Dialogismo é o princípio unificador da obra dos filósofos russos Mikhail Bakhtin e Valentin Volóchinov. O dialogismo é constituído por relações entre índices sociais de valores que constituem o enunciado, compreendido como unidade da interação social.
O sujeito social, ao se deparar com outros enunciados, interage com os discursos num ato responsivo, concordando ou discordando, complementando e se construindo na interação. Portanto, a língua tem a propriedade de ser dialógica e os enunciados são proferidos por vozes, pois o discurso de alguém se encontra com o discurso de outrem, participando, assim, de uma interação viva. Mesmo num monólogo, há dialogismo, pois nesse ato, aparentemente individual, há vozes que dialogam. Portanto, o dialogismo não se restringe ao diálogo face a face, mas a todo enunciado no processo de comunicação manifestado em diferentes dimensões.
Definição
Para Bakhtin, o dialogismo — também chamado de "relações dialógicas"[1] — são relações entre índices sociais de valores que constituem o enunciado, compreendido como unidade da interação social.[2]
Para que ocorram as relações dialógicas, é preciso que qualquer material linguístico ou semiótico entre na esfera do discurso, ou seja, se transforme em enunciado, tenha fixado a posição de um sujeito social. Só assim é possível responder, isto é, fazer réplica ao dito, confrontar posições, fazer intervenções, concordar ou discordar.
A palavra chave da linguística bakhtiniana é diálogo: "as relações dialógicas são de índole específica: não podem ser reduzidas a relações meramente lógicas (ainda que dialéticas) nem meramente linguísticas (sintático-composicionais).Elas só são possíveis entre enunciados integrais de diferentes sujeitos do discurso".[3]
Conceitos constituintes
Para o linguista brasileiro José Luiz Fiorin,[4] os três eixos básicos norteadores do pensamento bakhtiniano que constituem a concepção de dialogismo são:
- a unicidade do ser e do evento;
- a relação eu/outro; e
- a dimensão axiológica.
O primeiro conceito diz respeito ao modo real de funcionamento da linguagem, ou seja, "todos os enunciados constituem-se a partir de outros".[5] O segundo trata-se da incorporação, pelo enunciador, das vozes de outros no enunciado. É uma forma composicional visível na qual é possível ver o discurso alheio. "São maneiras externas e visíveis de mostrar outras vozes no discurso".[6] O terceiro está relacionado ao sujeito, à subjetividade que é "construída pelo conjunto de relações sociais de que participa o sujeito."[7]
Relação com intertextualidade
Dialogismo não deve ser confundido com intertextualidade, pois não é qualquer relação dialógica que se pode chamar de intertextualidade.
Para Bakhtin, há uma diferença entre texto e enunciado. Segundo Fiorin, a diferença entre eles seria que "enunciado" é um todo de sentido, uma posição assumida pelo enunciador, "marcado pelo acabamento, dado pela possibilidade de admitir uma réplica",[8] enquanto "texto" pertence ao domínio da materialidade, ou seja, a um conjunto coerente de signos verbais e não verbais, é uma realidade imediata. É a manifestação do enunciado.
Dessa forma, pode haver relação dialógica entre textos e entre enunciados. Assim, a intertextualidade refere-se apenas às relações dialógicas materializadas em textos. "Isso pressupõe que toda intertextualidade implica a existência de uma interdiscursividade (relações entre enunciados), mas nem toda interdiscursividade implica intertextualidade".[9] Pois há textos que não mostram o discurso do outro, mas possibilita a interdiscursividade.
Relação com polifonia
Polifonia para Bakhtin não é um universos de muitas vozes, mas um universo em que todas as vozes são equipolentes.[10] O estudo voltado a esse tema se encontra na obra Problemas da poética de Dostoiévski[11] (1963) a qual Bakhtin dedica suas reflexões ao gênero romance polifônico, dando origem ao conceito de polifonia.
Nas palavras do escritor brasileiro Cristóvão Tezza, "a polifonia é mais uma visão de mundo do que uma categoria técnica".[12]
Muitos pesquisadores usam o dialogismo como sinônimo de polifonia, no entanto, há estudos que mostram a diferença. Como em Maciel[13] no artigo Diferenças entre dialogismo e polifonia. Nas palavras no autor, "Se o dialogismo já se faz presente na interação entre quaisquer vozes, a polifonia depende da amplitude das ideias que se discute." Assim, pode-se dizer que as relações dialógicas integram a polifonia, mas não coincidem com ela. "No romance polifônico, expressa-se um conjunto específico de relações dialógicas. Os vínculos entre microdiálogo, diálogo e grande diálogo se realizam por meio de relações dialógicas. A passagem de um tema por muitas e diferentes vozes se dá por meio de relações dialógicas."
Ver também
Referências
- ↑ Mikhailovitch), Bakhtin, M. M. 1895-1975 (Mikhail (2010). Estetica da criação verbal. [S.l.]: Martins Fontes. ISBN 9788578272609. OCLC 817220864
- ↑ Faraco 2009, p. 66.
- ↑ Bakhtin 2010, p. 323.
- ↑ Luiz., Fiorin, José (2006). Introdução ao pensamento de Bakhtin. [S.l.]: Ática. ISBN 8508105215. OCLC 212885467
- ↑ Fiorin 2016, p. 34.
- ↑ Fiorin 2016, p. 37.
- ↑ Fiorin 2016, p. 60.
- ↑ Fiorin 2016, p. 57.
- ↑ Fiorin 2016, p. 58.
- ↑ Faraco 2009, pp. 77-80.
- ↑ 1895-1975., Bakhtin, Mikhail M. (2008). Problemas da poética de Dostoievski. [S.l.]: Forense Universitária. ISBN 9788521804376. OCLC 298933230
- ↑ Tezza 2002, pp. 297-98.
- ↑ Maciel, Lucas Vinício de Carvalho (18 de março de 2016). «Diferenças entre dialogismo e polifonia». Revista de Estudos da Linguagem. 24 (2). 580 páginas. ISSN 2237-2083. doi:10.17851/2237-2083.24.2.580-601
Bibliografia
- Bakhtin, Mikhail (2010). O problema do texto na Linguística, na filologia e em outras ciências Humanas. Estética da criação verbal. Traduzido por Paulo Bezerra 4.ª ed. São Paulo: Martins Fontes
- Fiorin, José Luiz (2016). Introdução ao pensamento de Bakhtin 2ª ed. São Paulo: Contexto
- Faraco, Carlos Alberto (2009). Linguagem e diálogo: as ideias linguísticas do círculo de Bakhtin. São Paulo: Parábola
- Tezza, Cristóvão (2002). Zylko, B., ed. Polyphony as an Ethical Category. Bakhtin & his Intellectual Ambience. Gdansk: Wydawnictwo Uniwersytetu Gdanskiego
Ligações externas
- "Dialogismo", E-dicionário de Termos Literários de Carlos Cela. Verbete escrito por Isabel Fernandes. 30 de dezembro de 2009. Acesso em 12 de dezembro de 2018.
- "Linguagem e dialogismo". Canal da UNIVESP. YouTube. 22 de novembro de 2011. Acesso em 12 de dezembro de 2018.