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Imigração alemã no Brasil

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Alemanha Teuto-brasileiros Brasil
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População total

3,6 milhões de descendentes em 1986 (segundo Born e Dickgiesser);[1] 3,6% da população brasileira em 1999 (segundo Schwartzman);[2] 5 milhões de descendentes em 2004 (segundo o Deutsche-Welle)[3]

Regiões com população significativa
Principalmente nas regiões Sul e Centro-Oeste. Presença relevante no centro-sul de Minas Gerais, interior dos estados de São Paulo, Espírito Santo e Rio de Janeiro. Migrações internas por todo o país.
Línguas
Português. Minorias falam alemão e seus dialetos, sobretudo o hunsrückisch, um alto dialeto alemão, e a língua pomerana.
Religiões
Predominantemente o cristianismo, principalmente o luteranismo e o catolicismo.
Grupos étnicos relacionados
Brasileiros brancos e alemães.

A imigração alemã no Brasil foi o movimento migratório ocorrido nos séculos XIX e XX de alemães para várias regiões do Brasil. As causas desse processo podem ser encontradas nos frequentes problemas sociais que ocorriam na Europa e a fartura de terras no Brasil. Em 1986, Born e Dickgiesser estimaram em 3 milhões e 600 mil o número de descendentes de alemães no Brasil.[1] Segundo outra pesquisa, de 1999, do sociólogo, ex-presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Simon Schwartzman, 3,6% dos brasileiros entrevistados afirmaram ter ancestralidade alemã, percentual que, numa população de cerca de 200 milhões de brasileiros, representaria 7,2 milhões de descendentes.[2] Em 2004, o Deutsche Welle citou o número de 5 milhões de brasileiros descendentes de alemães.[3] Segundo pesquisa de 2016 publicada pelo IPEA, em um universo de 46 801 772 nomes de brasileiros analisados, 1 525 890 ou 3,3% deles tinham o único ou o último sobrenome de origem germânica.[4]

A imigração de alemães para o Brasil é um fenômeno antigo, que teve início antes mesmo da independência em relação a Portugal e que se manteve relativamente constante até a década de 1960. As razões dessa emigração encontram-se, de um lado, nas transformações sócio-político-econômicas por que passou a Alemanha e, do outro, nas excepcionais condições que favoreciam a atração de imigrantes europeus no Brasil. Entre 1824 e 1972, cerca de 260 000 alemães entraram no Brasil;[5] a quinta nacionalidade que mais imigrou para o país, após os portugueses, italianos, espanhóis e japoneses.[5]

Os alemães estavam entre as nacionalidades que mais conseguiram preservar sua cultura no Brasil. Devido ao seu isolamento em regiões de difícil acesso, sobretudo nos estados sulistas, foi possível a criação de diversas colônias predominantemente germânicas. Um dos exemplos mais significativos da manutenção cultural foi a proliferação de escolas alemãs no Brasil, bem como de uma imprensa em língua alemã. Como consequência, milhares de descendentes foram instruídos em língua alemã, sem o conhecimento do idioma português. Com o tempo, os traços de germanidade foram-se tornando mais débeis, mas as influências persistem mais ou menos até os dias atuais.[6] Como exemplo, pode-se citar o grande número de brasileiros de origem alemã que ainda hoje falam o alemão ou outros falares germânicos como o Hunsrückisch e a língua pomerana.[7][8]

O resultado da imigração alemã no Brasil foi a formação de uma população teuto-brasileira, que se integrou ao contexto brasileiro, mas sem abdicar de sua cultura. Além da influência cultural, pode-se acrescentar a contribuição alemã para a diversificação da agricultura brasileira, por meio da formação de um campesinato típico, fortemente marcado pelos traços da cultura camponesa da Europa Central. Os alemães também tiveram participação no processo de urbanização e de industrialização do Brasil, bem como na introdução e modificações na arquitetura das cidades e na paisagem físico-social brasileira.[6]

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Antecedentes

João Maurício de Nassau, governador da colônia de Nova Holanda, estabelecida na então Capitania de Pernambuco, nasceu em Dillenburg na atual Alemanha.

Embora a imigração expressiva de alemães só tenha se iniciado no Século XIX, a presença alemã no Brasil pode ser traçada desde à época dos Descobrimentos. A esquadra de Pedro Alvares Cabral era composta por alemães: o astronômo Meister Johann e o cozinheiro eram nascidos no que hoje é a Alemanha moderna.

A presença alemã também é datada ao período das Invasões holandesas no Brasil. Não obstante controlado por uma empresa holandesa — Companhia das Índias Ocidentais —, a maioria dos soldados e trabalhadores foram recrutados de outros países europeus. João Maurício de Nassau, ele mesmo alemão de nascimento, escreveu em cartas requisitando que fossem contratados alemães para a colonização da nova região.[9]

Relatos do período de colonização holandesa descrevem um alto grau de miscigenação entre Índios, Portugueses, Negros, Judeus, Holandeses, Alemães e Franceses.[10]  A maioria dos soldados, marinheiros e demais homens livres que viviam na Nova Holanda eram de origem holandesa, alemã, norueguesa, escocesa e judaica.[11] A ausência de mulheres na Colônia explicou o alto grau de miscigenação.[12] 

Século XIX

O século XIX foi marcado por uma intensa emigração de europeus para diferentes partes do mundo, o que levou a um processo de europeização dessas áreas. Entre 1816 e 1850, 5 milhões de pessoas deixaram a Europa; entre 1850 e 1880 mais 22 milhões de pessoas emigraram. Entre 1846 e 1932, 60 milhões de europeus emigraram. Entre 1878 e 1892, mais 7 milhões de alemães deixaram a Alemanha; após a década de 1870, a Alemanha foi um dos países que mais perderam pessoas para a emigração, a grande maioria delas indo para os Estados Unidos. De 1820 a 1840, os alemães representaram 21,4% de todos os imigrantes europeus que entram nos EUA; 32,2% nas duas décadas seguintes; e no final do século XIX eram o maior grupo de imigração (21,9%) nos EUA.[13] Em 2009, cerca de 50 milhões de norte-americanos descendiam de alemães.[14][15]

A imigração alemã para o Brasil foi pequena em comparação com o número que foi para os Estados Unidos e também em comparação com a imigração de outras nacionalidades, como portugueses, italianos e espanhóis. Estes representaram mais de 80% dos imigrantes no Brasil durante o período de maior imigração de europeus. Os alemães apareceram em quarto lugar entre os imigrantes, mas caíram para o quinto, quando a imigração japonesa aumentou após 1908.[13]

Mesmo tratando-se duma emigração pequena, ela teve um impacto notável na composição étnica do país, em especial da população do Sul do Brasil. Diferentes fatores levaram a esta grande influência. Em primeiro lugar, a imigração alemã para o Brasil é um velho fenômeno que começou em 1824, muitas décadas antes do início da imigração de outros grupos étnicos da Europa para o Brasil. Por exemplo, o primeiro grupo significativo de italianos a imigrar para o Brasil só chegou em 1875, muitas décadas após a chegada dos primeiros alemães. Quando a migração de outros europeus ao Brasil começou, os alemães já lá estavam havia muitas gerações. Outro fator foi a alta taxa de fecundidade entre as mulheres teuto-brasileiras. Entre 1826 e 1828, a primeira geração teuto-brasileira tinha uma média de 8,5 filhos e a segunda geração tinha uma média de 10,4 filhos por mulher. As taxas de fecundidade entre as mulheres teuto-brasileiras eram maiores do que as de outras mulheres brasileiras, resultando num crescimento proporcionalmente mais rápido da população de origem alemã do que da população de origem não alemã.[13]

Causas da imigração no século XIX

Até 1871 não existia o Estado alemão. Antes da unificação, a região era composta por diversos principados, condados, reinados e ducados. As potências europeias enxergavam uma Alemanha unificada como uma ameaça, e mantê-la fragmentada fazia parte da geopolítica europeia. As guerras napoleônicas deixaram rastros de destruição no interior do país. Após a queda de Napoleão Bonaparte, muitos alemães que o haviam servido passaram a ser perseguidos e isso motivou a ida de alguns para o Brasil. Somado a isso, o processo de industrialização avançava sobre algumas regiões alemãs, o que desestruturou o mercado de trabalho no qual havia ainda resquícios de feudalismo, aumentando a pobreza entre os camponeses. Em decorrência, muitas pessoas viam na emigração uma saída para as suas mazelas.[13][16][17]

Apesar de seu forte desenvolvimento industrial, as indústrias na Alemanha não conseguiam absorver o excesso de mão de obra resultante da crescente população do país, que saltou de 24,9 milhões de pessoas, em 1820, para 33,7 milhões, em 1850. Portanto, a emigração representou uma válvula de escape para o excesso de mão de obra na Alemanha.[18] A Alemanha foi um dos países que mais perderam pessoas para a emigração, no século XIX. O Brasil conseguiu atrair apenas uma pequena fração desses imigrantes: entre 1824 e 1914, 5.431.100 alemães emigraram, dos quais mais de 90% foram para os Estados Unidos e apenas 93 mil para o Brasil, ou 2%. Mesmo assim, o Brasil apareceu como o segundo destino preferencial dos alemães, a frente da Argentina (0,85%) e do Canadá (0,84%), entre 1871 e 1913.[18][19]

Do lado brasileiro, a escolha em atrair elementos germânicos para o país foi resultado da presença de indivíduos influentes de origem alemã no governo imperial brasileiro, tendo papel decisivo na política imigratória traçada. A própria Imperatriz do Brasil, D. Leopoldina, era austríaca.[16] Atrair imigrantes europeus visava ao "branqueamento" da população brasileira, a ocupação de regiões estratégicas do território, o surgimento de uma classe média vinculada à produção de alimentos e abastecimento do mercado interno e a substituição da mão de obra escrava.[20]

A imigração, no início do século XIX, passava por novos desenvolvimentos econômicos: a industrialização teve um grande impulso, necessitando de mão de obra especializada, o que causou a ruína de muitos artesãos e trabalhadores da indústria doméstica. Sem poderem desenvolver suas atividades artesanais, esses trabalhadores livres começaram a formar um exército de mão de obra (barata) assalariada para a indústria que estava nascendo.

Com os novos maquinários, também houve o aumento de produtividade no campo junto à diminuição de mão de obra, causando o desemprego de camponeses. Como a Alemanha passava por uma desintegração de sua estrutura feudal, muitos camponeses que eram apenas servos ficaram sem o trabalho e sem o direito de morar nas terras, ao mesmo tempo em que a população aumentava. Sem a terra para viver, migravam para as cidades e somavam ao número de proletários.

“Parece-me que os nossos bons compatriotas nesta natureza sul-americana livre, onde estão expostos a lutas peculiares contra obstáculos naturais, desenvolvem, ainda mais determinação em resolver e agir…Por entre dificuldades começaram eles, mas conquistaram o solo e os que na Alemanha eram criados tornaram-se senhores pelo direito do trabalho”

— Robert Avé-Lallemant - Viagem pela Província do Rio Grande do Sul, 1858.[21]

A imigração também não acontecia somente por insatisfação social com as novas perspectivas do século XIX. Nessas mudanças econômicas que agitavam o continente europeu, a indústria desenvolveu as cidades e causou o despovoamento dos campos. À medida que a riqueza aumentava, a saúde e o acesso a novos gêneros alimentícios melhoravam, e a população aumentava. Então a princípio, os governos europeus incentivavam e encorajavam a emigração, como válvula de controle do aumento da população. Com a introdução da máquina a vapor e inovações como o transatlântico com propulsão a hélice, milhões de pessoas se movimentavam entre os continentes, em uma emigração que não obedecia a nenhum planejamento, dependendo somente de decisões pessoais, entre elas a insatisfação, o medo, ou o desejo de uma vida melhor.

O governo alemão também encorajava grupos de empreendedores a conhecer novas terras para conseguir mercado para os produtos alemães. Para algumas colônias, chegou-se a fazer o planejamento, e a contratação de administradores e profissionais liberais para a formação das colônias, que vinham para o Brasil e formavam sua vida aqui. Embora desejadas, as relações comerciais entre as colônias alemãs e sua terra de origem foram modestas, muitas vezes restando somente aos colonos a identificação cultural com a terra de origem, pois não mais tinham contato com ela.

Os alemães que imigraram para o Brasil eram normalmente camponeses insatisfeitos com a perda de suas terras, ex-artesãos, trabalhadores livres e empreendedores desejando exercer livremente suas atividades, perseguidos políticos, pessoas que perderam tudo e estavam em dificuldades, pessoas que eram "contratadas" através de incentivos para administrarem as colônias ou pessoas que eram contratadas pelo governo brasileiro para trabalhos de níveis intelectuais ou participações em combates.

Fases

A primeira fase da imigração (1818-1830)

A primeira colônia alemã no Brasil foi fundada ainda antes da independência do país. No sul da Bahia, em 1818, o naturalista José Guilherme Freyreiss criou a colônia Leopoldina, onde foram distribuídas sesmarias para colonos alemães, porém o projeto não foi bem sucedido. Os colonos se dispersaram e a mão de obra imigrante nas sesmarias foi substituída pela escrava.[16] As outras duas tentativas de assentamentos alemães na Bahia, de 1821 e 1822, foram também mal sucedidas. Trazidos a mando do Rei Dom João VI, em 1819 o governo português assentou famílias suíças nas serras fluminenses. Estas fundaram o atual município de Nova Friburgo. A colônia também resultou infrutífera, vez que foi mal estruturada, situando-se longe do mercado consumidor, o que levou muitos dos suíços a abandonarem os assentamentos. De forma a evitar a sua extinção, em 1824 a colônia recebeu 350 alemães.[16]

A Imperatriz Leopoldina foi a incentivadora da imigração alemã no Brasil

Haja vista o malogro das colônias baianas e fluminense, elas são frequentemente ignoradas pela historiografia, que consagrou a colônia de São Leopoldo, no Rio Grande do Sul, como o marco inicial da imigração alemã no Brasil.[16] Em julho de 1824, os primeiros 39 alemães chegaram ao Sul, sendo assentados à margem sul do Rio dos Sinos, onde a antiga Real Feitoria do Linho Cânhamo fora adaptada para servir como sede temporária dos recém-chegados, na atual cidade de São Leopoldo.[22] Esses imigrantes foram trazidos por Georg Anton von Schäffer, alemão radicado no Brasil e major do exército brasileiro. Schäffer, amigo da Imperatriz Leopoldina, foi incumbido pelo governo brasileiro de ir à Áustria, terra natal da imperatriz, e trazer soldados para formarem o Batalhão de Estrangeiros, necessário para reforçar a defesa dos territórios do Sul; porém o major não conseguiu recrutar soldados na Áustria, uma vez que a recrutação de soldados estava proibida na Europa pós-napoleônica. Assim, ele rumou para Baviera, Hesse, Hanôver e Hamburgo, onde angariou apoio de grão-duques e de condes, desejosos de exportar marginais e criminosos para fora da Alemanha, seguindo uma prática de higiene social. Os governantes exigiram um acordo legal que os imigrantes não poderiam voltar à Alemanha para reivindicar proteção social. Para isso, Schäffer forjou documentos que garantiam a naturalização dos imigrantes.[23]

Para atrair os alemães para o Brasil, foram-lhes oferecidos passagem de navio à custa do governo; concessão gratuita de um lote de terra de 78 hectares; subsidio diário de um franco ou 160 réis a cada colono, no primeiro ano e metade no segundo, além de animais para o trabalho; a cidadania brasileira; suprimentos e isenção temporária de impostos e do serviço militar. O protestantismo era tolerado, desde que os locais de culto permanecessem sem a aparência externa de uma igreja, uma vez que o catolicismo era a religião oficial do Brasil, durante o Império.[24][25][26]

Um dos primeiros navios a trazer imigrantes para o Rio Grande do Sul foi o Germânia, que partiu de Hamburgo em junho de 1824. Schäffer conseguiu recrutar 277 soldados para serem incorporados ao Corpo de Estrangeiros e 124 colonos para serem enviados para a colônia de São Leopoldo, que recebeu esse nome em homenagem à Imperatriz Leopoldina.[23] Como recebia dinheiro de acordo com a quantidade de pessoas que trouxesse, Schäffer se esforçou em atrair grande número de indivíduos, dentre os quais muitos de origem duvidosa. Os documentos atestam o recrutamento de centenas de presidiários alemães em cadeias e casas de correção de Mecklenburg para serem mandados para São Leopoldo. Contudo, milhares de alemães indigentes, ao saberem que o Brasil estava oferecendo terras, foram para Bremen e Hamburgo em busca de uma passagem, mas se recusaram a assinar contrato de serviço militar. Schäffer recebeu autorização do Rio de Janeiro para permitir a vinda deles mesmo assim.[26][27] O naturalista Theodor Bösche fez parte de uma dessas viagens organizadas por Schäffer, na qual havia 90 ex-prisioneiros de Macklenburgo. O naturalista observou: "O nosso navio tomou várias centenas de pessoas. Tremi ao avistar aquela gentalha rota, de que muitos malogram encobrir a nudez e cuja atitude trazia o cunho da rudeza e da bestialidade".[23]

A primeira viagem do Germânia foi conturbada: no dia 2 de julho de 1824, em alto mar, oito recrutas rebelaram-se, queixando-se da comida, do tratamento severo a que eram submetidos e queriam seguir o caminho dos colonos. A revolta foi contida e os recrutas foram chicoteados e feitos prisioneiros. De madrugada, os prisioneiros tentaram escapar, mas foram impedidos e levados a um tribunal improvisado, que os condenou à morte por fuzilamento. Dois dos executados eram prussianos, o que desencadeou uma contenda diplomática entre os governos da Prússia e de Hamburgo.[23]

Os passageiros do Germânia foram recebidos pelo Imperador Dom Pedro I e pela Imperatriz Leopoldina. Um dos imigrantes revelara à Imperatriz que imigrara da Alemanha devido à grande repressão religiosa, e a Imperatriz lhe garantiu que no Brasil eles teriam garantida a liberdade de culto. Esse imigrante era Libório Mentz, que viria a ser o avô de Jacobina Mentz Maurer, líder messiânica que encabeçou a revolta dos muckers.[23]

Em 1829, as primeiras colônias alemãs foram criadas em Santa Catarina e no Paraná, sendo elas São Pedro de Alcântara, Mafra e Rio Negro. A primeira fase da imigração se encerrou em 1830, em decorrência da falta de recursos financeiros e da dificuldade de trazer imigrantes, agravada pela eclosão da Guerra dos Farrapos. Nesse período, Schäffer trouxe para o Brasil mais de cinco mil alemães, entre soldados e imigrantes destinados à produção agrícola. No Sul, desenvolveram um sistema produtivo baseado na pequena propriedade com mão de obra familiar, em lotes que mediam cerca de 75 hectares cada. Os alemães iniciaram um processo de ocupação das terras de floresta desprezada pelos latifundiários gaúchos, resultando na ocupação de extensa área relativamente próximo a Porto Alegre. O mesmo se deu em Santa Catarina, onde a primeira colônia estava próximo da capital, Desterro (hoje Florianópolis).[16]

A segunda fase da imigração (1845-1914)

Após 1845, a imigração foi retomada, com a fundação de uma colônia alemã no Rio de Janeiro, em Petrópolis. No Sul, os assentamentos alemães de São Leopoldo avançavam sobre o vale do rio dos Sinos e em Santa Catarina surgiram três novas colônias nos vales dos rios Cubatão e Biguaçu. Nesse momento, cresceram os debates políticos acerca da conveniência de se trazer alemães para o Brasil, devido à entrada de muitos luteranos num país onde a religião católica era a oficial. Apesar das vozes contrárias, a partir de 1847 alemães foram engajados no sistema de parceria nas plantações de café de São Paulo, experiência esta que não deu resultados e, no mesmo ano, 38 famílias oriundas do Hunsrück e Hesse fundaram a colônia de Santa Isabel no Espírito Santo.[16]

Após 1850, mudanças fundamentais foram feitas para atrair maior número de imigrantes. As despesas com demarcação de lotes e assentamentos de colonos foram transferidas do governo imperial para as províncias. Visando diminuir suas despesas, o Estado permitiu a atuação de companhias particulares de colonização, que compravam as terras e as revendiam aos imigrantes. Em 1850, a Lei de Terras estabeleceu que os colonos apenas poderiam ter a posse da terra por meio da compra e não da simples posse como ocorria anteriormente. As denúncias contra o sistema de parceria em São Paulo, materializadas com a revolta dos colonos da fazenda Ibicaba em 1847, contra as péssimas condições de trabalho nas fazendas cafeeiras, fizeram com que a Prússia proibisse a imigração para o Brasil em 1859. Mais tarde, essa restrição seria revogada apenas para os três estados sulinos. Isso contribuiu para a concentração da imigração alemã no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina.[16]

Até o fim do Império, foram criadas 80 colônias alemãs, a maioria na bacia do rio Jacuí, chegando até a borda da Serra Gaúcha. Com o advento da República, várias outras colônias importantes, como Ijuí, foram criadas pelo governo. A maioria, contudo, surgiu da iniciativa de empresas particulares. Entre 1824 e 1922, 142 colônias alemãs foram criadas no Rio Grande do Sul e entre 1824 e 1914, estima-se que 48 mil alemães imigraram para esse estado.[16]

Em Santa Catarina, a ocupação alemã foi em grande parte resultado da iniciativa de particulares. O alemão Hermann Blumenau chegou ao Sul do Brasil em 1846 e tentou receber de graça terras do governo brasileiro, para criar uma colônia alemã, mas o pedido foi negado. Sem desistir do seu objetivo, montou com o compatriota Fernando Hackardt uma sociedade e eles mesmos compraram gleba de terras nas imediações do Ribeirão Garcia. Em 1850, o dr. Blumenau partiu para a Alemanha, a fim de angariar colonos e, com muita dificuldade, voltou para o Brasil com os 17 pioneiros. Em 1860, o dr. Blumenau vendeu as suas terras para o governo imperial e, em 1880, a colônia tornou-se o município de Blumenau, contando com 15.000 habitantes, em sua maioria alemães, austríacos e italianos.[19] Em 1851, iniciou-se a colonização de outra região de Santa Catarina, a partir da fundação da Colônia Dona Francisca, atualmente Joinville.[28][29] As terras em que depois se implantou a colônia faziam parte do dote de casamento entre Francisca de Bragança, irmã do imperador Pedro II, e Francisco d'Orléans, príncipe de Joinville. Enfrentando uma crise financeira, em 1849 Francisco cedeu 8 léguas de suas terras em Santa Catarina para o senador alemão Christian Mathias Schroeder, com o objetivo de implantar ali uma colônia de imigrantes. O senador enviou um engenheiro e seu filho para Santa Catarina, a fim de providenciar a estrutura necessária para a vinda dos primeiros imigrantes. Em 1851, os primeiros colonos chegaram e, até 1888, Joinville recebeu 17 mil imigrantes de língua alemã, a maioria luteranos e agricultores.[19][30][31]

No Paraná, após o insucesso da colônia de Rio Negro, estabeleceu-se uma comunidade alemã urbana em Curitiba ainda antes de 1840. A maioria dos alemães no estado eram oriundos de Joinville, alcançando o Paraná por meio da estrada aberta pela Companhia Hamburguesa. É importante destacar a corrente migratória de alemães do Volga (minoria étnica alemã da Rússia) para a província entre 1877 e 1879. Contudo, no Paraná, os alemães não encontraram terras abertas e a concorrência com italianos e poloneses, mais numerosos que eles, os forçou a rumar para os centros urbanos ou se dispersar pelas colônias rurais.[16]

Com a Unificação da Alemanha em 1871, a postura do governo brasileiro em relação aos alemães se alterou. Antes, com a Alemanha fragmentada, a origem nacional dos imigrantes não representava uma ameaça. Porém, o advento de uma Alemanha unificada, poderosa e ambiciosa deixou o governo brasileiro cauteloso. Em decorrência, o Rio Grande do Sul parou de subsidiar a imigração alemã e se voltou com maior intensidade para os imigrantes italianos.[26]

O censo demográfico do Brasil de 1872 contabilizou a presença de 40 056 alemães no Brasil, o que os colocava em terceiro lugar entre a população estrangeira, após os 176 057 africanos e os 125 876 portugueses.[32]

A terceira fase da imigração (1914-1960)

Até o advento da I Guerra Mundial, a maioria dos imigrantes alemães rumaram para as centenas de colônias estabelecidas, sobretudo no Sul. Contudo, com a eclosão da guerra, poucos alemães continuaram a ir para os assentamentos agrícolas. Porém, isso não significou o declínio da expansão alemã no Brasil meridional. Havia grande mobilidade interna das colônias para o planalto gaúcho, catarinense e paranaense, o que levou muitos filhos e netos de alemães para as áreas abertas pelas companhias de colonização. Esse processo ficou mais intenso nas décadas de 1920 e 1930, quando indivíduos oriundos das colônias "velhas" do Rio Grande do Sul se expandiram para o oeste de Santa Catarina e do Paraná, como resultado do esgotamento do modelo da pequena propriedade nas áreas iniciais de ocupação.[16]

Com o fim da I Guerra Mundial, a situação socioeconômica na Alemanha estava deplorável. A República de Weimar foi um período de péssimos indicadores sociais: a miséria se espalhara, a inflação atingira níveis inimagináveis e milhões de alemães estavam desempregados.[33] Foi justamente na década de 1920 que o maior número de alemães imigrou para o Brasil. Desembarcaram 70 mil alemães no país nessa década. A maior parte desses imigrantes não mais iam para as colônias rurais, pois rumavam para os centros urbanos: eram operários, artífices e outros trabalhadores urbanos, professores, refugiados políticos. A cidade de São Paulo recebeu a maior parte dessa nova onda de emigração alemã: em 1940, viviam no estado 33 397 alemães, 20 702 na capital, e correspondiam a 2,5% da população total do estado.[34]

Também houve grupos de alemães na década de 1940 que emigraram para o Brasil por conta da Segunda Guerra Mundial.[35][36][37][38]

Economia

A pobreza inicial

As colônias de imigrantes alemães criadas pelo governo brasileiro, inicialmente, não trouxeram nenhum benefício econômico para o Brasil. A criação dessas colônias não tinha nenhum fundamento econômico, pois apenas se pautava pela crença na superioridade do homem europeu. O governo brasileiro gastava grande quantia de dinheiro com transporte e gastos de instalação, e criava obras públicas artificiais para empregar os imigrantes, que às vezes se prolongavam no tempo indeterminadamente. O Barão de Mauá era um dos que criticavam os gastos excessivos com as colônias e os parcos retornos obtidos.[39]

Via de regra, após volumosos gastos, quando o governo deixava as colônias caminharem sozinhas, elas tendiam a definhar, regredindo para uma economia rudimentar de subsistência. A vida econômica das colônias era precária, porquanto não havia mercado consumidor para o excedente de produção, e o setor monetário rapidamente se esvaziava, gerando um ambiente de pobreza. Viajantes que visitavam as colônias se surpreendiam com a vida primitiva que levavam os alemães no Brasil.[39] Para que as colônias prosperassem, deveria ter havido a sua integração nos ciclos produtivos existentes no Brasil ou a orientação para a produção imediata de artigos que tivessem mercado consumidor no país; porém como o mercado consumidor brasileiro era limitado, e os grandes produtores de café não queriam concorrência com a entrada de produtores imigrantes, não havia alternativas.[39]

Nesse período, algumas das colônias mais isoladas entraram em processo de anomia, influenciado por tradições populares alemãs, de orientação bíblico‐protestante. Entre 1872 e 1873, surgiu o movimento dos muckers, na região de São Leopoldo, no Rio Grande do Sul. Uma seita, liderada por uma mulher‐profeta, Jacobina Mentz Maurer, reuniu um grupo de fanáticos religiosos, que desencadearam uma sucessão de crimes e assassinatos. Os crentes foram posteriormente massacrados pelas forças imperiais, no episódio conhecido como revolta dos Muckers.[40]

Percebendo que esse modelo de colonização não trazia benefícios econômicos para o país e não solucionava o problema da mão de obra nas grandes plantações, os produtores de café passaram a cuidar diretamente da imigração. O senador Vergueiro foi o pioneiro, ao trazer imigrantes europeus para trabalharem nas suas propriedades, ao invés de escravos africanos. O governo pagava a passagem do imigrante, porém este tinha que trabalhar de graça, por tempo indeterminado, para cobrir os gastos. Evidentemente, esse modelo representava uma escravidão disfarçada, e os abusos eram enormes. Em consequência, os imigrantes se revoltaram em 1856, naquilo que ficou conhecido como revolta de Ibicaba, que culminaria na proibição da imigração para o Brasil, em 1859, decretada pela Prússia.[39]

O período próspero

As comunidades alemãs, no Brasil, só começaram a prosperar na segunda metade do século XIX. Inicialmente baseadas numa economia rudimentar de subsistência, a qualidade da terra e a sua abundância proporcionaram amplo acesso à boa alimentação, o que gerou uma taxa altíssima do crescimento demográfico. Com o aumento do mercado consumidor gerado pelo desenvolvimento da economia cafeeira no Sudeste, os produtores sulinos encontraram um amplo mercado para vender seu excedente produtivo, o que explica o enriquecimento do Sul a partir desse período. Em contraste, a região Nordeste, que também apresentava economia de subsistência, mas não dispunha de terras abundantes e boa alimentação, continuou marcada pela pobreza.[39]

Fundada por alemães, Joinville é a cidade mais populosa do estado de Santa Catarina.

Nas duas últimas décadas do século XIX, o aumento do desenvolvimento urbano em alguns núcleos coloniais (São Leopoldo, Blumenau, Joinville, etc) passou a atrair operários e artífices que ingressavam no mercado de trabalho urbano. O processo de industrialização, acelerado após 1918, permitiu a formação de uma classe operária em número apreciável em certas colônias alemãs. Essa transição da agricultura granjeira para a indústria artesanal foi possível devido ao conhecimento dos imigrantes de técnicas produtivas singelas, porém mais desenvolvidas que aquelas dominadas pelos brasileiros. Além disso, o bilinguismo proporcionava acesso às informações técnicas e permitia manter contatos na Europa, a fim de importar equipamentos e trabalhadores especializados.[40] Esse desenvolvimento atraiu migrantes brasileiros de outras regiões. Também, desde a década de 1870, outras nacionalidades europeias, sobretudo italianos, rumaram para colônias anteriormente exclusivamente alemãs. Tais fenômenos contribuíram para criar um ambiente etnicamente diverso nessas colônias.[16][26]

Na década de 1930, conquanto ocupassem menos de 0,5% da superfície cultivável do Brasil, as comunidades alemãs geravam 8% da produção agrícola brasileira. Os alemães também tinham forte presença no setor comercial, no extrativismo e na indústria. Destacavam-se em fábricas de cerveja, charutos, mineradoras, têxteis e calçados, ao ponto de deterem 10% da indústria e 12% do comércio do Brasil na época.[41]

Nem todas as comunidades alemãs no Brasil prosperaram, contudo. As comunidades pomeranas do Espírito Santo continuaram caracterizadas, em grande parte, pela miséria, sobretudo na zona rural. Na década de 1970, em plena ditadura militar, o escritor alemão Klaus Granzow visitou colônias pomeranas do interior do estado e relatou o que viu na publicação Pomeranos Sob o Cruzeiro do Sul. Granzow observou "a pobreza na agricultura resultante da falta de uma política agrária e de incentivos reais aos trabalhadores do campo". O escritor relatou, por exemplo, ter encontrado um grupo de mulheres "que não iam ao culto por não terem um vestido digno para vestir". Em meio ao Milagre Econômico, a política agrária do período militar mostrava-se completamente desfavorável ao trabalhador rural.[42] Segundo dados do IBGE, 39,54% da população de Santa Leopoldina, de origem predominantemente alemã, vivia no limite superior da pobreza, em 2009. Um alto nível de pobreza, de 31,20%, também foi encontrado pelo IBGE em Santa Maria de Jetibá, que leva a alcunha de "cidade mais pomerana do Brasil".[43]

Em O Povo Brasileiro, o antropólogo Darcy Ribeiro também enfatizou o processo de empobrecimento existente em algumas comunidades de origem imigrante no Sul do Brasil. Isso é consequência do crescimento da população local, fato que resultou num fracionamento cada vez maior da terra. Propriedades antes ocupadas por uma única família passaram a abrigar duas ou quatro, e muitos descendentes de alemães regrediram para uma situação de pobreza.[40]

Algumas cidades de imigração alemã no Brasil apresentam índice de desenvolvimento humano acima da média brasileira, enquanto outras estão abaixo da média nacional. A cidade de fundação alemã mais bem posicionada na lista de Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil foi Joinville, em Santa Catarina, com índice de 0,809 em 2010, seguida por Blumenau, com índice de 0,806.[44] No Vale dos Sinos, também zona de imigração alemã, a cidade com melhor IDH em 2010 foi Estância Velha, com 0,757. Muitas cidades dessa região, contudo, apresentaram IDH abaixo da média brasileira, como Araricá, com 0,679, e Nova Hartz, com 0,689.[45] Certos segmentos da mídia brasileira dão destaque ao suposto "desenvolvimento humano" de regiões do país povoadas por alemães.[46] A título de comparação, em 2014, a Alemanha teve um IDH de 0,916 e mesmo Portugal, que teve o pior IDH da Europa ocidental (0,830), não é superado por nenhuma cidade de "colonização" alemã no Brasil. Se Joinville ou Blumenau, as mais bem avaliadas, fossem um país, estariam posicionadas entre Montenegro e o Kuwait; Araricá, a pior do Vale dos Sinos, por sua vez, se fosse um país, estaria no nível de desenvolvimento do Paraguai. Todas as cidades de "colonização" alemã estariam atrás da Argentina (0,836) e do Chile (0,832) também.[47]

A imigração durante o século XIX

Rio Grande do Sul

Mapa mostrando a dispersão das colônias alemãs no Sul do Brasil em 1905 (esquerda) e 1911 (direita).

Em 1824 chegam os primeiros colonos alemães ao Rio Grande do Sul, sendo assentados na atual cidade de São Leopoldo. Os alemães chegavam em pequeno número todos os anos, porém eram em número suficiente para se organizar e expandir pela região.

Nos primeiros cinquenta anos de imigração, foram introduzidos entre 20 e 28 mil alemães ao Rio Grande do Sul, a quase totalidade deles destinados à colonização agrícola. Os primeiros colonos vieram de Holstein, Hamburgo, Mecklemburgo e Hanôver. Depois, passaram a predominar os oriundos de Hunsrück e do Palatinado. Além desses, vieram da Pomerânia, Vestfália e de Württemberg.[48]

Outras colônias foram criadas na sequência, como Três Forquilhas, Nova Petrópolis, Teutônia, Santa Cruz, São Lourenço do Sul, Colônia Santo Ângelo e Colônia de Santa Maria do Mundo Novo.

Em algumas décadas, a região do Vale do Rio dos Sinos estava quase que completamente ocupada por imigrantes alemães. A colonização transbordou da região, se expandindo por outras áreas do Rio Grande do Sul. É notável que a colonização alemã foi efetuada em terras baixas, seguindo o caminho dos rios. Na década de 1870, praticamente todas as terras baixas do interior do Rio Grande do Sul estavam sendo ocupadas pelos alemães, porém, as terras altas não atraíam os colonos, permanecendo desocupadas até a chegada dos italianos, em 1875.

Entrada de alemães no Rio Grande do Sul

(1824-1914)[49]

Período Número
1824-1830 5 350
1831-1845 153
1846-1850 2 565
1851-1865 10 454
1866-1880 8 845
1881-1895 9 896
1896-1910 5 329
1911-1914 5.445
Total 48 037

Santa Catarina

Ao contrário do que sucedeu no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina a colonização alemã não foi promovida através do governo, mas por iniciativas privadas. A Primeira Colônia alemã no Estado foi São Pedro de Alcântara, fundada em 1 de março de 1829. As colônias alemãs mais importantes foram criadas a partir de grupos como Hermann Blumenau e Ferdinand Hackradt (em 1850 a Colônia Blumenau) e pela Sociedade Hamburguesa (em 1851, a Colônia Dona Francisca, atual Joinville), ao norte do litoral do estado. A partir do início do século XX, imigrantes alemães foram trazidos do Rio Grande do Sul para ocupar novas colônias no oeste do estado. Essas colônias já não eram exclusivamente alemãs, pois também continham outros grupos de imigrantes, principalmente italianos.

Paraná

Predefinição:VT Predefinição:VT Predefinição:Imagem múltipla No Paraná os alemães também marcaram forte presença em todas as regiões do estado. A primeira colônia foi fundada em 1829 em Rio Negro. Em 1855 alemães originários da Prússia fundam as Colônias de Terra Nova e Santa Leopoldina, em Castro. Entre 1877 e 1879, chegou número apreciável de alemães vindos da Rússia (os alemães do rio Volga, ver artigo: Alemães-Bessarábios).[50][51]

A maior parte dos imigrantes chegou no início do século XX, vindos diretamente da Alemanha, e se estabeleceram sobretudo nas regiões leste e sul (em cidades como Curitiba, Ponta Grossa, Palmeira, Rio Negro, Ivaí, Irati, Cruz Machado, entre outras). Em Palmeira, por exemplo, fundaram núcleos como a Colônia Quero-Quero, Colônia Papagaios Novos, Colônia Nossa Senhora do Lago, Colônia Pugas e Colônia Sinimbú.[52][53]

Em Curitiba, os imigrantes alemães começaram a chegar, em maior número, a partir de 1833, e influenciaram fortemente a cultura e a economia local. Muitos casarões existentes nos bairros Fanny, Hauer, Juvevê, Lamenha Pequena, Pilarzinho, São Francisco, Vista Alegre e Xaxim, ainda mantém a arquitetura alemã. Para preservar a cultura germânica, os imigrantes organizaram-se em sociedades teuto-brasileiras, como o Clube Concórdia, Clube Rio Branco, Duque de Caxias, Clube Thalia, Graciosa Country Club e a Sociedade Morgenau.

Em meados dos anos 1950, pessoas oriundas de colônias alemãs em Santa Catarina e Rio Grande do Sul também migraram para a Região Oeste e Sudoeste do estado. Nesta mesma época Suábios da região do Rio Danúbio criaram Entre Rios, em Guarapuava, e imigrantes oriundos de Danzig ocuparam a região de Cambé e Rolândia, no Norte do estado. A cidade de Rolândia, muito perto de Londrina é sede de um consulado alemão, que atende as regiões Oeste e Norte do estado. A cidade também realiza anualmente a Oktoberfest de Rolândia, grande evento que recebe mais de 60 mil pessoas, sendo vista por muitos como a segunda cidade mais alemã do Paraná, atrás apenas de Marechal Cândido Rondon.

Hoje, a maior colônia de alemães paranaenses está no município de Marechal Cândido Rondon, que guarda na fachada das casas, na culinária e no rosto de seus habitantes a marca da colonização. Outras cidades do oeste paranaense, como Cascavel, Missal e Quatro Pontes apresentam forte imigração alemã. Na região Centro-Oeste do estado, mais precisamente no município de Campo Mourão é realizada pela comunidade alemã a tradicional festa da Costelinha, onde o município conta com igrejas luteranas e dois colégios alemães.

Rio de Janeiro

O Rio de Janeiro foi o primeiro dentre todos os estados brasileiros a receber imigrantes alemães, tendo estes imigrantes chegado em 3 e 4 de maio de 1823,[54] quando rumaram para a colônia suíça de Nova Friburgo.[54] Já em Petrópolis, a imigração alemã foi concebida pelo alemão (posteriormente naturalizado brasileiro) Júlio Frederico Koeler (ou Julius Friedrich Koeler), major do Império Brasileiro. O pitoresco do projeto de Koeler foi o fato de batizar os quarteirões com nomes de cidades e acidentes geográficos das regiões (Rheinland e Hessen) de onde vinham os colonos alemães: Kastellaun (Castelânea), Mosel (Mosela), Bingen, Nassau, Ingelheim, Woerrstadt, Darmstadt e Rheinland (Renânia). As terras foram arrendadas para Koeler e, através dele, aos imigrantes, resultando em um sistema de foro e laudêmio (enfiteuse) pago ao Ramo de Petrópolis até hoje. Estes imigrantes chegaram em Petrópolis no ano de 1837. [55]

Espírito Santo

No Espírito Santo, os principais imigrantes de origem germânica foram os pomeranos (provenientes de uma área entre a Alemanha e a Polônia).[56] A imigração alemã se deu entre 1846 e 1879, se estabeleceram principalmente no Centro-Sul do Estado, a primeira colônia fundada foi a de Santa Isabel , cuja sede, denominada pelos primeiros alemães de Campinho, foi construída a primeira igreja luterana da América do Sul.

No século XIX, entraram no Espírito Santo 3 933 alemães e foi computada a entrada de 79 alemães a partir do ano de 1900, totalizando a entrada de 4 012 indivíduos. Embora contados como "alemães", a maioria desses indivíduos eram provenientes da então província da Pomerânia, principalmente da parte oriental daquela província, das cidades de Belgard, Greifenberg, Kolberg (Kołobrzeg), Kowak, Labes (Łobez), Regenwald e arredores. Essa região, desde a II Guerra Mundial, passou a fazer parte da Polônia.[56]

Regiões de origem dos alemães entrados no Espírito Santo (1812-1900)[56]
Região Número de imigrantes
Pomerânia 2 224
Renânia 247
Hesse 240
Prússia 226
Saxônia 194
Outras regiões 351
Total 3 933
Não consta 451

Os pomeranos, originários de uma região entre a Alemanha e a Polônia, começaram a chegar ao estado no ano de 1859, se dirigiram um pouco mais ao norte que os alemães, se estabelecendo principalmente em Santa Maria de Jetibá e Domingos Martins, Os pomeranos estabeleceram suas colônias em total isolamento do resto do Estado, preservando muito de sua cultura e hábitos, como por exemplo o idioma, sendo a cidade de Santa Maria de Jetibá uma cidade bilíngue.

Um número considerável de imigrantes também eram originários da região da Renânia, sobretudo das montanhas do Hunsrück, no vale do rio Reno. Dos alemães que foram para o Espírito Santo, 63% eram oriundos da Pomerânia, 7% da Renânia e 7% de Hesse, 6% da Prússia e 6% da Saxônia, 3% de Vestfália, 2% de Baden e 2% de Brandemburgo, 1% da Baviera e outro porcento de outras regiões.[56]

Esse número reduzido de alemães que imigrou para o Espírito Santo a partir do ano de 1847 se multiplicou e deu origem a uma quantidade considerável de descendentes. Segundo estimativas do historiador Jean Roche, no ano de 1930 havia 30 mil descendentes de alemães no estado (cerca de 4% da população total), número que saltou para 70 mil indivíduos em 1961 (aproximadamente 5% da população capixaba).

São Paulo

A colonização alemã no São Paulo aconteceu principalmente durante o século XIX, quando chegaram os primeiros colonos vindos da Alemanha.

Em 1827, desembarcavam os primeiros alemães no porto de Santos, levados a Santo Amaro. Os grupos seguintes fixaram-se em Itapecerica da Serra, São Roque e Embu, ou foram levados para Rio Claro e as plantações de café no interior de São Paulo.[57]

Restante do Brasil

Deutscher Klub Pernambuco, no Recife.

Embora o Sul do Brasil tenha recebido a grande maioria dos imigrantes alemães, a presença germânica no Sudeste do país é notável. Em Minas Gerais, a maior colônia alemã estabeleceu-se em Juiz de Fora, onde em 1858 chegaram aproximadamente 1.200 colonos, o que representava cerca de 20% da população da cidade na época.

Já em Pernambuco, no Nordeste do país, os primeiros registros de alemães datam do século XVII, com a chegada da corte holandesa no estado. As duas guerras mundiais também impulsionaram a colônia alemã no Recife, que chegou a contar com mais de 1,2 mil imigrantes.[58] Esta presença alemã pode ser observada no Deutscher Klub Pernambuco, fundado em 1920, e que antes era restrito apenas à colônia alemã e seus descendentes.[59]

Mais recentemente, a partir da década de 1970, sulistas descendentes de alemães têm migrado para a Região Centro-Oeste do Brasil em busca de melhores condições de vida no campo.

A imigração em números

Imigração alemã no Brasil por décadas de 1824 a 1969
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
 
Imigração Alemã
Décadas 1824-1847 1848-1872 1872-1879 1880-1889 1890-1899 1900-1909 1910-1919 1920-1929 1930-1939 1940-1949 1950-1959 1960-1969
Imigrantes 8.176 19.523 14.325 18.901 17.084 13.848 25.902 75.801 27.497 6.807 16.643 5.659

Os alemães não chegaram ao Brasil em grandes contingentes, como ocorreu com os portugueses e italianos. Porém, a imigração ocorreu durante longo tempo, desde 1824, com a chegada dos primeiros colonos, até aproximadamente a década de 1960, quando chegaram as últimas levas significativas. Alcançou seu número máximo na década de 1920, após a I Guerra Mundial. Houve, de certa forma, dois ciclos de imigração alemã no Brasil: o primeiro decorrente da política de colonização, sobretudo nos estados do sul do Brasil, incentivado pelo governo brasileiro, e um outro ciclo posterior, sem incentivo oficial do governo brasileiro.

População de origem alemã por estados
Estado 1872 [3] 1890 [4] 1920 [5] 1940 [6] 1950 [7]
Santa Catarina 7% 20,5% 22,34%
Rio Grande do Sul 13,3% 19,3% 21,6%
Paraná 6,9%
São Paulo 2,5%

A política imigratória

A princípio, o governo brasileiro sempre reconheceu, desde a independência, que a imigração estrangeira seria indispensável para o crescimento do país.

Por iniciativa de Dom Pedro I, foram criadas colônias alemãs de norte a sul do Brasil, porém com enfoque nos estados do Sul (1824). Os imigrantes alemães se reuniam em grupos e formavam as colônias, onde podiam exercer suas profissões, e não tinham restrições em relação ao idioma, religião ou tradição. Por muito tempo diversas colônias ficaram isoladas, algumas até esquecidas e desprovidas de ajuda, gerando grandes lutas de sobrevivência dos colonos alemães nas novas e isoladas terras, com clima diferente e em muitos casos, ataques ou hostilidade por parte de brasileiros (índios ou não). As vias de acesso que foram prometidas não foram cumpridas, e, se chegaram, foram décadas mais tarde. A construção de uma infraestrutura básica também falhara, com o governo descumprindo suas promessas iniciais.

Algumas colônias sobreviveram, mesmo que de forma precária, voltando a um estilo precário de vida, havia muito tempo já extinto na Alemanha. Outras colônias conseguiram se desenvolver e se expandir demograficamente, desenvolvendo sua economia e novos trabalhos, alguns desconhecidos dos brasileiros, pois tinham técnicas diferentes, ganhando mercado de trabalho nacional e também internacional, através da venda de produtos coloniais e matérias-primas, e a importação de manufaturados e equipamentos que não eram produzidos no Brasil.

Devido às falhas na política de imigração, o governo brasileiro resolveu mudar as regras, pretendendo assim atrair somente colonos com condições econômicas de se estabelecerem no país e se desenvolverem. Os colonos passariam a arcar com os custos da viagem e também a pagar pelas terras.

Assim sendo, a imigração que inicialmente tinha uma política de povoamento, de ocupações de espaços vazios e demográficos, agora tratava de garantir que os imigrantes se tornassem mão de obra para as lavouras de café.

Com a expansão da lavoura cafeeira (1840) e com a proibição do tráfico de escravos (1850), o governo brasileiro sentiu a necessidade de aumentar a quantidade de trabalhadores livres, o que se intensifica com a chegada das leis que pré-anunciavam a abolição por completo da escravidão. Para suprir a falta de mão de obra, medidas foram tomadas para atrair mão de obra europeia, e o direito de trazer imigrantes, antes sob o controle do governo imperial, foi aumentado, assim cada província poderia ter sua própria política de imigração e promover como quisesse maneiras de realizá-la.

Surgiram as companhias de colonização, criadas para promover a colonização no Brasil, que compravam terras baratas e as revendiam caras aos colonos. Os proprietários das companhias de colonização enriqueceram rapidamente, enquanto muitos colonos se endividaram e voltaram à Alemanha.

Surgiram também jornais alemães especializados e destinado aos emigrantes, como o Allgemeine Auswanderungs-Zeitung (1847-1871), de Rudolstadt, e o Deutsche Auswanderer-Zeitung (1852-1875), de Bremen. Estes jornais publicavam informações sobre imigrações, como informações sobre os países que recebiam imigrantes, reportagens sobre as colônias, listas dos navios e datas de partidas, preços de passagens, anúncios, etc.

Investiu-se em propagandas para atrair os imigrantes para o Brasil, onde tratavam o Brasil como sendo o paraíso. Cartazes, jornais, folhetos, livros e fotografias eram distribuídos na Europa, através de agências contratadas e com ajuda das companhias de colonização, para estimular a vinda dos imigrantes.

Os problemas na imigração

Em 1859, o governo da Prússia lançou o "decreto Heydt", que proibiu a imigração de prussianos para o Brasil. Isso foi resultado direto da revolta de Ibicaba, em São Paulo. Nessa fazenda de café, de propriedade do Senador Vergueiro, imigrantes de diversas nacionalidades europeias se revoltaram contra as péssimas condições de trabalho nas plantações. Essa revolta teve repercussão na Europa, fazendo com que o governo prussiano bloqueasse a imigração para o Brasil. Com a Unificação da Alemanha em 1871, essa proibição foi estendida para o país inteiro, só sendo completamente revogada em 1896 (embora a imigração para os três estados sulinos tenha sido permitida antes). Em decorrência da proibição alemã, o Brasil viu-se obrigado a procurar novas fontes de imigrantes em regiões mais pobres da Europa, como Itália e Polônia.[60]

Os problemas começavam já na vinda para o Brasil, nos navios, em viagens que poderiam durar cerca de 3 a 4 meses pelo Oceano Atlântico. Em algumas situações, imigrantes esperavam o navio por cerca de dois meses no porto de Hamburgo, em condições precárias, onde inclusive ocorriam óbitos. Muitas viagens foram feitas em navios com excesso de passageiros, onde as pessoas viajavam espremidas, com alimentação deficiente e má higiene, quando não aconteciam inúmeros óbitos por causa de epidemias. Também muitos imigrantes morriam ao chegar ao Brasil, por causa de doenças tropicais.

Ao chegar ao Brasil, os imigrantes alemães sofreram para se adaptar ao clima brasileiro, ao idioma e às novas condições de vida, normalmente primitivas, que já não tinham em seu país de origem.

Em alguns casos, chegavam ao Brasil e por não estarem suas terras demarcadas, ficavam alojados em prédios ocupados antes por escravos, aguardando durante meses o assentamento em seus lotes. Também por problemas na demarcação de terras, muitas brigas surgiam.

O isolamento das colônias também dificultava a adaptação ao novo ambiente, na medida em que faltava acesso a tratamento médico para doenças ou partos, (quando a colônia não tinha seu próprio médico) e muitos morriam por não chegarem a tempo na cidade mais próxima, pois dependiam de transporte por tração, o que era lento e poderia levar horas ou dias. A distância, mas também a falta de dinheiro, dificultavam o acesso a tratamentos.

A situação precária para sobrevivência causava muita decepção e desgosto, pois não eram as perspectivas que tinham quando decidiram emigrar. As promessas de que iriam para o "paraíso" aumentavam o sofrimento, quando estavam frente a frente a matas fechadas para derrubarem a machado, onde inclusive as mulheres ajudavam.

A espera pelo cumprimento de promessas como o desenvolvimento da região com a construção de vias de acesso e a promessa de subsídio com dinheiro ou instrumentos de trabalho (ferramentas, sementes, gado, material de construção) não foram cumpridas na maior parte das colônias alemãs. A liberdade de culto de religião, apesar de declarada, era somente tolerada, pois ia contra a constituição brasileira. Para tanto, os imigrantes protestantes não poderiam construir prédios que tivessem a aparência de igreja, como usando sinos e cruzes.

Muitas terras recebidas pelos imigrantes eram simplesmente "ingratas": secas e ácidas, sem capacidade de boa produção de alimentos para a própria subsistência. Até descobrirem quão inférteis eram aquelas terras, já haviam investido trabalho, sementes e tempo ao tentar cultivá-las, e entre a espera da colheita e a frustração de não conseguir colher nada, passavam fome.

Quando os imigrantes eram empregados em alguma fazenda, muitos se viram na condição de "semiescravos", quando trabalhavam por horas a fio, e não recebiam tudo o que fora prometido pelo trabalho, isso quando não eram maltratados pelos donos das fazendas.

Nacionalização e assimilação

Ver artigo principal: Campanha de nacionalização
Alunas da escola evangélica de Novo Hamburgo, em 1886. Os descendentes de alemães, particularmente os protestantes, eram acusados de não serem "brasileiros o suficiente" por certos setores da sociedade brasileira.[13]

A situação dos alemães no Brasil era peculiar, pois, embora pouco numerosos nacionalmente, estavam profundamente concentrados em certas áreas do Sul, de forma isolada. Como norte-europeus, os alemães se diferenciavam da população brasileira, e tinham língua e cultura que eram significativamente diferentes do encontrado no Brasil. Os alemães conseguiram preservar sua língua, havendo centenas de milhares de teuto-brasileiros de segunda e de terceira geração que mal conseguiam falar o português. Essa diferenciação favorecia o sentimento de grupo minoritário, que se aliava à formação de instituições étnicas sólidas, como escolas, igrejas, associações sociais e uma imprensa em língua alemã. Todos esses elementos combinados promoviam um sentimento geral de "superioridade cultural".[61]

Esse cenário passou a chamar a atenção da elite brasileira no final do século XIX. Embora os imigrantes alemães tenham sido recebidos e valorizados pelas suas contribuições para o desenvolvimento brasileiro, a imagem que o brasileiro fazia dos alemães era pautada por informações inadequadas e distorcidas, exageros retóricos, e mitos. Quando a elite brasileira tentou identificar a típica atitude alemã, ela naturalmente prestou atenção nos idealistas teuto-brasileiros. O teuto-brasileiro comum dava pouca importância à questão da assimilação cultural, mas havia um grupo de imigrantes que faziam discursos e publicações defendendo o direito dos alemães de manterem o seu separatismo cultural no Brasil, em um contexto em que a propaganda nacionalista crescia na Alemanha e fora dela. Diante disso, as autoridades brasileiras temiam que os teuto-brasileiros no Sul estivessem se tornando tão numerosos que nunca seriam assimilados. Era o início do "perigo alemão", uma crença comum de que a Alemanha estava expandindo seu imperialismo em todo o mundo, com base, em parte, na presença de imigrantes alemães em vários países subdesenvolvidos, incluindo o Brasil.[61]

Acrescenta-se a isso o fato de que os brasileiros de origem alemã eram normalmente mais bem educados e, via de regra, mais ricos que a maioria dos brasileiros, de modo que detinham um grande poder econômico, embora pouca influência política. Em um país pobre e dominado por analfabetos como era o Brasil, a relativa prosperidade da comunidade alemã tendia a evocar antagonismos, apesar da propalada benevolência e tolerância brasileira. Nesse contexto, alguns membros do governo brasileiro insistiam na necessidade de fragmentar as colônias alemãs e de garantir que as novas colônias fossem compostas por indivíduos de diversos grupos étnicos.[61]

O brasileiro comum em geral manteve uma postura entre a desconfiança e a hostilidade ao imigrante alemão.[22] A opinião geral ficou mais contundente após a Unificação da Alemanha, com a percepção que as relações entre as colônias do sul do Brasil e a Alemanha pudessem desencadear um movimento ameaçador à integridade do Brasil.[62] Ideia essa que se estendeu com intensidade variável por quase quarenta anos, até a Primeira Guerra Mundial[62] sendo propalada por diversos intelectuais, com grande destaque para as obras de Sílvio Romero, paladino do “perigo alemão”.[63]

Esse temor, por outro lado, era infundado, já que grande parte dos imigrantes haviam emigrado antes da reunificação e o carinho e o sentimento de reciprocidade em relação à terra natal era dedicado à aldeia ou à família, e não à nação.[64] Estes imigrantes pioneiros e os Brummer chegados em 1851, ao receberem os novos grupos, pós-reunificação ( os Reichsdeutsche ou alemães do Império), não se harmonizaram bem, considerando-os eruditos demais, excessivamente apegados à região de origem e defensores de um país que não dizia respeito à sua história.[64]

A suspeita de antibrasilidade ganhou reforço pela questão religiosa, com a presença de imigrantes luteranos; pelo relativo isolamento dos colonos em locais de difícil acesso; pela falta de escolas oficiais e, portanto, pela ausência de educação para os filhos de imigrantes, de forma a que aprendessem o idioma português; pelo sucesso empresarial de alguns imigrantes, que passaram a dominar alguns mercados locais.[63] Isso levava a casos em que políticos locais, como João José Pereira Parobé declarassem que preferiam o atraso econômico do estado a ver a prosperidade depender dos povos de origem germânica.[65]

A antipatia em relação à Alemanha também se baseou em alguns episódios diplomáticos, entre eles:[63]

  1. o desejo manifesto do governo alemão de adquirir uma colônia na América;[66][67]
  2. o desembarque de marinheiros alemães da canhoeira Panther, em Santa Catarina, em 1905, sem autorização do governo brasileiro, para buscar e prender um marinheiro acusado de deserção;
  3. a manobra feita para aumentar os preços do café iniciada em 1906 liderada pelo alemão Hermann Sielcken. A manobra deu resultados, porém o consórcio se desfez em 1913, e alguns de seus fundos foram confiscados pelo governo alemão no início da Primeira Guerra Mundial

A campanha de nacionalização

Durante a campanha de nacionalização, ruas com nome em alemão tiveram sua nomenclatura alterada. Essa é uma placa em Blumenau, mostrando o nome antigo e atual das ruas.

Entre 1937 e 1945, uma parcela significativa da população brasileira sofreu interferência na sua vida privada produzida por uma "campanha de nacionalização". Esta população - chamada de "alienígena" pelo governo brasileiro - era composta por imigrantes e seus descendentes. Tanto o Brasil Império e a Primeira República permitiram que grupos de imigrantes se estabelecessem em comunidades isoladas, principalmente no sul do Brasil. Essas pessoas não se assimilaram na sociedade brasileira, fato que preocupava o governo nacionalista do presidente Getúlio Vargas. O exército teve um papel importante durante este processo de assimilação forçada destas áreas de "colonização estrangeira", onde havia os chamados "quistos étnicos" no Brasil.[69]

Os brasileiros de origem alemã viam-se como parte de uma sociedade plural, de modo que o "Deutschtum" (sentimento de pertença a uma comunidade com uma ascendência alemã compartilhada) parecia compatível com o fato de que eles também eram cidadãos brasileiros. No entanto, o governo brasileiro só aceitava a ideia do jus soli, de modo que todas as pessoas nascidas no Brasil deveriam ver-se apenas como brasileiras e deixar outras associações étnicas para trás. A visão brasileira contrasta com o jus sanguinis dos descendentes de alemães que, na época, ainda estavam ligados legal e afetivamente à terra ancestral.[70] De fato, mesmo após gerações no Brasil, muitos descendentes de alemães ainda se sentiam fortemente ligados à terra dos ancestrais. Depoimento importante é da escritora gaúcha Lya Luft, nascida na colônia de Santa Cruz do Sul:

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Na minha família se falava "nós, os alemães, e eles, os brasileiros". Isso era uma loucura, porque nós estávamos há gerações no Brasil. E como eu era uma menininha muito contestadora, um dia, com 7 ou 8 anos, numa Semana da Pátria, me dei conta: "Por que falam 'die Brasilianer und wir'?". Eu quero ser brasileira (…) Eu nasci em 1938 e logo em seguida começou a guerra. Em casa falávamos alemão, mas em seguida tive que falar português porque o alemão foi proibido. Minhas avós falavam alemão. Nenhuma conheceu a Alemanha. Eu me lembro delas sempre lendo. Isso é uma coisa legal que eu tenho delas – todo um imaginário dos contos de fadas.[71]

Na década de 1930, o Brasil abrigava uma das maiores populações alemãs fora da Alemanha, com 100 mil pessoas nascidas na Alemanha e uma comunidade de quase um milhão de brasileiros de ascendência alemã, cujos antepassados vinham se estabelecendo no país desde 1824. A ditadura varguista pretendia extirpar qualquer identificação nacional que não se encaixasse na proposta pelo regime. Fortemente influenciada pela obra de Gilberto Freyre, Casa-Grande e Senzala, que apresenta o brasileiro como fruto da miscigenação de raças, tornou-se uma questão nacional a eliminação de qualquer tentativa de enquistamento étnico.[72] As restrições começaram em 1938, mas a situação piorou muito quando o Brasil declarou guerra aos países do eixo, em 1942. Todas as escolas foram obrigadas a ensinar exclusivamente em português,[73] e a publicação de livros, jornais e revistas em línguas estrangeiras (que na prática significava alemão e italiano) foi submetida à censura prévia por parte do Ministério da Justiça. Membros do Exército brasileiro foram enviados para as áreas de "colonização estrangeira" para "monitorar" a população local. Pessoas eram hostilizadas e agredidas caso falassem alemão na rua. A polícia fiscalizava a vida privada das pessoas, invadindo as casas para queimar livros escritos em alemão. Muitas pessoas foram presas pelo simples fato de falarem alemão. Em 1942, 1,5% dos habitantes de Blumenau foram encarcerados por falar alemão.[74][75][76]

Em muitas cidades brasileiras muitos indivíduos, mesmo nascidos no Brasil, não sabiam falar o português. De uma hora para outra, essas pessoas passaram a ser impedidas de falar na única língua que conheciam, inclusive dentro de casa, vez que o governo enviou muitos espiões para fiscalizar a língua usada nos lares. O censo de 1927 em Blumenau mostrou que, embora 84% da população da cidade fosse nascida no Brasil, apenas 28% tinha o português como língua materna e 53% tinha o alemão como idioma. A repressão à língua alemã durante o governo Vargas foi, em decorrência, bastante traumática para muitas pessoas.[77]

A perseguição aos falantes de alemão era defendida inclusive por intelectuais da época, como a escritora Rachel de Queiroz que, após visita a Blumenau, escreveu a crônica Olhos Azuis na revista O Cruzeiro. Na crônica, Queiroz criticava o modo como os habitantes de Blumenau falavam português, "com sintaxe germânica, com uma pavorosa pronúncia germânica" e acrescentava: "Alguém tem que dar um jeito nesse problema enquanto ele não se vira drama"[78][79]

O nazismo no Brasil

Ver artigo principal: Nazismo no Brasil
Crianças fazem a saudação nazista em Presidente Bernardes (c. 1935)

Logo que assumiu o poder na Alemanha, o Partido Nazista assumiu a tarefa de se organizar no exterior, onde significativas populações de origem alemã estivessem presentes. Cerca de 3 mil pessoas filiaram-se ao nazismo no Brasil, tornando o braço brasileiro do partido o maior fora da Alemanha.[80]

Na década de 1920, cerca de 80 mil alemães imigraram para o Brasil.[81] Todos eles imigraram para o Brasil em razão das dificuldades econômicas por que passava a Alemanha após a I Guerra. Presume-se, portanto, que esses novos imigrantes estavam mais propensos a serem aliciados pela propaganda nazista, uma vez que, a partir da década de 1930, começaram a receber notícias que a situação socioeconômica na Alemanha estava melhorando, com os nazistas no poder.[81]

Instituições que se viam pouco prestigiadas pela Alemanha da República de Weimar, como associações esportivas, culturais e econômicas, que tinham forte presença na comunidade teuto-brasileira, passaram a ganhar prestígio com os nazistas no poder, o que angariava simpatia.[82] No entanto, os nazistas não conseguiram transformar esse apoio informal em uma adesão forte ao partido no Brasil e suas ações locais, como propostas de boicote, foram resistidas pela maior parte da população de ascendência alemã.[82][83] Apenas 5% dos alemães natos no Brasil filiaram-se ao partido nazista, sendo que o maior grupo estava em São Paulo, e não nas colônias alemãs do Sul.[84] A título de comparação, na Alemanha, 10% da população foi filiada ao Partido Nazista, naquela altura.[85]

Uma explicação para o expressivo número de filiados ao Partido Nazista entre os alemães no Brasil reside no fato de que muitos imigrantes trabalhavam em empresas alemãs com atuação no Brasil, para os quais a adesão ao partido era quase uma obrigatoriedade.[81]

Segundo diferentes historiadores, apenas uma parcela dos alemães e descendentes no Brasil aderiram à ideologia nazista. Para o historiador René Gertz, havia "uma considerável simpatia pelo fato de que o regime teria consertado os erros imputados ao regime da República de Weimar", mas não havia um "entusiasmo irrestrito".[82] Na perspectiva de Eliane Bisan Alves, "além da adesão por parte da elite, não se pode dizer que a maioria dos alemães no Brasil tenha se identificado com o nazismo do ponto de vista ideológico". Porém, a autora enfatiza que, por meio da imprensa da época e pelas correspondências confiscadas pela DEOPS, verifica-se que "havia forte simpatia por Hitler, pelo Terceiro Reich e, sobretudo, pela "nação" alemã, que passou a desfrutar de pretígio no plano internacional".[86] Segundo Cláudia Mauch e Naira Vasconcellos, muitos dos alemães que aderiram ao nazismo no Brasil "não o fizeram por messianismo, mas por um cálculo racional de ganhos". O ingresso no partido poderia garantir benefícios materiais no Brasil ou uma repatriação à Alemanha como compensação pela dedicação à causa. À mesma conclusão chegou o historiador René Gertz, ao afirmar que "entre os que ingressaram no partido provavelmente se encontrava um número significativo que estava numa dependência econômica direta em relação a empresas alemãs (da Alemanha) em atividade no Brasil, para os quais a adesão ao partido era quase uma obrigatoriedade".[82]

Desfile nazista em Porto Alegre no Dia do Trabalho de 1937.

Em abril de 1938, Getúlio Vargas proibiu o Partido Nazista no Brasil (curiosamente, os próprios partidos brasileiros foram proibidos antes, em dezembro de 1937).[87] O partido de direita do Brasil, a Ação Integralista Brasileira, em contraste com o Partido Nazista, admirava a miscigenação, e teve na figura do sertanejo um nobre ideal de representação do povo, que eles achavam ser essencial para a identidade nacional brasileira. Isso entrava diretamente em conflito com a ideologia nazista de pureza racial. Isto era um problema, já que os integralistas foram capazes de atrair alguma associação entre os brasileiros de ascendência alemã, competindo, assim, com a organização nazista. Ademais, até 1937, quando Vargas impôs uma ditadura, os integralistas, ao contrário do Partido Nazista, foram capazes de participar nas eleições, e por isso havia uma tendência natural de apoio aos integralistas por parte dos nazistas brasileiros.[83]

Durante a Segunda Guerra Mundial, a Força Expedicionária Brasileira (FEB) alistou muitos alemães e brasileiros de ascendência alemã para lutar ao lado das forças aliadas na Itália, o que foi trágico para muitos deles, considerando-se que os soldados foram obrigados a lutar contra a sua Alemanha natal.[88] No momento da declaração de guerra contra a Alemanha, revoltas populares contra cidadãos de origem alemã eclodiram no Rio Grande do Sul, como resposta ao afundamento brutal de navios mercantes brasileiros por submarinos alemães, que resultou em mais de 600 mortes. Quando o Exército reprimiu esses tumultos e garantiu a integridade física dos cidadãos alemães, o interventor Cordeiro de Farias, entusiasta da campanha de nacionalização, apresentou sua renúncia, a qual foi rejeitada. Em breve, ele seria enviado para a Itália como comandante militar e substituído pelo coronel Ernesto Dornelles, um líder muito mais moderado.[89]

Citando o arquivo de Rolf Hoffmann, mencionado por Alton Frye em "Nazi Germany and the American Hemisphere, 1933-1941", o diplomata Sérgio Corrêa da Costa, em sua obra 'Crônica de uma guerra secreta',[90] revela que Hitler teria planejado colonizar o Brasil. O projeto não seria novo, já existindo anteriormente. No seu "Gross-Deutschland, die Arbeit des 20. Jahrhunderts" ("A Grande Alemanha, obra do século XX"), publicado em Leipzig, 1911, Tannenberg estabelece o princípio da repartição das Américas Central e do Sul entre as grandes potências imperialistas, reservando para a Alemanha a zona subtropical banhada pelo Atlântico.[91]

Segundo alguns historiadores brasileiros, isso não passaria de uma falácia, pois tais intenções jamais foram documentadas.[92] Algumas fontes citam uma suposta expedição patrocinada por nazistas na Floresta Amazônica. Segundo a historiadora Ana Maria Dietrich, expedições de reconhecimento do território eram comuns na época. Porém, o fato de um expedicionário alemão ter morrido durante o caminho e ter sido enterrado com uma cruz contendo uma suástica no Amapá, passou a ser explorada como atração turística. Para o historiador Rafael Athaides, os boatos de que os nazistas agiam sorrateiramente para conquistar o Sul do Brasil não passam de invenções criadas durante a Segunda Guerra Mundial. O mito do "perigo alemão" servia como subterfúgio para o Estado Novo (1937–1945) implementar livremente sua política da nacionalização dos imigrantes. Ademais, visando interesses econômicos, Getúlio Vargas se aproximara dos Estados Unidos e para isso foi necessário um rompimento com a Alemanha nazista,[92] que até então era a maior parceira comercial do Brasil.[93] O próprio Vargas era admirador de Adolf Hitler[94] e sua ditadura foi de clara inspiração fascista.[95]

De fato, o Partido Nazista nunca representou uma ameaça séria ao Brasil. Seus membros não tinham interesse em participar das eleições nem de registrar o partido na Justiça Eleitoral do Brasil. Em decorrência, o presidente Getúlio Vargas e os governadores locais nem se importaram com a sua fundação, pelo contrário, eram inclusive simpatizantes e até participavam de festividades nazistas.[92]

O historiador Rafael Athaides assevera que não há justificativa em se fazer uma associação entre os grupos neonazistas hoje existentes no Brasil e os brasileiros descendentes de alemães. Athaides acha pouco provável que haja qualquer ligação, pois um levantamento do perfil dos indivíduos presos por neonazismo mostra que nenhum deles é descendente de nazistas históricos. Trata-se de jovens desajustados, "desprovidos de referencial identitário e que manipulam os signos do nazismo no mundo". Responsabilizar os descendentes de alemães do Sul pela sustentação de grupos separatistas e neonazistas acontece mesmo quando práticas qualificadas como "neonazistas" são praticadas por caboclos do interior do Pará.[92] Esse tipo de estereótipo é criticado na obra do historiador René Gertz.[13]

Miscigenação e religião

Religião dos alemães entrados

no Rio Grande do Sul(1854-1874)[49]

Período Católica Outra Total
1854-1863 4 451 4 285 8 736
1864-1873 1 060 5 434 6 494
1874 64 293 357
Total 5 575 10 012 15 587

Segundo o censo de 1872, dos 40 056 alemães residentes no Brasil, 22 305 eram não católicos (55,7%) e 17 751 católicos (44,3%).[32] Os alemães representaram o primeiro grande fluxo migratório composto por protestantes no Brasil, após séculos de monopólio da igreja católica; porém, durante o Império, os não católicos tiveram vários dos seus direitos limitados. Embora a Constituição brasileira de 1824 estabelecesse que ninguém deveria ser perseguido pela crença religiosa, o catolicismo continuou sendo a religião oficial. Segundo o Código Criminal do Império, quem não fosse católico só poderia manifestar sua religiosidade no interior do lar e não poderia celebrar "seus cultos numa construção que tenha a forma de templo" e os que o fizessem, deveriam "ser dispersos pelo juiz de paz e ser punidos com uma multa de 2 a 12 mil-réis". Além do mais, durante quase todo o Império, quem não era católico estava proibido de ser eleito para cargo de deputado ou de senador. Também era exigido dos médicos, dos bacharéis em Direito, dos engenheiros, ao se formarem, o compromisso com a religião católica. A elegibilidade dos não católicos só foi alcançada com a Lei Saraiva, de 1881.[96][97] A separação entre Estado e igreja só viria com a Constituição brasileira de 1891, no regime republicano.[98]

Antes de falar do processo de miscigenação do imigrante alemão no Brasil, é necessário fazer uma distinção entre dois grupos: os alemães católicos e os luteranos. Para os primeiros, sem dúvida, a aproximação com os brasileiros se mostrava inevitável, principalmente enquanto não havia igreja na colônia, o que forçava os colonos a ter uma maior convivência com o elemento brasileiro a fim de praticar a sua religiosidade. Isso, somado à interação por fatores econômicos e pessoais, aumentavam as chances de casamentos mistos. Para os luteranos, por outro lado, o contato com os brasileiros se limitava à esfera econômica, uma vez que tendiam a se isolar devido ao caráter germanizante da sua religião, favorecendo a prática de endogamia. Dados estatísticos de duas comunidades alemãs, uma localizada em Curitiba (Paraná) e outra em São Lourenço (Rio Grande do Sul) confirmam isso.[99][100]

Nos registros de matrimônios de uma paróquia de Curitiba, dos alemães católicos que se casaram entre 1850 e 1919, 42,88% o fizeram com pessoa de origem alemã, enquanto que a maioria (57,12%) contraiu matrimônio com pessoa de outra etnia. Situação bastante antagônica se dava entre os evangélicos: 93% dos alemães luteranos casaram com pessoa de etnia alemã e apenas 6,9% com pessoa de outra origem. Situação semelhante foi verificada entre os alemães de São Lourenço, embora nesta localidade os casamentos intra-étnicos predominaram tanto entre católicos como entre protestantes. Entre 1861 e 1930, dos católicos alemães de São Lourenço, 73,9% contraíram matrimônio com pessoa de etnia alemã e 26,1% com de outra origem. Já entre os luteranos, apesar de haver dados escassos, para o período entre 1903 e 1930, verificou-se que 96,9% deles casaram com alemães e apenas 3,1% com não alemães.[99][100]

Verifica-se, portanto, que a religião era um elemento que tinha notável influência nos padrões matrimoniais dos alemães no Brasil. O luteranismo não encontrava adeptos entre os brasileiros e seus cultos, em alemão, desencorajavam a participação de elementos de fora da comunidade. A própria religião luterana configurava um elemento germanizante e, tendo em vista a tradição católica que predominava no Brasil, fazia com que seus seguidores se unissem e impedissem a infiltração do elemento brasileiro. Já os alemães de fé católica tinham maior afinidade com os brasileiros e com eles conviviam mais, aumentando as chances de contraírem matrimônios mistos.[99][100]

Igreja católica (lado esquerdo)[101] e uma casa enxaimel (lado direito) na Colônia Dona Francisca, em 1866, hoje Joinville.

Outros fatores também influenciaram os padrões nupciais dos alemães no Brasil. A própria forma como as colônias agrícolas se organizavam, formando "ilhas" perdidas do restante da população brasileira, muitas vezes separadas por florestas, favorecia o isolamento. Os imigrantes muitas vezes chegavam e se reuniam em pequenos grupos e se sentiam deslocados numa terra estranha, onde não encontravam com quem se identificar até que um novo grupo alemão chegasse. Portanto, principalmente para os primeiros imigrantes, era praticamente inconcebível procurar um cônjuge fora do grupo alemão, pois a sua comunidade representava a continuidade do que ficara para trás.[99][100]

Mais tarde, surgiram preconceitos de parte a parte e representações sociais ligadas ao preconceito de raça. De um lado, os alemães olhavam a mulher brasileira como uma má dona-de-casa e o homem brasileiro como pouco trabalhador. Os brasileiros também olhavam com estranheza os alemães devido aos seus costumes e características raciais tão diferentes das suas.[99][100]

Assim, essas condições psicológicas, naturais e religiosas exerceram influência nas características matrimoniais que tiveram os alemães no Brasil.[99][100]

A influência alemã no Brasil

Influência política

A comunidade alemã no Brasil começou de forma modesta, na década de 1820. Suas colônias surgiram em regiões menos desenvolvidas do país, onde trabalhavam como fazendeiros. Posteriormente, ali desenvolveram pequenos centros urbanos, onde surgiu algum desenvolvimento industrial.[102] O interesse da Alemanha pelas comunidades teuto-brasileiras recrudesceu em 1896, com a Weltpolitik, baseada numa política exterior agressiva e expansionista, com bases nacionalistas. Para os formuladores dessa política, era necessário salvar as pessoas de sangue alemão no exterior da assimilação, pois elas poderiam ser úteis para as ambições expansionistas da Alemanha. Evidentemente, o Brasil tinha lugar de destaque nesse cenário, uma vez que abrigava milhares de pessoas com origens alemãs e ainda era o país que tinha o maior número de escolas alemãs em todo o mundo, depois da Alemanha. Além disso, a grande quantidade de clubes alemães no Brasil propiciou a perpetuação de uma identidade alemã entre os descendentes.[102]

Durante a I Guerra Mundial, o catarinense Lauro Müller viu-se obrigado a renunciar ao cargo de ministro das Relações Exteriores do Brasil, devido às suas origens alemãs.

Contudo, ao contrário do que projetavam os entusiastas nacionalistas da Alemanha, os "alemães" do Brasil não formavam um "sindicato de teutônicos orgulhosos nos trópicos".[102] Formavam um grupo heterogêneo, com rivalidades entre protestantes e católicos, entre conservadores e liberais e entre diferentes grupos regionais.[102] A ineficácia do Partido Nazista em cooptar uma grande adesão entre os teutônicos no Brasil reflete essa diversidade de desígnios. Evidentemente, devido ao isolamento das colônias germânicas e à preservação da língua, os descendentes de alemães no Brasil sentiam-se pertencentes a um grupo minoritário, porém esse sentimento não ensejou qualquer mobilização antibrasileira, apesar do propalado "perigo alemão".[81]

De fato, durante a República Velha, foram pouquíssimos os políticos de origem alemã com influência no Brasil, o que desconstrói o mito do "perigo alemão".[81] Mesmo na década de 1930, em que havia vários membros do governo Vargas simpatizantes do nazifascismo, como Góis Monteiro, a influência alemã inclusive diminuiu. Nos primeiros anos do século XX, surgiram nomes como Lauro Müller, que atuou como ministro das Relações Exteriores, mas que se viu obrigado a renunciar durante a I Guerra Mundial pois, por ser filho de alemães, foi acusado por Rui Barbosa de imparcialidade, sendo que Barbosa era defensor de uma aliança com os Estados Unidos.[103] Na década de 1920 pode ser citado Vítor Konder, que perdeu toda sua influência política no pós-1930, não conseguindo nem se eleger vereador em Blumenau. Da mesma forma, Lindolfo Collor, que foi eleito com o apoio dos teuto-brasileiros mas, após se desentender com Vargas, perdeu espaço.[81] Por fim, a lista termina com Filinto Müller, que ficou famoso durante a ditadura de Vargas, ao atuar como chefe da polícia política e ser acusado de promover prisões arbitrárias e a tortura de prisioneiros.[104][105][106][107]

Em sua História, o Brasil teve três Presidentes da República de origem alemã. O primeiro foi Ernesto Geisel (1974-1979), durante a ditadura militar. Ambos os pais de Geisel eram de origem alemã, sendo o pai de Hesse e a mãe filha de imigrantes da Baixa Saxônia. Geisel falava alemão durante a infância,[108] mas se considerava brasileiro, e inclusive questionava o porquê de alguns índios não "quererem ser brasileiros".[40] Durante seu governo, buscou uma aproximação pragmática com a Alemanha, consubstanciada pela assinatura do Acordo nuclear Brasil-Alemanha, em 1975.[109] O segundo presidente de origem alemã foi Fernando Collor de Mello (1990-1992), cujo avô materno, Lindolfo Collor, foi um dos poucos políticos de origem alemã na Primeira República, o qual atuou como "mediador" entre a comunidade alemã do Rio Grande do Sul e o resto da sociedade brasileira.[110] Por fim, o presidente Itamar Franco (1992-1994) também tinha origem alemã, sendo que sua avó paterna, Mathilde Stiebler, era de Hamburgo.

Influência cultural

Comemoração da Oktoberfest na cidade gaúcha de Igrejinha.

Em diversas localidades do Brasil, mas em especial na Região Sul, são evidentes as marcas dos imigrantes alemães. Os estados de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul são aqueles que mais foram influenciados pelos alemães. As cidades do interior desses estados ainda preservam a arquitetura germânica das casas, bem como a língua alemã e festas populares, como a Oktoberfest, são marcas fortes da imigração alemã no Sul do Brasil.[111][112][113]

Os descendentes de imigrantes alemães que se fixaram nas colônias rurais do Brasil durante o século XIX acabaram por criar uma identidade teuto-brasileira. Embora nascidos no Brasil, esses colonos mantinham laços culturais estreitos com a Alemanha natal: a língua alemã era falada pela maioria e os hábitos continuavam os mesmos, inclusive houve vários jornais de língua alemã nas colônias.[114] Com o passar dos anos, os traços de germanidade tornaram-se cada vez mais débeis. O idioma alemão passou a ser usado cada vez menos em público e as atividades das sociedades e clubes recreativos diminuíram de intensidade. A educação escolar passou a ser feita em língua portuguesa também.[115]

Os alemães adaptaram-se ao Brasil, porém sem abrir mão de sua cultura. Por isso, criaram um espaço cultural próprio, onde mantiveram o seu estilo de vida, mas incorporando traços da cultura brasileira à nova realidade. Isso resultou num modo singular de ser. A preservação da cultura não foi, e continua a não ser, bem vista por muitas pessoas de fora da comunidade. Ainda hoje, o brasileiro falante de alemão é acusado de ser "fechado, achar-se superior, não querer misturar-se e não querer aprender português". Isso é resultado de uma "visão extremamente ideologizada", historicamente legitimada pelo próprio Estado brasileiro, seja durante a campanha de nacionalização, ou mesmo em tempos mais recentes. A exemplo, em 1989, o prefeito de Santa Maria do Herval, no Rio Grande do Sul, baixou um decreto municipal que proibia o uso de alemão nas salas de aula do município. A língua portuguesa, nesse contexto, aparece como uma "condição para ser brasileiro" e o uso da língua minoritária como um elemento a ser combatido. Porém, o desejo de falar a língua materna, mesmo que minoritária, é um direito linguístico com respaldo na Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas.[116]

A cidade gaúcha de Gramado, de forte influência alemã, foi escolhida pelos brasileiros como o melhor destino turístico do país em 2015.[117]

Nos últimos anos, contudo, as autoridades brasileiras vêm valorizando a diversidade cultural e linguística do país, por meio de ações que visam evitar que as línguas minoritárias, sejam indígenas ou de imigrantes, venham a desaparecer no país. Isso dá-se, como exemplo, por meio da cooficialização de outros idiomas falados na localidade.[118]

Além de ser um termo de designação étnica, o conceito de "teuto-brasileiro" também se tornou um conceito sociológico, alvo de uma série de discussões acadêmicas, relacionadas ao papel do imigrante e descendente de alemães no Brasil a partir da década de 1930. Emílio Willems, Artur Hehl Neiva, Carlos Henrique Oberacker Junior, Egon Schaden, entre outros, foram pesquisadores acadêmicos que retomaram a noção de "teuto-brasileiro", inserindo-a em um contexto mais brando que os debates acerca do "perigo alemão" no Brasil, comum desde o início do século XX, sobretudo no sul do Brasil.[119]

Nas últimas décadas, vê-se uma tentativa de reavivar a cultura germânica nas áreas de povoamento alemão no Brasil.[120] Exemplos são festas populares, como a Oktoberfest. Todavia, tais manifestações são mais turísticas que representações de cultura étnica. A Oktoberfest, por exemplo, só se popularizou no Sul do Brasil na década de 1980: não foi trazida pelos imigrantes, mas importada como forma de alavancar a economia regional e de melhorar o moral da população, após as enchentes que destruíram parte de Blumenau, no início da década de 1980. Segundo Cláudia Mauch e Naira Vasconcellos, "a Oktoberfest é uma mercadoria feita para os turistas, mas uma mercadoria que encarna a cultura teuto-brasileira". Segundo as autoras, os turistas em Blumenau passam a enxergar a Oktoberfest como uma festa "autêntica", e os próprios habitantes enxergam-na como "uma tradição herdada".[13]

Na esteira do surgimento da Oktoberfest em Blumenau na década de 1980, vários outros municípios fundados por alemães no Brasil passaram a reinventar festas étnicas ditas "alemãs", fato que coincide com o aparecimento do turismo de massa. Assim, surgiram o Fenarreco em Brusque, o Chuchoppfest em Gaspar ou o Kegelfest em Rio do Sul.[13] A artificialidade de algumas dessas manifestações culturais pode ser observada na cidade de Pomerode, em Santa Catarina. Nos últimos anos, os habitantes da cidade têm promovido costumes estereotipicamente "alemães" mas, ironicamente, as tradições promovidas na cidade foram copiadas de costumes do sul da Alemanha, da região da Baviera, tradições essas que eram desconhecidas pelos imigrantes que povoaram o município, que eram oriundos da Pomerânia, no norte da Alemanha.[121] Um outro exemplo a ser citado é que cidades de povoamento alemão começaram a ressuscitar a arquitetura enxaimel, trazida pelos imigrantes, embora o estilo arquitetônico esteja extinto na Alemanha desde o século XVIII.[122][123]

A língua alemã no Brasil

Ver artigo principal: Alemão brasileiro

O idioma e a identidade étnica

Os imigrantes germânicos que chegaram ao Sul do Brasil no século XIX eram um grupo heterogêneo, vez que eles provinham não apenas de diversas partes da Alemanha, mas também de outras regiões europeias de língua alemã, como Suíça, Áustria ou Rússia (região do Volga). Assim, entre os imigrantes havia prussianos, pomeranos, austríacos, suíços, renanos, bávaros, etc.[124] Em consequência, esses grupos trouxeram seus dialetos regionais para o Brasil. Vale lembrar que a Alemanha apenas se unificou em 1871 e que o alemão padrão hoje existente era, até o século XIX, uma língua literária, criada por Martinho Lutero na sua famosa tradução da Bíblia. O povo alemão, no seu dia a dia, não usava o alemão padrão para se comunicar, mas diversos dialetos regionais.[125]

Em Blumenau, o alemão foi língua corrente por várias décadas, porém hoje seu uso é forte somente na zona rural do município.[126]

Nos primeiros anos de imigração para o Brasil, os alemães reuniam-se em pequenos grupos, formando suas colônias. Apesar de essas colônias serem habitadas por pessoas de diversas partes da Europa Central, o maior grupo normalmente provinha da região mais pobre da Alemanha à época, o Hunsrück, sendo que sua língua materna era o dialeto francônio-renano. Em decorrência, mesmo os imigrantes que provinham de outras regiões acabavam, por imposição da maioria, adotando o dialeto francônio-renano do Hunsrück. Esse processo ocorreu em várias comunidades alemãs no Brasil, nas quais o dialeto hunsrückisch se impôs e exterminou os outros.[124] Em algumas áreas, contudo, outros dialetos regionais se impuseram. Nos municípios de Westfália (Rio Grande do Sul) e de Rio Fortuna (Santa Catarina), o dialeto vestifaliano é o usado.[127] Nos municípios de Pomerode (Santa Catarina) e de Santa Maria de Jetibá (Espírito Santo), predominou o pomerano.[128]

Nessas comunidades alemãs, o dialeto hunsrückisch manteve-se, durante vários anos, como a língua principal de comunicação. As colônias alemãs no Sul formaram-se, normalmente, em regiões de floresta despovoadas ou habitadas por índios, que foram expulsos para a chegada dos imigrantes. Os alemães não escolheram morar nessas regiões inóspitas porque sentiam-se superiores e não queriam conviver com a população brasileira. Acabaram ali por escolha do governo brasileiro, preocupado em povoar regiões de fronteira, a fim de evitar eventuais invasões dos países vizinhos.[13] Em decorrência, os imigrantes, por muito tempo, viveram isolados nessas colônias, nas quais o contato com falantes de português era eventual.[124]

O governo brasileiro não dava aos imigrantes a assistência necessária. Portanto, eles mesmos tiveram que construir suas próprias escolas e igrejas e estrutura social.[124] O governo não disponibilizava escolas públicas nas colônias para que os alemães aprendessem o português. No século XIX, a educação não era uma prioridade no Brasil. Em 1872, 99,9% dos escravos, 80% dos livres e 86% das mulheres no Brasil eram analfabetos.[129] Na Alemanha, por outro lado, a educação básica era obrigatória e os alemães trouxeram essa mentalidade para o Brasil. Isso explica porque o analfabetismo era praticamente nulo nas comunidades alemãs, enquanto que no resto do Brasil atingia 80% da população. Portanto, para dar educação aos seus filhos, os imigrantes alemães tiveram que criar suas próprias escolas, nas quais ensinava-se o alemão padrão hochdeutsch, embora em casa e na rua falassem seus dialetos regionais.[130]

Nas primeiras décadas de imigração, a língua não era um fator identitário para os imigrantes. Isolados em comunidades rurais, nas quais o contato com os brasileiros era inconstante, conseguiam viver dentro das colônias sem delas precisar sair e sem precisar aprender o português para sobreviver. Contudo, a partir da década de 1870, o contato com elementos de fora da comunidade alemã cresceu. Os brasileiros e outros imigrantes, sobretudo italianos, começaram a aparecer com mais frequência e as trocas comerciais se intensificaram. A língua portuguesa começava a ser ouvida com maior regularidade e a necessidade de aprender o português tornara-se mais imperativa.[124]

Depois de décadas vivendo numa ilha linguística, esse contato deve ter trazido à tona a questão da identidade étnica: falavam alemão, mas já eram nascidos no Brasil. Apesar dos esforços dos teuto-brasileiros para aprender o novo idioma e de uma parte deles, provavelmente, já não querer ser vista como "alemão", na visão dos "brasileiros" eles continuavam a ser "alemães". Isso, sem dúvida, contribuía para a lentidão da integração, pois criava-se um impasse: as novas gerações, ainda falando um português limitado, não conseguiam, e nem queriam, se desvincilhar de sua origem alemã, ao mesmo tempo que não queriam ser vistos como "estrangeiros", "estranhos", vez que também não o eram.[124]

Formou-se, portanto, uma identidade híbrida, teuto-brasileira. Tinham o alemão como língua materna e viam-se como membros de uma comunidade étnica alemã, mas as lealdades políticas eram em relação ao Brasil e não mais à Alemanha. O aprendizado da língua portuguesa, cada vez mais presente, acelerava o processo de integração, ao mesmo tempo que o preconceito sofrido dos brasileiros por falarem um português trôpego causava vergonha e acarretava no fechamento e isolamento.[124] A Nacionalização, imposta em 1937 pelo presidente Getúlio Vargas, tentou forçar a assimilação dos descendentes de imigrantes. Todas as escolas alemãs no país foram fechadas, aniquilando o meio-escolar teuto-brasileiro. Em 1930, havia 2.500 escolas étnicas no Brasil. Dessas, 1 579 eram de imigrantes alemães.[131] Em 1937, havia no país 1 579 escolas alemãs, 396 italianas, 349 polonesas e 178 japonesas. Construir suas próprias escolas foi a forma encontrada pelos imigrantes para educar seus filhos, dada à ausência de escolas públicas fornecidas pelo Estado brasileiro. Em 1938, todas elas foram fechadas por determinação de Vargas.[131]

O alemão padrão aprendido na escola foi, assim, eliminado, enfraquecendo muito o uso do alemão nos centros urbanos, o qual passou a ficar limitado à zona rural. O fechamento das escolas fez com que as pessoas se apegassem cada vez mais ao dialeto alemão usado no dia a dia, distante do alemão padrão.[124] Assim, os falantes de alemão no Brasil passaram a ser associados, de forma preconceituosa, a gente da zona rural, falante de um alemão "errado", dialetal, distante da variedade culta da língua.[132] Na década de 1940, em decorrência da Segunda Guerra Mundial, a língua alemã foi proibida de ser falada publicamente. Certamente as pessoas não pararam de falar alemão nas colônias, porém essas ações contribuíram para a maior presença de elementos da língua portuguesa no alemão local.[124]

Pessoas que normalmente não falavam o português em casa, por sexo e nacionalidade, de acordo com o Censo brasileiro de 1940 [133]
Falantes de alemão Homens Mulheres Brasileiros natos Brasileiros naturalizados Estrangeiros
644 458 327 443 317 015 580 114 5 083 59 169

As medidas da ditadura varguista fizeram com que muitos indivíduos passassem a ter vergonha e medo de serem "alemães". Devido ao trauma, muitos, por opção própria, não queriam mais falar alemão. Ao invés de alcançar a integração, a Nacionalização, ao proibir o alemão e pregar a discriminação, contribuiu para um maior isolamento, uma perda, temporária, do processo de integração.[124]

Paulatinamente, os traumas da Nacionalização foram sendo superados e a integração continuou. A nova geração que aprendia o dialeto já absorvia um alemão com características do português. Esses indivíduos, embora há gerações no Brasil, continuavam a serem vistos como "alemães", por não falarem bem a língua portuguesa. O dialeto que falavam não era o alemão padrão usado na Alemanha e muito menos a língua oficial do Brasil, o português, o que reforçava, mesmo que inconscientemente, uma identidade híbrida. As escolas no Brasil já passavam a ensinar exclusivamente em português, mas nos intervalos, nas casas e nas ruas, o dialeto alemão continuava a ser usado nas colônias. A partir da década de 1970, com a popularização da televisão, a língua portuguesa "invadiu" as casas dos colonos. O contato maior com o português faz com que se aprenda mais naturalmente a língua, aumentando ainda mais as interferências na língua alemã materna.[124]

Falantes de alemão no lar, por geração (censo de 1940).[134]
Geração Número de falantes
Primeira 64 000
Segunda 110 000
Terceira e seguintes 470 000
Total 644 000
Brasileiros natos que usavam o alemão

como língua principal do lar (1940)[135]

Estado Número Estado Número
Rio Grande do Sul 393 934 Pará 45
Santa Catarina 176 762 Paraíba 31
São Paulo 26 565 Ceará 25
Espírito Santo 25 659 Rio Grande do Norte 18
Paraná 11 111 Amazonas 17
Rio de Janeiro 7 249 Alagoas 9
Minas Gerais 2 818 Piauí 5
Mato Grosso 284 Acre 4
Bahia 268 Maranhão 2
Pernambuco 265 Total 580 114
Goiás 172

Situação atual

Inscrição Ich liebe Blumenau ("eu amo Blumenau" em alemão) em frente à prefeitura de Blumenau.
Entrada de Pomerode. Nessa cidade catarinense, a maioria da população se comunica em alemão.[136]

Não se sabe ao certo quantas pessoas usam o alemão no Brasil pois, desde 1950, os censos nacionais eliminaram a pergunta sobre línguas.[137]

Uma pesquisa feita com alistados do serviço militar no Rio Grande do Sul, entre 1985 e 1987, indagou sobre a língua falada por eles e seus pais. O índice geral de bilinguísmo foi de 26,41%, dos quais 56,61% indicaram o alemão como língua, seguido do italiano (33,94%) e do polonês (3,97%). A pesquisa apontou uma tendência de declínio: enquanto 30,85% dos pais dos alistados usavam uma língua que não era o português, apenas 19,10% dos alistados também a usavam, uma redução de 11,75%.[138]

O uso da língua alemã está em declínio no Brasil. Contudo, a existência de importantes comunidades de língua alemã no Brasil, mesmo após quase 200 anos do início da imigração, é um fato interessante. De acordo com Born e Dickgiesser, o número de brasileiros de ascendência alemã, em 1986, era de 3,6 milhões. Para o Rio Grande do Sul, com base em dados de Birsa (Bilinguismo no Rio Grande do Sul), para 1970, Altenhofen estimou em 1 386 945 o número de falantes de uma variedade do alemão. Em 1996, ele estimou que o número havia caído para entre 700 mil e 900 mil falantes. Damke, em 1996, estimou em mais de dois milhões de falantes de qualquer variedade da língua alemã no Brasil.[1]

Hamel e Damke observaram que há um equilíbrio entre a utilização de alemão e português nas comunidades de língua alemã do Brasil. Mas, aos poucos, a tendência é que o português se torne cada vez mais dominante. Apesar do "mito do monolinguismo no país", ou seja, de que todos os brasileiros só falam português, o alemão continua a ter uma presença forte até hoje. Este mito é eficaz em esconder as minorias linguísticas do país, incluindo as nações indígenas, bem como os falantes de línguas de imigrantes. Mas também esconde a maioria da população brasileira, que fala variedades desvalorizadas do português, ao invés do português formal ensinado nas escolas.[1] De acordo com Oliveira (2000: 84), o Brasil é um dos países mais multilíngues do mundo, com cerca de 200 línguas faladas em seu território, das quais cerca de 170 são indígenas e 30 línguas de imigrantes.[139]

O alemão e seus diversos dialetos eram a língua principal entre os milhares de alemães e seus descendentes no Brasil. Todavia, com a campanha de nacionalização de Vargas, iniciada na década de 1930, o alemão foi sendo substituído pelo português. Os fatores para a língua alemã ter sobrevivido no Brasil por diversas gerações são que, em muitos casos, professores eram trazidos da Alemanha para educar os filhos dos colonos. O meio rural também facilitou, haja vista que em muitas colônias alemãs o contato com a língua portuguesa era mínimo.[140]

Os dialetos germânicos falados no Brasil variam de região para região. O dialeto mais difundido é o Riograndenser Hunsrückisch (que poderia ser traduzido como hunsriqueano rio-grandense), pois a maioria dos primeiros imigrantes vieram da região do Hunsrück e seu dialeto predominou. De acordo com Ammon, que visitou comunidades de língua alemã no sul do Brasil em 2004, o léxico do hunsrückisch brasileiro ainda era bastante semelhante à variedade usada no sudoeste da Alemanha, mesmo depois de quase 200 anos de distância.[1] Outros muitos falam outros dialetos minoritários também distintos. Por outro lado, os indivíduos que frequentavam escolas e vivem em áreas mais urbanizadas falam o alemão padrão culto hochdeutsch.

Não há um dialeto teuto-brasileiro unificado, mas diversos dialetos falados e misturados com o português que, em geral, já são sensivelmente distantes da língua oficial da Alemanha atual, o Hochdeutsch. As variedades do alemão faladas no Brasil, por exemplo, estão isentas dos anglicismos, tão presentes na Alemanha hodierna.[141] O idioma alemão continua a ter importância social em certas localidades brasileiras. Em Pomerode, no estado de Santa Catarina, onde o alemão e o pomerano são falados pela maioria da população, políticos candidatos a cargo de prefeito ou de vereador revelaram que falam o idioma para ganhar a confiança dos eleitores e angariar mais votos.[142]

Atualmente, no Brasil, o grau de proficiência do idioma alemão tende a ser maior entre os idosos e entre moradores da zona rural e menor entre os jovens e moradores de áreas urbanas. Nesse contexto, a língua portuguesa é vista como "símbolo da cidade, das camadas mais altas da população, do saber, da escola e de uma geração mais jovem". O alemão ou dialeto, por sua vez, "ficou associado às zonas rurais, à origem, à família, à solidariedade entre os grupos e às gerações mais velhas". Em várias comunidades no Sul do Brasil, o alemão continua sendo o idioma preferido para a comunicação com familiares e vizinhos, porém especialistas alertam sobre "o perigo de um desaparecimento completo destas variantes dialetais".[141]

Alemão como língua oficial

Historicamente, o governo brasileiro propagou a ideia de que o Brasil era um país homogêneo e monolíngue, e adotou medidas repressivas contra os falantes de língua não portuguesa.[143] Por muito tempo, falar português era visto como uma condição para ser brasileiro.[139] Porém, nos últimos anos, seguindo uma tendência mundial, as minorias étnicas no Brasil vêm adquirindo um novo papel e, sobretudo, visibilidade.[134]

Nesse contexto, em um processo de revitalização, e através de um forte apelo de brasileiros germanófonos para a adoção da língua alemã como vernáculo oficial das cidades colonizadas por alemães, o município de Pomerode foi o primeiro a adotar a língua alemã como cooficial no município.[144] O processo de vernaculação oficial do alemão deve se repetir nos próximos anos em todo município em que a maioria da população seja descendente de imigrantes alemães,[145] de forma que escolas públicas ensinem obrigatoriamente a língua alemã, e serviços públicos também sejam prestados em alemão.[144][146]

Em julho de 2018, o prefeito de Blumenau, Mário Hildebrandt, assinou o Decreto nº. 11.850/2018, que criou a Escola Municipal Bilíngüe Erich Klabunde, oferecendo todas as matérias em português e alemão. E desde então, o município passou a adotar uma política visando transformar todas as escolas públicas de Ensino Fundamental em escolas bilíngues. Atualmente são 18 escolas bilíngues, das quais 4 ensinam alemão. [147][148][149][150]

Também foi aprovada em agosto de 2011 a PEC 11/2009, emenda constitucional que inclui no artigo 182 da Constituição Estadual a língua pomerana, junto com a língua alemã, como patrimônios culturais do Espírito Santo.[151][152][153][154]

Pesquisas mostram que, em algumas comunidades de origem germânica no Brasil, os falantes de alemão são normalmente pessoas acima dos cinquenta anos de idade, já que a maioria dos jovens sabem pouco ou nada do idioma, o que representa uma perda cultural. O processo de cooficialização do alemão e, sobretudo, dos dialetos, além de resgatar o idioma, afasta o estigma de ser falante de um alemão "errado", por ser diferente daquele usado na Alemanha nos dias de hoje.[155]

Algumas questões surgem do processo de cooficialização dos idiomas germânicos falados no Brasil. Primeiramente, tem-se de tomar a decisão se a língua a ser oficializada será o alemão padrão ou se será o vernáculo usado na linguagem oral naquela localidade. O município de Pomerode, em Santa Catarina, em 2010, optou por oficializar o idioma alemão padrão. Por sua vez, Santa Maria de Jetibá, Santa Leopoldina, Pancas e outras cidades do Espírito Santo optaram por oficializar o vernáculo usado, no caso o pomerano. Isso foi possível porque, desde 2000, o pomerano tem uma escrita sistematizada; porém, o Hunsrückisch, que é o vernáculo alemão mais difundido no sul do Brasil, ainda não tem uma forma escrita padronizada. Portanto, embora as variedades do alemão sejam faladas em várias partes do Brasil, haja vista essas dificuldades, são poucos os municípios que já cooficializaram esses idiomas em âmbito local.[128]

Municípios em que a língua pomerana é cooficial no Espírito Santo.

Municípios brasileiros que possuem língua cooficial pomerana (ou Pommersch)

Espírito Santo
Inscrição indicando escola pública bilíngue nas línguas portuguesa e alemã, em Pomerode.
Minas Gerais
Santa Catarina
Rondônia

Municípios que oficializaram o ensino da língua pomerana (ou Pommersch)

Rio Grande do Sul

Municípios brasileiros que oficializaram o ensino da língua hunsriqueana (ou Hunsrik)

Rio Grande do Sul
Santa Catarina

Municípios brasileiros que oficializaram o ensino da língua alemã

Rio Grande do Sul
Santa Catarina

Ver também

Referências

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