Designam-se como costumes as regras sociais resultantes de uma prática reiterada de forma generalizada e prolongada, o que resulta numa certa convicção de obrigatoriedade, de acordo com cada sociedade e cultura específica.[1] Segundo Paulo Nader, "a lei é Direito que aspira a efetividade e o Costume a norma efetiva que aspira a validade".[2]
O costume jurídico caracteriza-se por dois elementos que o geram e justificam: o corpus ou consuetudo, que consiste na prática social reiterada do comportamento (ponto de vista objetivo, de acordo com a expressão longi temporis praescriptio, "longa prescrição"),[3] e o animus, que consiste na convicção subjetiva ou psicológica de obrigatoriedade desses comportamentos enquanto representativos de valores essenciais, de acordo com a expressão opinio juris vel necessitatis ("opinião, direito ou necessidade").[4][5]
Alguns exemplos podem ser esclarecedores. A prostituição é um deles. Essa antiga prática das sociedades humanas está associada no âmbito jurídico a um conjunto de práticas que se inserem nos crimes contra os costumes (exploração sexual, lenocínio etc.) e crimes habituais. Outro exemplo podem ser os crimes enquadrados como curandeirismo ou exercício ilegal da profissão que se confundem com o exercício das medicinas tradicionais. Deve-se observar também o contexto histórico e cultural das práticas consolidadas. A proibição e posterior reconhecimento da arte marcial de origem africana capoeira, atualmente praticada por negros, mulatos e brancos no Brasil, é um exemplo típico.
Delimitando "costumes"
O costume possui dois elementos para que se verifique:
- Corpus (material): repetição constante e uniforme de uma prática social.
- Animus (psicológico): é a convicção de que a prática social reiterada, constante e uniforme é necessária e obrigatória.
A obediência a uma conduta por parte de uma coletividade configura um uso. A reiteração desse uso forma o costume, que, na visão de Vicente Ráo, vem a ser a regra de conduta criada espontaneamente pela consciência comum do povo, que a observa por modo constante e uniforme, e sob a convicção de corresponder a uma necessidade jurídica. O emprego de uma determinada regra para regular determinada situação, desde que se repita reiteradamente, quando igual situação se apresente de novo, constitui uma prática, um uso, cuja generalização através do tempo leva a todos os espíritos a convicção de que se trata de uma regra de Direito. Esse hábito que adquirem os homens de empregar a mesma regra sempre que se repete a mesma situação, e de segui-la como legítima e obrigatória, é que constitui o costume.
Assim, para que um costume seja reconhecido como tal é preciso: a) que seja contínuo; fatos esporádicos, que se verificam uma vez ou outra não são considerados costumes; b) que seja constante, vale dizer: a repetição dos fatos deve ser diuturna, sem dúvidas, sem alteração; c) que seja moral: o costume não pode contrariar a moral ou os bons hábitos; d) que seja obrigatório, isto é, que não seja facultativo, sujeito a vontade das partes interessadas.
Os costumes são a maneira cultural de uma sociedade manifestar-se. A partir da repetição, constituem regras que, embora não escritas como as leis, tornam-se observáveis pela própria constituição de fato da vida social. O direito costumeiro é dividido de dois modos fundamentais:
- Quanto à natureza: que se subdivide em costume popular e costume erudito;
- Quanto ao conteúdo, podendo ser: a) "praeter legem"; b) "secundum legem"; e c) "contra legem".
- Praeter legem: costumes não abrangidos pela lei, mas que completam o sistema legislativo(praeter legem); na falta de um dispositivo legal aplicável, o juiz deverá decidir de acordo com o Direito costumeiro (artigo 4º da lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro: "quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito");
- Secundum legem: costumes contemplados na lei; o preceito, não contido na norma, é reconhecido e admitido com eficácia obrigatória;
- Contra legem: costumes opostos à lei, onde as normas costumeiras contrariam as normas de Direito escrito. Classicamente, o costume contra legem também pode ser denominado costume ab-rogatório, por estar implicitamente revogando disposições legais, ou desuetudo, por resultar na não aplicação da lei em virtude do desuso.
Embora à primeira vista os costumes não possam revogar leis, é certo que, por serem estas, produto da valoração social acerca de circunstâncias fáticas, e os costumes constituírem, na sua informalidade inicial, a própria dinâmica social, acabam apontando o anacronismo das leis escritas, as quais, muitas vezes, deixam de ser observadas, por perderem o sentido na nova situação social. Detecta-se o imenso descompasso que há entre os avanços sociais e a dinâmica legislativa. Hodiernamente, normas legais, inseridas em cód igos ou leis extravagantes, são desconsideradas e inaplicadas, diante de uma interpretação realista do direito ou em vista de novos princípios jurídicos.
Nestas condições, pondera Ricardo Teixeira Brancato:
“ | Algumas normas há em nossa sociedade que, embora não escritas, são obrigatórias. Tais normas são ditadas pelos usos e costumes e não podem deixar de ser cumpridas, muito embora não estejam gravadas numa lei escrita. Aliás, mais cedo ou mais tarde determinados costumes acabam por ser cristalizados em uma lei, passando, pois, a integrar a legislação do país.[6] | ” |
É certo que o costume emprega três funções ao direito: a de inspirar o legislador a normatizar condutas, a de suprir as lacunas da lei e a servir de parâmetro para a interpretação da lei. Em suma, o costume apresenta três faces: como fonte da norma a ser legislada, como fonte suplementar da lei e como fonte de interpretação.
Percebendo isso, há a possibilidade de a sociedade modificar o direito, já que, ao contrariar uma norma escrita, a vontade popular não só diz que essa norma não lhe serve como também inspira o legislador a elaborar outras normas. Fica demonstrada, então, a nítida importância do costume no legalismo jurídico, bem como o vital papel da sociedade em fragmentar o direito. Nessa esteira, segue-se a posição de adotar o sistema diretivo diante das lacunas da lei, acolhendo primeiramente os costumes, e somente na ausência deste, serem acolhidos outras fontes suplementares do direito. Enquanto o costume é espontâneo e se expressa oralmente, a Lei demanda de um órgão do Estado é expressa na escrita, através de um processo próprio de elaboração arbitrária.
Delito habitual
Há de se distinguir o delito habitual do delito em que a habitualidade se insere na sua própria tipicidade, bem como ao crime praticado, o "delinquente habitual", onde a habitualidade é qualificadora da periculosidade social. [7]
De acordo com Sznick, entende-se a primeira como uma capacidade ou circunstância que conduz à repetição percebida e evidenciada pelo legislador visando o fato que a pena anterior ter sido insuficiente ou ineficiente e a segunda como identificação da periculosidade e/ou imputabilidade do sujeito, exprimindo sua capacidade de delinquir enquanto qualidades pessoais que precedem à consumação do delito evidenciada em índices de anti-sociabilidade e irresponsabilidade.
Ver também
- Habitus
- Direito consuetudinário
- Antropologia jurídica
- Ensaio sobre a dádiva
- Antropologia e psicanálise
- Antropologia comportamental
- Convenção (norma)
Referências
- ↑ Rodrigues, J. E. História em documento: imagem e texto. Primeira edição. A História do passado e do presente. São Paulo: FTD, 2006. p. 18-19.
- ↑ NADER, P. Filosofia do Direito. Forense Jurídica.
- ↑ Google tradutor. Disponível em https://translate.google.com.br/#auto/pt/longi%20temporis%20praescriptio. Acesso em 29 de março de 2015.
- ↑ Google tradutor. Disponível em https://translate.google.com.br/#auto/pt/opinio%20juris%20vel%20necessitatishttps://translate.google.com.br/#auto/pt/longi%20temporis%20praescriptio. Acesso em 29 de março de 2015.
- ↑ BARREIRA, Péricles Antunes. «Apostila de Direito Internacional Público» (PDF). 11 páginas. Consultado em 3 de maio de 2008. Arquivado do original (PDF) em 3 de março de 2007
- ↑ BRANCATO, Ricardo Teixeira. Instituições de Direito Público e de Direito Privado. SP, José Bushatsky, 1973
- ↑ SZNICK Valdir. Delito Habitual. SP, Sugestões Literárias S/A., 1980
Bibliografia complementar
- CUNHA, P. F.; Costume, in "Encic. Verbo Luso-Brasileira da Cultura, Edição Século XXI", Volume VIII, Editorial Verbo, Braga, Fevereiro de 1999 ISBN 972-22-1926-x
- LINHARES, F. S. Crimes contra os costumes no direito penal brasileiro (Resumo de Direito Penal) disponível on - line