoas de classe social superior à ele, Bill se apresenta insignificante. É facilmente dissuadido, por exemplo, em sua relação com Victor Ziegler. Ele é um mero empregado. 


==Premiações==
==Premiações==

Edição das 21h54min de 1 de agosto de 2006

Predefinição:Cinema/Ficha Técnica

Uma esbelta mulher se enudece, como a abertura de cortinas de teatro, para nos apresentar à última obra de Stanley Kubrick. Um filme, como já apontado, baseado no “Traumnovelle” de Arthur Schnitzler, que mergulha num mundo onde o onírico e a realidade por vezes se confundem. E é neste contexto surreal que a história de Kubrick se desenrola.


O livro.

O escritor Arthur Schnitzler foi contemporâneo de Sigmund Freud e trabalhava muito com os temas sexo e sonho. Vivenciou o chamado “caso Redl”, em 1913, em que foi descoberto que Alfred Redl - um alto funcionário do Exército austríaco muito admirado e elogiado pelo imperador - era homossexual, o que causou um significante escândalo dentro da sociedade burguesa. Até então, Redl vivia de fingimentos para poder ter o prestígio que teve. O escritor posicionou sua obra na Viena do inicio do século XX, entre uma alta sociedade corrupta e hipócrita, sendo essa o principal avo de suas críticas.

O enredo de Breve Romance de um Sonho bebe nestas três fontes (Freud, caso Redl e Viena do início do século XX). Ele revela a busca sexual de um médico em crise matrimonial. Este vive duas noites e um dia de experiências estranhas que não se sabe se foram reais ou oníricas.

Sonho e realidade se confundem em uma narrativa que relaciona sexo com morte. No livro o escritor traça um panorama da sociedade vienense e os costumes da época, além de desenvolve idéias esclarecedoras sobre o casamento e sexualidade. Schnitzler faz uma análise mais profunda em sua obra, utilizando de preceitos da psicologia para complementá-la.

Freud foi um grande admirador de Schnitzler e da desenvoltura que o mesmo abordava temas polêmicos à época. Suas obras analisavam a psique humana e o poder da interpretção dos sonhos, objeto de estrudo avançado do próprio Freud.


O filme.

Stanley Kubrick dirigiu 12 filmes em sua carreira, dos mais diversos gêneros, com a crônica crítica ao aparente equilíbrio do chamado american way of life, caracterizando um sistema que deixa evidente sua desestruturação numa superfície infundada.

O filme inicia com os preparativos de um casal para uma festa, apresentando-nos os personagens e suas personalidades; a mulher, Alice, interpretada por Nicole Kidman, se olha no espelho, e pergunta ao marido Bill se está bonita, Bill, que procura por sua carteira. O casal demonstra muita intimidade, usando o banheiro para diferentes finalidades simultaneamente, e uma grande preocupação familiar, uma vez que chamam uma baby-sitter para cuidar de sua filha enquanto saem.

Na festa, a aparente estrutura familiar sólida começa a se desmoronar. Bill se entrosa com duas modelos, enquanto Alice se envolve com um sedutor convidado que a corteja. Bill, porém, é interrompido de sua quase traição pelo anfitrião da festa, seu paciente Victor Ziegler, para atende-lo. Descobre que a emergência é na verdade uma prostituta desacordada devido a uma overdose de drogas. Neste momento as máscaras da sociedade começam a surgir. Homens casados traem suas mulheres nas festas de fim de ano, em seus próprios banheiros revelando um universo cínico, embasado na podridão da traição, da vingança e da vulgaridade. Em casa, excitados com tudo o que aconteceu (ou não aconteceu), Bill e Alice fazem sexo realizando seus desejos não concretizados.

A manhã seguinte começa com flashes do dia-a-dia do casal, Bill trabalhando em seu consultório e Alice cuidando de sua filha, confirmando seu papel de mulher bibelô. Os flashes do marido e da esposa se contrapõe de maneira interessante: enquanto Bill cuida de um menino, Alice passa desodorante das axilas e verifica que elas não cheiram mal; enquanto Bill faz exame do toque nos seios de uma mulher, Alice toma café da manhã com a filha. Mais tarde, antes de dormirem, o casal fuma maconha e começam a discutir a noite anterior. Ambos questionam o comportamento do outro, tentando confirmar qualquer tipo de adultério ou intenção. Alice revela, então, que no último verão teve intensos desejos por um marinheiro que estava hospedado no mesmo hotel que eles, desconcertando Bill, que recebe um telefonema avisando sobre a morte de um de seus pacientes. Observe que Alice apenas afirmou que teve desejo por outro homem e isso foi o suficiente para desestruturar Bill. Desta forma, todo o conflito do filme é exclusivamente psicológico, no terreno das possibilidades.

No caminho, Bill é atordoado por imagens de sua mulher tendo relações sexuais com o oficial da marinha.

Chegando a casa do falecido Bill enfrenta o primeiro momento peculiar do filme: a filha do morto, que está prestes a se casar, declara seu amor por Bill e o beija sendo interrompida pelo noivo. Esta é uma situação recorrente ao longo do filme: as atitudes dos personagens se justificam (ou não) por um estado de ausência de consciência, com se estivessem dormentes ou sonâmbulos. Bill alega e se convence que ela só está falando isso por estar abalada com a morte do pai.

Bill aproveita a chegada do noivo, sai da casa do ex-paciente e começa a vagar pela noite de Nova Iorque. Mais uma vez, os fantasmas de sua mulher com outros (agora ainda mais intensos) o assombram.

Andando pelas ruas, Bill conhece Domino, uma prostituta que se aproxima oferecendo seus serviços. A segunda situação peculiar do filme se mostra, uma vez que ele é convidado à casa de Domino e é interrompido segundos antes da concretização do ato pelo telefonema da esposa. Bill decide voltar para casa, entretanto no caminho se depara com um bar onde toca um velho amigo de faculdade. Entre conversas, o amigo deixa escapar que faz trabalhos esporádicos tocando de olhos vendados em festas de um grupo de pessoas anônimas. Bill se interessa pelo o que seu amigo diz e pressiona-o para contar mais sobre a festa daquela noite e de posse da senha que permite a entrada ao evento, vai atrás de uma fantasia adequada.

Bill vai à loja de fantasias que, devido à hora, estava fechada, porém ele convence o dono a alugar uma fantasia para ele, oferecendo mais dinheiro para isso. Na loja depara-se com mais uma situação constrangedora: a filha adolescente do dono da loja é surpreendida semi-nua com dois japoneses transvestidos.

Em todas essas ocasiões bizarras, o telespectador fica em uma situação de desconforto. Não pelo evidente deslocamento de Bill em frente a isso mas, pela ambigüidade entre o real e a fantasia na qual o filme se envolta a partir daí. A todo o momento somos surpreendidos por algo, no mínimo, não convencional.

Findada a confusão, Bill pega um táxi e segue para a misteriosa festa. No caminho, mais uma vez, é perturbado por imagens de sua mulher tendo relações com o marinheiro.

Já em frente à mansão onde ocorre a festa, Bill rasga uma nota de cem dólares, dá uma das metades para o taxista e promete a outra caso ele o espere, demonstrando mais uma vez sua indiferença para com o dinheiro.

A senha dada por seu amigo, “Fidélio”, é uma referência de Kubrick à única ópera de Beethoven, homônima, que exalta o amor conjugal. O termo fidélio vem do latim fidelis que significa fidelidade. Neste caso, ela é o passe para um castelo de proibições, prenunciando claramente que, de fato, estamos numa ópera. Uma musica pesada, máscaras barrocas e capas suntuosas confirmam o prenuncio. Ao entrar no “baile de máscaras” ele presencia uma espécie de ritual satânico no qual mulheres, colocadas na borda de um círculo, tiram suas capas, ficando só de calcinha e escolhem um dos homens que observam a cena. Bill é um dos escolhidos. A mulher que o escolheu o alerta que ele está correndo perigo, mas, ele ignora. Ele passeia pelo castelo, com grandes salas repletas de pessoas fazendo sexo.

Entretanto, a intrusão de Bill passou ilesa por pouco tempo. Sua máscara num estilo veneziano (destoante da dos demais participantes), seu comportamento passivo-voyeur acusaram seu disfarce. Após ser alertado mais uma vez pela jovem mascarada, Bill é levado por seguranças de volta ao salão principal, onde o “ritual satânico” ocorreu. Lá, ele é julgado por uma espécie de sacerdote, que o desmascara e salvo pela mulher que tanto o alertou. Ao tentar questionar o que aconteceria com aquela mulher, Bill é alertado que deveria manter silencio absoluto a respeito de tudo o que viu.

Ao voltar para o lar, se sente aliviado como se tudo não passasse de um sonho. Tenta se recompor olhando para a filha e para a mulher que dormem na total tranqüilidade. Alice até mesmo sorria durante o sono. Instantes depois, ao acordar com a chegada do marido, ela revela seu sonho: fazia sexo com o oficial da marinha e mais uma série de homens. Mais uma vez, resquícios freudianos: o homem não comanda nem a própria casa.

Na manhã seguinte, desacreditado com o que vivenciou, Bill inicia uma verdadeira jornada revisitando os lugares o qual passou na noite anterior, buscando respostas ou tentando se convencer de que aquilo havia sido um sonho. Começa pelo hotel em que seu amigo, o pianista, estava hospedado. Conversa com o balconista, um estereotipo gay um tanto quanto fora de contexto, que lhe diz que seu amigo foi levado por dois homens. Depois passa pela loja de fantasias. Lá, encontra o dono da loja complacente à depravação da filha e a oferecendo a Bill.

Então, Bill retorna ao lugar da orgia, onde recebe um obscuro cartão ordenando que ele desistisse de qualquer investigação, pelo seu próprio bem. Sendo assim, ele volta para casa e encontra sua mulher, no melhor estilo “mamãe”, fazendo os deveres de matemática do colégio junto com sua filha. Ainda inquieto em relação à noite anterior, Bill liga, de seu consultório, para a filha de seu paciente, visita a prostituta Domino (quem a amiga revela que está com AIDS) e descobre que uma sua salvadora mascarada morreu de overdose na noite passada. Novamente o onírico volta a sondar um ambiente onde todos parecem saber o que está acontecendo, exceto o sonhador, envolto em sua ausência de consciência em relação às situações que se seguem. Bill, então, é chamado por seu paciente (e anfitrião do baile ocorrido no começo do filme) Victor Ziegler. Este confessa que estava na orgia e explica que tudo foi uma jogada para amedrontá-lo e que o sumisso do pianista e a morte da mulher não passaram de meras coincidências. E assim como para Bill, as coisas em nenhum instante ficam claras para o espectador. Em vários momentos Bill tem a oportunidade de trair sua esposa, mas em nenhuma delas isso se concretiza.

Ao chegar em casa, Bill encontra a máscara que usara na orgia dormindo ao lado de sua mulher. Com isso ele decide contar tudo o que aconteceu a sua mulher. E assim faz.

No dia seguinte, desconcertados e silenciosos, o casal sai para as compras de Natal. “Nenhum sonho é apenas um sonho”, afirma Alice. Ao final do filme, novamente a aparente tranqüilidade e estabilidade do casal talvez não passe de mais um sonho. E, na mesma dramaticidade do início, quando Alice pronuncia a palavra “Fuck” é como se convidasse a platéia a se retirar e deixá-la a sós com o marido.Por ser a única personagem realmente esclarecida a respeito do funcionamento do casamento e da sexualidade de ambos (seus desejos) ela é a única a possuir olhos abertos. A capa do filme deixa isso bem claro, enquanto Bill a beija ela fica de olhos fixos no espelho, evidenciando que ela percebeu a verdadeira natureza do seu relacionamento.

Ficha Técnica

  • Site Oficial: http://www.eyeswideshut.com
  • Estúdio: Warner Bros. / Hobby Films
  • Distribuição: Warner Bros.
  • Produção: Stanley Kubrick
  • Música: Jocelyn Pook
  • Direção de Fotografia: Larry Smith
  • Desenho de Produção: Leslie Tomkins e Roy Walker
  • Direção de Arte: John Fenner e Jevin Phipps
  • Figurino: Marit Allen
  • Edição: Nigel Galt
  • Efeitos Especiais: The Computer Film Company


Personagens

Bill se revela, aos poucos, bastante conservador. Defende idéias retrógradas em relação ao matrimônio, à sexualidade feminina e ao papel social da mulher. Afirma que nunca sentiu ciúmes de Alice e que a mesma não seria capaz de traí-lo, já que é mãe de sua filha e sua esposa a vários anos. Esse discurso serve como base para a construção da personalidade de Bill, e é um ponto crucial para explicar as ações tomadas pelo mesmo no desenrolar da história. Bill assumiu essa postura (que poderia talvez ser definida como “machista conservadora”) e construiu uma família, embasada em uma sólida e duradoura relação conjugal, sustentada financeiramente pelo seu tão árduo trabalho. No entanto, quando sua mulher revela que desejou sexualmente outro homem (podendo não ser essa uma ocasião isolada) Bill se sente devastado. É como se o universo familiar que lhe era tão seguro e confortável tivesse ruído; tudo com uma revelação aparentemente tão banal. Ele se sente surpreso e profundamente magoado;possui a autoconfiança abalada e o narcisismo ferido. Em sua mente, esse desejo tem um peso igual (se não maior) que a traição em si.

Realizando uma análise psicológica, a reação de Bill poderia ser explicada de várias maneiras. Essa grande mágoa e sensação de perda vivenciada por ele poderia remeter a uma ruptura para com a chamada “mulher ideal”. A mesma seria casta e romanticamente submissa aos desejos do homem dominante, tendo como única função cuidar de seus herdeiros e servir sexualmente seu marido. Bill aplicou os conceitos dessa mulher idealizada em sua própria esposa, esperando que ela respondesse como tal. Quando confrontado com a natureza libertina e lasciva de Alice (mesmo que reprimida em simples desejos ou sonhos) Bill falha em encaixá-la em seu ideal romântico, razão de seu desejo sexual tê-lo abalado tanto. Esse ideal feminino também poderia remeter, em uma instância um pouco mais profunda, à imagem da figura materna na vida de Bill. A revelação, então, acarretaria uma perda ainda maior para ele, já que implicaria no desenvolvimento de uma visão negativa em relação às mulheres em geral, não ficando restrito a Alice.

Outra característica importante do personagem é seu impressionante desejo pelo consumo. Ele lida com o dinheiro com uma incrível banalidade, gastando uma quantia razoavelmente alta durante somente uma noite. Insiste sempre em pagar acima do que lhe é requisitado e não se constrange em utilizar seu dinheiro a fim de persuadir pessoas quando elas podem lhe oferecer algo que deseja. Exemplos disso no filme não faltam, como quando o mesmo oferece para Milich (o dono da loja de fantasias) quase o dobro do preço habitual a fim de que o mesmo concorde no aluguel de uma roupa; ou quando insiste em pagar pelos serviços da prostituta Domino mesmo que nada tenha ocorrido entre os dois; ou quando rasga sem pudor uma nota de cem dólares para que o taxista o espere “indefinidamente” em frente a mansão que tanto ânsia conhecer. Todas essas situações o colocam na posição de “comprador”, um perdulário que não sente a menor inibição em usar de sua influência monetária para conseguir aquilo que deseja. Ou, as vezes, quem deseja.

Alice, em contrapartida, figura no extremo oposto de seu marido. Utilizando de racionalismo e desenvolvendo idéias esclarecedoras em relação ao casamento e sexualidade, possui todas as qualidades inexistentes em Bill, ficando evidente a razão do choque entre eles. Ela não se encaixa na figura feminina idealizada pelo marido, e tem plena consciência disso; no entanto, se sujeita a tal papel. Interpreta fielmente a mãe e dona- de- casa feliz tanto dentro de seu próprio lar (evidente em cenas de rotina diária com a filha) quanto para o resto da sociedade. Possui desejos e anseios sexuais, os quais mantém reprimidos por mera convensão cultural. Não seria socialmente aceitável ( no livro principalmente, se considerarmos a época de sua publicação) que uma mulher casada e da alta classe tornasse pública sua vontade de ter contatos íntimos com outros homens . É justamente por isso que até esse momento ela manteve seus pensamentos eróticos ocultos de todos, em especial de seu marido, pessoa com a qual ( teoricamente) teria que desenvolver a relação mais honesta e sólida de todas.

Alice poderia ser considerada, por Bill, como mero objeto contemplativo. Teria o valor de uma bela visão, uma linda mulher que o médico gosta de ter ao seu lado quando um de seus pacientes os convida para uma pomposa comemoração natalina. Sua mulher serviria como uma boa maneira de se apresentar à alta sociedade; ajudaria a manter uma falsa identidade criada por ele a fim de ser aceito no restrito círculo das pessoas ricas e influentes, que constituem seus pacientes. Alice ajudaria a sustentar a identidade criada por Bill para melhor sobreviver às relações sociais, uma espécie de máscara.

Quando confrontada com as idéias de Bill em relação à fidelidade e ao papel social feminino, Alice se sente irritada por ele pensar de maneira tão divergente da dela. Decide então relatar seu desejo de natureza sexual para com um jovem oficial da marinha, desconcertando-o. Seu ato pode ser explicado como uma forma de (talvez inconscientemente) se vingar do marido por sua visão retrógrada anteriormente retratada e por sua posição familiar. Alice assume, para Bill, um posto de objeto de valor com função puramente contemplativa, além de ser economicamente sustentada pelo mesmo.


Sonho

Existem vários indícios no decorrer da história que reforçam a teoria de que as experiências de Bill não passaram de um sonho. Pequenos detalhes, insignificantes em uma primeira análise, mas relevantes na compreensão de todas as esferas de análise do filme. Como, por exemplo, a repetição de uma mesma palavra. Durante a festa de Ziegler no início do filme, quando Bill se encontra na companhia de duas lindas garotas, elas dão indícios que desejariam se envolver de forma erótica com ele. A frase que elas usam especificamente é que desejam levá-lo para conhecer onde “termina o arco-íris” (rainbow em inglês). O médico é chamado ao andar de cima, e a possível aventura é interrompida aí. No entanto, durante o trecho ambíguo da história (não que essa passagem possua limites claramente definidos) na qual não se sabe se o que é mostrado foi vivenciado por Bill ou é somente fruto de sua imaginação, a palavra figura novamente. Após tomar conhecimento da existência da festa na mansão, Bill sai a procura de um local para alugar uma fantasia, essencial para admissão no lugar. A loja escolhida, incrivelmente, se chama Rainbow fashions. A forma que a loja é apresentada não deixa dúvidas que se trata de um detalhe importante; a câmera efetua um recuo para melhor enquadrar o letreiro do lugar, além da duração do plano ser maior que a necessária para um mero reconhecimento espacial.


Recepção do filme pela crítica.

Dez anos depois do lançamento de Nascido para matar, a Warner Bros anuncia o lançamento de De olhos bem fechados no dia da morte de Stanley Kubrick. Essa é uma das várias lendas criadas em torno do filme. De fato, a produção demorou cerca de três anos para se concretizar. O perfeccionista diretor exigiu o máximo de seus atores, cortou seqüências, adicionou personagens. Mesmo não possuindo cenas de sexo explicito, a cena da orgia causou tamanha polemica que recebeu uma censura onde 60 segundos de filme foi alterado digitalmente para amenizar o impacto nas platéias norte-americanas. Essa recepção pode ser considerada uma alegoria do que Kubrick pretendia fazer com o próprio filme. Todas as criticas presentes no filme são direcionadas ao público estadunidense, que ironicamente, foi o único a alterar o material, tamanha a sua “ofensa”. No filme, Kubrick afirma, que esta sociedade está de “olhos bem fechados”, mais preocupada com tabus e falsos-moralismos do que para a natureza da sexualidade propriamente dita. A recepção do filme comprova isso.


A adaptação literária

O filme possui uma série de variações em relação ao livro de Schnitzler, constituindo escolhas feitas na adaptação Kubrick e que merecem uma análise mais profunda em razão disso. A primeira consiste na escolha do filme se passar durante a época do Natal, enquanto que no livro a ação acontece “um pouco antes do fim do Carnaval”. A escolha não fica restrita a compras natalinas, a diálogos com Helena, a filha do casal (que pede permissão para” asssistir o Quebra Nozes “ na TV) ou a ser o tema do baile oferecido por Ziegler no início da história. O espírito natalino está presente em cada ambiente do filme, seja nas árvores de Natal presentes em quase todas as casas, nas cores características do feriado no interior de bares e consultórios, ou nas luzes decorativas que iluminam cada uma das esquinas de Nova Iorque. A caracterização é tão ostensiva que chega a ser impossível não questionar o porque de sua existência, já que só está presente propositalmente na obra fílmica.

Deixando evidente que a história se desenvolve nessa época do ano, Kubrick talvez queira chamar nossa atenção para um “falso sentimento natalino”. Sentimento este ligado ao caráter puramente comercial e consumista do feriado e totalmente desvinculado do aspecto bíblico/cristão de sua origem. O Natal retratado no filme está mais para um culto comercial anual que para uma celebração religiosa. Nesse ponto ele faz uma sutil crítica ao catolicismo e a forma com que ele está atualmente ligado a práticas meramente mercadológicas.

Outra diferença em relação a “Traumnovelle” é a tranposição da Viena na virada do século para a Nova Iorque contemporânea, além da recriação da mesma em um estúdio europeu. Mudar o local e época na qual a história se desenvolveria acarretou mudanças substanciais no sentido da mesma. A escolha de trazer a história de Fridolin para os dias atuais não gerou mudanças muito substancias na narrativa. Somente alguns detalhes tiveram de ser adaptados para uma melhor aceitação do filme pelas platéias de hoje, como a mudança de sífilis por HIV para ser a doença da prostituta Mizzy/Domino.

A escolha de Nova Iorque como sede da história possui um significado maior que as demais, devendo ser melhor explorada. Kubrick escolheu localizar sua narrativa na capital financeira da rica e próspera América pré 11/09. A cidade em si possui uma personalidade no contexto do filme. Ao escolher situar seu filme nos EUA , ao contrário da Viena de fim de século de Traumnovelle, Kubrick centra suas críticas no American way of life, na maneira que submete outras nações tanto econômica quanto culturalmente.

O ponto crucial de divergência nas duas obras é na ambigüidade relacionada ao caráter onírico das experiências de Fridolin/Bill. No livro as experiências do protagonista parecem muito mais desconexas da realidade que na obra de Kubrick, ficando muito mais evidente que poderia se tratar de um sonho.

A crítica central, aliada à já mencionada miopia das relações sexuais, reside na extratificação do poder e hierarquização das classes sociais. Tudo é um jogo financeiro de poder e influencia. Bill facilmente compra as pessoas “inferiores” (no tocante econômico) a ele. Por exemplo; o taxista, a prostituta, o dono da loja de fantasia. No entanto, em relação à pessoas de classe social superior à ele, Bill se apresenta insignificante. É facilmente dissuadido, por exemplo, em sua relação com Victor Ziegler. Ele é um mero empregado.


Premiações

  • Indicação ao Globo de Ouro, de Melhor Trilha Sonora.
  • Indicação ao César, como Melhor Filme Estrangeiro.
  • Indicação ao Grande Prêmio Cinema Brasil, como Melhor Filme Estrangeiro.


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