"Brasil Pandeiro" é um samba-exaltação composto por Assis Valente, onde o autor baiano exalta o samba e o povo brasileiro. Junto a "Recenseamento", havia sido composta especialmente para Carmem Miranda, então recém-chegada dos Estados Unidos em 1940, que gravou aquela mas, sobre "Brasil Pandeiro", soltou: "Assis, isso não presta. Você ficou borocoxô."[1] Valente ficou magoado, principalmente porque a canção adquiriu grande reputação tardia sob a regravação dos Anjos do Inferno. Anos mais tarde, foi popularizada e regravada pelos Novos Baianos em 1972 no álbum Acabou Chorare, sob a sugestão do mentor do grupo João Gilberto, mas aí Valente já havia falecido.
"Brasil Pandeiro" é quase um hino compatível à "Aquarela do Brasil" que, inclusive, possui um motivo rítmico do acompanhamento repetido na canção de Valente, com intenção de imitar o tamborim, e mostra que a escolha do pandeiro como instrumento enquanto adjetivo da nação eleva a batucada ao patamar de valor cultural relevante, pertencente ao domínio dos personagens do mundo do samba.[2]
Contexto
Em 1940, chegando dos Estados Unidos ao Brasil, Carmem Miranda, no auge de sua fama, recebeu várias composições. Entre elas, "Recenseamento" e "Brasil Pandeiro", de Valente. Ela gravou essa primeira, mas, sobre a outra, disse: "Assis, isso não presta. Você ficou borocoxô."[1] A atitude de Carmem Miranda foi criticada por pessoas ligadas ao compositor, como o jornalista Enéas Viany, que em 24 de junho de 1941 escreveu:
- "(...) Apesar de minha pouca projeção pessoal, procurei sempre elevar o nome dessa portuguesinha que guardava no peito um coração brasileiro. (...). Os Anjos do Inferno gravaram, há pouco, o samba "Brasil Pandeiro", de autoria de Assis Valente, compositor de várias músicas de sucesso e que tentou contra a existência em dias de maio findo, por estar em dificuldade de vida. Essa composição ele reservara para Carmen. Queria presenteá-la como uma homenagem introdutora de alguns de seus hits. Ela examinou a música e recusou. (...) Ingratidão sim! Ainda que o samba estivesse destinado ao fracasso, ela deveria olhar para o passado e aceitá-lo. (...) A pequena dos balangandãs com sua atitude perdeu um amigo brasileiro (...). Não valia grande coisa... Mas é sempre melhor contar com amigos incondicionais... E eu pertencia a essa classe. De agora em diante não mais acreditarei na sua inocência, quando um colega lhe fizer acusações."[3]
Interpretação
A canção, de 1940, faz referência ao sucesso da música brasileira - em especial o samba - que atingia o público norte-americano na voz e nas películas da cantora luso-brasileira Carmem Miranda - um amor antigo do próprio Assis Valente.
E não apenas isto: Valente conclama o brasileiro, eminentemente mestiço, como ele próprio, a reconhecer seus próprios valores, nos versos do poeta, que conclui:
- “Chegou a hora dessa gente bronzeada mostrar seu valor
- Eu fui à Penha e pedi à padroeira para me ajudar
- Salve o Morro do Vintém, pendura a saia que eu quero ver
- Eu quero ver o Tio Sam tocar pandeiro para o mundo sambar“
A canção ainda evoca, em forma de oração:
- "Brasil, esquentai vossos pandeiros
- Iluminai os terreiros
- Que nós queremos sambar"[2]
Versões
Anjos do Inferno
Rejeitada por Carmem Miranda, "Brasil Pandeiro" terminou sendo gravada pela primeira vez pelos Anjos do Inferno, naquele mesmo ano de 1940, para a Colúmbia Discos.[4] Segundo escrevem os autores, a gravação foi "um dos pontos altos dessa produção, embora os próprios contemporâneos do compositor estivessem de acordo em relação aos modestíssimos recursos do seu violão e à voz quase sempre desafinada do autor".[4] De qualquer forma, terminou sendo um dos maiores sucessos do grupo.[5]
Novos Baianos
colspan="2" class="topo musica" style="text-align:center; background-color:Predefinição:Info/Canção/cor; font-size:120%; padding:0px;" | "Brasil Pandeiro" | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
colspan="2" style="text-align:center; text-align:center; line-height:1.3em; background-color:Predefinição:Info/Canção/cor;" | Predefinição:Info/Canção/link de Novos Baianos do álbum Acabou Chorare | |||||||
Lançamento | 1972 | ||||||
colspan="2" style="text-align:center; text-align:center; line-height:1.3em; background-color:Predefinição:Info/Canção/cor;" | Faixas de Acabou Chorare | |||||||
|
O grupo Novos Baianos regravou a canção em 1972, no álbum Acabou Chorare. A gravação de "Brasil Pandeiro" pelo grupo foi influênciada pelo músico João Gilberto, que fez-lhes uma visita enquanto estavam no Rio de Janeiro, e, notando seu estilo elétrico, aconselhou-os a levar "o caminho de volta para casa", a encontrarem suas raízes, a "voltarem-se para dentro de si mesmos".[6] Esta sugestão quase espiritual foi dada por Gilberto junto a proposta de regravarem "Brasil Pandeiro". Como contou Moraes Moreira em 2010,
- "Estávamos influenciados pelo rock, ouvíamos muito Jimi Hendrix, Janis Joplin, todas aquelas bandas dos anos 70. Mas foi ali, com o João Gilberto, que a gente acordou para o samba. Quando ele nos mostrou "Brasil Pandeiro", do Assis Valente – chegou a hora dessa gente bronzeada mostrar o seu valor –, entendemos qual era a mensagem dele. Começamos a incorporar no nosso som o cavaquinho, o pandeiro, tudo isso, sem perder a pegada do rock. Era samba com energia de rock. Foi isso que fez os Novos Baianos chegar diferente. Fizemos o disco Acabou Chorare, foi um marco."[7]
Foi a primeira canção (e a única) do disco sem ser da autoria do grupo que eles gravaram.[8]
Trata-se de uma versão mais carregada com arranjos de craviola de Pepeu Gomes, e vocais que são executados por Baby Consuelo, Moraes Moreira e Paulinho Boca de Cantor, cada um cantando um verso.
A versão dos Novos Baianos é considerada uma das mais bem elaboradas regravações da música. Como escreve Yara Caznok, foi uma "pena" que Assis Valente "não tivesse vivido o bastante para desfrutar da gloriosa regravação" deles.[4]
- Ficha técnica
Ficha dada por Maria Luiza Kfouri:[9]
- Baby Consuelo: voz, afoxé
- Moraes Moreira: voz, violão
- Paulinho Boca de Cantor: voz, pandeiro
- Baixinho (José Roberto): bumbo
- Dadi Carvalho: baixo elétrico
- Jorginho Gomes: cavaquinho
- Pepeu Gomes: craviola, violão
Referências
- ↑ 1,0 1,1 Carô Murgel, "Assis Valente". mpbnet. Acesso: 15 de junho, 2011.
- ↑ 2,0 2,1 Soares, Astréia. Outras conversas sobre os jeitos do Brasil: o nacionalismo na música popular. Annablume, 2002, p.61. ISBN 8574192619
- ↑ Revista Scena Muda, 24/06/1941, p.31. Citado por Tânia da Costa Garcia, O "it verde e amarelo" de Carmen Miranda (1930-1946), p. 211-212. Annablume, 2004. ISBN 8574194506
- ↑ 4,0 4,1 4,2 Yara Caznok, Brasil Pandeiro, p.3. Irmãos Vitale. ISBN 8574071730
- ↑ Ronaldo Conde Aguiar, Almanaque da Rádio Nacional, p.56. Casa da Palavra, 2007. ISBN 8577340821
- ↑ Mello, Zuza Homem de e Severiano, Jairo. A canção no tempo: 1958-1985. Editora 34, 1999, p.169. ISBN 8573261196
- ↑ Ferron, Fabio Maleronka e Cohn, Sergio (1). Entrevista a Moraes Moreira realizada por Fabio Maleronka Ferron e Sergio Cohn no dia 26 de junho de 2010, em São Paulo. Página 6. Disponível em http://www.producaocultural.org.br/wp-content/uploads/livroremix/moraesmoreira.pdf Arquivado em 18 de março de 2014, no Wayback Machine.
- ↑ Pereira, Humberto Santos. "O Mistério do Planeta: Um Estudo Sobre a História dos Novos Baianos (1969 - 1979)", p.73. Universidade Federal da Bahia, 2009. Disponível em http://www.ppgh.ufba.br/IMG/pdf/O_Misterio_do_Planeta_-_Dissertacao_de_Humberto_Santos_Pereira.pdf[ligação inativa]
- ↑ Discos do Brasil - Acabou Chorare Arquivado em 6 de julho de 2011, no Wayback Machine.. Discografia e fichas técnicas organizadas por Maria Luiza Kfouri. Acesso: 18 de junho, 2011.