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Feijoada à brasileira

Predefinição:Info/Alimento A feijoada à brasileira é um prato que consiste num guisado de feijões-pretos com vários tipos de carne de porco e de boi. É servida com farofa, arroz branco, couve refogada e laranja fatiada, entre outros acompanhamentos. Trata-se de um prato popular, típico da culinária brasileira.

Feijoada é uma designação comum dada a pratos da culinária de países lusófonos como Portugal, Brasil, Angola, Moçambique e Macau, onde é basicamente feita da mistura de feijão com carne, normalmente acompanhada com arroz. A versão brasileira da iguaria é uma provável adaptação do cozido português.[1] A versão portuguesa tem origem no norte do país, já a primeira menção conhecida à "feijoada à brasileira" deu-se no Recife em 1827.

Origem

A criação e nome da feijoada tem relação com modos de fazer portugueses, das regiões da Estremadura, das Beiras e de Trás-os-Montes e Alto Douro, que misturam feijão de vários tipos - menos o feijão preto (de origem americana) - linguiças, orelhas e pé de porco. De fato, os cozidos são comuns na Europa, como o cassoulet francês, que também leva feijão no seu preparo. Na Espanha, o cozido madrilenho e a fabada asturiana e, na Itália, a casseruola ou casserola milanesa são preparados com grão-de-bico. Aparentemente, todos estes pratos tiveram evolução semelhante à da feijoada, que foi incrementada com o passar do tempo, até se transformar no prato da atualidade. Câmara Cascudo observou que sua fórmula continua em desenvolvimento.

A versão portuguesa da feijoada tem origem principalmente no norte do país, onde cozinha-se com feijão branco no noroeste (Minho e Douro Litoral) ou feijão vermelho no nordeste (Trás-os-Montes), e geralmente inclui também outros vegetais (tomate, cenouras ou couve) juntamente com a carne de porco ou de vaca, às quais se podem juntar chouriço, morcela ou farinheira.

História

No Brasil a primeira menção à iguaria data do início do século XIX em um anúncio publicado no n. 47 do Diario de Pernambuco, na cidade do Recife, em 2 de março de 1827, informando que na Locanda da Águia d’Ouro, na rua das Cruzes, às quintas-feiras seria servida "excelente feijoada à brasileira tudo por preço cômodo".[2]

Em 7 de agosto de 1833, também no Recife, o anúncio do recém-inaugurado Hôtel Théatre, publicado no Diário de Pernambuco, informa que às quintas-feiras seria servida "feijoada à brasileira".[3]

Em 3 de março de 1840, ainda no Diário de Pernambuco, o Padre Carapuceiro publicava um artigo, no qual dizia:

Panela de feijoada à brasileira.

Em 1848, o mesmo jornal do Recife já anunciava a venda de "carne de toucinho, própria para feijoadas, a 80 réis a libra". No dia 6 de janeiro de 1849, no Jornal do Commercio, do Rio de Janeiro, é comunicado que a recém instalada casa de pasto "Novo Café do Commércio", junto ao botequim da "Fama do Café com Leite", servirá em todas as terças e quintas-feiras, a pedido de muitos fregueses, "A Bella Feijoada à Brazilleira".

Na página dois da edição de primeiro de outubro de 1860 do jornal cearense D. Pedro II, num folhetim intitulado “Amor d’um Escravo”, Oscar Comettant assim descreve a feijoada: “Este alimento compõe-se de carne salgada, seca ao sol, de feijões pretos, pequenos, mas muito bons, de toucinho, e para coadunar tudo, d’uma farinha muito grossa, que se faz com a raiz da mandioca. Da mistura d’estes ingredientes forma-se uma espécie de papas escuras, d’um aspecto repugnante, mas d’um gosto assaz agradável. De resto, a feijoada (assim se chama aquela mistura) é o prato importante de todo o jantar modesto no Brasil: faz as vezes da panela da carne [referência ao pot-au-feu francês] entre nós, e do puchero na Espanha.[2]

Existe também um recibo de compra pela Casa Imperial, de 30 de abril de 1889, em um açougue da cidade de Petrópolis, no Estado do Rio de Janeiro, no qual se vê que consumiam-se carne verde, de vitela, carneiro, porco, linguiça, linguiça de sangue, fígado, rins, língua, miolos, fressura de boi e molhos de tripas. O que comprova que não eram só escravos que comiam esses ingredientes, e que não eram de modo algum "restos". Ao contrário, eram considerados iguarias. Em 1817, Jean-Baptiste Debret já relata a regulamentação da profissão de "tripeiro", na cidade do Rio de Janeiro, que eram vendedores ambulantes, e que se abasteciam destas partes dos animais em matadouros de gado e porcos. Debret também informa que os miolos iam para os hospitais, e que fígado, coração e tripas (de vaca, bois e porcos) eram utilizados para se fazer o angu, comumente vendido por escravas de ganho ou forras nas praças e ruas da cidade. Dessa prática, surge o que, no Rio de Janeiro, se denomina "angu à baiana", principalmente porque leva, em sua composição, o azeite de dendê (azeite de palma).

A lenda popular mais difundida sobre a origem da feijoada é a de que os senhores forneciam a seus escravos os "restos" dos porcos, quando estes eram carneados. O cozimento desses ingredientes, com feijão e água, teria feito nascer a receita. Tal versão, contudo, não se sustenta, seja na tradição culinária, seja na mais leve pesquisa histórica. Por exemplo, o pé de porco integrava os hábitos alimentares portugueses, a julgar pelo romance de Camilo Castelo Branco A Brasileira de Prazins, publicado em 1882, onde lemos: "[...] preferia a manteiga do seu país, como a vitela, e o lombo do porco no salpicão português, e o pé do porco nas tripas também portuguesas".[5] Segundo o historiador Carlos Augusto Ditadi, em artigo publicado na revista Gula, de maio de 1998, esse mito é nascido do folclore moderno, numa visão romanceada das relações sociais e culturais da escravidão no Brasil.

Composição

Típico prato de feijoada acompanhada de arroz, couve e farofa.

A feijoada completa, tal como a conhecemos, acompanhada de arroz branco, laranja em fatias, couve refogada e farofa, era muito afamada no restaurante carioca G. Lobo, que funcionava na rua General Câmara, 135, no centro da cidade do Rio de Janeiro. O estabelecimento, fundado no final do século XIX, desapareceu em 1905, com as obras de alargamento da rua Uruguaiana. Com a construção da avenida Presidente Vargas, na década de 1940, esta rua desaparece por definitivo.[6]

Nos livros "Baú de Ossos" e "Chão de Ferro", Pedro Nava descreve a feijoada do G. Lobo, elogiando aquela preparada pelo Mestre Lobo. A receita contemporânea teria migrado da cozinha do estabelecimento G. Lobo para todo o país. Mas ressalva Pedro Nava que é (...) "antes a evolução venerável de pratos latinos".

A feijoada, de qualquer forma, se popularizou entre todas as camadas sociais no Brasil, sempre com espírito de festa e celebração, longe de rememorar escassez. Ficaram famosas na lembrança, aquelas preparadas no final do século XIX e início do XX, na cidade do Rio de Janeiro, pela baiana Tia Ciata.

Típica feijoada acompanhada de arroz, couve frita e farofa.

E anteriormente, o escritor Joaquim José de França Júnior, em texto de 1867, descreve ficticiamente um piquenique no campo da Cadeia Velha, onde é servida uma feijoada com "(...) Lombo, cabeça de porco, tripas, mocotós, língua do Rio Grande, presunto, carne-seca, paio, toucinho, linguiças (...) ", e, em 1878, descreve uma feijoada em Paquetá, onde diz que: "A palavra feijoada, cuja origem perde-se na noite dos tempos d’El-Rei Nosso Senhor, nem sempre designa a mesma coisa. Na acepção comum, feijoada é a iguaria apetitosa e suculenta dos nossos antepassados, baluarte da mesa do pobre, capricho efêmero do banquete do rico, o prato essencialmente nacional, como o teatro do Pena, e o sabiá das sentidas endechas de Gonçalves Dias. No sentido figurado, aquele vocábulo designa a patuscada, isto é, 'uma função entre amigos feita em lugar remoto ou pouco patente.'"[7]

Atualmente, espalha-se por todo o território nacional, como a receita mais representativa da cozinha brasileira. Revista, ampliada e enriquecida, a feijoada deixou de ser exclusivamente um prato. Hoje, como também notou Câmara Cascudo, é uma refeição completa.

Ver também

Referências

  1. «A feijoada foi mesmo criada pelos escravos?». Superinteressante. Consultado em 5 de junho de 2017 
  2. 2,0 2,1 Jornal acessado na Hemeroteca Digital.
  3. «A feijoada não é invenção brasileira». Superinteressante. Consultado em 3 de março de 2017 
  4. GASPAR, Lúcia. O Carapuceiro. Pesquisa Escolar On-Line, Fundação Joaquim Nabuco, Recife. Disponível em: Fundação Joaquim Nabuco Arquivado em 21 de setembro de 2009, no Wayback Machine., acessado em 26 de outubro de 2009.
  5. Camilo Castelo Branco, A Brasileira de Prazins, Capítulo VI.
  6. «Feijoada: breve história de uma instituição comestível» (PDF). Itamaraty. Consultado em 4 de julho de 2017. Arquivado do original (PDF) em 3 de setembro de 2013 
  7. Gazeta de Notícias, 28 de novembro de 1877, pág. 1, folhetim intitulado "Feijoadas", acessado na Hemeroteca Digital.

Bibliografia

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  • CASCUDO, Luís da Câmara (1983). História da Alimentação no Brasil 2ª ed. Rio de Janeiro: Itatiaia 
  • DITADI, Carlos Augusto Silva - Cozinha Brasileira: Feijoada Completa- Revista Gula, n. 67, Editora Trad. São Paulo. 1998.
  • EL-KAREH, Almir Chaiban - A vitória da feijoada - Niterói : Editora da UFF, 2012. ISBN 978-85-228-0665-2.
  • ELIAS, Rodrigo - Breve História da Feijoada - Revista Nossa História, ano 1, n. 4, Editora Vera Cruz, São Paulo. Fevereiro de 2004. http://www.scribd.com/doc/28427028/Historia-da-Feijoada
  • FIGUEIREDO, Guilherme - Comidas, Meu Santo - Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira. 1964.
  • FRANÇA JÚNIOR, Joaquim José da. Histórias e Paisagens do Brasil. Sd.
  • FRANÇA JÚNIOR, Joaquim José da. Política e Costumes; Folhetins Esquecidos (1867-1868). Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira, Coleção Vera Cruz, 6. 1957.
  • NAVA, Pedro, - Baú de Ossos, Memórias 1 - 4ª ed. Rio de Janeiro : Livraria José Olympio Editora. 1974.
  • NAVA, Pedro, - Chão de Ferro, Memórias 3 - 4ª ed. Rio de Janeiro : Livraria José Olympio Editora. 1976.
  • QUERINO, Manoel Raymundo, A Arte Culinária na Bahia- Papelaria Brasileira, Bahia, 1928.

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