A goécia ou goétia, ainda também magia goética, é um nome para práticas mágicas que são vistas como não naturais, proibidas ou diabólicas quando contrastadas com a teurgia.[1] O termo é particularmente conhecido em conexão com a obra Ars Goetia (A Arte da Goécia), que aparece como primeira seção do grimório do século XVII A Chave Menor de Salomão, popularizado na modernidade. Porém, a palavra já tinha uso desde a Grécia Antiga e foi usada posteriormente no neoplatonismo para se referir à baixa magia.
Etimologia e uso inicial
A palavra Predefinição:Lang-grc (goēteía) significa "feitiçaria, truques",[2] de γόης (góēs) "feiticeiro, bruxo" (plural: γόητες góētes).[3] O conceito era presente desde o início do imaginário de magia no mundo greco-romano. Górgias não distinguia "mageia" de "goēteia" e empregou ambos os termos como uma analogia para se referir ao poder encantador da palavra na arte retórica, no Elogio de Helena: "duas técnicas de persuasão são encontradas, e que são os erros da alma e as opiniões do espírito".[4][5] Fontes posteriores consideraram exclusivamente o termo da goécia como se referindo à invocação (geralmente compulsória) dos mortos ou à necromancia, como na definição da Suda (século X).[5][6]
Desenvolvimento
Com a conotação que chegou mais particularmente à Idade Média, o termo passou a ser usado modernamente à conjuração e manipulação de demônios e magia particularmente repreensível, mas é definido de diferentes formas: de acordo com Hans Biedermann, ele descreve "principalmente necromancia ou conjuração de mortos, mas também em um sentido mais geral, a conjuração de seres demoníacos com a ajuda de 'ritos' blasfemos",[1] enquanto Henrique Cornélio Agrippa dividia a magia cerimonial em goécia e necromancia[7] e A. Debay iguala goécia à magia negra.[8] Georg Pictorius, por sua vez, atribui à goécia, entre outras coisas, a necromancia, a antropomancia (em que o futuro é lido das entranhas de pessoas sacrificadas), a lecanomancia (conquistar um demônio com água exorcizada) e "a profecia do tremor, afundamento ou terra aberta" (geomancia), do fogo (piromancia), do ar (aeromancia), das linhas da mão (quiromancia) ou do voo dos pássaros (auspícios).[9]
Os neoplatônicos atribuíam grande importância à separação entre teurgia e goécia;[10] Porfírio distinguiu teurgia da feitiçaria (goēteia) na obra Sobre o Retorno da Alma,[11] e Jâmblico afirmava que a teurgia não visava forçar as divindades como na goécia, mas purificar a alma do devoto e elevá-la pela livre vontade e disposição divina.[12] Jâmblico enfatizou que não se deve “de forma alguma confundir as ilusões produzidas pelas técnicas goéticas com a visão extremamente nítida dos deuses”.[13] Enquanto a teurgia trabalharia com bons espíritos, a goécia invocava maus espíritos;[1][14] a teurgia é avaliada como uma forma superior e a goécia como uma forma inferior de magia, usada para fins profanos.[15][12]
Os oponentes da magia, como Agostinho de Hipona, entretanto, tendem a demonizar as duas igualmente, uma vez que para eles "ambas enredadas nos costumes enganosos de demônios falsamente chamados de anjos";[16] ou seja, segundo Agostinho e seus pares, teurgia e goécia só têm diferença no nome.[17]
Referências
- ↑ 1,0 1,1 1,2 "Goëtie". In: Hans Biedermann (1973): Handlexikon der magischen Künste. Von der Spätantike bis zum 19. Jahrhundert. 2., verbesserte und wesentlich vermehrte Auflage. Graz: Akademische Druck- u. Verlagsanstalt. ISBN 3-201-00844-3, p. 203.
- ↑ «γοητεία». www.perseus.tufts.edu. Greek Word Study Tool. Consultado em 1 de abril de 2021
- ↑ «LSJ». Perseus.tufts.edu. Consultado em 18 de outubro de 2013
- ↑ Coelho, Maria Cecília Miranda Nogueira (29 de novembro de 2011). «Considerações sobre filosofia, retórica, imagem e verossimilhança em Platão» (PDF). Discurso (41): 185–222. ISSN 2318-8863. doi:10.11606/issn.2318-8863.discurso.2011.68372. Consultado em 1 de abril de 2021
- ↑ 5,0 5,1 Collins, Derek (30 de abril de 2008). Magic in the Ancient Greek World (em English). [S.l.]: John Wiley & Sons
- ↑ Dickie, Matthew (2003). Magic and Magicians in the Greco-Roman World (em English). [S.l.]: Psychology Press
- ↑ Agrippa von Nettemsheim. De incertitude et vanitate scientiarum. Über die Fragwürdigkeit, ja Nichtigkeit der Wissenschaften, Künste und Gewerbe. Berlim (1993): Akademie Verlag. ISBN 3-05-001930-1, p. 90
- ↑ Debay, A. (1869). Histoire des sciences occultes. Depuis l’antiquité jusqu’a nos jours. 2ª ed. Paris: E. Dentu. p. 30
- ↑ Pictor, Georg. Von den Gattungen der Ceremonial - Magie, welche man Goetie nennt. In: Scheible, J. (1846). Das Kloster. Weltlich und geistlich. Meist aus der ältern deutschen Volks-, Wunder-, Curiositäten-, und vorzugsweise komischen Literatur. Zur Kultur- und Sittengeschichte in Wort und Bild. Volume 3. Stuttgart, Leipzig. p. 615–626
- ↑ Prümm, Karl (1954). Religionsgeschichtliches Handbuch für den Raum der altchristlichen Umwelt. Hellenistisch-römische Geistesströmungen und Kulte mit Beachtung des Eigenlebens der Provinzen. Päpstliches Bibelinstitut. p. 378.
- ↑ Smith, Rowland B. E. (15 de abril de 2013). Julian's Gods: Religion and Philosophy in the Thought and Action of Julian the Apostate (em English). [S.l.]: Routledge
- ↑ 12,0 12,1 Juliano, o Teurgista (1989). The Chaldean Oracles: Text, Translation, and Commentary (em English). [S.l.]: BRILL
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- ↑ Prümm, Karl (1954). Religionsgeschichtliches Handbuch für den Raum der altchristlichen Umwelt. Hellenistisch-römische Geistesströmungen und Kulte mit Beachtung des Eigenlebens der Provinzen. Päpstliches Bibelinstitut. p. 381.
- ↑ Otto, Bernd-Christian (2011). Magie. Rezeptions- und diskursgeschichtliche Analysen von der Antike bis zur Neuzeit. Religionsgeschichtliche Versuche und Vorarbeiten. Volume 57. Walter de Gruyter. ISBN 978-3-11-025420-4, ISSN 0939-2580. p. 331
- ↑ Soldan, Wilhelm Gottlieb (1843). Geschichte der Hexenprocesse. Aus den Quellen dargestellt. Stuttgart, Tübingen: Verlag der J. G. Cotta’schen Buchhandlung p.. 62 f., 167
Bibliografia
- Aleister Crowley (ed.), Samuel Liddell Mathers (trans.), The Goetia: The Lesser Key of Solomon the King. York Beach, ME: Samuel Weiser (1995) ISBN 0-87728-847-X.