𝖂𝖎ƙ𝖎𝖊

Pero do Campo Tourinho

Busto de Tourinho em Viana do Castelo.
Busto de Tourinho em Porto Seguro.

Pero do Campo Tourinho foi donatário da Capitania de Porto Seguro.

Em Portugal

Nasceu em Viana do Castelo, Portugal, segundo se descobriu nos Autos da Inquisição; mas não se sabe a data, com certeza no fim do século XV; era filho de Gil Pires Tourinho e de Branca Casada. Casou com Inês Fernandes Pinta e tiveram três filhos, Fernão, Leonor e André. Tinha casa na rua do Tourinho ou Massadeira dos Frades, no frontispício da qual parece hoje haver uma caravela. Em 1517 Pero do Campo exercia o ofício de Oficial da Misericórdia de Viana, estando isento de pagar a contribuição imposta pela Coroa para a construção da ponte sobre o rio Guadiana. Vivia nos arrabaldes do Campo do Forno (perto da porta da Ribeira). Dedicava-se à mercancia e navegação, mestre e senhorio de caravela que frequentava os portos do Norte europeu – em 1519, por exemplo, chegou de Flandres a Caminha carregada de panos. Não se fala dele durante a década seguinte por talvez andar a serviço da Coroa.

Capitão-Donatário

Em 27 de Maio de 1534 foi agraciado com a capitania de Porto Seguro por D. João III, sendo o Foral passado em 23 de Setembro de 1534. O rei, dada a presença ameaçadora dos franceses, ouvindo o parecer de pessoas conhecedoras como Diogo Gouvêa e Martim Afonso de Sousa, resolveu demarcar Capitania do Brasil com 50 léguas de costa desde Pernambuco ao rio da Prata, entregando-as a fidalgos ou pessoas de confiança, experimentadas em negócios e empreendimentos da India. «Todos fazem obrigação de levarem gente e navios à sua custa em tempo certo». A cada capitão eram entregues dois documentos, a Carta e o Foral, com os direitos e obrigações.

A carta de candidatura de Pero do Campo foi assinada em 27 de Maio de 1534. A capitania de Porto Seguro era constituída por 50 léguas de costa entre os rios ´´Mucuri e Poxim. Eduardo Tourinho diz que «na extensão de suas 50 léguas, estendia-se da margem sul do rio Grande, Jequitinhonha ou Belmonte, à margem norte do rio Doce.» «Começarão na parte onde se acabarão as 50 legoas de que tenho feito mercê a Jorde de Figueiredo Correa na dita costa do Brasil», dizia o Rei.

Tinha solo de ótima qualidade para o cultivo da cana, muitos rios e muita madeira pau-brasil. O mesmo Eduardo Tourinho, autor baiano que do donatário guarda o nome (Pero de Campos Tourinho, neto do Donatário, mais tarde foi deão da sé da Bahia), explica: «nos limites com Ilheus tinha muita ibirapitanga (pau-brasil), e no rio Caravelas muito nimbo, aqueles búzios miudinhos que em Angola se transformavam em dinheiro e que daqui iam em barricas para o resgate de escravos.»

A chegada

Busto de Tourinho em Porto Seguro.

Tourinho viajou para o Brasil em 1535 para tomar posse e demarcar sua terra. Trazia umas 700 pessoas: Toríbio de Medina, Diogo Garcia de Moguer, Jorge Dias Digno, piloto, e seu sobrinho; padres, pessoal administrativo, mestres e mareantes, oficiais de artes, agricultores sobretudo do Norte, exploradores de açúcar. Trouxe parentes: Lourenço Pinto, solteiro, seu cunhado; Antonio Pinto, criado; André e Fernando, filhos; Clemente Anes, seu procurador; Jorge Dias, um piloto seu sobrinho; Manuel Ribeiro, vianense, capitão de mar.

Teria vendido o que possuía em Viana, adquirido quatro naus e duas caravelas, animais, sementes, provisões. Viveu em Porto Seguro 11 anos e lá deixou a marca de seu génio pois construiu vilas, fortalezas, engenhos. Desbravou a terra, organizou a pesca, combateu os índios. Almeida Prado comenta, em «A Bahia e as Capitanias do Centro do Brasil, 1530-1626», que trazia muitas mulheres e população de minhotos e de madeirenses, ligados à agricultura e profissões, por isso começou bem. O mesmo autor comenta uma carta da rainha da Espanha a seu embaixador em Lisboa, D. Luis Sarmiento, em que se diz: « Por la isla de la Gomera, que es en Canaria, casi al fuir del año pasado, paso una armada del serenisimo Príncipe Rey de Portugal, nuestro hermano, en que iban dos caravelas y dos naus gruesas y en ellas seiscentos hombres y mucha parte de ellos con sus mujeres y por capitan un Pedro del Campo, vecino de Viena, y algunos dicen que va poblar al Brasil».

A transmissão da Capitania se faria por hereditariedade, primeiro filhos varões e depois mulheres, preferindo-se a linha directa à transversal e à bastarda; havia isenção da justiça do rei na maior parte das lides e da acção dos corregedores; direito de nomear escrivães, notários, tabeliães e alcaides; direito de fundar vilas e município; direito de sesmaria. Suas rendas mais importantes eram: 1/20 ou vintena do pau-brasil; 1/10 da dízima; ½ da dízima do pescado; 1/10 dos direitos pagos à Coroa e Ordem de Cristo sobre a barcagem e passagem nos rios, moinhos de sal, moendas de sal, de águas, engenhos; direitos de arrendar e aforar terras do sertão; direito de vender um certo número de captivos; possuir escravos para as carregações das naus, sendo isentos; direito de reserva ou «porção de légua», até 10 léguas, que constituía o «indominicatum». À Coroa ficavam o monopólio do pau-brasil, das especiarias, das drogas, dos escravos e 1/5 ou 20% de todos os metais e pedras preciosas encontrados.

O trabalho árduo

Primeiro, desbravou a terra e construiu vilas para alojar e defender os colonos. Declarará, mais tarde ter levantado sete vilas, das quais as mais importantes foram Porto Seguro, Santo Amaro e Santa Cruz. Pobres povoações, cabanas feitas de barro e varas de madeira com telhados de palha, sendo defendidas por estacadas contra os índios. Só mais tarde apareceriam as construções de cal, pedra e madeira, os edifícios públicos, igrejas e casas melhores dos que iam enricando. Na região situada junto do rio ou mar, a Ribeira, havia o porto e algum modesto estaleiro; na parte mais elevada da povoação, a Cidade Alta como é hoje chamada, as casas de habitação e comércio e a vista esplêndida para o Oceano azul... Outra preocupação do donatário foi distribuir o máximo de terras como sesmarias para fazer crescer a riqueza, proporcionar sustento aos colonos e afastar o inimigo.

Em 1535 transferiu a chamada Aldeia Velha para o atual sítio de Santa Cruz Cabrália, elevando-a a vila. Edificou em cada vila uma igreja e contratou capelães: para Porto Seguro, o francês padre Bernardo de Aureajac; para S. Amaro, frei Jorge (um capuchinho). Os Padres João Camelo Pereira e Pero Rico eram beneficiados na capital; João Bezerra, vindo fugido da Baía, entrou em conflito com o donatário. Em 1546, viviam na capitania sete clérigos.

As atividades eram agricultura, com algum gado, açúcar; abate de pau-brasil; pesca e pouco comércio. Em 1545, construíam-se dois engenhos de água. Havia dois juízes e vereadores, alcaide, almotacés e quadrilheiros. Em 1546 já eram grandes as preocupações dos povoadores. Pero do Campo escreveu ao Rei, carta de 28 de Julho na qual cita a revolta e ataques dos índios, como na Baía, que se despovou, por isso. «A Baía... se despovou per razão do gentio della lhe dar guerra, averá hum anno», obrigando o seu capitão a fugir para Porto Seguro.

Alertou o Rei para os franceses cada vez em maior número, em aliança com os nativos, roubando artilharia e pau-brasil. Pero do Campo sugere ao rei nomear Manuel Ribeiro capitão da costa, enviar depressa armas, munições, navios, soldados e marinheiros. As preocupações defensivas eram grandes pois os índios continuavam a matar, a destruir povoados. Talvez sua carta tenha levado o rei, com outras informações semelhantes, a instituir o Governo Geral central na pessoa de Tomé de Sousa, escolhendo uma capital e enviando auxílio militar. Mais tarde, quando Tourinho partiu, Tomé de Sousa nomeou Duarte Lemos para a capitania, que esboçou planos de recuperação e começou a pensar em ouro. Comunicou ao rei que estava organizando uma expedição pois, segundo dizia, a terra do ouro não estava longe: 17 graus, «que hé aonde está a capitania até ao Perú» e «por gentio della estarem de paz e muito nossos amigos». A chefia da bandeira foi entregue a Jorge Dias, piloto e sobrinho de Pero do Campo, que esperava do Governador «faquas, tizouras, contas de terra e anzollos e allgumas roupas e podões, fouces, machados». Outra medida sugerida dizia respeito à autorização para cortar pau-brasil. Tomé de Sousa ordenou, em nome do Rei, «que nenhua pesoa cortase nem carreguase brasill... os armadores desta capitania e moradores della não tinhão outro repayro pera paguarem fretes de seus navios por ainda aver pouco açuquare».

Varnhagen, em História Geral do Brasil, Tomo I, p. 178, analisa com sabedoria: «Assentou pois a povoação na chapada de um monte, situado entre dois rios caudais, e tão extensa era a dita chapada que pudera em si admitir, para o futuro, uma grande cidade. (...) Os gentios do país pareciam ainda mansos e tratáveis, como se apresentaram aos primeiros descobridores; mas tão notória era já a sua volubilidade que, longe de se fiar neles, o donatário se preveniu; e em pouco tempo conheceu que com razão o tinha feito; porquanto não tardaram eles em dar algumas assaltadas à nova colônia; mas vencidos, e levados depois com alguma política, a capitania seguiu em paz, bem que modestamente; por isso que a ela tinham acudido mui poucos capitais. A cultura e o fabrico do açúcar só mais tarde aí começou, e mui vagarosamente, de modo que em 1550 com dificuldade podia a capitania dar carga anual para um navio, não sendo mui ajudado do pau-brasil que nela se cortava.» E, mais adiante: «Os colonos cultivavam em suas roças o que estritamente necessitavam para alimento, e como homens do mar que pela maior parte eram na Europa, favorecidos pelas proximidades dos baixos dos Abrolhos, tão abundantes de garoupas, do mar iam buscar a indústria a que mais se dedicaram - a da pesca. E não só levavam pescado às capitais vizinhas, como, devidamente preparado, ao próprio Reino. Os pescadores encontravam sempre entre os índios, pouco amigos de cultivar a terra, gente para suas campanhas. Esta vida habituou os porto-segurenses a certa independência e despreendimento de si, e ao espírito empreendedor com que, sob a direção de um sobrinho do Donatário, se lançaram daqui, primeiro que em outra parte do Brasil, até o âmago do sertão em busca de minas.» (Ver Entradas).

A Inquisição

Tourinho, portanto, chegara disposto a triunfar e percebeu que só o trabalho duro, permanente, conduziria a seu sonho de capitão-donatário. Claramente tinha temperamento irascível e conflituoso. Manifestava vocação de marinheiro, habituado a lidar com o mar, enfrentando as tempestades, não era administrador e político. Faltava-lhe espírito de tolerância, diálogo e concertação. Duarte Lemos, que o sucedeu na Capitania, chama-o «hum grão ribaldo», desbocado ou língua solta. Governava a Capitania como quem dirigia uma caravela. Revelava o mesmo vozeirão, impetuosidade e severidade.

Quando atacado como blasfemo, hereje e desrespeitador das normas da moral, declarou que «tudo dyzia pera anymar os homens, que trabalhassem, pera que ha terra se povoase e se fizese, o que era necessário, e se aumentasse a fée católyca». Grande inimigo do trabalho seriam os domingos e dias santos, que deveriam ser extintos pois desbravar terras exigia esforço. Desde 1540 o Vigário o vinha acusando de obrigar escravos e criados a trabalharem nos dias de guarda e respondia com provocações. Dizia acumular mais méritos do que apóstolos e profetas, porque o trabalho representava maior sacrifício do que o martírio e estes pouco ou nada haviam trabalhado. Propôs a mudança da festa do «Corpus Christi» de Quinta-feira para Domingo. Tinha uma fé iconoclasta e condenava imagens de santos nos altares, à excepção do crucifixo. Concluía: «o brasill hera terra nova e que a querya povoar e que desem hos santos todos de devoçom e nom de guarda».

Desejava um Deus a protegê-lo, livrando-o de todos os perigos e incúrias, e uma corte de santos a trabalhar nas suas glebas. Por isso, exclamava: «trabalho com as minhas forças, sem ajuda de Deus, e não me dá da sua graça». Dizia preferir o Deus dos turcos e muçulmanos do que o Deus dos Cristãos, que lhe enviara chuvadas tão intensas, que lhe destruiram um tanque e engenho. Auxiliou mais os judeus, com o maná, do que a ele que era cristão. Não estava de bem com quatro santos: S. Antônio, porque lhe fugiram vários escravos e não havia meio de os encontrar, negando-lhe assim velas e esmolas; S. Martinho, francês, não devia ser guardado; S. Luzia, a quem mandou erguer um altar na igreja mas não lhe valia nos problemas de vista de que padecia; S. Amaro, a quem dedicara uma ermida, mas que, na prática, «valia mais uma cuspidela na perna de um aleijado» do que a sua intercessão.

Outro grande defeito era sua tendência anticlerical. As testemunhas do processo na Inquisição confirmaram que dizia que o papa casava e descasava por dinheiro; que os cardeais e bispos eram sodomitas, tiranos e gananciosos. Chamava os padres de velhacos, bêbados. Atacava o vigário de Porto Seguro por causa dos dias santos. Espancou o padre João Bezerra (com fama de intrigante e imoral, tomara parte no derrube do capitão Francisco Pereira, da Baía). Acusou frei Diogo, franciscano, capelão na Vila de S. Amaro, de querer mandar mais que ele. Sentado numa árvore caída, via o povo acudir à igreja ao toque do sino, e disse que «Frei Diogo tinha nas mãos o diabo e não o Corpo de Cristo». Tudo isso era muito grave em Portugal no século XVI!

O povo se escandalizava com sua irreverência, sua língua . O vigário afirmou que «Todo o povo se queixava a elle, vigairo, das blasfémias e heresias que ho dyto Pero do Campo fazia e dyzia». Não havia ainda inquisição no Brasil, mas no reino já, anos. Desde 1540 o vigário de Porto Seguro ameçava o capitão. Ao povo que o vinha acusar escandalizado, afirmava «que por ser capitão e estar longe de Portugal nom podia mais fazer que repreendê-lo e que mandarya a seu prelado hu estormento».

Surgem em 1543 as informações de conflitos do donatário com seus colonos e, possivelmente, com os filhos. Em 13 de Setembro foi denunciado como hereje e blasfemo e foi esscolhida uma comissão para a devassa pública. Integraram-na o padre Manuel Colaço, capelão do Duque de Aveiro, em Santa Cruz, «pessoa virtuosa e de muita autoridade e saber», como inquisidor. O padre João Camelo Pereira, «pessoa de muito saber e confiança», era o secretário. Os dois juízes ordinários compunham a mesa como assistentes: Pero Escórcio Drumond e Pero Anes Vicente. O procurador de Pero do Campo foi Clemente Anes, morador de Porto Seguro. Para tribunal, escolheu-se a igreja de N. Senhora da Pena. Estabeleceram-se 12 capítulos a que as 27 testemunhas convocadas deviam responder. Ouviram-se quatro fidalgos, três clérigos, dois camarários, três tabeliães, três mesteres, um parente e onze tipos sem profissão . Os mais perigosos para o réu foram os três clérigos.

Em 28 de julho de 1546, conta Accioli, Tourinho escreveu ao Rei. Narra o malogro do seu colega da Bahia, alude às suas próprias dificuldades com os brasis e com a tripulação de certa nau da França que prometera voltar com mais gente e navios, para recolher o pau-de-tinturaria nas matas e o algodão das roças. «Depois de comentar as dissensões na Bahia entre Francisco Pereira Coutinho, Diogo Álvares e os índios, Tourinho termina pateticamente: «E para guarda e conservação do Brasil e de toda esta costa fiz Manoel Ribeiro, portador, capitão de mar, por ser pessoa apta e para o tal hábil e pertinente, e para o serviço e cousas que cumprem a V. A. muito diligente. Beijarei as mãos de V. A. por ser cousa que tanto cumpre ao seu serviçal prove-lo de artilharia, pólvora, de munição de guerra, que para o tal serviço é muito necessário; porque ainda agora ao presente se mostra tão pobre que não podemos fazer nada sem ter favor nem ajuda sua, e tanto que os engenhos se acabarem, espero em Deus aqui um novo Reino, e muita renda em breve tempo. As mais novas desta terra por o portador será V. A. na verdade informado por ser por isso. Deste Porto Seguro, onde fico beijando as suas Reais mãos.» (citando Vera Telles, Porto Seguro, História Estórias).

Liderando sesmeiros, religiosos e estrangeiros que viviam na capitania, o Juiz Ordinário do Cívil, Pedro Escórcio Drumond, acusou-o formalmente de heresia. Em 24 de Novembro de 1546, encontrava-se preso na casa de Gonçalo Fernandes, à responsabilidade do povo, «pelo que comprya o serviço de Deus e a suas conscyencias como bons e fyéis christãos». Em 29 de Dezembro o processo ficou completo. Em 7 de Fevereiro de 1547 o documento foi enviado para o prelado da Metrópole. Passados sete meses, em 17 de Setembro de 1547, Pero do Campo já se encontrava a residir na rua do Poço, em Lisboa, declarando (quando lhe pediram mil cruzados para satisfazer as custas da Inquisição) «que nom tinha quem o fiasse», tal sua miséria e abandono. O tribunal o obrigou a hipotecar sua capitania, «que faça o sopricante hipotheca e obrigaçom gerall de sua fazenda, em especiall, da sua capitania e rendas delia».

Em 8 de Outubro de 1547, na Casa do Despacho da Inquisição, prestou seu depoimento. Inteligente e arguto, negou o essencial das acusações importantes mas reconheceu as menos importantes. Falou em seu trabalho e dinheiro gasto para implantar o cristianismo, fundando paróquias, erguendo oito igrejas, mantendo sete sacerdotes. Confessou-se cristão piedoso que frequentava os sacramentos, devoto aos santos e amigo dos padres. Repudiava o depoimento das testemunhas, considerando-as pessoas preguiçosas, amancebados, injustos, fugidas das justiças e cita mesmo o nome dos corruptos.

Apesar de absolvido, não teve licença para retornar ao Brasil. Não obstante os conflitos, carta do Ouvidor Pero Borges, de 1550, afirma que vivera os primeiros anos em harmonia com os Tupiniquins, doara sesmarias, uma das quais ao Duque de Aveiro, a quem concedeu licença para construir um engenho de açúcar, e fundara oito vilas. Contraíra grande dívida com a Fazenda Real, em decorrência das exportações de pau-brasil. Em 1559, a capitania seria vendida pelos seus herdeiros ao primeiro Duque de Aveiro, proprietário da fazenda e engenho Santa Cruz. Quando se encontrava em mãos de seu filho, D. Álvaro de Lencastre, sobreveio demorada e complicada questão judiciária relativa à herança da casa de Aveiro.

Dias finais

Não consta ter sido condenado. Tourinho morreu em Portugal em 10 de outubro de 1553, sendo sepultado em Lisboa.

Em 19 de Novembro de 1554, por força de doação em vida do pai donatário, a Capitania passou ao filho Fernão, o primogênito, morto pouco depois, de modo que a posse passou a filha Leonor, casada com Gregório Pesqueira, a qual em 1549 morava em Viana. Leonor vendeu a capitania, com autorização , a D. João de Lencastre, Duque de Aveiro, em 16 de Julho de 1559, pelo preço de 600.000 rs. em dinheiro contado, mais 100 mil réis em juro e dois moios de trigo por ano em vida da vendedora.

Teria havido traição filial? Hélio Viana diz em Formação territorial do Brasil, página 73: « Seus desafetos urdiram trama à qual não era estranho seu filho André do Campo, armando-lhe um processo como incurso nas penas do Santo Ofício, embora a esse tempo estivesse suspensa a Inquisição em Portugal». E Varnhagen, em História Geral do Brasil, tomo I, página 188, cita que «perante a Mesa do Santo Ofício na Bahia, em 16 de agosto de 1591, Gaspar Dias Barbosa denunciou que, haveria 44 anos pouco mais ou menos, ouviu dizer publicamente a muitos que na capitania de Porto Seguro, André do Campo e Gaspar Fernandes, escrivão, e uns frades da Ordem de São Francisco e outras pessoas (...) ordenaram autos e tiraram testemunhas e prenderam Pero do Campo, Capitão e governador da dita capitania, pai do dito André do Campo, e o enviaram preso ao Reino por carta da Santa Inquisição, dizendo que era herege e depois ouviu dizer que aquilo fora inventado para o dito André do Campo ficar em lugar do pai como ficou.»

A capitania jamais recuperou o fôlego. Suas rendas diminuiram. Quando Pero de Magalhães de Gândavo escreveu em 1570 sobre os engenhos no Brasil, que diz serem 60, que produziam anualmente 70 mil arrobas de açúcar, cita 23 em Pernambuco, 18 na Bahia, 8 em Ilhéus, 4 em Porto Seguro, outros 4 em São Vicente, um no Espírito Santo e um em Itamaracá. Mais tarde (1583) o jesuíta Fernão Cardim, na Informação da missão do padre Cristóvão de Gouveia às partes do Brasil, citará 155 engenhos com produção de 350 mil arrobas, 66 em Pernambuco, 36 na Bahia, 6 no Espírito Santo, 3 em Ilhéus, 3 no Rio de Janeiro e apenas um em Porto Seguro. Seria o engenho da Riaga, do duque de Aveiro, que foi queimado pelos índios e nunca mais o duque o consertou. A Relação anônima publicada pelo padre Serafim Leite, escrita provavelmente em 1578, menciona em Porto Seguro «engenhos de açúcar e povoações que iam em decrescimento, por efeito das progressivas assolações dos aimorés.»

Em 1588, as três capitanias do Sul (Espírito Santo, Porto Seguro e S. Vicente) contavam de redízima, em conjunto, 350.000 rs., e Pernambuco já ultrapassava os 10 mil cruzados. Em 1593 Porto Seguro rendia de dízima 180.000 réis, em 1612 apenas 80.000 réis, quando era a capitania mais pobre, com apenas um engenho em funcionamento, que em 1630 deixou de existir.

Bibliografia

  • Capistrano de Abreu, «As atribulações de um donatário», in Caminhos Antigos e Povoamento do Brasil, p. 42. Capistrano recolheu os dados, que são extensos, do processo 8821 do Arquivo da Torre do Tombo, Inquisição de Lisboa.

Ver também

Ícone de esboço Este sobre uma pessoa é um esboço. Você pode ajudar a Wikipédia expandindo-o.

talvez você goste