𝖂𝖎ƙ𝖎𝖊

Questão do Pirara

Questão do Pirara
Disputa fronteiriça resolvida em 1904 entre
Inglaterra e Brasil
 
Mapa com as áreas contestadas pelos ingleses e a atribuição pós-conflito
Superfície
33 200 km²

1 Em 1904 a decisão foi tomada pelo rei italiano Vitório Emanuel III: 19 630 km² seriam entregues à então Guiana Britânica (listrado em vermelho) e 13 570 km² seriam devolvidos ao Brasil (listrado em verde), definindo assim os limites da fronteira.

A Questão do Pirara foi um conflito diplomático entre Portugal (depois de 1822, Brasil) e Inglaterra, iniciado no início do século XIX e terminado em 1904 com a cessão pelo Brasil de parte do território disputado entre os dois países. Envolvia a posse do território que hoje se situam entre o estado de Roraima e a margem do rio Rupunúni na atual República Cooperativa da Guiana. A questão foi além de combates e invasões, envolvendo a diplomacia internacional, a advocacia e várias décadas sem uma decisão final.[1]

O Pirara foi de todos os contenciosos fronteiriços em que o Brasil se envolveu o único em que o país saiu em desvantagem. Até então, de acordo com o Tratado de Utrecht, eram aceitos como limites entre as terras brasileiras e as inglesas o divisor de águas das bacias dos rios Amazonas e Essequibo até as nascentes do Tacutu[2] e, a partir daí, a fronteira seguia pela margem do Rupunúni e pelo divisor natural entre o Maú, o Potaro e o Mazarúni.

Com a perda da área, o Brasil não só deixou de ter acesso à bacia do Essequibo, através do Rupunúni, como deu à então Guiana Inglesa acesso à bacia Amazônica através dos seus afluentes Tacutu e Maú.

Etimologia

Pirara é originalmente o nome do rio homônimo na região do atual departamento de Alto Tacutu–Alto Essequibo, na Guiana. Esse topônimo é a forma apocopada de pirarara, nome popular do peixe Phractocephalus hemioliopterus muito comum na bacia amazônica.[3]

O contencioso

Antecedentes

Mapa da Guiana Inglesa em 1908 com o território do Pirara já incorporado

Entre 1810 e 1811, soldados ingleses entraram na região e o comando do forte brasileiro os recebeu cordialmente, impedindo-lhes, no entanto, de prosseguirem sua missão de penetração territorial.

Em 1835, o alemão Robert Schomburgk, que trabalhava para os ingleses, foi à região supostamente a título de fazer um levantamento da geografia física da Guiana interiorana. Enviou a Londres relatórios denunciando a quase inexistente soberania portuguesa no que hoje se chama Roraima. Sugeriu então que a Inglaterra ocupasse algumas áreas permanentemente. Não houve reação brasileira, pois as autoridades do Pará tinham as atenções monopolizadas pelas agitações sociopolíticas da província. Somente em 1840, houve a reocupação da região por pequeno destacamento militar brasileiro, forçado posteriormente a se retirar ante a ameaça de um ataque por forças inglesas em número superior.

Em 1842, o Brasil propôs e a Inglaterra aceitou a neutralização do território até que se chegasse a um acordo definitivo, mas a despeito disso os ingleses estenderam sua influência na área neutralizada.

A corte inglesa e a opinião pública receberam bem o relatório, tendo sido enviado o missionário protestante Thomas Yound para avaliar a situação. Yound ficou na região do Pirara catequizando índios para a religião e o domínio britânicos, ensinando ainda o idioma daquele país e hasteando a bandeira inglesa no que era então considerado solo brasileiro.

O presidente da província do Pará, general Soares de Andrea, ordenou que o comandante do forte, Capitão Ambrósio Aires, e o frei José Santos Inocentes intimassem o missionário pessoalmente a retirar-se da região. Ele, por sua vez, cumpriu as exigências, mas levou consigo os índios que outrora haviam sido por ele catequizados.

Aumento da pressão inglesa

A tentativa de domínio da região por parte dos ingleses não acabou aí e a partir de 1840 iniciou-se um conflito de interesses que envolveria a casa real italiana e os tribunais internacionais. Nessa data, o germânico Schomburgk desenhou um mapa que continha a região do Tacutu, do Mau e até do Surumu, mostrando que era ocupada por "tribos independentes", enviando-o a Londres. Indicou uma nova fronteira entre as terras brasileiras e as terras da atual Guiana, tendo como limites os rios Cotingo e Surumu.

A carta impressionou a opinião pública britânica, que passou a exigir que as sugestões do alemão fossem acatadas pelo governo inglês. A presença brasileira na fronteira era fraca devido à distância dos grandes centros. No entanto, o governo paraense protestou em Belém diante o cônsul inglês, assim como o governo do Brasil protestou na capital britânica por meio do embaixador brasileiro. Os protestos fizeram o governo inglês recuar, retirando os marcos provisórios já colocados na região, mas não desistindo de vez. Em 1842, foi recebida em Londres uma recomendação brasileira para que a área em litígio (a região a oeste do rio Rupununi) fosse "neutralizada".

A Inglaterra concordou, mas não recuou de suas reivindicações: aceitou a neutralização apenas com a inclusão das áreas das bacias do Cotingo e do Maú. Essa disputa diplomática se prolongou até 1898, até que o Brasil acatou a proposta dos anglófonos de submeter a questão ao governo italiano, o qual atuaria como árbitro.

A pedido do Barão do Rio Branco, que não pôde se ocupar da questão, Joaquim Nabuco foi o indicado brasileiro para acompanhar o julgamento, que seria feito pelo rei italiano Vitório Emanuel III. Nabuco aprofundou-se na causa, argumentando de forma magistral sobre a supremacia dos lusófonos na região. Foram dezoito volumes de material argumentativo desenvolvido pelo pernambucano.

Por seu lado, a Inglaterra apresentou como argumento a posse efetiva e a soberania exercida no território desde sua ocupação.

Arbitragem da Itália

Em 1904 a decisão foi tomada pelo rei italiano: 19 630 km² seriam retirados do Brasil e entregues à Inglaterra, somando territórios à sua então colônia, e 13 570 km² seriam devolvidos ao Brasil, definindo assim, os limites da fronteira.

Com sentença de duas páginas, Vitor Emanuel resolveu dividir o território, o que favoreceu a Grã-Bretanha.[4] Anos mais tarde, ao saber na cerimônia de apresentação do embaixador dos Estados Unidos, Lloyd G. Griscom, que seu posto anterior fora no Brasil, o rei teria comentado que lera cada palavra dos volumes das 'memórias' nos quais os brasileiros publicaram quantidades de mapas que eram absolutamente falsos.[5]

Ver também

Referências

  1. Mascarenhas Menck, José Theodoro (2009). A Questão do Rio Pirara (1829-1904) (PDF). Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão. pp. 23–34. Consultado em 11 Fevereiro 2020 
  2. «A questão do pirara e a reserva Raposa Serra do Sol - Luiz Ernani Caminha Giorgis». www.nacaomestica.org. Consultado em 11 de fevereiro de 2020 
  3. José Gregório (irmão) (1980). Contribuição indígena ao Brasil: lendas e tradições, usos e costumes, fauna e flora, língua, raízes, toponímia, vocabulário, Volume 3. [S.l.]: União Brasileira de Educação e Ensino. 1.316 páginas 
  4. «Folha de S.Paulo - + inédito: Vã fronteira - 17/01/2010». www1.folha.uol.com.br. Consultado em 11 de fevereiro de 2020 
  5. Doratioto, Francisco. História do Brasil Nação, volume 3

Ligações externas

Ícone de esboço Este sobre História do Brasil é um esboço. Você pode ajudar a Wikipédia expandindo-o.


talvez você goste