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Gentrificação

Protesto contra a gentrificação do bairro Hamburgo Velho, em Novo Hamburgo

Gentrificação (do inglês gentrification) é o fenômeno que afeta uma região ou bairro pela alteração das dinâmicas da composição do local, tal como novos pontos comerciais ou construção de novos edifícios, valorizando a região e afetando a população de baixa renda local. Tal valorização é seguida de um aumento de custos de bens e serviços, dificultando a permanência de antigos moradores de renda insuficiente para sua manutenção no local cuja realidade foi alterada.[1][2]

Pelo termo gentrification - derivado de "gentry", que por sua vez deriva do Francês arcaico "genterise" que significa "de origem gentil, nobre" - entende-se também a reestruturação de espaços urbanos residenciais e de comércio independentes com novos empreendimentos prediais e de grande comércio, ou seja, causando a substituição de pequenas lojas e antigas residências. Nos últimos dez anos, este fenômeno tem por exemplo a mudança radical da natureza das lojas de Queen St. West em Toronto ou o enobrecimento de vários bairros antes populares de São Francisco, Califórnia. A expressão foi tratada de maneira semelhante pela primeira vez por Karl Marx no século XIX[3] e depois foi retomado pela socióloga britânica Ruth Glass, em 1964, ao analisar as transformações imobiliárias em determinados distritos londrinos. Entretanto, é no ensaio The new urban frontiers: gentrification and the revanchist city, do geógrafo britânico Neil Smith, que o processo é analisado em profundidade e consolidado como fenômeno social presente nas cidades contemporâneas. Smith identificou os vários processos de gentrificação em curso nas décadas de 1980 e 1990 e tentou sistematizá-los, especialmente os ocorridos em Nova Iorque (com destaque para a gentrificação ocorrida nos bairros de Harlem, naquela cidade e do Soho, em Londres).

Esse processo nos bairros populares e/ou degradados pode tornar-se um problema social de sérias consequências quando a oferta de moradia a preços módicos é inexistente. "Mesmo que os moradores desalojados não fiquem sem teto, a conversão de hotéis dilapidados em apartamentos significa que haverá menos opções de habitação para os mais pobres e, se isso ocorrer em grande escala, criará uma grande pressão nas já assoberbadas organizações de auxílio voluntário, de caridade e provedores de assistência social".[4]

No entanto, não há consenso sobre as consequências da gentrificação. O sociólogo norte-americano Michael Barton comparou a forma como o termo é empregado em diferentes artigos e notícias de jornais dos Estados Unidos. A conclusão é que ora o termo é associado a melhorias, e ora, a problemas causados pela mudança de moradores em um bairro.[5]

No Mundo

Associados aos políticos, ao grande capital e aos promotores culturais, os planejadores urbanos, agora planejadores-empreendedores, tornaram-se peças-chave dessa dinâmica. Esse modelo de mão única, que passa invariavelmente pela gentrificação de áreas urbanas "degradadas" para torná-las novamente atraentes ao grande capital através de megaequipamentos culturais, tem dupla origem, americana (Nova-York) e européia (a Paris do Beaubourg), atingindo seu ápice de popularidade e marketing em Barcelona, e difundindo-se pela Europa nas experiências de Bilbao, Lisboa e Berlim.[6]

Otília Arantes, in A Cidade do Pensamento Único: Desmanchando Consensos

Este fenômeno é mundial, e é encontrado principalmente em países desenvolvidos ou em desenvolvimento onde renda média e a população são crescentes e os bairros nobres começam a "invadir" seus vizinhos menos nobres, empurrando para mais distante as periferias. Existem diversos exemplos em países como Inglaterra, Estados Unidos, Canadá, Espanha, entre outros.

A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) criou uma mesa redonda para debater como o processo de gentrificação vem ocorrendo no sudeste asiático, nos países árabes, na Espanha, e em outros países, em comparação com o que ocorre tradicionalmente na América do Norte. Essa mesa redonda objetiva reunir especialistas mundiais para debater quais são as consequências físicas dessas modificações, e quais suas implicações socioeconômicas e culturais para os habitantes de distritos históricos em cidades tão diversas como Seul, Lahore, Karachi, Moscou, Marraquexe, Quito, Cuenca, Barcelona e Málaga e Istambul, dentre outras.[7]

São criticados por alguns estudiosos do urbanismo e de planejamento urbano devido ao seu caráter excludente e privatizador.[8] Outros estudiosos, como o sociólogo Richard Sennett da Universidade Harvard,[9] consideram demagógico o caráter das críticas, argumentando que problemas urbanos não se resolvem com benevolência para com as camadas mais pobres da população e, na sua opinião, só se resolvem com alternativas que reativem e recuperem a economia do local degradado.

Segundo autores de orientação ideológica à extrema esquerda, os processos de gentrificação estariam colocando em risco a "coesão social" e a inclusão de distritos históricos, levando mesmo, em alguns casos, a uma transformação social brutal e a despejos forçados.[7]

Em Portugal

Apesar das críticas que são predominantes no debate sobre o tema, geralmente conduzido por setores da esquerda sociológica, a gentrificação é um fenómeno que resulta também em impactos positivos nas cidades e da sua transformação natural no seu processo de modernização. Segundo Vera Gouveia Barros, Economista, Especialista em Turismo, em painel da Assembleia Municipal de Lisboa realizado em 2018,[10] de acordo com dados recolhidos em inquéritos efetuados, a população da cidade vê com bons olhos o turismo e que este, gera empregos novos na cidade. Por outro lado, Luís Mendes, Geógrafo, Licenciado em Geografia e Mestre em Estudos Urbanos, referiu em intervenção que o boom turístico criou novos negócios e permitiu a reabilitação de prédios, situação que é patente nas cidades de Lisboa e Porto e que por outro lado, graças ao turismo, também muitos portugueses são lançados no negócio do arrendamento de quartos, muitos jovens desempregados dão os primeiros passos no mercado de trabalho, mas isso nem sempre significa empregos com direitos e rendimentos acima da média, ainda que as receitas do turismo tenham contribuído para a recuperação económica do País, e da cidade, durante e após a crise.

Comentando o impacto económico resultante do fenómeno turístico Vítor Costa, Presidente da Região de Turismo de Lisboa referiu no mesmo painel que em termos do emprego, no ano de 2015, o emprego total das atividades turísticas na cidade de Lisboa, correspondia a 35,7% da população residente empregada e que em termos de exportações o turismo representava cerca de 72,5%, o que do ponto de vista económico, são números bastante impressionantes sobre o peso da atividade turística na cidade de Lisboa.[11]

Segundo Brandelli Ribeiro, em Dissertação de 2017, com o tempo, a cidade ganhou visibilidade, conseguiu atrair turistas de forma crescente e o olhar de investidores internacionais. Entretanto, devido as interferências causadas pela promocão da imagem da cidade e o crescimento do turismo, ficam cada vez mais evidentes as transformacões no tecido urbano, nomeadamente na economia, nos mercados imobiliário e habitacional e que devido a recuperacão da paisagem habitacional a concentracão do património histórico, cultural, e arquitetónico ficou ainda mais interessante.[12]


No entanto, há que atender aos impactos negativos. A partir de 2014, quando Lisboa liderou o crescimento turístico europeu, com um valor superior aos 15%, a gentrificação e turistificação levou a que os preços começassem a subir sem qualquer controle que não os mecanismos de mercado.[13] Muitas lojas históricas e comércios mais antigos fecharam portas por falta de viabilidade e recursos económicos para pagamento de rendas mais elevadas[14] e em bairros típicos da cidade, como Alfama, existem 56% de casas convertidas em apartamentos turísticos, acompanhada por uma subida avassaladora do preço das rendas.[15] Os despejos forçados aumentaram para permitir a reabilitação e modernização dos prédios e apartamentos e para os transformar em alugueres turísticos de curta duração situação que nos últimos anos tem vindo a ser combatida pelas autoridades municipais com medidas de contenção de alojamento local nos bairros históricos.[16] Na cidade do Porto também existem sinais evidentes de gentrificação, também no centro e nos chamados "bairros típicos".[17]

No Brasil

Pelourinho, centro histórico de Salvador, que passou por um processo de gentrificação.

Embora o processo de urbanização brasileiro apresente diferenças significativas em relação ao mundo anglo-saxão - onde já existe uma tradição de estudos sobre gentrificação - no Brasil também ocorrem, sobretudo nas grandes cidades, casos de mudanças de perfil de renda, decorrentes de retirada e substituição de população local, ligadas a operações urbanas de "renovação", "requalificação", "revitalização" e assemelhados. Esses casos têm sido tratados pelos estudiosos como processos de gentrificação.

Entre os vários estudos, destacam-se aqueles relacionados ao bairro do Pelourinho e ao papel do patrimônio cultural e histórico em processos de gentrificação,[18] em Salvador.[19] A Operação Pelourinho, como ficou conhecido o projeto de recuperação de um dos mais expressivos conjuntos arquitetônicos do período colonial brasileiro, poderia ser considerada uma das primeiras operações de gentrification no Brasil. No centro histórico da cidade de Salvador, o Pelourinho sofreu uma reforma "relâmpago" quando em 1992 foi aberta pelo governo do Estado uma licitação para que empresas privadas realizassem a reforma com um prazo de 150 dias para a conclusão das obras (Fernandes et al., 1995, p. 47). Feita em curto espaço de tempo, a reforma foi muito criticada em vários pontos, especialmente por ter sido executada praticamente à revelia das instâncias municipais e federais de preservação.[20][21] Atualmente, o Pelourinho é um grande centro cultural e o coração da trade turística de Salvador. No entanto, esta profilaxia social resultou numa remoção forçada de milhares de residentes da classe trabalhadora para a periferia da cidade, onde eles têm encontrado dificuldades econômicas significativas.[22]

Praça da Sé, o marco zero de São Paulo. A região central da cidade passou por uma revitalização.

Em 1993 o bairro do Recife Antigo, Recife que fora, em 1910, reconstruído segundo o modelo da Paris de Haussmann. Foi assinado um acordo com a Fundação Roberto Marinho e a empresa Akzo do Brasil (Tintas Ypiranga) para pintar as fachadas do Bairro do Recife Antigo. O Projeto Cores da Cidade, que também se realizou no Rio de Janeiro.,[23] foi um dos primeiros resultados práticos da "revitalização" do Bairro, efetuada no sistema de parcerias: a Akzo doava as tintas, os proprietários arcavam com a mão-de-obra, a prefeitura supervisionava as reformas e dava incentivos fiscais aos proprietários, e a Fundação Roberto Marinho (FRM) assegurava a divulgação das reformas em rede nacional de televisão.[24]

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Na realidade, os processos de gentrificação estão agora cada vez mais colocando em risco a coesão social e a inclusão de distritos históricos, levando mesmo, em alguns casos, a uma transformação social brutal e a despejos forçados.

Ela também pode se dar através de um processo mais ou menos lento e contínuo (saturação), observado ao longo de décadas ou séculos, e acompanhado de perda significativa do patrimônio histórico, como os ocorridos em certos bairros da região metropolitana do Rio de Janeiro, notadamente em Copacabana (Rio) e Icaraí (Niterói).

Ver também

Referências

  1. by Lesley Williams Reid and Robert M. Adelman, Georgia State University (abril de 2003). «The Double-edged Sword of Gentrification in Atlanta». American Sociological Association 
  2. Benjamin Grant (17 de junho de 2003). «PBS Documentaries with a point of view: What is Gentrification?». Public Broadcasting Service 
  3. Chapter Twenty-Seven: Expropriation of the Agricultural Population from the Land
  4. SLATER, Tom. The downside of upscale. Los Angeles: Los Angeles Times, July 30, 2006
  5. [1]
  6. ARANTES, Otília, VAINER. Carlos Vainer e MARICAT, Ermínia. A Cidade do Pensamento Único: Desmanchando Consenso. Petrópolis: Editora Vozes, 3a edicao, 2002, ISBN 85-326-2384-0
  7. 7,0 7,1 From gentrification to forced eviction – how should economic competitiveness be reconciled with social sustainability in historical districts? Social and Humam Sciences, Social Transformations, Themes, UNESCO
  8. HARVEY, DAVID (2013). O Neoliberalismo: História e Implicações 4 ed. São Paulo: Loyola. ISBN 978-85-15-03536-6 
  9. ANTUNES, Camila. A Solução é Derrubar. A prefeitura de São Paulo vai demolir a parte mais degradada do centro da cidade e oferecer os terrenos à iniciativa privada. Urbanismo, Revista Veja, Edição 1938, 11 de janeiro de 2006.
  10. «Debate Temático, O impacto do Turismo na cidade de Lisboa, 1ª sessão. Assembleia Municipal de Lisboa (AML), 2018.» (PDF). 2018. Consultado em 20 de fevereiro de 2022 
  11. «Debate Temático, O impacto do Turismo na cidade de Lisboa, 1ª sessão. Assembleia Municipal de Lisboa (AML), 2018.» (PDF). 2018 
  12. Ribeiro, Mariana Brandelli (2017). «O Impacto do Turismo no Centro Histórico de Lisboa». RUN - Repositório Universidade Nova. Consultado em 20 de fevereiro de 2022 
  13. «Turismo de massas e gentrificação assustam moradores de Lisboa». Esquerda 
  14. «Gentrificar Portugal, um Jamaica de cada vez». Vice. Vice. Consultado em 6 de março de 2017 
  15. Pincha, João Pedro. «"Terramotourism". Lisboa está "no olho do furacão" de um "sismo turístico"». Observador. Consultado em 6 de março de 2017 
  16. readers, Guardian; Perry, Francesca (5 de outubro de 2016). «'We are building our way to hell': tales of gentrification around the world». The Guardian (em English). ISSN 0261-3077 
  17. Sónia, Alves, (28 de abril de 2016). «Requalificação e gentrificação no centro histórico do Porto». Aula Aberta de Desenvolvimento Regional, Mestrado de Geografia Universidade do Minho 
  18. NOBRE, Eduardo; Intervenções urbanas em Salvador: turismo e "gentrificação" no processo de renovação urbana do Pelourinho, artigo publicado nos anais do X Encontro Nacional da Anpur, 2003
  19. Collins, John F. (2011). “Nation-State Consolidation and Cultural Patrimony” in The Brazilian State: Paths and Prospects of Dirigisme and Liberalization. Lexington, KY: Lexington Books. pp. 219–246 
  20. FERNANDES, Ana et al. (1995), Operação pelourinho: o que há de novo, além das cores?, in FERNANDES, Ana et al. (1995), Estratégias de intervenção em áreas históricas: revalorização de áreas urbanas centrais . Mestrado em Desenvolvimento Urbano. Universidade Federal de Pernambuco, Recife.
  21. Collins, John F. (2008). «A razão barroca do patrimônio baiano: contos de tesouro e histórias de ossadas no Centro Histórico de Salvador». Revista de Antropologia. Consultado em 2 de janeiro de 2018 
  22. Collins, John F. (2015). Revolt of the Saints: Memory and Redemption in the Twilight of Brazilian Racial Democracy. Durham, NC, USA: Duke University Press 
  23. Iniciado no Rio de Janeiro, o Projeto Cores da Cidade desenvolveu o Projeto Corredor Cultural, que recuperou parte das fachadas da rua Sete de Setembro, entre 1993 e 1994 (FINGUERUT, Sílvia. (1995), Cores da cidade: os casos do Rio de Janeiro e Recife, in FINGUERUT, Sílvia. (1995), Estratégias de intervenção em áreas históricas: revalorização de áreas urbanas centrais. Mestrado em Desenvolvimento Urbano. Universidade Federal de Pernambuco, Recife, p. 53)
  24. LEITE, Rogerio Proença. CONTRA-USOS E ESPAÇO PÚBLICO: notas sobre a construção social dos lugares na Manguetown. Revista Brasileira de Ciências Sociais (Rev. bras. Ci. Soc. vol.17 no.49 São Paulo June 2002)

Bibliografia

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  • ARANTES, Otília, VAINER. Carlos Vainer e MARICAT, Ermínia. A Cidade do Pensamento Único: Desmanchando Consenso. Petrópolis: Editora Vozes, 3a edicão, 2002, ISBN 85-326-2384-0
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  • COLLINS, John F. Revolt of the Saints: Memory and Redemption in the Twilight of Brazilian Racial Democracy. Durham, NC: Duke University Press, 2015. ISBN 978-0-8223-5320-1
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  • LEITE, Rogerio Proença. (1998), Mercado de relíquias: 'gentrification' e tombamento no bairro do Recife Antigo. VII Encontro de Antropólogos do Norte-Nordeste – Abanne, Recife.
  • RANCIÈRE, Jacques. (1996), O desentendimento. São Paulo, Editora 34.
  • SMITH, Neil; The New Urban Frontier; Gentrification and the Revanchist City; Nova Iorque: Routledge, 1996
  • ZUKIN, Sharon (2000) Paisagens urbanas pós-modernas: mapeando cultura e poder in ARANTES, Antônio (org.); O Espaço da diferença; São Paulo: Papirus Editora, pp 81–102
  • ZUKIN, Sharon. (1995), The cultures of cities. Cambridge, Massachussetts, Blackweell.

Ligações externas

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